RESUMO
Buscou-se analisar os cartazes das campanhas nacionais sobre dengue, zika e chikungunya realizadas pelo Ministério da Saúde entre 2013 e 2017 para prevenção das arboviroses. Trata-se de uma análise de conteúdo com abordagem qualitativa de 18 peças publicitárias coletadas no site da instituição. Para tanto, além dos dados textuais contidos nos cartazes, foram considerados os achados encontrados a partir da descrição das peças. As categorias temáticas analíticas que emergiram da observação do material foram: mobilização; orientação; e informação. Após o surgimento da chikungunya e da zika em 2014 e 2015, respectivamente, a instituição saiu da produção anual de 1 para 3,6 peças. O layout dos cartazes segue a lógica de técnicas de comunicação comercial, sem se preocupar com a diferença entre um produto mercantil e um direito universal. Não há articulação com as tecnologias de informação e comunicação, e os cartazes responsabilizam a população pela prevenção das doenças. Houve uma mudança nas mensagens sobre os cuidados, adotando-se a ênfase nas consequências e sequelas das arboviroses, não havendo espaço para educação e promoção da saúde. Constataram-se a transmissão de informações e a imposição de orientações, distante daquilo proposto pela comunicação educativa, que pressupõe ações pensadas conforme as necessidades dos usuários.
PALAVRAS-CHAVE
Comunicação em saúde; Educação em saúde; Dengue; Zika vírus; Vírus chikungunya
Introdução
O presente estudo traz uma análise das campanhas midiáticas realizadas pelo Ministério da Saúde (MS) brasileiro para prevenção e combate ao vetor das arboviroses dengue, zika e chikungunya enquanto agravos sociais e reflexões sobre como as informações transmitidas pelos cartazes dessas campanhas refletem, ou não, a comunicação educativa e a promoção da saúde. Sabe-se que o debate teórico acerca da informação, educação e comunicação é vasto, por isso, não se pretende esgotá-lo, mas apresentar a comunicação educativa como forma de prevenção e promoção em saúde.
Para tanto, alguns conceitos são essenciais nessa apresentação. No campo da comunicação, campanhas são definidas como dispositivos estratégicos de gestão que visam
[...] alcançar uma meta definida a partir da integração de uma série de instrumentos e ações, em um prazo previamente determinado, com um objetivo claramente definido11 Duarte J, Veras L. Glossário de comunicação pública. Brasília, DF: Casa das Musas; 2006.(7).
Na saúde, são utilizadas, pelo menos, desde 1920 nas primeiras campanhas de vacinação22 Pessoni A. História da interface comunicação e saúde. In: Paulino FO, organizador. Comunicação e Saúde. Brasília, DF: Casa das Musas; 2009. p. 31-42.. Uma ferramenta bastante utilizada em campanhas é o cartaz, qualquer mensagem publicitária gráfica impressa em papel ou outro material, cujo tamanho, forma, arte, cores, disposição das informações e todas as outras características são personalizáveis conforme a intencionalidade e a mensagem que se deseja transmitir33 Brito BP. Dicionário de Propaganda [internet] 2007. [acesso em 2018 julho 8]. Disponível em: http://www.brenobrito.com/files/Dicionario_da_Propaganda.pdf.
http://www.brenobrito.com/files/Dicionar... . Em geral, esses materiais gráficos são fixados em locais públicos onde há grande circulação de pessoas que se deseja alcançar. É um dos produtos mais comuns da publicidade e da propaganda, usado histórica e tradicionalmente em campanhas de saúde22 Pessoni A. História da interface comunicação e saúde. In: Paulino FO, organizador. Comunicação e Saúde. Brasília, DF: Casa das Musas; 2009. p. 31-42..
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4 bilhões de pessoas no mundo são suscetíveis à infecção pelo vírus da dengue; e, entre os estados-membros da Organização, o número de notificações passou de 2,2 milhões em 2010 para 3,2 milhões em 2015, havendo evidências de que o número total de infectados pelo vírus da dengue chegue a 390 milhões de pessoas por ano ao redor do mundo44 Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial da Saúde. Boletim semanal #10-Resposta da representação da OPAS/MS no Brasil para a epidemia do vírus da Zika e suas consequências [internet]. 2016. [acesso em 2017 ago 29]. Disponível em: paho.org/bra/images/stories/SalaZika/boletim%20quinzenal%2010%20zika.pdf?ua=1.
paho.org/bra/images/stories/SalaZika/bol... , o que torna dengue, zika e chikungunya um dos maiores problemas de saúde pública global. Em 2017, a taxa de incidência de dengue foi de 116 casos para cada 100 mil habitantes no Brasil. No mesmo ano, 41% dos municípios do Nordeste estavam em alerta. No referido período, o MS investiu R$ 17,6 milhões em estratégias de prevenção. As condições climáticas, de saneamento, desmatamento, urbanização e migração populacional também corroboraram para o agravamento desse quadro55 Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica. Boletim epidem. [internet]. 2016 [acesso em 2017 set 3]; 47(27):1-10. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/junho/30/2016-021.pdf.
http://portalsaude.saude.gov.br/images/p... .
No que se refere à prevenção, trata-se de um conjunto de intervenções cuja finalidade é evitar o surgimento de doenças específicas, diminuindo sua incidência e prevalência, em geral, com base em dados epidemiológicos66 Czeresnia D. Conceito de saúde e a diferença entre prevenção e promoção. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 43-57.. A promoção da saúde foi definida pela Carta de Ottawa como o processo de proporcionar às pessoas os meios necessários para melhorar sua saúde e exercer maior controle sobre ela77 Brasil. Ministério da Saúde. As Cartas da Promoção da Saúde [internet]. Brasília, DF: MS; 2002. (Série B. Textos Básicos em Saúde). [acesso em 10 jul 2015]. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartas_promocao.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe... . Essa definição implica ações permanentes que comprometem todos os atores da sociedade com intenção explícita de fortalecer habilidades de indivíduos e grupos por meio de um processo político e social88 Salazar L. Evaluación de efectividad en promoción de la salud: guia de evaluación rápida. Bogotá, DF: Centro para el Desarrollo y Evaluación de Políticas y Tecnología en Salud Pública; Universidad del Valle; Organización Panamericana de la Salud, 2004..
É nesse contexto que a comunicação educativa se apresenta. Todavia, antes de abordar seu conceito em específico, é necessário assumir o imbricamento das ações de informação, educação e comunicação e que estas contribuem significativamente na interlocução com as comunidades, pois possuem elementos convergentes e interagem no processo de transformação social ou mudança de um fenômeno. Entende-se como informação em saúde o conteúdo ou conhecimento que orienta a tomada de decisão, o qual pode se dar na forma de dados orais ou textuais e subsidiar tanto a tomada de decisão de usuários quanto a de profissionais, pesquisadores e gestores.
No que tange à comunicação em saúde, a partir da revisão de conceitos de mais de 20 teóricos do campo nos últimos 20 anos, compreende-se que se refere a processos dialógicos e à utilização de estratégias comunicacionais que respeitam os direitos à informação, à educação e à saúde, tendo como finalidades a prevenção de enfermidades, o incentivo à cidadania e à transparência na gestão, bem como a promoção da melhoria da qualidade de vida das pessoas em seus diferentes contextos sociais, por meio das mídias, da produção do conhecimento científico e das relações interpessoais99 Albarado AJ, Prado EJ, Mendonça AVM. Um, dois, três - gravando: as campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde sobre dengue, chikungunya e Zika de 2014 a 2017. Reciis - Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde [internet]. 2019 [acesso em 2019 set 7]; 13(1):1981-6278. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1596.
https://www.reciis.icict.fiocruz.br/inde... .
A educação em saúde, por sua vez, orienta a população para que ela viva de maneira saudável. As ações de educação em saúde devem ser realizadas de acordo com a realidade dos indivíduos, das famílias e da comunidade, por meio das experiências e vivências dos sujeitos envolvidos em cada processo. Nesse sentido, a abordagem adotada se afasta de definições restritas à formação profissional do campo da saúde e se aproxima daquela voltada ao conjunto de práticas que estimulam a autonomia das pessoas para o cuidado individual e coletivo, identificando as suas principais necessidades. Além disso, está intimamente relacionada com a promoção da saúde e, no âmbito escolar, parte de uma visão integral e multidisciplinar do ser humano, que considera as pessoas em seu contexto familiar, comunitário, social e ambiental1010 Organización Panamericana de la Salud. Educación para la salud: un enfoque integral. Washington, DF: OPS; 1995. (Série HSS/SILOS, n. 37)..
Desse modo, entende-se que não é possível comunicar sem uma informação inicial; e estas se relacionam1111 Wolton D. Dominique. Informar não é comunicar. Porto Alegre: Sulina; 2010. à educação com o agir do indivíduo. Contudo, não devem ser utilizadas como meros instrumentos no processo de educar. Mesmo que estejam associadas, a ação do educar deve ser feita pela comunicação, e não para a comunicação1212 Soares IO. Educomunicação: um campo de mediações. Comum. Edu. 2000; (19):12-24.. Esses conceitos se consolidam no cotidiano dos serviços de saúde e são imprescindíveis quando se analisam as práticas profissionais para o alcance da saúde em seu conceito mais amplo. Isso porque, para alcançar um estado saudável, o indivíduo precisa ser o protagonista do seu cuidado – o que somente pode ser alcançado por meio da educação, pois, apenas ela é capaz de promover mudanças nas práticas sociais e individuais.
Ao teorizar sobre a educação libertadora, Paulo Freire expõe que esta transcende a simples esfera do conhecimento de regras, métodos e linguagens e vai ao encontro da tradução do conhecimento disponível e ressignificação conforme o universo em que o indivíduo habita, motivando assim a tomada de consciência e possível mudança de hábito ou comportamento1313 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo: Paz e Terra; 1996.. Como os esforços e maior parte do investimento do governo se dão por meio de ações descontinuadas e a partir de modelos campanhistas e curativos, o Brasil ainda não consegue conter problemas de saúde pública que demandam apropriação de conhecimentos, protagonismo individual e coletivo no cuidado à saúde, no caso, as arboviroses.
Apresenta-se a comunicação educativa, portanto, como um caminho para o combate ao vetor e à prevenção das arboviroses. Baseada no conhecimento gerado a partir da tradução da informação e sua relação com a comunicação, a comunicação educativa orienta-se pelo ordenamento das relações pessoais dos envolvidos, educandos e docentes, ou não44 Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial da Saúde. Boletim semanal #10-Resposta da representação da OPAS/MS no Brasil para a epidemia do vírus da Zika e suas consequências [internet]. 2016. [acesso em 2017 ago 29]. Disponível em: paho.org/bra/images/stories/SalaZika/boletim%20quinzenal%2010%20zika.pdf?ua=1.
paho.org/bra/images/stories/SalaZika/bol... . Trata-se de um processo de escuta que busca identificar as necessidades individuais e da comunidade para direcionar ações de transformação, tendo como centro os referidos indivíduos e comunidades como protagonistas desse processo.
Tendo em vista a necessidade de ações de comunicação educativa para a transformação das práticas em saúde voltadas ao controle do vetor Aedes aegypti e o investimento de aproximadamente R$ 190 milhões por parte do MS em campanhas para combate e prevenção das arboviroses dengue, zika e chikungunya – e ainda febre amarela –, entre 2013 e 201799 Albarado AJ, Prado EJ, Mendonça AVM. Um, dois, três - gravando: as campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde sobre dengue, chikungunya e Zika de 2014 a 2017. Reciis - Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde [internet]. 2019 [acesso em 2019 set 7]; 13(1):1981-6278. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1596.
https://www.reciis.icict.fiocruz.br/inde... , apresenta-se a análise do formato cartaz das campanhas realizadas pelo MS para o combate e prevenção da dengue, zika e chikungunya no período de 2013 a 2017. Busca-se compreender se a utilização das peças tem a educação e promoção da saúde como objetivo.
Roteiro metodológico
Trata-se de uma pesquisa qualitativa com foco na interpretação dos cartazes produzidos para as campanhas do MS sobre o tema das arboviroses dengue, zika e chikungunya no período de 2013 a 2017. O recorte temporal justifica-se pelo surgimento das novas enfermidades também transmitidas pelo vetor Aedes, em 2014 e 2015, chikungunya e zika, respectivamente.
Conforme orientam Miranda e Simeão1414 Miranda A, Simeão E. A conceituação de massa documental e o ciclo de interação entre tecnologia e o registro do conhecimento. In: Nakayama H, organizador. Análise da informação. Brasília, DF: UnB; 2002., partiu-se da identificação da tipologia, conteúdo, formato e suporte do que foi produzido pelo MS para fins de campanha de comunicação de massa, utilizando-se da pesquisa documental nas bases de dados da pasta ministerial. A análise das campanhas impressas não foi realizada, pois a instituição não possui acervo físico dos materiais em questão.
A coleta de dados foi realizada no endereço eletrônico institucional1515 Ministério da Saúde. Campanhas [internet]. [acesso em 2017 ago 9]. Disponível em: portalms.saude.gov.br/campanhas.
portalms.saude.gov.br/campanhas... obedecendo a um processo de identificação, categorização e tratamento para análise posterior. No total, foram identificadas e coletadas 18 peças, sendo: 1 em 2013; 6 em 2014; 3 em 2015; e 4 em 2017 e em 2018. Como técnica de análise, optou-se pela análise de conteúdo, tendo como premissa as campanhas anteriormente estudadas por Vasconcelos1616 Vasconcelos WRM, Oliveira-Costa MS, Mendonça AVM. Promoção ou prevenção? Análise das estratégias de comunicação do Ministério da Saúde no Brasil de 2006 a 2013. Reciis - Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde. 2016; 10(2):1-11..
Foi elaborada uma matriz com a descrição do material e informações encontradas nos documentos. Nela, foram registrados os seguintes dados: ano de publicação da campanha; descrição do cartaz analisado (cores, imagens e disposição das informações); slogan ou frases de efeito; presença ou não de informações e/ou orientações sobre cuidados para prevenção das arboviroses e promoção da saúde, observando se as peças tinham intencionalidade educativa. Ressalta-se que a pesquisa se desenvolveu com base de dados secundários, portanto, houve dispensa do Comitê de Ética em Pesquisa.
Além dos dados textuais contidos nos cartazes, foram considerados os achados encontrados a partir da descrição das peças. Após a observação do material, emergiram as seguintes categorias temáticas: mobilização; orientação; e informação. Categorias essas que foram identificadas, a priori, com base na literatura prévia99 Albarado AJ, Prado EJ, Mendonça AVM. Um, dois, três - gravando: as campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde sobre dengue, chikungunya e Zika de 2014 a 2017. Reciis - Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde [internet]. 2019 [acesso em 2019 set 7]; 13(1):1981-6278. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1596.
https://www.reciis.icict.fiocruz.br/inde... e validadas conforme os conteúdos encontrados nas campanhas. A primeira é compreendida como uma convocação de vontades para atuar em busca de um propósito comum1717 Mosquera Vásquez M. Comunicación en salud: conceptos, teorías y experiencias. Comminit, La iniciativa de la comunicación [internet]. 2003 [acesso em 2017 ago 9]. Disponível em: http://www.comminit.com/en/node/150400.
http://www.comminit.com/en/node/150400... , no caso, a prevenção das arboviroses e a promoção da saúde. Dessa forma, além de trechos iluminados com o referido conceito, nela, foram considerados os slogans contidos nos cartazes, os quais são definidos como frase-tema de uma campanha que procura resumir e/ou definir seu posicionamento33 Brito BP. Dicionário de Propaganda [internet] 2007. [acesso em 2018 julho 8]. Disponível em: http://www.brenobrito.com/files/Dicionario_da_Propaganda.pdf.
http://www.brenobrito.com/files/Dicionar... . A categoria ‘orientações’ incluiu frases no modo imperativo e instruções sobre como organizar ou executar ações, em especial, para evitar criadouros do mosquito. No que se refere à ‘informação’, considerou-se o conceito apontado na introdução, ou seja, conteúdos ou conhecimentos que orientam a tomada de decisão e que têm a intenção de notificar ou compartilhar algo.
Resultado e discussão
Foram analisadas 17 peças das campanhas promovidas pelo MS no período de 2013 a 2017. Destacam-se as campanhas nacionais e o formato de cartaz, disponíveis no site institucional da pasta ministerial. Observou-se que, após o surgimento da chikungunya e da zika em 2014 e 2015, respectivamente, a instituição quase quadruplicou a média da produção anual das referidas peças. Em 2013, havia apenas um cartaz. No ano seguinte, o número de cartazes sextuplicou; em 2015, ficou em 3, passando para 4 em 2016 e 3 em 2017, saindo de 1 para 3,6 cartazes por ano conforme gráfico 1.
Quantidade de campanhas produzidas pelo Ministério da Saúde sobre as arboviroses (dengue, zika e chikungunya) de 2013 a 2017
Brito33 Brito BP. Dicionário de Propaganda [internet] 2007. [acesso em 2018 julho 8]. Disponível em: http://www.brenobrito.com/files/Dicionario_da_Propaganda.pdf.
http://www.brenobrito.com/files/Dicionar... define cartaz como qualquer mensagem publicitária gráfica impressa em papel ou outro material. Destaca-se que seu tamanho, forma, arte, cores, disposição das informações e todas as outras características são personalizáveis conforme a intencionalidade e a mensagem que se deseja transmitir. Em geral, esses materiais gráficos são fixados em locais públicos onde há grande circulação de pessoas que se deseja alcançar. Configura-se um dos produtos mais comuns da publicidade e da propaganda, usado histórica e tradicionalmente em campanhas de saúde22 Pessoni A. História da interface comunicação e saúde. In: Paulino FO, organizador. Comunicação e Saúde. Brasília, DF: Casa das Musas; 2009. p. 31-42.. Essa adoção justifica-se, supostamente, por tratar-se de material gráfico-visual que pode ser visto e assimilado em poucos segundos, sem a necessidade de muitos esforços por parte do público a quem se destina.
Da observação dos cartazes analisados, percebe-se que as principais cores adotadas foram vermelho, amarelo, preto e branco, sendo que esta última é usada especialmente nos textos. No que se refere aos personagens e imagens observados nas peças, o gênero feminino é o mais evidente, aparecendo em sete delas, enquanto as figuras masculinas aparecem em apenas três. No tocante à raça e à cor, pessoas negras e pardas foram a maioria nas peças. Quanto à idade dos personagens, apenas dois cartazes continham pessoas de meia idade, e as duas eram mulheres. Apesar dos esforços explícitos de representar a maioria da população brasileira, mulheres e pessoas negras, ainda há ausência de pessoas com faixa etária a partir de 50 anos de idade.
Esses achados têm relação direta com a primeira categoria observada, a mobilização. As cores são fortes, os personagens são jovens, e todos os trechos de mobilização têm apelo a uma linguagem bélica que pede para combater, lutar, atacar e eliminar o vetor ou a doença. Constata-se uma responsabilização da população em trechos como: ‘Um mosquito pode prejudicar uma vida. E o combate começa por você’; ‘O perigo aumentou. E a responsabilidade de todos também’; e ‘Sábado da faxina. Não dê folga para o mosquito da dengue’. No entanto, deveria ocorrer um trabalho integrado, em que todos se sentissem corresponsáveis, com a compreensão de que preocupações além da eliminação do vetor são necessárias, sobretudo quanto à relação das pessoas com o ambiente e o entendimento delas enquanto cidadãs1313 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo: Paz e Terra; 1996.,1818 Buss PM. Uma introdução ao conceito de promoção da saúde. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. p. 19-42..
A presença das frases ‘Melhorar sua vida, nosso compromisso’ e ‘É o Brasil cuidando da sua gente’, em 2013 e 2015, respectivamente, até sugeriria tal compreensão, todavia, trata-se apenas de uma estratégia de comunicação institucional criticada por Bucci1919 Bucci E. O Estado de Narciso: a comunicação pública a serviço da vaidade particular. São Paulo: Companhia das Letras; 2015., que a entende como uso indevido dos recursos públicos e do princípio da publicidade para promoção de interesses governamentais e partidários. Nesse sentido, a lógica transmissiva e campanhista mais uma vez se mostra insuficiente para a mobilização2020 Tóth M, Laro R. O potencial limitado das campanhas massivas de comunicação para a transformação de comportamentos sociais. In: Paulino FO, organizador. Comunicação e Saúde. Brasília, DF: Casa das Musas; 2009. p. 45-53., em especial, em uma peça impressa, com pouca acessibilidade que, em geral, se perde em meio a outras do mesmo suporte em murais de unidades de saúde, isso quando chegam lá.
Essa discussão vai ao encontro do que se observou quanto à presença dos nomes das secretarias estaduais e municipais na faixa em que ficam as logomarcas das instituições envolvidas na campanha. Estas só aparecem nas campanhas de 2015, quando o MS declarou situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) devido ao elevado número de casos das arboviroses e à suspeita da relação do zika com a microcefalia2121 Aguiar R, Araújo IS. A mídia em meio às 'emergências' do vírus Zika: questões para o campo da comunicação e saúde. Reciis - Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde [internet]. 2016 [acesso em 2018 jan 9]; 10(1):1-15. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1088.
https://www.reciis.icict.fiocruz.br/inde... . Nesta época, houve um trabalho articulado entre diversas esferas governamentais e setores públicos, com diferentes estratégias. Não obstante, este cessou após o fim da crise. O momento serviu para deixar claro que não só é possível realizar um trabalho articulado, como a efetividade é muito maior, uma vez que houve a redução dos casos de microcefalia99 Albarado AJ, Prado EJ, Mendonça AVM. Um, dois, três - gravando: as campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde sobre dengue, chikungunya e Zika de 2014 a 2017. Reciis - Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde [internet]. 2019 [acesso em 2019 set 7]; 13(1):1981-6278. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1596.
https://www.reciis.icict.fiocruz.br/inde... .
No que se refere à categoria ‘informação’, observou-se que foram os conteúdos mais frequentes nos cartazes. No tocante à disponibilização do conteúdo, os destaques foram colocados, em geral, no centro ou canto superior esquerdo das peças, especialmente os slogans. Diversos trabalhos apontam que, nesse tipo de material, o título recebe maior atenção visual que o corpo do texto, apresentado em tamanho menor, como nas peças analisadas, embora contenham mais informações. Além disso, esses estudos também destacam que as pessoas tendem a, rapidamente, direcionar o olhar para o canto superior esquerdo do anúncio2222 Kawano DR, Jardim ACA, Shimabukuron M, et al. Campanhas de combate ao Aedes aegypti na região amazônica: uma análise de atenção visual com o uso do eye tracker. Sig. Consumo. 2017; 9(2):106-120..
Ao se considerar a perspectiva de técnicas de comunicação comercial, pode-se afirmar que o layout utilizado pelo MS na produção dos cartazes analisados está adequado, contudo, se considerarmos o objetivo das peças – prevenção das arboviroses e promoção da saúde da população –, e não a venda de um produto ou serviço, afinal compreende-se o conceito ampliado da saúde, pode-se também, ao menos, ficar na dúvida. Trata-se de comunicação pública com uma função complexa; e esperar que a lógica comercial sirva para isso é, no mínimo, incoerente com o objetivo que se almeja ao veiculá-la1919 Bucci E. O Estado de Narciso: a comunicação pública a serviço da vaidade particular. São Paulo: Companhia das Letras; 2015..
O Disque Saúde apareceu em 16 das 17 peças, entretanto, praticamente sem destaque ou orientações sobre a forma que tal ferramenta pode ser utilizada em relação ao tema das arboviroses. O endereço do site – saude.gov.br –, que desponta logo abaixo do Disque Saúde, tem menos visibilidade ainda. Como dado central e recomendação para acesso a outras informações da campanha, o endereço do site, não o geral desta vez, mas do combate ao vetor das doenças – saude.gov.br/combateaedes –, só consta nas peças veiculadas em 2017. Também sobre interatividade e articulação a outras mídias de comunicação, observou-se a ausência das mídias sociais digitais nos cartazes produzidos em 2014, 2015 e na campanha ‘Zika Zero’ de 2016.
Outro detalhe interessante suscitado da análise dos cartazes é que o ‘mosquito’ foi mencionado em 16 das 17 peças, e a imagem do vetor aparece em todas elas. Em 2014, as peças trazem uma nuvem dos insetos. No ano seguinte, ele é um detalhe acima das palavras ‘dengue e chikungunya’. Em 2016, na campanha ‘Zika Zero’, ele surge estilizado como um vilão de desenho animado, com olhos esbugalhados, cuja aparência não é fiel à do inseto. No mesmo ano, fora as campanhas do ‘Zika Zero’ e em 2017, o Aedes aparece em negativo, ou seja, uma silhueta com o sinal de proibido em cima.
As informações mais frequentes nas peças foram afirmações sobre o mosquito ser o transmissor das doenças e quanto à novidade da situação: ‘O mosquito da dengue agora também transmite a chikungunya’; ‘O mosquito da dengue pode matar e pode causar microcefalia em bebês’. A dengue é a doença mais citada, duas vezes mais que a zika ou a chikungunya. Os sintomas estão em apenas dois cartazes, todavia, consequências ou sequelas advindas dos agravos começaram a ser a principal mensagem dos cartazes a partir de 2016, em geral sobre a morte: ‘A dengue mata’; e sobre a microcefalia: ‘O mosquito da dengue pode matar e pode causar microcefalia em bebês’. Não se observou o cuidado em tranquilizar as pessoas após essas afirmações2323 Backer TE, Rogers EM, Sopory P. Designing health communication campaigns: What works? Thousand Oaks: Sage Publications; 1992..
Na peça publicada em 2016, não foram identificadas informações acerca do período de latência entre os ovos para o nascimento de novos vetores e afirmações, mas a informação de que o vírus Zika pode ser transmitido por relação sexual sem proteção e que mesmo grávidas as mulheres deveriam usá-la chamou bastante atenção. Esses achados vão ao encontro das discussões acerca da confirmação ou não da relação do vírus com a microcefalia. Atendendo às diretrizes da comunicação de risco, o MS transmitiu informações relevantes no contexto de crise, mesmo diante do cenário de incerteza, pois era necessário prevenir a infecção dos bebês cujas mães estavam gestantes no período2424 Henriques CM. A Surpresa e o Grito. In: Brasil. Ministério da Saúde. Vírus Zika no Brasil: a resposta do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017. p. 15-25.,2525 Turcato MA. Comunicação como Estratégia. In: Brasil. Ministério da Saúde. Vírus Zika no Brasil: a resposta do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017. p. 47-49..
A categoria ‘orientações’ está toda escrita de forma impositiva e focada na prevenção: ‘Mantenha a lixeira fechada’, ‘Elimine os criadouros’ e ‘Tampe os toneis e caixas d’água’. Estas remetem o usuário aos cuidados que devem ser tomados, no entanto, desvinculadas do universo significativo do indivíduo e sem explicar os porquês das ações, as implicações práticas dos cuidados orientados. Os possíveis criadouros do vetor das arboviroses – utensílios como tonéis, pneus, garrafas PET, entre outras – ilustraram 10 das 18 campanhas, sendo que a campanha de 2014 era o centro das atenções com imagens de caixa d’água destampada, garrafa PET, saco de lixo aberto, tonel e vasinho de planta transformando-se em nuvem de mosquitos da dengue.
As grávidas tiveram atenção especial da comunicação analisada ao serem orientadas sobre o uso de repelente, preservativos e à realização do pré-natal em campanha de prevenção às arboviroses. Quanto à orientação de procurar serviços de saúde, esta foi quase inexistente nos cartazes. A orientação de buscar outras informações sobre a doença no site do MS apareceu nos últimos produtos analisados, ao mesmo tempo que as fake news foram um grande problema no momento da crise2424 Henriques CM. A Surpresa e o Grito. In: Brasil. Ministério da Saúde. Vírus Zika no Brasil: a resposta do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017. p. 15-25.. Constatou-se que uma peça com orientações distribuída em 2016 foi reaproveitada na campanha de 2017; e a frase ‘Conheça histórias de vida devastadas por essas doenças’, nas produções de 2017, é, no mínimo, curiosa, pois nesse ano, a campanha ignorou os cuidados e passou a trabalhar com histórias de personagens reais que tiveram perdas e sequelas relacionadas com as arboviroses em questão.
Nota-se que a comunicação realizada pelo MS ainda se preocupa somente com a prevenção das doenças e segue o padrão campanhista de 1920 para executar suas ações. As estratégias tradicionais de transmissão de informações verticalizadas e de orientações responsabilizadoras ignoram as diretrizes de uma comunicação educativa e promotora de saúde, o que, segundo Paulo Freire, não produz significações e transformações na vida dos indivíduos1313 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo: Paz e Terra; 1996.. Na ótica da comunicação educativa, essas significações são imprescindíveis para que haja transformações significativas para superação dos agravos em saúde. A forma padronizada de realizar a comunicação ainda é o modelo tradicional, e não o baseado em uma educação emancipatória contando com um sujeito protagonista do seu saber.
Destaca-se que as ações não podem ser meramente preventivas, mas capazes de promover a saúde dos indivíduos, entendendo-se por promoção a capacitação da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de vida e saúde do próprio indivíduo e comunidade. Assim, a promoção da saúde deixa de ser uma responsabilidade só dos profissionais da saúde e passa a ser uma responsabilidade de todos, além de direcionar que o indivíduo busque uma vida saudável e o bem-estar individual e coletivo77 Brasil. Ministério da Saúde. As Cartas da Promoção da Saúde [internet]. Brasília, DF: MS; 2002. (Série B. Textos Básicos em Saúde). [acesso em 10 jul 2015]. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartas_promocao.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe... .
Considerações finais
Não se percebeu uma comunicação educativa ou promotora de saúde nas campanhas analisadas. Mais uma vez, constataram-se a transmissão de informações e a imposição de orientações, distante daquilo proposto pela comunicação educativa, que pressupõe ações pensadas conforme as necessidades dos usuários. Estas sequer foram observadas nos cartazes no período analisado.
Ressalta-se que pensar ações de controle e combate a esses vetores, bem como de prevenção das arboviroses, perpassa, impreterivelmente, ações de informação e comunicação em saúde; e que estas sejam, ao mesmo tempo, educativas. Isso exige aos gestores e profissionais de saúde a elaboração de estratégias dialógicas que fomentem o agir comunicativo e a transformação das práticas cotidianas, além de uma visão holística do problema em questão, afinal de contas, a prevenção e o controle das arboviroses não dependem somente da eliminação dos criadouros do Aedes.
A concepção de campanhas com peças isoladas ou práticas comunicacionais centradas nos indivíduos e na realidade em que estes estão inseridos, bem como na efetiva transformação dessa realidade, não podem ser vistas como práticas educativas. Ademais, as campanhas produzidas pelo MS e aqui analisadas são apenas informativas.
A crítica ao fato de se tratar de uma peça com pouco espaço para o diálogo – afinal, trata-se de um material gráfico impresso – não impede que a linguagem, as imagens e as possibilidades de interação a partir do suporte sejam infinitas. Para isso, é preciso compreender que o público a quem se destina é composto por pessoas dotadas de direito e que podem e devem ser tratadas para além de uma recepção passiva de conteúdo.
- Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
16 Nov 2020 - Data do Fascículo
Jul-Sep 2020
Histórico
- Recebido
29 Set 2019 - Aceito
10 Jun 2020