NO LIVRO ‘POLÍTICA DE CONTROLE DO TABACO NO BRASIL’, Leonardo Henriques Portes analisa de modo abrangente, em cinco capítulos, a política de controle do tabaco brasileira nas últimas décadas. Além de apresentar a evolução da prevalência de fumantes no Brasil e em países da região das Américas, o livro contempla a análise das políticas governamentais de controle do tabaco em diferentes países no mundo. Para o autor1, essas políticas nacionais possibilitaram o consenso para a adoção, por 181 países e União Europeia, da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT), da Organização Mundial da Saúde (OMS), primeiro tratado internacional de controle do tabagismo, ratificado pelo Brasil em 2005. Segundo o autor, as iniciativas nacionais já estavam instituídas quando o Brasil o ratificou, contudo, o compromisso no âmbito da OMS reforçou e ampliou o alcance da política brasileira.
A Política Nacional de Controle do Tabaco (PNCT) é situada no complexo contexto do desenvolvimento das políticas públicas supranacionais regulatórias dos riscos à saúde coletiva, hoje sob forte pressão das forças ultradireita. Ainda assim, o autor destaca o papel do Instituto Nacional do Câncer (Inca), sediado no Rio de Janeiro, como principal empreendedor da agenda da PNCT e gestor da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro no Brasil (Conicq).
A questão do veto às proposições da PNCT é abordada de modo vivaz na publicação. O autor identifica que a indústria do tabaco e entidades aliadas foram determinantes para o veto de parte das medidas da política.
As tensões relacionadas aos encaminhamentos da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Fumo, que contava, até 2019, com a participação dos governos federal e estadual, bem como as manifestações e o posicionamento de representantes do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e do Trabalho e Emprego, ofereceram resistência às proposições da comissão na maior parte da trajetória da comissão.
Nesse contexto, Portes1 tratou dos limites e desafios das principais medidas de controle do tabaco no Brasil – especialmente aqueles relativos à diversificação de culturas em áreas cultivadas com tabaco, combate ao comércio ilícito e interferência da indústria do fumo na política.
Portes1 defende que a política alcançou resultados positivos devido ao prestígio da política brasileira no cenário internacional, à sua sólida estruturação – tendo Inca, Conicq e Anvisa como referências – e ao papel da sociedade civil. No entanto, o autor destaca que, quanto à política, resta a necessidade de se avançar no combate ao comércio ilícito, no apoio aos agricultores, para que diversifiquem sua renda e produção, e na sua proteção contra os interesses da indústria do tabaco. No que diz respeito à governança, entende que é preciso, ainda, superar os limites de atuação e de mecanismos de sustentabilidade da Conicq.
O conteúdo dessa obra permite ao leitor compreender as dimensões do controle do tabaco e atribui o merecido destaque aos atores e às instituições-chave que contribuíram para alcançar os inúmeros resultados. Colabora, também, para assimilar que uma política pública exitosa depende de um arcabouço constitucional e de bases sólidas, além de ações articuladas e intersetoriais. O autor passou do papel de observador para o de colaborador com a PNCT por meio da divulgação de sua pesquisa e sistematização de seus achados.
O período de análise estendeu-se até 2016, e, por esse motivo, deixou de registrar momentos recentes, no entanto, relevantes, da PNCT. Entre eles, destacam-se a tentativa limitada do governo federal de dar continuidade ao Programa Nacional de Diversificação, em 2018, e, mais recentemente, em abril de 2019, a extinção de todos os órgãos colegiados, o que incluiu a Conicq e a comissão criada no ano anterior para implementação do Protocolo para Combate ao Comércio Ilícitos de Produtos de Tabaco. Em 2020, registrou-se a nova estruturação das Câmaras Setoriais do Ministério da Agricultura, que não mais contam com a representatividade do governo11. Portes LH. Política de controle do tabaco no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.. Ressalta-se, ainda, que o inquérito telefônico Vigitel de 2019 registrou aumento no último ano de 0,5 pontos percentuais na prevalência de fumantes brasileiros, sendo que a tendência há mais de dez anos era de declínio.
Essa conjuntura pode resultar em um retrocesso significativo da política pública de controle do tabaco. A expectativa é de que as outras instâncias de ordem democráticas, tais como os poderes Legislativo e Judiciário Federais, bem como a sociedade civil, que advoga pelo direito à saúde, manifestem-se pela reativação da Comissão. O momento é de demandar a retomada das funções da Conicq, porque o desenvolvimento da regulação da indústria do tabaco ainda necessita ser ampliado no Brasil. O livro ‘Política de controle do tabaco no Brasil’ apresenta sólidos argumentos em defesa dessa política pública e merece ser comemorado e lido.
- Suporte financeiro: não houve
- *Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
Referência
- 1.Portes LH. Política de controle do tabaco no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
02 Ago 2021 - Data do Fascículo
Apr-Jun 2021
Histórico
- Recebido
31 Jul 2020 - Aceito
20 Out 2020