Elaboração e validação de um instrumento para mensurar Autopercepção de Saúde em adultos

Development and validation of an instrument to measure Self-Perceived Health in adults

Samuel Mattos Thereza Moreira Raquel Florêncio Virna Cestari Sobre os autores

RESUMO

Elaborar um instrumento para mensurar a Autopercepção de Saúde (APS) em adultos e sua validação por especialistas. Estudo metodológico composto de duas fases: a primeira foi a elaboração do instrumento, a partir de revisão da literatura; a segunda, de validação de conteúdo, mediante a avaliação do instrumento por nove especialistas, profissionais da saúde. Para análise, calculou-se o Índice de Validade de Conteúdo (IVC=0,78), o teste binomial (p>0,05) e o coeficiente Kappa (=0,61). Inicialmente, o instrumento foi composto por 25 itens, dispostos em três dimensões. Um item foi eliminado (IVC=0,56) e três perguntas foram adicionadas por sugestão dos especialistas. Ao final, o instrumento foi organizado em 26 itens divididos em três dimensões. O IVC total do instrumento foi de 0,84 e Kappa igual a 0,83. O instrumento apresentou IVC satisfatório e apto para análise semântica e posterior validação externa.

PALAVRAS-CHAVE
Autoimagem; Psicometria; Estudo de validação; Adulto

ABSTRACT

To elaborate an instrument to measure Self-Perception of Health in adults and its validation by experts. Methodological study consisting of two phases: the first was the development of the instrument from the literature review; the second was content validation, with evaluation of the instrument by nine experts, health professionals. For analysis, were calculated Content Validity Index (CVI=0.78), binomial test (p>0.05), and Kappa coefficient (=0.61). Initially, the instrument was composed of 25 items, arranged in three dimensions. One item was eliminated (CVI = 0.56) and three questions were added suggested by the experts. At the end, the instrument was organized into 26 items divided into three dimensions. The total CVI of the instrument was 0.84 and Kappa equal to 0.83. The instrument showed satisfactory content validity which ensured its reliability for the external validation.

KEYWORDS
Self concept; Psychometrics; Validation study; Adult

Introdução

A avaliação da Autopercepção de Saúde (APS) é uma medida do estado de saúde geral, sendo considerada um excelente preditor de mortalidade na população. Indivíduos que afirmam ter boa saúde apresentam maiores chances de estarem saudáveis, enquanto aqueles que classificam sua saúde como ruim ou péssima têm predisposição à morte ou à baixa qualidade de vida11. Oliveira TL, Griep RH, Guimarães JN, et al. Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil): socio-occupational class as an effect modifier for the relationship between adiposity measures and self-rated health. BMC Public Health. 2019; 19(1):734..

Além dessas questões, a avaliação da APS é comumente adotada em pesquisas de base populacional pela facilidade de aplicação22. Reche E, König HH, Hajek A. Income, Self-Rated Health, and Morbidity. A Systematic Review of Longitudinal Studies. Int J Environ Res Public Health. 2019; 16(16):2884.. No entanto, os instrumentos disponíveis para mensurar a APS focalizam em avaliá-la por meio de uma única pergunta: ‘Em geral, você diria que sua saúde é?’ ou ‘Em comparação ao outro da mesma idade?’ ou ‘Em comparação ao ano anterior, como você avalia sua saúde?’ com cinco opções de resposta estilo Likert (1- Excelente; 2- Muito boa; 3- Boa; 4- Ruim; 5- Muito ruim)22. Reche E, König HH, Hajek A. Income, Self-Rated Health, and Morbidity. A Systematic Review of Longitudinal Studies. Int J Environ Res Public Health. 2019; 16(16):2884. 33. Abdollahpour I, Mooijaart S, Aguilar-Palacio I, et al. Socioeconomic status as the strongest predictor of self-rated health in Iranian population; a population-based cross-sectional study. J Psychosom Res. 2019; (124):109775. 44. Oenning NSX, Goulart BNG, Ziegelmann PK, et al. Associations between occupational factors and self-rated health in the national Brazilian working population. BMC Public Health. 2019; 26;19(1):1381. 55. Van Deudekom FJ, Gelder J, Lucke JA, et al. Determinants of self-rated health in older adults before and 3 months after an emergency department visit. Eur J Emerg Med. 2019; 26(4):255-60. 66. Moor I, Spallek J, Richter M. Explaining socioeconomic inequalities in self-rated health: a systematic review of the relative contribution of material, psychosocial and behavioural factors. J Epidemiol Community Health 2017; 71(6):565-75..

Dessa forma, verifica-se que o modo como a avaliação da APS acontece poderia ser incrementado para minimizar possíveis limitações nas predições de situações de saúde, já que a APS é complexa e envolve dimensões da vida, como fatores físicos, mentais e sociais33. Abdollahpour I, Mooijaart S, Aguilar-Palacio I, et al. Socioeconomic status as the strongest predictor of self-rated health in Iranian population; a population-based cross-sectional study. J Psychosom Res. 2019; (124):109775.,77. Idler EL, Benyamini Y. Self-Rated Health and Mortality: a Review of Twenty-Seven Community Studies. J Health Soc Behav. 1997; 38(1):21-37.,88. Burstrom B. Self-rated health: Is it as good a predictor of subsequent mortality among adults in lower as well as in higher social classes?. J Epidemiol Community Heal. 2001; 55(11):836-40.. Vários estudos tentam desvelar quais significados são considerados quando o sujeito avalia sua própria saúde. Apesar dos esforços, ainda não há uma definição clara e objetiva99. Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med. 2009; 69(3):307-16.. Acredita-se que cada sujeito possui uma perspectiva diferente de avaliação, o que justifica a relevância em buscar uma melhor compreensão acerca desse conceito99. Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med. 2009; 69(3):307-16. 1010. Jylha M, Leskinen E, Alanen E, et al. Self-rated health and associated factors among men of different ages. J. Gerontol. 1986; 41(6):710-717. 1111. Leinonen R, Heikkinen E, Jylhä M. A path analysis model of self-rated health among older people. Aging Clin Exp Res. 1999; 11(4):209-220..

Sabe-se que a APS é um forte indicador para elaboração de estratégias de promoção e prevenção da saúde e no desenvolvimento de políticas públicas para o combate aos agravos à saúde1212. Aguilar-Palacio I, Gil-Lacruz AI, Sánchez-Recio R, et al. Self-rated health in Europe and its determinants: Does generation matter?. Int J Public Health. 2018; 63(2):223-2.. Além disso, favorece diagnóstico para criação de ações no enfrentamento à saúde, destacando-se nas redes de atenção e em diferentes contextos.

Ao longo da vida, a situação de saúde pode ser modificada, em especial na população adulta, pois está exposta a diferentes mudanças, como: trabalho, família, estudo e hábitos de saúde11. Oliveira TL, Griep RH, Guimarães JN, et al. Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil): socio-occupational class as an effect modifier for the relationship between adiposity measures and self-rated health. BMC Public Health. 2019; 19(1):734.,1313. Arruda GO, Santos AL, Teston EF, et al. Associação entre autopercepção de saúde e características sociodemográficas com doenças cardiovasculares em indivíduos adultos. Rev da Esc Enferm da USP. 2015; 49(1):61-8.. A percepção que as pessoas têm sobre sua saúde também são dinâmicas e acompanham essas transformações. Dessa maneira, há a necessidade da utilização de instrumentos válidos e confiáveis que abordem as dimensões variadas desse conceito, de modo que seja identificado com maior sensibilidade e especificidade.

Acredita-se que, para melhor avaliação, necessita-se conhecer as dimensões da APS e pensar em outras formas de avaliá-la. Nessa seara, o objetivo deste trabalho foi elaborar um instrumento para avaliação da APS em adultos e sua validação por especialistas.

Material e métodos

Trata-se de um estudo metodológico delineado com base no conteúdo teórico sobre APS e nas recomendações para criação de itens contidas no polo teórico da Psicometria1414. Pasquali L. Psychometrics Psicometría. Rev da Esc Enferm da USP. 2009; (43):992-9.,1515. Polit DF, Beck CT, Owen S V. Is the CVI an acceptable indicator of content validity? Appraisal and recommendations. Res Nurs Health. 2007; 30(4):459-7.. O polo teórico é definido como a dimensionalidade do construto, estabelecendo as definições constitutivas e operacionais, sendo finalizado com a validação de conteúdo e elaboração dos itens1414. Pasquali L. Psychometrics Psicometría. Rev da Esc Enferm da USP. 2009; (43):992-9.,1616. Pasquali L. Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes; 2003..

Para a compreensão do construto, realizou-se uma revisão de escopo na literatura para o mapeamento de instrumentos que mensurassem a APS em adultos (18-65 anos), além de identificar suas características constitutivas e operacionais1717. Mattos S, Moreira T, Pereira D, et al. Instrumentos para mensuração da autopercepção de saúde em adultos: revisão de escopo. Rev Psicologia Saúde e Doença. 2020; 21(3):878-895.. Sendo assim, tornou-se possível o delineamento desse construto a partir de um fenômeno complexo em três dimensões: biológica, psicossocial e social.

Inicialmente, foram identificadas as dimensões constitutivas dos elementos que compuseram a APS, seguido da elaboração das definições operacionais.

A construção das dimensões operacionais é a transformação do abstrato para o concreto, caracterizando-a como fase em que se fundamenta a validade do instrumento. A partir da elucidação das dimensões operacionais, foram desenvolvidos os itens do instrumento piloto de avaliação do traço latente APS1616. Pasquali L. Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes; 2003..

Assim, foram elaboradas 25 definições operacionais, sendo 12 da dimensão biológica, 6 da psicossocial e 7 da social. Após construído o banco de itens, este foi enviado a um comitê de especialistas na área da saúde, para verificar sua validade de conteúdo.

Utilizou-se como critério de escolha dos especialistas a classificação do sistema de expertsM proposto por Jasper1818. Jasper MA. Expert: a discussion of the implications of the concept as used in nursing. J Adv Nurs. 1994; 20(4):769-76., no qual os especialistas devem possuir habilidade/conhecimento adquirido pela experiência; possuir habilidade/conhecimento especializado; possuir habilidade especial em determinado tipo de estudo; possuir aprovação em um teste específico para identificar expertsM; possuir classificação alta atribuída por uma autoridade. Foram selecionados os especialistas que atenderam a, pelo menos, dois dos critérios descritos.

Realizou-se uma busca nos bancos de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) via Plataforma Lattes para a localização dos possíveis especialistas para compor a amostra no período de setembro e outubro de 2019. Nesse banco de dados, procedeu-se uma busca eletrônica com os descritores ‘autopercepção de saúde’ e ‘estudo metodológico’, resultando em 83 especialistas. Foi adotada, também, a técnica bola de neve para indicação de novos especialistas por meio daqueles que haviam respondido à carta convite, inicialmente sendo indicados mais três.

Foi realizado contato via e-mailMcom 89 especialistas, sendo anexada à carta convite com as respectivas informações da pesquisa e suas atribuições no estudo. Depois do aceite, foi encaminhado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e dois instrumentos de coleta de dados: 1) questionário de caracterização dos especialistas (caraterização sociodemográfica e acadêmica) e 2) primeira versão do instrumento de mensuração da APS, para validação do conteúdo.

Ao final, nove especialistas responderam e analisaram a validade do instrumento, atendendo ao que preconiza Pasquali1616. Pasquali L. Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes; 2003., quando recomenda um quantitativo de especialistas entre 6 a 20 especialistas.

A avaliação dos especialistas sobre a pertinência dos itens como fenômeno de investigação deu-se via uma escala categórica ordinal de quatro pontos: 1) Não é indicativa(o); 2) Muito pouco indicativa(o); 3) Consideravelmente indicativa(o) e 4) Muitíssima(o) indicativa(o). Foram disponibilizados dez dias para a devolução do material respondido1818. Jasper MA. Expert: a discussion of the implications of the concept as used in nursing. J Adv Nurs. 1994; 20(4):769-76. 1919. Borges JWP, Moreira TMM, Rodrigues MTP, et al. Validação de conteúdo das definições operacionais da não adesão ao tratamento da hipertensão arterial. Rev Pesqui Cuid é Fundam Online. 2016; 8(3):4651. 2020. Borges JWP, Moreira TMM, Rodrigues MTP, et al. Validação de conteúdo das dimensões constitutivas da não adesão ao tratamento da hipertensão arterial. Rev. esc. enferm. USP. 2013; 47(5):1076-1082..

Após a avaliação dos especialistas, foi calculado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) para cada um dos itens, com objetivo de determinar o nível de concordância entre os especialistas. Cada definição foi analisada individualmente e em conjunto1515. Polit DF, Beck CT, Owen S V. Is the CVI an acceptable indicator of content validity? Appraisal and recommendations. Res Nurs Health. 2007; 30(4):459-7..

Para que o IVC das definições constitutivas e operacionais, dos itens e do instrumento fosse considerado excelente, estes deveriam atingir IVC ≥ 0,75 individualmente. Quando analisado de forma conjunta, a média de IVC deveria ser ≥ 0,90 ou superior. Considerou-se o seguinte padrão de avaliação: IVC ≥ 0,75 excelente; IVC entre 0,72 a 0,74 bom, 0,60 e 0,71 regular, e IVC < 0,59 ruim. Foram eliminados do painel de itens aqueles que obtiveram IVC ruim15. Após a eliminação dos itens ruins, o IVC total foi recalculado com base no mesmo critério adotado. Analisou-se a concordância da avaliação dos itens na avaliação dos juízes, utilizando-se o Kappa, com a seguinte classificação: concordância excelente (0,81 a 1,0); moderada (0,61 a 0,80); fraca (0,41 a 0,60); leve (0,40 a 0,21) e desprezível (0,20 a 0,00).

Os dados foram processados no International Business Machines Statistics Package Social Science versão 23.0 (IBM SPSS 23.0), no qual obtiveram os índices de todas as variáveis. Foi realizado o teste exato de distribuição binomial para pequenas amostras, sendo considerado p-valor maior que 0,05 e proporção de 0,75 para concordância de resposta entre os juízes em relação à avaliação do instrumento.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (nº 3.292.225), em consonância com a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

A princípio, verificou-se a caraterização dos especialistas, sendo a grande maioria (66,7%) do sexo feminino, com média de idade de 33 (± 9) anos, residindo predominantemente na região Nordeste (55,6%), seguido das regiões do Sul (22,2%) e Sudeste (22,2%).

Em relação à formação acadêmica, a grande maioria realizou graduação na área da saúde (88,9%) e todos possuíam pós-graduação stricto sensoM, sendo (66,7%) com o título de Doutor e (33,3%) com o grau de Mestre. Evidenciou-se que o tempo de prática profissional foi de 5 a 10 anos (44,4%), enquanto o cargo profissional em exercício (55,6%) foi de pesquisador. Acrescenta-se que a experiência dos especialistas foi de 88,9% para construção e validação de materiais na área da saúde. No tocante à produção científica, 55,6% possuíam pesquisas ou publicações sobre APS.

Para validação de conteúdo das definições constitutivas, foi realizada análise da literatura, resultando em um conceito amplo que envolveu três dimensões biológica, psicossocial e social. Após a definição do conceito da APS, definiram-se as dimensões constitutivas do construto ‘Avaliação da Autopercepção de Saúde em Adultos’, para avaliação dos especialistas. A tabela 1M apresenta o conceito, dimensões, definições constitutivas.

Tabela 1.
Dimensionalidade teórica, definições constitutivas e operacionais da APS em adultos

O conceito adotado para a construção do instrumento de medida apresentou IVC excelente (1,00) na avaliação pelos especialistas (p=0,075). Observou-se que a dimensionalidade teórica delineada e suas definições constitutivas apresentaram IVC satisfatórios (≥ 0,78), indicando que a APS apresenta dimensões interligadas e indissociáveis.

Apesar do IVC excelente e o teste binomial significativo, os especialistas ainda recomendaram alterações, como a junção das dimensões psicossocial e social, as quais foram acatadas.

Ainda, quanto ao índice Kappa, o valor do conceito adotado foi de 0,91, considerado concordância excelente. A dimensionalidade teórica e definições constitutivas tiveram valores variando entre 0,61 (moderada) a 0,88 (excelente) (média = 0,70) e as definições operacionais entre 0,53 (fraca) a 0,71 (moderada) (média = 0,64).

A validação dos itens foi avaliada da seguinte forma: 1) Concordo totalmente; 2) Concordo; 3) Indeciso; 4) Discordo; e 5) Discordo totalmente. Quanto melhor a APS, mais próxima do concordo totalmente, de acordo com a tabela 2M.

Tabela 2.
Índice de Validade de Conteúdo, critérios de amplitude e equilíbrio do instrumento construído dos itens do traço latente ‘Autopercepção de Saúde em adultos’

Percebe-se que, quando analisados os itens da dimensão Biológica do instrumento, o IVC obtido foi excelente nos itens 1, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12 e bom nos itens 2 e 8. Na dimensão psicossocial, todos os itens obtiveram IVC excelentes. Já na dimensão social, todos, exceto o item 19, alcançaram IVC excelente. O item 19 apresentou IVC ruim (0,56) e foi excluído do instrumento.

Dentre as dimensões, o valor de Kappa variou entre 0,76 e 0,93, com valor médio de 0,83, considerada concordância excelente entre os juízes para os itens do instrumento desenvolvido.

Alguns especialistas fizeram sugestões para melhoria do construto e dos itens do instrumento. Com relação à dimensionalidade do construto, os especialistas recomendaram a junção das dimensões Psicossocial e Social. Desse modo, obteve-se que a APS possui duas dimensões que guardam estreita relação: biológica e psicossocial.

Também houve modificações nas definições constitutivas e operacionais para uma melhor compreensão em relação à APS, como apresentado no quadro 1 M.

Quadro 1.
Definições e dimensões constitutivas que sofreram alterações na avaliação de conteúdo

No que tange as sugestões dos especialistas sobre os itens dos instrumentos, foram recomendadas adequações textuais nos itens 2, 8, 15, 16, 21, 22, 23, 24 e 25.

Alguns especialistas aconselharam a divisão do item 9 (escrita original: ‘Percebo que meu corpo está em equilíbrio mental e físico’), afirmando que ele avaliava aspectos diferentes (equilíbrio físico e equilíbrio mental) e, por fim, solicitaram o acréscimo de dois itens.

Após a realização dos ajustes solicitados pelos especialistas, o instrumento contou com 26 itens na sua versão final, conforme o quadro 2 M.

Quadro 2.
Versão final dos itens do Questionário de Avaliação da Autopercepção em Saúde (QuAAPS)

Discussão

Inicialmente, discute-se a caracterização dos especialistas participantes; validação de conteúdo e o questionário piloto. Em relação à caracterização dos especialistas foi identificada, em relação ao sexo, que a maioria era do sexo feminino. Esse predomínio foi identificado em outros estudos que tiveram o objetivo de construção e validação de instrumentos para área da saúde2222. Linhares LMS, Kawakame PMG, Tsuha DH, et al. Construção e validação de instrumento para avaliação da assistência ao comportamento suicida. Rev Saúde Pública. 2019; (16):53:48.,2323. Santiago JCS, Moreira TMM. Validação de conteúdo de cartilha sobre excesso ponderal para adultos com hipertensão. Rev Bras Enferm. 2019; 72(1):95-101..

Para apreciação do instrumento, recorreu-se aos profissionais com experiência na área de criação e validação de instrumentos e saúde, na perspectiva de uma avaliação mais criteriosa. Quase a totalidade era da área da saúde e todos possuíam pós-graduação stricto sensuM e experiência na prática clínica, o que contribuiu para uma melhor compreensão e julgamento do instrumento, pois acredita-se que aliado à experiência profissional e possuir carreira acadêmica são mais críticos na avaliação, contribuindo para a construção de um instrumento de maior qualidade2323. Santiago JCS, Moreira TMM. Validação de conteúdo de cartilha sobre excesso ponderal para adultos com hipertensão. Rev Bras Enferm. 2019; 72(1):95-101.,2424. Borges JWP, Moreira TMM, Andrade DF. Questionário de relação interpessoal no cuidado de enfermagem: elaboração e validação. Rev Lat Am Enfermagem. 2018; (25):e2962..

Recentemente, o número de publicações na área da saúde com a finalidade de desenvolver pesquisas metodológicas tem crescido no Brasil, revelando aprimoramento2525. Leite SS, Áfio ACE, Pagliuca LMF, et al. Construção e validação de Instrumento de Validação de Conteúdo Educativo em Saúde. Rev Bras Enferm. 2018; 71(4):1635-41..

Isso ficou evidente, neste estudo, pela experiência apresentada dos especialistas em relação à construção e à validação na produção científica na temática APS.

Assim sendo, a partir das evidências científicas, em conjunto com os especialistas selecionados, que apresentaram capacidades técnica e científica para o julgamento do instrumento, foi possível trazer o conceito do traço latente da APS em adultos, suas dimensões constitutivas e operacionais, como também a construção do banco de itens.

Constatou-se que, a partir do mapeamento da literatura, o traço latente da APS em adultos apresenta três dimensões: biológica, psicossocial e social. E suas respectivas dimensões operacionais: autoavaliação da saúde geral, autoavaliação da saúde mental e autoavaliação do ambiente33. Abdollahpour I, Mooijaart S, Aguilar-Palacio I, et al. Socioeconomic status as the strongest predictor of self-rated health in Iranian population; a population-based cross-sectional study. J Psychosom Res. 2019; (124):109775.,2626. Carrapato P, Correia P, Garcia B. Determinante da saúde no Brasil: a procura da equidade na saúde. Saude e Soc. 2017; 26(3):676-89.. No entanto, após avaliação dos especialistas, foi recomendada a junção das dimensões psicossocial e social. Logo, a versão final do instrumento foi constituída por duas dimensões.

No que diz respeito à dimensão biológica, ela emerge da necessidade de o sujeito perceber sua saúde em diferentes aspectos biológicos, como: fatores genéticos, idade e sexo99. Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med. 2009; 69(3):307-16.,2525. Leite SS, Áfio ACE, Pagliuca LMF, et al. Construção e validação de Instrumento de Validação de Conteúdo Educativo em Saúde. Rev Bras Enferm. 2018; 71(4):1635-41.,2727. Harris SE, Hagenaars SP, Davies G, et al. Molecular genetic contributions to self-rated health. Int J Epidemiol. 2016; 46(3):994-9.. O gene do ser humano é forte preditor ao desenvolvimento ou agravo de doenças, sendo determinado pela herança genética. Estudos têm apresentado que a genética pode favorecer estratégias de compreensão do processo saúde-doença2727. Harris SE, Hagenaars SP, Davies G, et al. Molecular genetic contributions to self-rated health. Int J Epidemiol. 2016; 46(3):994-9.. Portanto, a percepção do sujeito leva em consideração a sua carga genética para avaliar sua saúde2828. Tetteh J, Kogi R, Yawson AO, et al. Effect of self-rated health status on functioning difficulties among older adults in Ghana: coarsened exact matching method of analysis of the World Health Organization’s study on global AGEing and adult health, Wave 2. PLoS One. 2019; 14(11):e0224327..

Em relação à idade, diversas pesquisas a consideram um fator determinante na avaliação da APS1212. Aguilar-Palacio I, Gil-Lacruz AI, Sánchez-Recio R, et al. Self-rated health in Europe and its determinants: Does generation matter?. Int J Public Health. 2018; 63(2):223-2.. Percebe-se que as crianças e jovens possuem melhor avaliação, quando comparadas a adultos e idosos, o que pode ser explicado pela ocorrência de agravos que surgem no decorrer da vida1111. Leinonen R, Heikkinen E, Jylhä M. A path analysis model of self-rated health among older people. Aging Clin Exp Res. 1999; 11(4):209-220.. Para Tetteh et al.2929. Silva VH, Rocha JSB, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa de saúde em mulheres climatéricas. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(5):1611-20., a APS em pessoas mais velhas está associada a ter ou não doença, e também às condições ambientais, físicas e psicológicas. Assim, é relevante averiguar a APS no decorrer dos anos, pois apresenta-se como forte indicador do desenvolvimento de comorbidades.

Outro fator contribuinte na APS é o sexo, que possui forte associação com APS, pois sua categorização prediz possíveis ocorrências para a avaliação positiva ou negativa da saúde. Estudos apresentam que as mulheres possuem uma melhor percepção de saúde por apresentarem melhores cuidados com a saúde em comparação aos homens3030. Rodgers J, Kakarmath S, Denis V, et al. Association between numeracy and self-rated poor health in 33 high- and upper middle- income countries. Prev Med (Baltim). 2019; 129:105872.,3131. Medeiros R, Júnior M, Pinto D, et al. Modelo de validação de conteúdo de Pasquali nas pesquisas em Enfermagem. Rev Enferm Ref. 2015; (4):127-35..

Essa construção permitiu a avaliação da dimensão por meio do IVC, o qual foi considerado excelente (1,00) para o aspecto biológico, denotando a correspondência dos itens à definição adotada para este estudo, assim como em outros estudos3232. Lidström MW, Wennberg P, Lundqvist R, et al. Time trends of comparative self-rated health in adults aged 25-34 in the Northern Sweden MONICA study, 1990-2014. PLoS One. 2017; 12(11):1-12.. Já a dimensão psicossocial representa a APS do sujeito em relação à família, ao ambiente social, à saúde mental, às relações sociais e à crença2626. Carrapato P, Correia P, Garcia B. Determinante da saúde no Brasil: a procura da equidade na saúde. Saude e Soc. 2017; 26(3):676-89..

Essa dimensão tem o objetivo de investigar como o sujeito percebe sua saúde dentro do contexto de vivência e relações pessoais, pois diversos estudos revelam que o ambiente adequado para um estilo de vida ativo e saudável permite melhor APS11. Oliveira TL, Griep RH, Guimarães JN, et al. Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil): socio-occupational class as an effect modifier for the relationship between adiposity measures and self-rated health. BMC Public Health. 2019; 19(1):734.,33. Abdollahpour I, Mooijaart S, Aguilar-Palacio I, et al. Socioeconomic status as the strongest predictor of self-rated health in Iranian population; a population-based cross-sectional study. J Psychosom Res. 2019; (124):109775.,1212. Aguilar-Palacio I, Gil-Lacruz AI, Sánchez-Recio R, et al. Self-rated health in Europe and its determinants: Does generation matter?. Int J Public Health. 2018; 63(2):223-2.,2727. Harris SE, Hagenaars SP, Davies G, et al. Molecular genetic contributions to self-rated health. Int J Epidemiol. 2016; 46(3):994-9.,3333. Gumà J, Solé-Auró A, Arpino B. Examining social determinants of health: the role of education, household arrangements and country groups by gender. BMC Public Health. 2019; 19(1):699.. A relação do sujeito com a família e o ambiente está descrita na literatura como contribuinte para melhor APS3333. Gumà J, Solé-Auró A, Arpino B. Examining social determinants of health: the role of education, household arrangements and country groups by gender. BMC Public Health. 2019; 19(1):699., ainda assim, constata-se, que a crença na religiosidade é um fator para uma percepção mais positiva de saúde1212. Aguilar-Palacio I, Gil-Lacruz AI, Sánchez-Recio R, et al. Self-rated health in Europe and its determinants: Does generation matter?. Int J Public Health. 2018; 63(2):223-2..

Com a definição do conceito da APS e as definições constitutivas e operacionais da dimensão biológica e psicossocial foi possível a construção do instrumento para a avaliação da APS, seguindo as recomendações propostas para tal criação1414. Pasquali L. Psychometrics Psicometría. Rev da Esc Enferm da USP. 2009; (43):992-9.. Após avaliação do instrumento pelos especialistas observou-se que cada dimensão e seus itens tiveram reconhecida sua validade quanto ao conteúdo. Esse resultado demonstra que o processo de desvelar as dimensões e suas definições operacionais foi fundado em sólido conhecimento, compilado a partir de estudos, possibilitando confirmar a estrutura do traço latente.

Quando analisados os itens de forma separada, o item 19 ‘Percebo que sou saudável, pois o profissional de saúde que cuida de mim afirma isso’, foi excluído por obter baixo IVC, o que pode ser atribuído pelo item apresentar o julgamento da saúde do usuário segundo a percepção do profissional de saúde. Considera-se o julgamento do profissional relevante para a percepção do paciente3434. Santos KMAB, Silva MJP. Percepção dos profissionais de saúde sobre a comunicação com os familiares de pacientes em UTIs. Rev Bras Enferm. 2006; 59(1):61-6..

Após a sugestão dos especialistas em relação aos enunciados e à validação de conteúdo com IVC e teste binomial, chegou-se a um instrumento piloto com 26 itens, divididos em duas dimensões: biológica e psicossocial.

Este estudo apresentou algumas limitações, dentre elas a não identificação do conceito da APS mais aprofundada e completa, pois, na grande maioria dos estudos, observou-se um conceito fragmentado. Ademais, os instrumentos disponíveis que avaliavam somente a APS eram poucos e, ainda assim, não compreendiam sua complexidade e amplitude.

Como recomendações para futuras pesquisas na área, sugere-se as validações semântica e externa do instrumento e a análise dos fatores intervenientes na APS em todas as faixas etárias. A subjetividade do traço latente APS foi desafiadora neste estudo, mas

acredita-se que o material aqui exposto possa acrescentar alguma luz sobre os futuros estudos a serem realizados.

Conclusões

Os procedimentos adotados fundamentados na psicometria possibilitaram a identificação na literatura, por meio do método de revisão na literatura e avaliação pelos juízes, os elementos constituintes da APS e a construção das dimensões constitutivas e operacionais, findando em um instrumento contendo duas dimensões: biológica e psicossocial.

Neste estudo, as dimensões tiveram seus conteúdos validados por especialistas na área de construção e validação de instrumento, e na de APS, permitindo uma avaliação criteriosa no intuito da construção de um novo instrumento. Ao findar esse processo, esta pesquisa traz uma nova proposta de instrumento válido em seu conteúdo e confiável para a avaliação da APS em adultos, contendo 26 itens.

É relevante ressaltar que esse instrumento partiu da APS positiva de saúde, tendo em vista a construção metodológica a qual foi submetido. Nesse sentido, este estudo possibilita um novo olhar para a APS e, assim, espera-se que possa gerar novas evidências científicas na temática.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2020
  • Aceito
    05 Mar 2021
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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