RESUMO
Este estudo teve como objetivo de avaliar os atributos da atenção primária na Estratégia Saúde da Família Fluvial na perspectiva de usuários ribeirinhos. Trata-se de uma pesquisa transversal e quantitativa, com dados coletados por meio do Primary Care Assessment Tool adultos versão reduzida e participação de 342 pessoas das comunidades. As análises foram pelos softwares Statistical Analysis System versão 9.4 e o Statistical Package for the Social Sciences versão 22. Nos resultados, o atributo mais bem avaliado foi coordenação-sistema de informações (8,95), e o pior foi orientação comunitária (2,51). Os atributos afiliação, coordenação-integração dos cuidados, integralidade-serviços disponíveis e prestados tiveram resultados insatisfatórios. As melhores avaliações dos atributos ocorrem em locais em que existem unidades de saúde fixas. O estudo mostra importantes considerações para o arranjo assistencial de equipes saúde da família fluvial, subsidiando políticas públicas para implantação e implementação de outras formas de assistência que alcancem as populações mais vulneráveis como no contexto ribeirinho.
PALAVRAS-CHAVE
Atenção Primária à Saúde; Avaliação em saúde; Estratégia Saúde da Família; Política de saúde; Serviços de saúde; Serviços de saúde rural
Introdução
A Atenção Primária à Saúde (APS) expressa a atenção ambulatorial não especializada oferecida em unidades de saúde. Funciona como porta de entrada no sistema11 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. [internet]. Brasília, DF: UNESCO; Ministério da Saúde; 2002. [acesso em 2018 set 10]. Disponível em: http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/atencao_primaria_p1.pdf.
http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicaco... , caracterizada por atividades de elevada complexidade e baixa densidade tecnológica. Extrapola os limites da clínica, sendo apresentada em diversos formatos a depender dos contextos existentes nos países. Além disso, a exemplo do Brasil, a APS inclui as ações de saúde pública22 Lavras C. Primary health care and the organization of regional health care networks in Brazil. Saude Soc. 2011; 20(4):867-74..
No Brasil, considera-se o termo ‘atenção básica’ para caracterizar as ações da APS, tendo como estratégia prioritária de atuação a saúde da família. A Estratégia Saúde da Família (ESF) visa à reorganização da atenção básica seguindo as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo vínculo entre os usuários e profissionais dos serviços e contato constante com o território33 Oliveira MAC, Pereira IC. Primary Health Care essential attributes and the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm. 2013; 66(esp):158-64.,44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. [acesso em 2018 jul 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis... .
Um marco conceitual importante na APS foi proposto por Bárbara Starfield e compõe atributos essenciais e derivados. Os essenciais são o acesso de primeiro contato com os serviços de saúde; a longitudinalidade do cuidado ao longo do tempo; a integralidade, que são os diversos serviços ofertados para suprir os aspectos biopsicossociais do processo saúde-doença; e a coordenação da atenção, que pressupõe a integração do cuidado. Os atributos derivados são a orientação familiar, que considera a família como sujeito da atenção com potencialidades para o cuidado; a orientação comunitária, que é o reconhecimento das necessidades apresentadas pelas famílias em função do contexto geoeconômico e sociocultural em que vivem; e a competência cultural, que pressupõe a compreensão das características culturais dos usuários às situações de saúde facilitando a relação e a comunicação11 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. [internet]. Brasília, DF: UNESCO; Ministério da Saúde; 2002. [acesso em 2018 set 10]. Disponível em: http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/atencao_primaria_p1.pdf.
http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicaco... ,55 Starfield B, Shi L, Macinko J. Contribution of primary care to heath systems and health. Milbank Q. 2005; 83(3):457-502..
Com o objetivo de ampliar o acesso e criar modelos que pudessem atingir regiões mais difíceis, o Ministério da Saúde instituiu, por meio da Portaria nº 2.191, de 3 de agosto de 2010, a ESF para o atendimento à população ribeirinha da Amazônia Legal e Pantanal Sul-mato-grossense. Posteriormente, as Portarias nº 2.488, de 21 de outubro de 2011, e nº 2.436, de 21 de setembro de 2017, trouxeram novos critérios para a implantação das equipes de Saúde da Família Fluviais (eSFF) e Ribeirinhas (eSFR) (44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. [acesso em 2018 jul 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis... ,66 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de di¬retrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). [internet]. Dário Oficial da União. 21 Set 2017. [acesso em 2018 jul 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis... . Os municípios responsáveis por essa população, dependendo das especificidades locais, podem optar entre os dois arranjos organizacionais para equipes de saúde da família, além daqueles existentes para o restante do País44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. [acesso em 2018 jul 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis... ,66 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de di¬retrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). [internet]. Dário Oficial da União. 21 Set 2017. [acesso em 2018 jul 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis... ,77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 837, de 9 de maio de 2014. Redefine o arranjo organizacional das Equipes de Saúde da Família Ribeirinha (ESFR) e das Equipes de Saúde da Família Fluviais (ESFF) dos Municípios da Amazônia Legal e do Pantanal Sul-Mato-Grossense [internet]. Dário Oficial da União, 9 Maio 2014. [acesso em 2018 jul 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0837_09_05_2014.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis... .
Em revisão de estudos com objetivo de examinar a avaliação da APS no Brasil, demonstrou-se que a maioria utilizou o Primary Care Assessment Tool (PCATool) como instrumento e que há insipiente quantidade de investigações nas regiões Norte e Centro-Oeste, o que evidencia que a avaliação no âmbito da atenção primária tem ocorrido de maneira desigual no País88 Ribeiro LA, Scatena JH. A avaliação da atenção primária à saúde no contexto brasileiro: uma análise da produção científica entre 2007 e 2017. Saude soc. 2019; 28(2):95-110..
Estudos sobre a APS, portanto, são importantes para avaliar o arranjo assistencial de saúde da família fluvial no contexto amazônico no norte do país, tendo em vista a dispersão populacional, diversidade geográfica e cultural nesses cenários, bem como pela escassez de estudos sobre esse tema e por fazer parte da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde no Brasil99 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. Agenda de Prioridades de Pesquisa do Ministério da Saúde - APPMS [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. [acesso em 2020 maio 18]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/agenda_prioridades_pesquisa_ms.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe... .
Nessa perspectiva, tem-se como questão de pesquisa: qual a avaliação da APS na área de abrangência das ESF Fluviais em um município de médio porte que utiliza esse arranjo assistencial?
Propôs-se, como objetivo, avaliar os atributos da APS na ESF Fluvial na perspectiva de usuários ribeirinhos em município do estado do Pará. Este estudo se articula com a pesquisa de doutorado ‘Processo de Trabalho das Estratégias Saúde da Família Fluviais e Atributos da Atenção Primária em Saúde’ do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem (FEnf) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Material e métodos
Trata-se de uma pesquisa com delineamento transversal e abordagem quantitativa, tendo como campo de investigação empírica eSFF em suas áreas de abrangência, no município de Santarém - Pará. Esse tipo de estudo corresponde ao julgamento das práticas sociais, principalmente das resultantes da ação social planejada, tais como políticas, programas e serviços de saúde1010 Hartz ZMA, Silva LMV, organizadores. Avaliação em saúde: dos modelos teóricos à prática na avaliação de programas e sistemas de saúde. [internet] Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. [acesso em 2018 ago 18]. Disponível em: http://books.scielo.org/id/xzdnf/epub/hartz-9788575415160.epub.
http://books.scielo.org/id/xzdnf/epub/ha... .
O município de Santarém está situado na região oeste do Pará, norte do Brasil, com população de 304.589 habitantes em 2019, com densidade populacional de 12,87 hab./Km21111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatística por cidade e estado: Santarém (PA). [internet]. [acesso em 2020 abr 30]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/santarem/panorama.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/sa... . Situa-se na mesorregião do baixo Amazonas, sendo o centro polarizador da região oeste do Pará, área que abrange 722.358 Km2 e abriga 27 municípios. No total, são 480 comunidades rurais, das quais 268 localizam-se nas regiões de rios e várzea, e 212 estão na zona de planalto; já a área urbana tem 48 bairros1212 Santarém. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão 2016. Santarém: SEMSA; 2016.. Possui localização privilegiada, situado na floresta amazônica e na confluência dos rios Amazonas e Tapajós.
Nas regiões de rios, vive uma população de 50.950 habitantes que utilizam pequenas embarcações como meio de transporte1212 Santarém. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão 2016. Santarém: SEMSA; 2016.. Nos distritos dos rios Tapajós e Arapiuns, estão vinculadas as eSFF a serem estudadas. Algumas comunidades são distantes do centro urbano cerca de 20 horas de viagem de barco/motor, passando por períodos de seca e cheia dos rios.
A rede de serviços de saúde na APS, no que se refere à saúde da família, de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Unidade Básica de Saúde (UBS), no período da coleta, era composta de: 40 Equipes de Saúde da Família (eSF), duas Unidades Básicas de Saúde Fluvial (UBSF) com três equipes, uma eSF Quilombola, 22 equipes de Estratégia de ACS e 23 UBS. Nas eSF, tem-se, no total: 45 médicos, 67 enfermeiros, 21 odontólogos e 629 ACS com cobertura de 51%1212 Santarém. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão 2016. Santarém: SEMSA; 2016..
Foram consideradas as três eSFF implantadas no município. A primeira equipe foi implantada em 2010, com área de abrangência no Rio Tapajós, chamada de Abaré, sendo a primeira embarcação no País credenciada pelo Governo Federal como ESF Fluvial. A designação de ‘Abaré’ foi sugerida pelos próprios comunitários da região que, em Tupi, significa ‘O Amigo Cuidador’1313 Bernardes DCA, Oliveira FPA. Health & happiness project: health education for a better quality of life. Revista Saúde e Desenvolvimento. [internet]. 2012 [acesso em 2018 ago 10]; 1(2):8-27. Disponível em: https://www.uninter.com/revistasaude/index.php/saudeDesenvolvimento/article/view/44.
https://www.uninter.com/revistasaude/ind... . Em 2012, foram implantadas mais duas equipes, com área de abrangência no Rio Arapiuns, chamada Abaré II. No território de abrangência, existem unidades de saúde em comunidades maiores para apoio assistencial em períodos em que as equipes fluviais não estão na área, sendo oito no Arapiuns e quatro no Tapajós, compostas por um enfermeiro e um técnico de enfermagem. Algumas comunidades foram cadastradas como indígenas no ano de 2017. As remoções de urgência e emergência das comunidades ocorrem por meio de ambulanchas (ambulâncias adaptadas para tráfego nos rios).
O instrumento utilizado para a coleta de dados foi composto por dados socioeconômicos (idade, sexo, ocupação, local de nascimento, estado civil, escolaridade, número de filhos, de pessoas no domicílio, renda familiar, participação social e se recebem Bolsa Família), e por itens específicos relacionados com os atributos da APS que compõem o PCATool versão reduzida aos usuários dos serviços de saúde, que avalia os atributos essenciais (acesso, longitudinalidade, integralidade e coordenação) e derivados (orientação familiar e comunitária) (1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: Primary Care Assessment Tool PCATool - Brasil [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010. [acesso em 2018 ago 5]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_avaliacao_pcatool_brasil.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe... ,1515 Oliveira MMC, Harzheim E, Riboldi J, et al. PCATool-Adult-Brazil: a reduced version. Rev bras med fam Comunidade. 2013 [acesso em 2020 maio 25]; 8(29):256-63. Disponível em: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/823.
https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/v... . Esse instrumento mostrou-se mais adequado para avaliação da APS, pois proporciona subsídios para contribuir para a qualificação da atenção básica1616 Fracolli LA, Gomes MFP, Nabão FRZ, et al. Primary health care assessment tools: a literature review and metasynthesis. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(12):4851-60..
Dos itens do PCATool-Brasil que compõem a versão completa (87 itens), 23 foram selecionados pela importância conceitual para a composição da versão reduzida1515 Oliveira MMC, Harzheim E, Riboldi J, et al. PCATool-Adult-Brazil: a reduced version. Rev bras med fam Comunidade. 2013 [acesso em 2020 maio 25]; 8(29):256-63. Disponível em: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/823.
https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/v... ,1717 Harzheim E, Oliveira MMC, Agostinho MR, et al. Validation of the Primary Care Assessment Tool: PCATool-Brazil for adults. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):274-84.. Avaliando a correlação entre os escores da versão reduzida e da completa, foi observado que estão correlacionados de forma positiva, indicando que a versão reduzida do instrumento pode, seguramente, avaliar os serviços de APS1515 Oliveira MMC, Harzheim E, Riboldi J, et al. PCATool-Adult-Brazil: a reduced version. Rev bras med fam Comunidade. 2013 [acesso em 2020 maio 25]; 8(29):256-63. Disponível em: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/823.
https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/v... .
Realizou-se um pré-teste com o instrumento na área ribeirinha, em que não há eSFF, havendo a necessidade de adequações de palavras utilizadas no instrumento para melhor compreensão dos participantes em função do contexto social, estrutural e geográfico das comunidades em que residem. Enfatiza-se que foi retirado do instrumento o uso de telefone, pois a maioria das comunidades não possui esse recurso.
Foram incluídos os usuários maiores de 18 anos, moradores das comunidades da área de abrangência há, pelo menos, um ano, cadastrados nas estratégias. Foram excluídos os usuários que mudaram de comunidade há menos de um ano, mesmo sendo na área de abrangência das equipes, e usuários das comunidades que se autodenominavam indígenas.
A amostra de usuários para a aplicação do instrumento PCATool foi definida de acordo com o número de famílias das comunidades não indígenas da área de abrangência (amostra intencional representada por família), visto que o foco da ESF é a abordagem familiar.
O cálculo amostral foi realizado considerando a metodologia para estimação de uma proporção em uma população de tamanho finito1818 Medronho R, Carvalho D, Bloch K. Epidemiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2008.. Foi considerada uma proporção p igual a 0,50, uma população composta por 1.377 famílias nas três equipes, com erro amostral de 5% e um nível de significância de 5%. Com isso, o tamanho amostral obtido foi de 301 usuários/famílias, sendo coletados 342, dividido proporcionalmente de acordo com o número de famílias de cada equipe, sendo para o Abaré I, n: 141 participantes; Abaré II equipe 1, n: 93; e para a equipe 2, n: 108.
A coleta de dados foi realizada durante o acompanhamento de viagens das unidades fluviais para as áreas. A equipe de campo foi composta por três entrevistadoras treinadas (duas enfermeiras e uma técnica de enfermagem). No total, foram realizadas três viagens com as equipes, sendo a coleta realizada somente em comunidades consideradas não indígenas. Para atingir a amostra de usuários em cada área, houve a necessidade de mais três viagens para comunidades nas regiões do Tapajós e do Arapiuns. O estudo foi realizado no período de outubro 2017 a maio de 2018.
No instrumento, as respostas possíveis para cada um dos itens são: ‘com certeza sim’ (valor=4); ‘provavelmente sim’ (valor=3); ‘provavelmente não’ (valor=2); ‘com certeza não’ (valor=1); e ‘não sei/não lembro’ (valor=9). O escore essencial é medido pela soma do grau de afiliação mais os escores médios de cada um dos componentes dos atributos essenciais divididos pelo número de componentes. O escore geral é medido pela soma dos escores médios dos componentes dos atributos essenciais mais os que pertencem aos atributos derivados mais grau de afiliação dividido pelo número total de componentes1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: Primary Care Assessment Tool PCATool - Brasil [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010. [acesso em 2018 ago 5]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_avaliacao_pcatool_brasil.pdf.
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Os escores para cada um dos atributos ou seus componentes são calculados pela média aritmética simples dos valores das respostas dos itens que compõem cada atributo transformado em escala de 0 a 10, utilizando a fórmula: (
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe... .
As respostas foram organizadas no software Microsoft Excel® for Windows, e para as análises foram utilizados o Statistical Analysis System (SAS) versão 9.4 e o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22. Realizou-se a dupla digitação com checagem dos resultados. Para a análise, procedeu-se à inversão dos valores dos itens C11 e D15 do PCATool-Brasil para: valor 4=1, valor 3=2, valor 2=3 e valor 1=4, pois, neles, quanto maior o valor atribuído, menor é a orientação para APS.
As variáveis qualitativas foram descritas por meio de frequências e porcentagens; e as variáveis quantitativas, por meio da média, desvio-padrão e valores mínimo e máximo.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp sob o parecer nº 2.079.984, de 24 de maio de 2017. Os participantes foram identificados por códigos para garantia do sigilo.
Resultados
Foram entrevistados 342 usuários da ESF Fluvial do município de Santarém - Pará. O perfil socioeconômico dos participantes é apresentado na tabela 1.
Perfil socioeconômico dos 342 usuários entrevistados de áreas das Estratégias Saúde da Família Fluviais. Santarém, PA, Brasil, 2018
A maioria dos usuários entrevistados é do sexo feminino (79,53%), com idades na faixa etária igual ou superior a 60 anos (21,63%) e de 35 anos a 39 anos (19,2%), casados (44,15%), com número de filhos de quatro (38,30%) a mais de cinco (29,82%), renda familiar abaixo de um salário mínimo (65,20%) e até um salário mínimo (24,56%). Em relação ao nível de escolaridade, possuem o ensino fundamental incompleto (34,21%) e médio completo (26,32%). Sobre a situação laboral, por serem comunidades do interior, mais de 46% são lavradores ou pescadores.
Em relação à pontuação apresentada pelos usuários para os escores essencial e geral, tiveram valores de escores satisfatório (6,88) e baixo (6,57) respectivamente, de acordo com o valor de referência de 6,6 na avaliação (tabela 2).
Escores atribuídos aos atributos da Atenção Primária à Saúde pelos entrevistados nas Estratégias Saúde da Família Fluviais. Santarém, Pará, Brasil, 2018 (n=342)
O atributo com melhor avaliação foi coordenação-sistema de informações com escore 8,95; e com mais baixo foi orientação comunitária (2,51). Os atributos que também ficaram com escores baixos foram: grau de afiliação (6,08), coordenação-integração de cuidados (6,08), integralidade-serviços disponíveis (5,07) e integralidade-serviços prestados (6,36).
As análises realizadas nas variáveis e por equipe demonstram individualmente as fragilidades e potencialidades que podem ser compartilhadas entre elas (tabela 3).
Associação entre a quantidade de usuários por valor de escore total de acordo com as variáveis equipe, embarcação, sexo, e agrupados de idade, estado civil, escolaridade e renda, Santarém, Pará, Brasil, 2018
Identificou-se associação significante entre o escore geral e as variáveis equipe, embarcação, idade, estado civil e renda. Nas variáveis sexo e escolaridade, não houve associação significante.
Observou-se proporção mais elevada de escore geral satisfatório nas equipes Abaré I e Abaré II:1, em comparação com a equipe Abaré II:2. Com relação à embarcação, obteve-se proporção maior do escore geral satisfatório na embarcação Abaré I. Na variável idade, proporção maior de usuários acima de 60 anos atribuiu escores satisfatórios. Relacionado com o estado civil, observaram-se proporções mais elevadas no escore geral satisfatório em usuários sem companheiro. Na renda familiar, constatou-se proporção maior de pessoas que recebiam um salário mínimo ou mais, as quais atribuíram melhores valores de escores.
Discussão
A avaliação dos atributos da APS pode contribuir para melhor resultado e qualidade da assistência prestada à população, sendo utilizado como parâmetro para nortear gestores, profissionais e pesquisadores, bem como serve de ferramenta para orientar a implantação e a implementação de políticas de saúde e avanços no sistema público de saúde1919 Araújo RL, Mendonça AVM, Souza MF. Perception of users and health professionals in the Federal District: the attributes of primary care. Saúde debate. 2015; 39(105):387-399.
20 Araújo LUA, Gama ZAS, Nascimento FLA, et al. Evaluation of the quality of primary health care from the perspective of the elderly. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(8):3521-32.-2121 Mesquita Filho M, Luz BSR, Araújo CS. Primary health care and its attributes: the situation of children under two years of age according to their caregivers. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(7):279-95..
Existem evidências relacionadas com o impacto positivo da APS em países em desenvolvimento, além da associação entre o maior grau de orientação à APS e o aumento da efetividade dos sistemas de saúde, satisfação dos usuários, promoção da equidade, integralidade e eficiência2222 Oliveira e Silva CS, Fonseca ADG, Souza LPS, et al. The comprehensive nature of primary health care: evaluation from the user standpoint. Ciênc. Saúde Colet. 2014 [acesso em 2020 maio 25]; 19(11):4407-15. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014001104407.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=... .
Sobre o perfil de usuários, destaca-se que a maioria é do sexo feminino (79,53%), com renda familiar abaixo de um salário mínimo (65,20%) e que relatou receber o benefício do Programa Bolsa Família (PBF), caracterizando vulnerabilidade socioeconômica na área. Mais de 40% relataram ter até o ensino fundamental incompleto. Tem-se que o nível de escolaridade é muito baixo entre os beneficiários do PBF, tendo mais de dois terços (69%) sem o ensino fundamental completo2323 Camargo CF, Curralero CRB, Licio EC, et al. Perfil socioeconômico dos beneficiários do Programa Bolsa Família: o que o Cadastro Único Revela? International Policy Center for Inclusive Growth. In: Campello T, Neri MC, editores. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. [internet]. Brasília, DF: Ipea; 2013. p. 157-77. [acesso em 2018 ago 5]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_bolsafamilia_10anos.pdf..
Quanto à avaliação dos atributos, o grau de afiliação do usuário com os profissionais das equipes mostrou-se insatisfatório (6,08) mesmo sendo substituída no PCATool a palavra ‘médico’ por outro profissional (enfermeiro ou técnico de enfermagem). Esse resultado pode relacionar-se com a troca frequente de profissionais das equipes, irregularidade nas visitas nas comunidades e grande demanda de população para atendimento, dificultando o vínculo entre profissionais e usuários. Em estudo realizado em Teresina, Piauí, verificou-se, no grau de afiliação, que 58,83% indicaram o médico da UBS como referência para seu atendimento, e 28,99% indicaram o serviço de saúde, sendo o escore desse atributo 6,282424 Silva AN, Silva SA, Silva ARV, et al. Primary care assessment from a male population perspective. Rev Bras Enferm. 2018; 71(2):236-43..
Sobre o acesso de primeiro contato, as dimensões acessibilidade e utilização referem-se ao uso da APS como a porta de entrada aberta e preferencial da rede de atenção, e a capacidade da APS em lidar e resolver diferentes problemas influenciados pelo contexto social44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. [acesso em 2018 jul 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis... . A porta de entrada no arranjo assistencial fluvial tem períodos programados. Em outras ocasiões, recorre-se às UBS presentes nas comunidades. Entretanto, o escore do acesso-utilização foi de 8,75; e de acesso-acessibilidade, 6,81, referindo-se aos serviços da ESF Fluvial e da UBS das comunidades da área. Destaca-se que, quando a UBSF está na área adscrita ou quando a comunidade dispõe de UBS, o acesso torna-se facilitado, tendo dificuldades nos períodos e em locais em que não há tais estruturas para o atendimento dos usuários, demonstrando o quanto os arranjos são essenciais nessas áreas.
Estudo aponta que, em alguns locais, em que há populações vulneráveis, há dificuldade no acesso aos serviços de saúde, porém as redes sociais, de familiares, das comunidades e os costumes tradicionais são utilizados em diversas situações para a resolução ou amenização das necessidades em saúde2525 Figueira MCS, Silva WP, Silva EM. Integrative literature review: access to primary healthcare services. Rev Bras Enferm. 2018; 71(3):1178-88..
Estudos realizados apontam o acesso-utilização com alto escore entre os atributos avaliados, porém a acessibilidade obteve escore baixo, sugerindo que o processo de trabalho da equipe no primeiro contato é muito bem avaliado e que a estrutura disponibilizada apresenta deficiências2626 Gontijo TL, Duarte AGS, Guimarães EAA, et al. Evaluation of primary care: the point of view of users. Saúde debate. 2017 [acesso em 2020 maio 25]; 41(114):741-752. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2017.v41n114/741-752/pt.
https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2017.v...
27 Silva SA, Baitelo TC, Fracolli LA. Primary Health Care Evaluation: the view of clients and professionals about the Family Health Strategy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2015; 23(5):979-87.-2828 Silva SA, Fracolli LA. The Family Health Strategy assessment: perspective of users in Minas Gerais, Brazil. Saúde debate. 2014; 38(103):692-705.. O baixo desempenho pode refletir barreiras geográficas e organizacionais dos serviços na APS, como horário reduzido de funcionamento das unidades, dificuldades encontradas para marcação de consultas e tempo de espera do atendimento2929 Prates ML, Machado JC, Silva LS, et al. Performance of primary health care according to PCATool instrument: a systematic review. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(6):1881-1893..
O atributo longitudinalidade apresentou escore de 6,94, considerado satisfatório, demonstrando que os usuários têm as equipes como fonte regular de cuidados, apesar de haver rotatividade dos profissionais nas equipes. Boas avaliações por parte dos usuários da ESF reforçam que esse modelo de atenção possibilita a construção de vínculo e relação interpessoal entre profissional e usuário ao longo do tempo2222 Oliveira e Silva CS, Fonseca ADG, Souza LPS, et al. The comprehensive nature of primary health care: evaluation from the user standpoint. Ciênc. Saúde Colet. 2014 [acesso em 2020 maio 25]; 19(11):4407-15. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014001104407.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=... ,3030 Kessler M, Lima SBS, Weiller TH, et al. Longitudinality in Primary Health Care: a comparison between care models. Rev Bras Enferm. 2018; 71(3):1063-71.. O resultado desse atributo ajusta-se com o bom desempenho do grau de afiliação e do acesso na dimensão utilização, que depõe a favor da equipe, a qual não tem dificuldade de abordar os usuários para o envolvimento nas ações e serviços da ESF2424 Silva AN, Silva SA, Silva ARV, et al. Primary care assessment from a male population perspective. Rev Bras Enferm. 2018; 71(2):236-43..
O atributo coordenação apresenta as dimensões integração dos cuidados e sistemas de informação. A integração dos cuidados foi avaliada por usuários que, em algum momento, receberam encaminhamento para serviços especializados. Esse atributo pressupõe a continuidade do cuidado, seja pelo mesmo profissional na APS, seja pelo reconhecimento da importância de problemas abordados em outros serviços3131 Carneiro MSM, Melo DMS, Gomes JM, et al. Assessment of the coordination attribute in Primary Health Care: application of the PCATool to professionals and users. Saúde debate. 2014; 38:279-95.. Nos resultados, o escore atribuído à dimensão integração dos cuidados foi de 6,08, pressupondo dificuldades na referência e contrarreferência, principalmente em função dos deslocamentos para outros serviços.
Nesse contexto, sobre o fornecimento de informações por parte dos profissionais para que o usuário leve ao especialista ou serviço especializado, obteve considerável percentual de respostas positivas. Porém, quanto ao retorno das informações para as unidades, não há registro do especialista ao profissional que o encaminhou, sendo as informações relatadas pelo usuário, transmitidas segundo entendimento e linguagem próprios.
Na dimensão sistema de informação, sobre a disponibilidade do prontuário, a avaliação foi 8,95. No âmbito da ESF Fluvial, os usuários referem a disponibilidade no atendimento, sendo organizados por prontuário familiar e por microárea de ACS. A utilização do prontuário familiar possibilita o registro das informações de todos os membros da família, sendo um importante instrumento para a integração da equipe, e a disponibilidade durante os atendimentos é percebida como positiva pelos usuários3131 Carneiro MSM, Melo DMS, Gomes JM, et al. Assessment of the coordination attribute in Primary Health Care: application of the PCATool to professionals and users. Saúde debate. 2014; 38:279-95.; e, quando não disponível, é considerado insatisfatório3232 Lima EFA, Sousa AI, Primo CC, et al. An assessment of primary care attributes from the perspective of female healthcare users. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2015; 23(3):553-9..
Ao avaliar a integralidade, têm-se as dimensões serviços-disponíveis e serviços-prestados, que incluem ações de caráter biopsicossocial do processo saúde-doença bem como promoção, prevenção, cura/reabilitação e atenção em todos os níveis de complexidade2626 Gontijo TL, Duarte AGS, Guimarães EAA, et al. Evaluation of primary care: the point of view of users. Saúde debate. 2017 [acesso em 2020 maio 25]; 41(114):741-752. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2017.v41n114/741-752/pt.
https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2017.v... . O valor do escore na dimensão serviços-disponíveis foi de 5,07; e serviços-prestados, 6,36, considerados baixos. A avaliação insatisfatória sugere a descontinuidade assistencial, assim como a não disponibilização de recursos e estrutura necessários para o atendimento das necessidades de saúde. O propósito da integralidade é de que os profissionais percebam o usuário como sujeito histórico, social e político, articulado ao contexto familiar, ao meio ambiente, à sociedade na qual está inserido, permitindo a elaboração de planos de cuidados que atendam às necessidades da população e contribuindo para melhor qualidade dos serviços prestados3333 Paula CC, Silva CB, Tassinari TT, et al. Factors that affect first contact access in the primary health care: integrative review. Rev pesqui cuid fund. 2016; 8(1):4056-78..
A orientação da APS ocorre, também, por meio de atributos derivados, que são a orientação familiar e a comunitária, avaliadas pelo PCATool, que tratam da estimulação da participação do usuário para sua autonomia, construção do cuidado individual e coletivo no território, no enfrentamento de situações que interferem na saúde, na organização dos serviços e estímulo ao controle social11 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. [internet]. Brasília, DF: UNESCO; Ministério da Saúde; 2002. [acesso em 2018 set 10]. Disponível em: http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/atencao_primaria_p1.pdf.
http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicaco... .
A orientação familiar apresentou escore alto (8,12), demonstrando que há o estímulo da participação dos usuários no planejamento e para sua autonomia. Em outros estudos, observou-se que o atributo, juntamente com a orientação comunitária, obteve escores muito ruins2020 Araújo LUA, Gama ZAS, Nascimento FLA, et al. Evaluation of the quality of primary health care from the perspective of the elderly. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(8):3521-32.,2626 Gontijo TL, Duarte AGS, Guimarães EAA, et al. Evaluation of primary care: the point of view of users. Saúde debate. 2017 [acesso em 2020 maio 25]; 41(114):741-752. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2017.v41n114/741-752/pt.
https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2017.v... ,2828 Silva SA, Fracolli LA. The Family Health Strategy assessment: perspective of users in Minas Gerais, Brazil. Saúde debate. 2014; 38(103):692-705.,3434 Paula FA, Silva CCR, Santos DF, et al. Evaluation of adult health care in a city pole of Vale do Jequitinhonha (MG). Saúde debate. 2015; 39(106):802-14.,3535 Mesquita Filho M, Luz BSR, Araújo CS. Primary health care and its attributes: the situation of children under two years of age according to their caregivers. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 9(7):2033-46., sugerindo que os serviços atuam na lógica centrada no indivíduo, em práticas curativas, na ausência de contato com a população adscrita, de planejamento e avaliação, não contemplando a atenção à família nos serviços de saúde.
A orientação comunitária, que diz respeito ao conhecimento do contexto social no qual as pessoas vivem, obteve avaliação ruim apesar de considerar também o vínculo com as famílias, a participação no planejamento da assistência e o envolvimento comunitário. No PCATool, pergunta-se sobre os profissionais fazerem pesquisas sobre a satisfação dos usuários nos serviços ofertados, sendo que essa prática não é realizada nos serviços estudados. No contexto da ESF Fluvial, esse atributo foi avaliado com o valor mais baixo de todos (2,5). Tem-se que a participação social é uma importante ferramenta para empoderar as pessoas sobre seus direitos em relação aos serviços de saúde3636 Fracolli LA, Muramatsu MJ, Gomes MFP, et al. Evaluation of the Primary Healthcare attributes in a municipality located in the countryside of São Paulo State - Brazil. Mundo saúde. 2015; 39(1):54-61.. A perspectiva do usuário, por meio de pesquisas sobre a satisfação, precisa ser considerada para o planejamento de ações que venham a suprir as suas necessidades de saúde.
Cita-se como limitação deste estudo que os resultados são referentes a três eSFF de um município, além da impossibilidade da coleta em todas as comunidades pertencentes às áreas de abrangência.
A importância da avaliação da APS constitui-se ferramenta para subsidiar o processo decisório, de planejamento, de repensar as práticas profissionais, reorganizar os processos de trabalho, aprimorar as redes de serviços em todos os níveis assistenciais, bem como para a efetivação e reformulação das políticas públicas e ações específicas, para arranjos assistenciais, que possam alcançar populações vulneráveis e com dificuldades no acesso e, consequentemente, nos demais atributos inerentes aos serviços em saúde. Destaca-se que a expansão de tais arranjos assistenciais, como no modelo de saúde fluvial, deve considerar a realidade e as necessidades de cada população, bem como a participação destas nas decisões que melhorem suas condições de vida.
Conclusões
Os resultados apresentados neste estudo mostram importantes considerações para o arranjo assistencial de eSFF, assim como servem para subsidiar políticas públicas para a implantação e implementação da APS e para aprimorar a assistência de modo a alcançar populações vulneráveis como no contexto ribeirinho.
A oferta dos serviços de saúde no município fica limitada por várias questões, como as grandes distâncias e dificuldade no acesso em alguns períodos pelas cheias e seca dos rios, reduzindo, portanto, as opções dos usuários. No entanto, para proporcionar a integralidade da assistência, fornecendo os recursos capazes de responder às necessidades dos usuários em sua área adscrita, o município aderiu a políticas ministeriais para abranger a população ribeirinha que são as ESF Fluviais e as UBS em comunidades maiores e estratégicas para o acesso geográfico.
Sabe-se que os serviços disponíveis não contemplam todas as demandas em saúde dos usuários, principalmente em uma região com características tão adversas, porém, identificou-se que metade dos atributos alcançou avaliação satisfatória (acesso-acessibilidade e utilização, longitudinalidade, coordenação-sistemas de informação, orientação familiar) demonstrando a valorização dos serviços que, apesar de escassos e com limitações, é a opção essencial para o atendimento das comunidades. Atributos, tais como o acesso e suas dimensões, foram avaliados de forma satisfatória destacando-se que, quando a UBSF está na área adscrita ou quando a comunidade dispõe de UBS, o acesso torna-se facilitado, havendo dificuldades nos períodos e em locais em que não há tais estruturas para o atendimento dos usuários, demonstrando o quanto os arranjos são essenciais, fundamentais e necessários para essas regiões.
O desempenho adequado da saúde da família fluvial depende da gestão dos serviços, do contexto social, cultural, econômico, geográfico e da participação dos usuários na construção de melhores processos de trabalho, do que é possível dispor, levando em conta todas as condições existentes.
Sobre o instrumento utilizado para a avaliação, tem-se que o PCATool versão reduzida demonstrou aplicabilidade prática, apresentando-se como importante ferramenta para a busca da melhoria da qualidade dos serviços em saúde. Entretanto, verificou-se ausência de características específicas, tais como terapias alternativas, parteiras, benzedeiras, puxadores, plantas medicinais e outras opções presentes no contexto amazônico.
Por fim, configura-se um cenário impactado pelas mudanças propostas pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) 2017, em que as diferenças e dificuldades locorregionais foram negligenciadas, levando ao descredenciamento de duas eSFF consideradas de alto custo para o município, levando-os à opção de permanência de equipes de atenção básica nas comunidades em que já existia o serviço (enfermeiro e técnico de enfermagem), que podem significar portas de entrada fechadas, proporcionando menor acesso às populações ribeirinhas.
Os resultados deste estudo foram discutidos com gestores, trabalhadores e lideranças das áreas ribeirinhas, sendo formuladas propostas para organização do trabalho nas áreas para melhorar a assistência prestada aos usuários.
- Suporte financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - bolsa de pós-graduação (nº 38P-4842/2018); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - financiamento da pesquisa (nº 142491/2017-9)
Agradecimentos
Aos usuários ribeirinhos e trabalhadores das equipes de Saúde da Família Fluvial da Secretaria Municipal de Saúde de Santarém - Pará. Ao MSc Henrique Ceretta Oliveira pela análise estatística. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela concessão de bolsa de pós-graduação (nº 38P-4842/2018) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento da pesquisa (nº 142491/2017-9).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
27 Jul 2020 - Data do Fascículo
Apr-Jun 2020
Histórico
- Recebido
13 Ago 2019 - Aceito
05 Maio 2020