Formação em gestão do trabalho e da educação na saúde: relatando uma experiência educativa

Training in work management and health education: reporting an educational experience

Rafael Rodolfo Tomaz de Lima Sobre o autor

RESUMO

O artigo relata a experiência de um curso de especialização em gestão do trabalho e da educação na saúde, voltado para gestores e trabalhadores do Sistema Único de Saúde, no estado do Rio de Janeiro. Composto por 380 horas e organizado em quatro unidades didáticas, cada uma com seus respectivos módulos, o curso foi realizado entre agosto de 2018 e junho de 2019, na modalidade a distância, tendo a problematização como concepção pedagógica. Ademais, o curso visou apoiar as equipes gestoras, oportunizando o acesso a novos conhecimentos teóricos e práticos, contribuindo para o fortalecimento da gestão do trabalho e da educação na saúde. Ao final da especialização, os cursistas apresentaram seus Trabalhos de Conclusão de Curso, de caráter interventivo, sendo preciso identificar, inicialmente, um problema dentro do seu lócus de trabalho e, por conseguinte, escolher as formas de como solucioná-lo. Espera-se que a presente proposta possa contribuir com a reflexão crítica e a discussão acerca da importância da educação permanente para os trabalhadores da saúde. Além disto, dentro de suas limitações, pretende-se destacar a contribuição da educação a distância para a qualificação profissional e para a sustentação do Sistema Único de Saúde.

PALAVRAS-CHAVE
Formação de recursos humanos; Educação permanente; Educação a distância

ABSTRACT

The article reports the experience of a specialization course in work management and health education, aimed at managers and workers of the Unified Health System in the state of Rio de Janeiro. Composed of 380 hours and organized in four didactic units, each one with their respective modules, the course was held between august 2018 and June 2019, in the distance modality, with the problematization as a pedagogical conception. In addition, the course aimed to support the management teams, providing access to new theoretical and practical knowledge, contributing to the strengthening of work management and health education. At the end of the specialization course, the participants presented their Final Papers, initially having to identify a problem within their work locus and, therefore, choose the ways to solve it. It is hoped that this proposal can contribute to critical reflection and discussion about the importance of continuing education for health workers. In addition, within its limitations, it is intended to highlight the contribution of distance education for professional qualification and for the support of the Unified Health System.

KEYWORDS
Human resources training; Education continuing; Education distance

Introdução

Entre agosto de 2018 e junho de 2019, o Observatório de Recursos Humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em parceria com o Departamento da Gestão do Trabalho em Saúde (DEGTS) do Ministério da Saúde (MS), ofertou o Curso de Especialização em Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (CEGTES) para gestores e trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) no estado do Rio de Janeiro (RJ). O referido curso aconteceu na modalidade a distância e este artigo tem a finalidade de relatar a experiência das atividades desenvolvidas durante tal processo educativo, especificamente na turma em que o autor do presente manuscrito atuou como tutor.

A descentralização do SUS, ao longo dos anos, impôs aos estados e municípios uma agenda na qual a área de recursos humanos em saúde, doravante denominada gestão do trabalho e da educação na saúde, passou a ser incluída e a se configurar como uma importante área para intervenções, na perspectiva de qualificar os processos de trabalho e de produção do cuidado. Com uma agenda diversificada e comprometida com a qualidade, na qual novos desafios se somam a antigos, a gestão do trabalho e da educação na saúde vem reforçando sua posição como prioritária para resolver grande parte dos problemas do SUS11 Vieira SP, Pierantoni CR, Magnago C, et al. Planos de carreira, cargos e salários no âmbito do Sistema Único de Saúde: além dos limites e testando possibilidades. Saúde debate. 2017; 41(112):110-121.,22 Mendes TMC, Oliveira RFS, Mendonça JMN, et al. Planos de cargos, carreiras e salários: perspectivas de profissionais de saúde do Centro-Oeste do Brasil. Saúde debate. 2018; 42(119):849-861..

Magnago et al.33 Magnago C, Pierantoni CR, França T, et al. Política de gestão do trabalho e educação em saúde: a experiência do ProgeSUS. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(5):1521-1530. destacam que, a partir de 2003, com a reestruturação do MS e a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), houve, em âmbito nacional, uma maior mobilização de políticas para a área da gestão do trabalho e da educação na saúde. Nesse sentido, a SGTES assumiu a responsabilidade de formular políticas públicas orientadoras da gestão, formação e qualificação da força de trabalho em saúde, bem como da regulação profissional na área da saúde no Brasil.

Em instituições de saúde, a gestão do trabalho e da educação requer profissionais capacitados para assumirem as suas responsabilidades. Por ter características específicas vinculadas a um saber e a uma prática especializada, demanda a convergência de esforços na busca de alternativas que melhorem, qualifiquem e atualizem as estruturas existentes. Para que este processo aconteça, é necessária a capacitação das equipes responsáveis pela gestão do trabalho e da educação na saúde, assim como uma análise e um redesenho dos processos de trabalho e de gestão.

Nessa perspectiva, foi criado o CEGTES. A partir de um diagnóstico realizado pelo DEGTS, o qual identificou fragilidades recorrentes nos setores de gestão do trabalho e da educação na saúde, das secretarias estaduais e municipais de saúde, esse curso surgiu com a finalidade de qualificar os processos de gestão do trabalho e da educação na saúde no âmbito do setor público de saúde, primordialmente, através da capacitação dos sujeitos que atuam nas dimensões política, técnica e administrativa. Sendo assim, busca apoiar as equipes gestoras, oportunizando o acesso a novos conhecimentos teóricos e práticos, contribuindo para o fortalecimento da gestão do trabalho e da educação na saúde no SUS44 Castro JL, Vilar RLA, Costa TPT. La tecnología de la educación a distancia: ampliando el acceso en los procesos de capacitación en los servicios de salud. Rev internacional de tecnología, ciencia y sociedad. 2017; 6(1):49-53..

Considerando a dimensão continental do Brasil e as desigualdades existentes em todo o território nacional, incluindo as desigualdades de ingresso e de permanência de trabalhadores da saúde nas ações presenciais de educação continuada e/ou permanente, o curso foi desenvolvido com financiamento público e na modalidade Educação a Distância (EaD). A primeira etapa do CEGTES aconteceu entre 2013 e 2014, na região Nordeste; a segunda, entre 2014 e 2016, nas regiões Norte e Centro-Oeste; e a terceira etapa, entre 2018 e 2019, nas regiões Sul e Sudeste. Seguramente, a ampliação da oferta de capacitação e de trabalhadores capacitados, característica primordial da modalidade EaD, já é um forte impacto desse curso nas instâncias do SUS.

No RJ, a divulgação e a realização do CEGTES também contaram com o apoio da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ) e do Instituto de Medicina Social (IMS), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), sobretudo para mobilizar os cursistas e para auxiliar na logística dos encontros presenciais. De acordo com Estrela55 Estrela CR. Brincando com coisa séria: a saúde da população negra e a qualificação dos trabalhadores da saúde do estado do Rio de Janeiro [monografia]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2019. 24 p. e Baltazar66 Baltazar DVS. ConversaSUS com a formação: proposta de estruturação de uma plataforma digital de formação para o Sistema Único de Saúde [monografia]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2019. 27 p., a rede de saúde do RJ é composta por 32 equipamentos estaduais de saúde, de diferentes níveis de atenção e especialidades, distribuídos entre as nove regiões Administrativas (Metropolitana I, Metropolitana II, Baía da Ilha Grande, Médio Paraíba, Centro Sul, Serrana, Baixada Litorânea, Norte e Noroeste Fluminense).

Para ampliar a cobertura e garantir a integralidade do acesso da população fluminense – estimada em 17,2 milhões de habitantes pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 201877 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Brasil). Estimativas da população [internet]. [Brasília, DF]: IBGE; [data desconhecida] [acesso em 2019 ago 3]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?=&t=o-que-e/.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
– aos serviços de saúde, a rede de saúde também conta com serviços municipais, federais, privados e filantrópicos. Portanto, considerando a magnitude da organização da atenção à saúde no mencionado estado, bem como a importância da qualificação dos profissionais que compõem essa rede de serviços, seja no âmbito da gestão da força de trabalho ou diretamente na assistência à saúde, faz-se necessário formular processos educativos que venham a qualificar esses trabalhadores e divulgar os seus alcances.

O desenvolvimento do curso

Neste tópico, as informações acerca do desenvolvimento do CEGTES serão apresentadas em uma linguagem dialógica com a literatura científica, na tentativa de auxiliar a descrição e compreensão da experiência educativa. Como já foi dito na parte introdutória deste relato, o CEGTES é destinado a trabalhadores e gestores da área da gestão do trabalho e da educação na saúde, nas diferentes instâncias do SUS. Entretanto, considerando que a gestão do trabalho e da educação na saúde não deve se restringir a setores específicos, sobretudo porque as relações humanas são inerentes a qualquer processo de trabalho em saúde, no RJ, o público-alvo foi expandido para profissionais de outras áreas da gestão de sistemas e serviços de saúde, e para profissionais da assistência.

Dos 31 alunos matriculados, 7 desistiram no decorrer do percurso e 24 conseguiram concluir a especialização. Entre os concluintes, 20 (83%) eram do gênero feminino, com predominância de idade entre 31 e 40 anos (46%). Nos últimos 30 anos, o mundo do trabalho e, por conseguinte, o SUS, passou por diversas transformações. Entre elas, destaca-se o aumento da inserção da mulher nos postos de trabalho em saúde, representando uma significativa expansão e contribuindo para melhor compreender as especificidades do setor saúde88 Wermelinger M, Machado MH, Tavares MFL, et al. A feminilização do mercado de trabalho em saúde no Brasil. Divulg. saúde debate. 2010; (45):54-70..

Machado et al.99 Machado MH, Oliveira ES, Moyses NMN. Tendências do mercado de trabalho em saúde no Brasil. In: Pierantoni CR, Dal Poz MR, França T, organizadores. O trabalho em saúde: abordagens quantitativas e qualitativas. Rio de Janeiro: CEPESC: IMS/UERJ; 2011. p. 103-116. revelam que, no Brasil, essa mudança é de forte impacto, principalmente nas profissões mais tradicionais, como a medicina e a odontologia. Na medicina, por exemplo, na década de 1970, as mulheres representavam 11% da categoria; nos anos 1990, já eram 33%; e estima-se que, nos próximos 15 anos, as mulheres possam representar 50% da profissão médica. De acordo com Machado e Ximenes Neto1010 Machado MH, Ximenes Neto FRG. Gestão da educação e do trabalho em saúde no SUS: trinta anos de avanços e desafios. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(6):1971-1980., atualmente, 70% da força de trabalho em saúde do País são compostos por mulheres.

Semelhantemente às profissões que estão diretamente ligadas à assistência prestada aos usuários, os cargos administrativos e gerenciais do setor também são predominantemente ocupados por profissionais do gênero feminino. Segundo Moreno et al.1111 Moreno AB, Almeida A, Costa L, et al. Trabalhadores da saúde: diferenças de escolaridade entre o setor público e o privado. Um estudo a partir da PNAD - 2005. In: Pierantoni CR, Dal Poz MR, França T, organizadores. O trabalho em saúde: abordagens quantitativas e qualitativas. Rio de Janeiro: CEPESC: IMS/UERJ; 2011. p. 117-132., as mulheres representam cerca de 79%, contra os 21% de representação masculina.

Considerando, ainda, o quantitativo de concluintes do CEGTES, a maioria (42%) ocupa cargos na gestão de sistemas e/ou serviços de saúde (tabela 1) e 11 (45%) estão atuando em instituições municipais de saúde (tabela 2), sobretudo no interior do estado. Ademais, nenhum concluinte já havia participado de algum curso sobre gestão do trabalho e da educação na saúde. Estes dados ressaltam a importância do desenvolvimento de ações educativas para esta parcela de trabalhadores, que estão inseridos na gestão do SUS – mais especificamente, na gestão do trabalho e da educação na saúde – sem conhecer a história, a configuração e as estratégias de gestão que vêm sendo desenvolvidas na área de recursos humanos em saúde.

Tabela 1
Distribuição dos alunos por área de atuação. Rio de Janeiro, Brasil, 2019
Tabela 2
Distribuição dos alunos por instituição de atuação, segundo esfera administrativa. Rio de Janeiro, Brasil, 2019

Outrossim, reforça-se a importância da EaD como ferramenta da educação permanente, possibilitando a qualificação de trabalhadores de municípios mais longínquos, de forma mais ampla e democrática. Afinal, a gestão do trabalho e da educação na saúde é vista como uma área de problemas crônicos e desafios agudos, considerando a complexidade de atividades laborais e os interesses em jogo para concretizar os anseios oriundos da idealização da Reforma Sanitária Brasileira1212 Paim JS. Recursos humanos em saúde no Brasil: problemas crônicos e desafios agudos. São Paulo: USP; 1994..

Composto por 380 horas e organizado em quatro unidades didáticas, cada uma com seus respectivos módulos (quadro 1), o CEGTES teve início, no RJ, no dia 27 de agosto de 2018. Anteriormente ao primeiro encontro presencial, realizado na SES/RJ, todos os tutores, coordenadores locais e coordenadores pedagógicos da etapa Sul e Sudeste participaram de uma capacitação pedagógica realizada em Natal (RN), no mês de junho de 2018, para compreender a estrutura curricular do curso, conhecer o material didático e se familiarizar com o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).

Quadro 1
Estrutura curricular do CEGTES, etapa Sul e Sudeste. Natal, Brasil, 2019

De acordo com Vilar et al.1515 Vilar RLA, Castro JL, Dias MA, et al. A importância do professor tutor na mediação pedagógica em ambientes virtuais de aprendizagem. In: Castro JL, Dias MA, Oliveira RFS, organizadoras. A integração entre o ensino e o serviço de saúde: relato de atores, olhar de investigadores. Natal: Una; 2017. p. 18-35., a EaD vem sendo utilizada como um método inovador na educação permanente em saúde, capaz de contribuir com a qualificação profissional, provocar mudanças nos serviços e propiciar novos modelos de gestão e de atenção à saúde. Para tal, é primordial que as práticas educativas na EaD, assim como as práticas educativas presenciais, não sejam centralizadas nos professores e sim, em concepções pedagógicas críticas, através das quais o aluno seja um sujeito ativo no processo ensino-aprendizagem e o tutor seja um facilitador.

No Brasil, as concepções pedagógicas críticas ganharam maior visibilidade a partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, logo após o final do regime militar, quando trabalhadores do sistema educacional, aproveitando-se da abertura política e democrática existente no país, mobilizaram-se para implementar um modelo educacional que fosse capaz de propiciar transformações sociais, econômicas e políticas1616 Pereira ALF. As tendências pedagógicas e a prática educativa nas ciências da saúde. Cad. saúde pública. 2003; 19(5):1527-1534.. Neste sentido, os conteúdos pedagógicos e procedimentos didáticos pautados por esta corrente pedagógica devem estar relacionados ao cotidiano do aluno e às realidades sociais, sendo necessário que o professor esteja pedagogicamente qualificado e domine conhecimentos e práticas para que, de maneira dialógica com o aluno, favoreça o acesso ao conhecimento e o aprendizado deste1616 Pereira ALF. As tendências pedagógicas e a prática educativa nas ciências da saúde. Cad. saúde pública. 2003; 19(5):1527-1534..

Portanto, na modalidade EaD, é fundamental que o tutor conheça profundamente as tecnologias da informação e comunicação de que fará uso, “apoiado por ferramentas que viabilizem o diálogo, a troca de saberes e a construção coletiva de ideias”1515 Vilar RLA, Castro JL, Dias MA, et al. A importância do professor tutor na mediação pedagógica em ambientes virtuais de aprendizagem. In: Castro JL, Dias MA, Oliveira RFS, organizadoras. A integração entre o ensino e o serviço de saúde: relato de atores, olhar de investigadores. Natal: Una; 2017. p. 18-35.(18). Ademais, cabe ao tutor compreender que a relação com o aluno da modalidade EaD acontece através de um ambiente virtual, todavia, suas práticas deverão impactar no mundo real, onde os alunos estão inseridos, e também o utilizarão como meio de diagnóstico e transformação.

Desde o início do curso, a participação dos alunos nos fóruns virtuais foi muito significativa, tanto em termos quantitativos como em termos qualitativos. Através da tutoria, foi possível perceber que os fóruns são ferramentas importantes para que os estudantes possam compartilhar entre si as suas experiências cotidianas do trabalho no SUS, bem como para exporem as dificuldades e facilidades para a realização das atividades. Ademais, os alunos também utilizaram os fóruns para avaliar positivamente as estratégias de ensino-aprendizagem criadas pela coordenação e tutoria do curso, conforme os trechos a seguir:

Olá, caros colegas e tutor! Achei o vídeo bem interessante. No processo de trabalho ao qual estou inserido, há muitas diferenças. Tais diferenças surgem em razão de eu atuar em unidade de saúde hospitalar de média e alta complexidade. Mas ao assistir o vídeo, passando pela ideia de integração de equipes multiprofissionais, percebi que o conceito é perfeitamente aplicável ao ambiente hospitalar. Integrar as equipes é uma boa estratégia para efetivação de uma assistência mais humanizada. (Depoimento de um aluno, extraído do Fórum Geral do Módulo 3 – Unidade 1).

Olá a todos! Estou gostando da dinâmica do curso, com textos, vídeos e interação entre os alunos. A atuação do tutor é um diferencial, solicitando nossa participação e atenção aos prazos. Quanto ao tema abordado no Módulo I, acho muito importante a discussão sobre o SUS, visto que é um modelo tão abrangente para a saúde, mas que na prática não é bem aplicado, por diversos motivos. Um deles é justamente a má gestão, não só de governantes, mas também dos colaboradores das unidades de saúde. Sim, a nossa atuação reflete consideravelmente nos serviços prestados à população e a nossa discussão aqui gera crescimento. (Depoimento de um aluno, extraído do Fórum Geral do Módulo 1 – Unidade 1).

Para que a turma cumprisse o calendário de atividades corretamente, mensagens via plataforma eram enviadas para os alunos no dia da abertura de cada módulo, após uma semana da data de abertura e dois dias antes da data de encerramento. Além disso, o acesso dos alunos à plataforma era acompanhado diariamente, visando esclarecer possíveis dúvidas e orientar a realização das atividades. Apesar dessas estratégias, a assiduidade dos alunos começou a declinar no período entre o encerramento da Unidade Didática II e o início da Unidade Didática III.

Além do período de recesso de fim de ano, quando muitos trabalhadores gozam seus dias de férias, o processo de ensino-aprendizagem no CEGTES também era um ato vivo e atravessado pelos acontecimentos do cotidiano dos alunos, fossem eles pessoais ou profissionais. Na turma, o processo formativo foi permeado por angústias e desânimos, agudizados pelos contextos social, político e econômico do Brasil e do RJ, nos quais as mudanças vivenciadas no mundo do trabalho em geral, com altas taxas de desemprego, ameaçavam com mais intensidade os cursistas com vínculos precários de emprego.

Percebendo a mudança de comportamento dos alunos na plataforma, visto que muitos não acessavam o AVA havia mais de 20 dias e acumulavam uma significativa quantidade de tarefas, outros meios de informação e comunicação foram agregados, visando motivar a turma e aperfeiçoar a interatividade entre tutor e alunos, tornando-os mais próximos, apesar da distância. Segundo Tori1717 Tori R. Educação sem distância: as tecnologias interativas na redução de distâncias em ensino e aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Artesanato Educacional; 2017., nos espaços presenciais ou virtuais de aprendizagem, a interatividade pode ser definida como a capacidade de compartilhamento entre os sujeitos, podendo ser facilitada por um sistema ou equipamento de comunicação.

Acreditando nisso, foi estimulado o uso do aplicativo WhatsApp® como mais um recurso de comunicação e troca de experiências, com a composição de um grupo contendo tutor, alunos, coordenação local e coordenação pedagógica, para torná-los mais interativos e superar as barreiras existentes no processo educacional. Paulino et al.1818 Paulino DB, Martins CCA, Raimondi GA, et al. WhatsApp(r) como recurso para a educação em saúde: contextualizando teoria e prática em um novo cenário de ensino-aprendizagem. Rev bras educ méd. 2018; 42(1):169-178. destacam que o aplicativo WhatsApp® tem um forte potencial didático, quando utilizado de maneira correta, configurando-se como um espaço de interações rápidas e dinâmicas, possibilitando a construção de um saber crítico e reflexivo entre os envolvidos. Ademais, é um aplicativo de baixo custo e pouco explorado pelas universidades brasileiras no auxílio à formação de recursos humanos em saúde.

O uso do aplicativo de mensagens aumentou a participação dos alunos na plataforma virtual, no entanto, a equipe pedagógica do CEGTES avaliou como necessária a realização de um segundo encontro presencial, não previsto no planejamento inicial do curso. Realizado no dia 16 de março de 2019, nas dependências do IMS/Uerj, o segundo encontro presencial contou com a participação de 18 alunos, constituindo-se em um momento de repactuação para a realização das atividades atrasadas, havendo uma forte adesão dos alunos que ainda estavam ativos na plataforma, independentemente de terem comparecido ao encontro presencial ou não, para a realização das mencionadas atividades.

Ademais, esse encontro presencial foi uma ação estratégica para estimulá-los na elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). No encontro, além das orientações gerais sobre os aspectos normativos e metodológicos, foram debatidos os possíveis temas que iriam compor os TCC dos referidos alunos.

No CEGTES, a proposta do TCC a ser desenvolvido pelos alunos é um projeto de intervenção, sendo preciso identificar um problema dentro do seu lócus de trabalho e, a partir deste, escolher as maneiras de solucioná-lo, respeitando a concepção pedagógica problematizadora do curso, “uma vez que busca a construção do saber vinculado ao contexto do trabalho no qual o aluno está inserido”1414 Castro JL, Vilar RLA, Liberalino FN. Gestão do trabalho e da educação na saúde. Natal: SEDIS-UFRN; 2018.(9). Na concepção pedagógica problematizadora, pertencente à corrente das pedagogias críticas, o processo de ensino-aprendizagem se dá pelo diálogo entre professores e alunos. A partir deste diálogo, mediado pela realidade em que ambos vivem, o aluno é estimulado a extrair os conteúdos de aprendizagem para analisar criticamente a realidade e intervir, possibilitando a transformação social1616 Pereira ALF. As tendências pedagógicas e a prática educativa nas ciências da saúde. Cad. saúde pública. 2003; 19(5):1527-1534..

Para Freire1919 Freire P. Educação e mudança. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2001., principal educador responsável pela difusão do método da problematização, é por meio do diálogo que ocorre a verdadeira comunicação, sendo uma relação social, igualitária e que produz conhecimento. Desse modo, no CEGTES a aprendizagem ocorreu através de uma ação motivada e de uma real situação problema, na qual a construção do conhecimento se deu a partir das experiências dos alunos, da descoberta de novos conhecimentos e do desenvolvimento de atitudes críticas e criativas1414 Castro JL, Vilar RLA, Liberalino FN. Gestão do trabalho e da educação na saúde. Natal: SEDIS-UFRN; 2018..

Para que a proposta interventiva fosse efetivada, o aluno do curso precisava compreender, inicialmente, a importância do conhecimento científico para a eficácia das práticas do trabalho em saúde, e desenvolver olhares e reflexões que garantissem um raciocínio científico, possibilitando construir sistematicamente o seu projeto de intervenção. Ao todo, foram apresentados e aprovados 24 TCC, versando sobre a gestão do trabalho em saúde ou sobre a gestão da educação na saúde.

O terceiro encontro presencial do curso, considerado também como o encerramento e o momento de defesa dos TCC, ocorreu no dia 29 de junho de 2019, também nas dependências do IMS/Uerj. A tabela 3 a seguir contém informações acerca das principais temáticas dos TCC.

Tabela 3
Distribuição dos TCC por subárea e temática. Rio de Janeiro, Brasil, 2019

Conforme pode ser observado na tabela 3acima, a principal temática dos TCC defendidos versa sobre a educação permanente em saúde. De modo geral, a educação permanente em saúde objetiva orientar o desenvolvimento profissional para transformar as práticas de saúde e o modo de organização do trabalho, através do reconhecimento das necessidades locais e da educação no trabalho e para o trabalho, envolvendo instituições de ensino, gestores, trabalhadores e usuários.

Para instituir a educação permanente no âmbito dos estabelecimentos de saúde, em 2004, o MS lançou a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), por intermédio da Portaria nº 198. Três anos depois, em 2007, a Portaria nº 1.996, também do MS, definiu diretrizes para a implementação da PNEPS nos estados e municípios brasileiros2020 França T, Medeiros KR, Belisário SA, et al. Política de Educação Permanente em Saúde no Brasil: a contribuição das comissões permanentes de integração ensino-serviço. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(6):1817-1828..

Segundo a PNEPS, as três esferas de gestão do SUS devem: 1) planejar a formação e a educação permanente de trabalhadores em saúde necessários ao SUS no seu âmbito de gestão, contando com a colaboração das Comissões de Integração Ensino-Serviço (Cies); 2) estimular, acompanhar e regular a utilização dos serviços de saúde, em seu âmbito de gestão, para atividades curriculares e extracurriculares dos cursos técnicos, de graduação e pós-graduação na saúde; e 3) articular, junto às instituições de ensino técnico e universitário, mudanças em seus cursos técnicos, de graduação e pós-graduação, de acordo com as necessidades do SUS, estimulando uma postura de corresponsabilidade sanitária2121 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Diário Oficial da União. 21 Ago 2007. [acesso em 2020 ago 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2007/prt1996_20_08_2007.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
.

Entretanto, em todo o território nacional ainda existem muitos entraves à implementação da PNEPS nos diferentes níveis de gestão e de atenção do SUS. Entre estes principais entraves, destacam-se: o descaso, por parte dos gestores do SUS; a falta de compreensão dos princípios pedagógicos da educação permanente, por parte dos trabalhadores da saúde; a falta de estruturação de um setor específico para a educação permanente nas secretarias de saúde; e a descontinuidade das atividades das CIES2020 França T, Medeiros KR, Belisário SA, et al. Política de Educação Permanente em Saúde no Brasil: a contribuição das comissões permanentes de integração ensino-serviço. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(6):1817-1828.,2222 Cardoso MLM, Costa PP, Costa DM, et al. A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde nas Escolas de Saúde Pública: reflexões a partir da prática. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(5):1489-1500.,2323 França T, Belisário SA, Medeiros KR, et al. Limites e possibilidades das comissões permanentes de integração ensino-serviço. Saúde debate. 2017; 41(esp3):144-154..

Portanto, considerando esses limites apresentados e o caráter interventivo do TCC para a gestão do trabalho e da educação na saúde, talvez as dificuldades acima justifiquem a existência de tantos trabalhos sobre a educação permanente em saúde. Outrossim, mostram como a gestão do trabalho e da educação na saúde, vista por muito tempo como uma área ‘dura’, pode se articular muito bem com outras áreas de atuação e de estudo para qualificar cada vez mais o trabalho em saúde e, consecutivamente, o cuidado em saúde.

Considerações finais

O presente relato buscou descrever as experiências desenvolvidas durante um processo educativo sobre a gestão do trabalho e da educação na saúde, para gestores e trabalhadores do SUS no estado do RJ. Deste modo, espera-se que possa contribuir com a reflexão crítica e a discussão acerca da importância da educação permanente para os trabalhadores da saúde.

Além disso, dentro de suas limitações, pretendeu destacar a contribuição da EaD na democratização do acesso às oportunidades de qualificação profissional, bem como a importância da integração ensino-serviço para o fortalecimento da cooperação técnica, para o desenvolvimento profissional em saúde e para a sustentação do SUS.

Espera-se que outros estudos possam ser realizados e divulgados, principalmente na perspectiva dos alunos, para avaliar a importância desse curso em sua percepção e o real impacto de tal proposta educativa no cotidiano dos sistemas e serviços de saúde contemplados.

  • Suporte financeiro: não houve

Agradecimentos

Ao Observatório de Recursos Humanos da UFRN e ao DEGTS/MS.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2019
  • Aceito
    06 Ago 2020
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