RESUMO
Trata-se de uma revisão sistemática integrativa da literatura realizada no portal da Biblioteca Virtual em Saúde com o objetivo de compreender se existe relação entre o cumprimento de metas e a qualidade da atenção à saúde. A estratégia de busca foi construída pelos polos: metas (fenômeno); contrato de gestão (população); e qualidade (contexto). A seleção foi feita através do protocolo Prisma por dois revisores, e a análise de dados realizada na modalidade temática, com foco na relação entre o cumprimento das metas e a qualidade. Dos 22 artigos incluídos na revisão, apenas 4 respondiam diretamente ao objeto desta pesquisa. 7 temas foram alvo de discussão nos artigos revisados: metodologia dos artigos; metas e seus cumprimentos nos contratos de gestão; tipos de contratualização; ideia de qualidade; aspectos do cumprimento do contrato de gestão; metas do contrato de gestão; e, por fim, a relação entre cumprimento das metas e qualidade. A maioria dos artigos revisados encontra-se no nível 4 de qualidade das evidências disponíveis. Com as evidências encontradas, foi possível concluir que as metas dos contratos de gestão não se relacionam com a qualidade da atenção à saúde e que faltam estudos que abordem o contexto brasileiro e do Sistema Único de Saúde (SUS).
PALAVRAS-CHAVE
Contratos; Gestão em saúde; Parcerias Público-Privadas; Qualidade; Revisão
ABSTRACT
This study is a systematic integrative review was carried out on the Virtual Health Library portal to understand whether there is a relationship between the achievement of goals and the quality of health care. The search strategy was built by the poles: goals (phenomenon); management contract (population); and quality (context). The selection of publications was made through the Prisma protocol by two independent reviewers, and data analysis was carried out in the thematic mode, with focus on theme of the relationship between the achievement of goals and quality. Of the 22 articles included in the review, only 4 responded directly to the object of this research. 7 themes were discussed in the reviewed articles: methodology; goals and compliance with management contracts; types of contracting; quality idea; aspects of compliance with the management contract; management contract goals; and, finally, the relationship between achievement of goals and quality. Most of the articles reviewed refer to level 4 of quality evidence. With the evidence found, it was possible to conclude that the goals of management contracts are not related to the quality of health care and that there is a lack of studies that address the Brazilian context and the Unified Health System (SUS).
KEYWORDS
Contracts; Health management; Public-Private Sector Partnerships; Quality; Review
Introdução
Baseado em experiências internacionais anteriores de reformas da administração pública, principalmente as ocorridas na Europa por volta da década de 1980, um movimento de reforma do Estado também ocorreu no Brasil nesse mesmo período com características neoliberais, especialmente ligado às privatizações11 Ibanez N, Vecina Neto G. Modelos de gestão e o SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(supl):1831-1840.. Esse movimento internacional de ‘reformas do Estado’ estava em consonância com a dissolução do ‘Estado Social Capitalista’ europeu22 Boschetti I. Assistência social e trabalho no capitalismo. São Paulo: Cortez; 2016. em virtude da queda da taxa de lucro que já vinha assolando o capitalismo mundial desde a década de 197033 Hobsbawn E. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras; 1995..
É nesse cenário do capitalismo mundial nos países centrais que um dos objetivos iniciais dessa (contra)reforma administrativa foi reduzir a capacidade do Estado de salvaguardar os direitos relacionados ao trabalho e à vida social. No caso do Brasil, o direito à saúde como um direito social inscrito na constituição federal de 1988 foi um dos direitos atingidos por essa contrarreforma, esvaziando o ethos público dos serviços de saúde, tanto do ponto de vista da prestação quanto da gestão desses serviços.
Para os defensores da contrarreforma, pensando no campo da saúde pública, os argumentos residiam na maior flexibilidade gerencial com relação à compra de insumos e materiais e à contratação de recursos humanos, à gestão financeira dos recursos, e, além disso, à possibilidade de priorizar uma ‘gestão baseada em resultados’, visando à satisfação dos usuários e à qualidade dos serviços prestados11 Ibanez N, Vecina Neto G. Modelos de gestão e o SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(supl):1831-1840.. No Brasil, a contrarreforma se daria em diversas modalidades, mas principalmente com a modificação da natureza jurídica dos serviços direcionados ao direito privado na relação jurídica entre gestão, trabalhadores e prestação dos serviços na saúde pública.
Impulsionada por Fernando Henrique Cardoso e idealizada por Luiz Carlos Bresser-Pereira, nos anos de 1995, ocorre a contrarreforma administrativa do Aparelho do Estado. Esta, que tinha, entre vários outros objetivos, o da descentralização e transferência da execução de atividades desenvolvidas pelo Estado para iniciativa privada, incluindo a saúde44 Barbosa NB, Elias PEM. As organizações sociais de saúde como forma de gestão público/privado. Ciênc. Saúde Colet. 2010; 15(5):2483-2495., passou a ser o exemplo a ser seguido pelas esferas subnacionais nos anos subsequentes. A partir dessa contrarreforma, foram criadas, através das Leis nº 9637/98 e nº 9790/99, as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) na estrutura organizativa da administração pública11 Ibanez N, Vecina Neto G. Modelos de gestão e o SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(supl):1831-1840..
As OS caracterizam-se, formalmente, como entidades civis de interesse social e utilidade pública, de direito privado, sem fins lucrativos, que têm sua relação com o poder público pautada pelo contrato de gestão, que prevê como se dará a prestação do serviço cedido pelo Estado à entidade civil. Esse contrato de gestão detalha sobre multas em caso de descumprimento do acordo, resultados esperados, prestação de contas, processos de fiscalização, entre outros pontos da prestação do serviço11 Ibanez N, Vecina Neto G. Modelos de gestão e o SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(supl):1831-1840.,44 Barbosa NB, Elias PEM. As organizações sociais de saúde como forma de gestão público/privado. Ciênc. Saúde Colet. 2010; 15(5):2483-2495.. As OS foram criadas com a premissa de que exerceriam atividade pública descentralizada e ofereceriam maior autonomia e flexibilidade ao serviço público com vistas a aumentar sua eficiência e qualidade.
Segundo Barbosa e Elias44 Barbosa NB, Elias PEM. As organizações sociais de saúde como forma de gestão público/privado. Ciênc. Saúde Colet. 2010; 15(5):2483-2495., a existência de metas nos contratos de gestão permite, por um lado, a melhor avaliação do desempenho das OS e indica os critérios de eficiência segundo os quais elas atuam, mas, por outro lado, gera uma cobrança excessiva e desvincula o alcance dos resultados projetados de um suposto impacto sobre os indicadores de saúde da população44 Barbosa NB, Elias PEM. As organizações sociais de saúde como forma de gestão público/privado. Ciênc. Saúde Colet. 2010; 15(5):2483-2495.. Essa cobrança excessiva gerada para o cumprimento das metas refere-se, principalmente, àquela exercida sobre os profissionais da saúde, pois modelos de gerenciamento mais flexíveis - como o proporcionado pelas OS - seguem a lógica da economia de mercado, que regula as relações de trabalho minorando os cuidados necessários à saúde dos trabalhadores, para poder gerar aumento da carga e do ritmo de trabalho55 Garrido-Pinzon J, Bernardo MH. Vivências de trabalhadores da saúde em face da lógica neoliberal: um estudo da atenção básica na Colômbia e no Brasil. Cad. Saúde Pública. 2017; 33(9):e00050716.. Essas organizações focam na melhoria do desempenho para atingir as metas e os resultados almejados, contudo, é importante ressaltar que o alcance dos resultados vem acompanhado de mecanismos de ganhos/perdas de incentivos dispostos nos contratos de gestão66 Carnut L, Narvai PC. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saúde Soc. 2016; 25(2):290-305.,77 Mendes A, Carnut L. Capitalismo contemporâneo em crise e sua forma política: o subfinanciamento e o gerencialismo na saúde pública brasileira. Saúde soc. 2018; 27(4):1105-1119.. Assim, em última instância, o desempenho fica resumido apenas a uma gradação de resultados, à produtividade e à quantidade de trabalho, deixando de funcionar como ferramenta gerencial para qualificar o serviço, não contribuindo para a tomada de decisão por não expressar a complexidade dos sistemas de saúde66 Carnut L, Narvai PC. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saúde Soc. 2016; 25(2):290-305.,77 Mendes A, Carnut L. Capitalismo contemporâneo em crise e sua forma política: o subfinanciamento e o gerencialismo na saúde pública brasileira. Saúde soc. 2018; 27(4):1105-1119..
Ao abordar o alcance de metas das organizações de serviços de saúde, é preciso pensar em formas de avaliação do desempenho e da qualidade dos serviços prestados88 Bonato VL. Gestão de qualidade em saúde: melhorando assistência ao cliente. Mundo Saúde. 2011; 35(3):319-331.. Um dos referenciais teóricos que tem sido mais utilizado para a avaliação da qualidade em saúde é o proposto por Donabedian, que aborda as seguintes dimensões: estrutura, processo e resultados99 Adami NP. Melhoria da qualidade nos serviços de enfermagem. Acta Paul Enf. 2000; (13):190-196.,1010 Silva LMV, Formigli VLA. Avaliação em saúde: limites e perspectivas. Cad. Saúde Pública. 1994;10(1):80-91.. No que se refere à ‘estrutura’, tem-se que ela poderia possibilitar o desenvolvimento de um adequado processo de cuidados com resultados favoráveis; já o ‘processo’ se baseia na expressão da aplicação do conhecimento existente e de tecnologias disponíveis no cuidado que podem resultar em efeitos favoráveis na saúde; e os ‘resultados’ são o que se refere à promoção, à proteção e à recuperação da saúde, e também à satisfação do paciente decorrente dos cuidados prestados99 Adami NP. Melhoria da qualidade nos serviços de enfermagem. Acta Paul Enf. 2000; (13):190-196.,1010 Silva LMV, Formigli VLA. Avaliação em saúde: limites e perspectivas. Cad. Saúde Pública. 1994;10(1):80-91..
Para Donabedian, a qualidade em saúde seria composta por atributos como: ‘cobertura, acessibilidade e equidade’, que se relacionam a: disponibilidade e distribuição social dos recursos de saúde; ‘eficácia e efetividade’, que seriam os efeitos das ações e práticas implementadas; ‘eficiência’, relacionada aos custos das ações em saúde; ‘técnico-científico’, relacionado à adequação das ações ao conhecimento e às tecnologias disponíveis; e ‘aceitabilidade’, ligada à percepção do usuário e ao conceito de satisfação99 Adami NP. Melhoria da qualidade nos serviços de enfermagem. Acta Paul Enf. 2000; (13):190-196.,1010 Silva LMV, Formigli VLA. Avaliação em saúde: limites e perspectivas. Cad. Saúde Pública. 1994;10(1):80-91.. A avaliação desses atributos pode auxiliar na estimativa do impacto esperado de determinadas práticas com relação aos problemas de saúde a elas vulneráveis1010 Silva LMV, Formigli VLA. Avaliação em saúde: limites e perspectivas. Cad. Saúde Pública. 1994;10(1):80-91.. Conhecer os conceitos de Donabedian e aplicá-los à análise dos contratos de gestão e do serviço ofertado pelas OS pode demonstrar alguns dos impactos desse modelo de gestão na assistência à saúde.
Numa busca inicial da literatura, é possível notar a existência de estudos que descrevem características das OS e falam sobre a contrarreforma do Estado. Outras pesquisas específicas abordam a qualidade em serviços de saúde e uso de ferramentas para melhoria gerencial e para sua mensuração, além dos estudos que comparam o desempenho de serviços administrados por OS e pela administração direta do Estado. No entanto, pouco se discute sobre a relação entre os contratos de gestão, seu cumprimento e o real aumento da qualidade na saúde. Diante desse contexto, o objetivo deste trabalho é revisar se existe relação entre o cumprimento das metas dos contratos de gestão e a qualidade da atenção à saúde.
Metodologia
Trata-se de uma revisão sistemática integrativa da literatura, escolhida como método por ser realizada de forma sistemática e rigorosa através da síntese de achados provenientes de pesquisas desenvolvidas1111 Soares CB, Hoga LAK, Peduzzi M, et al. Revisão integrativa: conceitos e métodos utilizados na enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP. 2014; 48(2):335-45..
Fonte dos dados e estratégia de busca
A partir do questionamento ‘o que a literatura científica apresenta sobre o cumprimento das metas quantitativas dos contratos de gestão e sua relação com a qualidade da atenção à saúde?’, foram delimitados itens-chave derivados dos descritores formalmente catalogados através da plataforma Descritores em Ciências da Saúde (http://decs.bvs.br/)
Os itens-chave e os descritores foram definidos conforme o quadro 1.
Itens-chave da pergunta de pesquisa, descritores derivados dos itens-chave e polo da estratégia de busca que cada um dos itens representa. 2020
A etapa seguinte foi realizar testes exploratórios com os descritores para verificar sua utilização pela comunidade científica, primeiro avaliando cada descritor individualizado e depois combinando todos os descritores do item-chave ‘metas’ com todos os demais descritores dos outros itens-chave utilizando o operador booleano ‘AND’.
Após a fase de testes, construiu-se a sintaxe de pesquisa de maneira ampla, sistematizada e reprodutível. Dentro de um mesmo item-chave foi utilizado o operador booleano ‘OR’ entre os descritores, com o objetivo de tornar a busca abrangente; e, na combinação entre os itens-chave, o operador booleano ‘AND’ para restringir os resultados e contemplar os polos população, fenômeno e contexto determinados pela pergunta de pesquisa. Realizou-se a busca na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) (http://bvsalud.org/) escolhida por integrar diferentes bases de dados bibliográficos de informação em saúde.
A composição da sintaxe final foi feita com uso do operador booleano ‘AND’ conectando os três polos e chegando a 1.041 estudos identificados para posterior análise, ficando da seguinte forma: (mh:(mh:(“objetivos” OR “objetivos organizacionais” OR “benchmarking” OR “desempenho profissional” OR “avaliacao em saude” OR “avaliacao de desempenho profissional” OR “pesquisa sobre servicos de saude” OR “avaliacao de processos e resultados em cuidados de saude” OR “avaliacao de programas e projetos de saude” OR “avaliacao de processos em cuidados de saude” OR “avaliacao de resultados em cuidados de saude” OR “mecanismos de avaliacao da assistencia a saude” OR “avaliacao de recursos humanos em saude” OR “indicadores de qualidade em assistencia a saude” OR “indicadores de servicos” OR “indicadores basicos de saude” OR “indicadores de gestao” OR “eficiencia organizacional” OR “analise custo-eficiencia” OR “medidas de resultados relatados pelo paciente”))) AND (mh:(mh:(“administracao de servicos de saude” OR “gerenciamento da pratica profissional” “gestao em saude” OR “governanca clinica” OR “gestao de recursos da equipe de assistencia a saude” OR “gestao da saude da populacao” OR “administracao em saude publica” OR “politicas, planejamento e administracao em saude” OR “administracao em saude” OR “administracao de instituicoes de saude” OR “economia e organizacoes de saude” OR “organizacoes de planejamento em saude” OR “organizacoes sem fins lucrativos” OR “organizacoes em saude” OR “privatizacao” OR “parcerias publico-privadas” OR “modernizacao do setor publico” OR “contratos” OR “servicos contratados”))) AND (mh:(mh:(“garantia da qualidade dos cuidados de saude” OR “controle de qualidade” OR “qualidade da assistencia a saude” OR “qualidade, acesso e avaliacao da assistencia a saude” OR “gestao da qualidade total” OR “gestao da qualidade” OR “melhoria de qualidade” OR “avaliacao do impacto na saude”))).
Com a finalização da sintaxe, seguiu-se o processo de seleção dos estudos identificados acompanhando o fluxograma Prisma, apresentado na figura 1:
Na primeira etapa do fluxograma, relacionada à identificação dos estudos, foram excluídos os títulos escritos em outras línguas que não fossem a inglesa, portuguesa ou a espanhola, compondo um total de 80 títulos, divididos nos seguintes idiomas: 11 em chinês, 11 em árabe, 15 em russo, 18 em francês, 3 em italiano, 1 em polonês e 21 em alemão. Por conseguinte, foram descartados 45 títulos duplicados e passou-se para a fase de rastreamento com a análise do tipo de estudos disponíveis de 916 títulos. Nessa etapa foram excluídos outros 54 títulos que não se apresentavam no formato de artigo, sendo eles: 13 teses, 20 monografias, 5 livros, 3 dissertações e 13 relatórios de congressos e eventos.
Os próximos passos foram a exclusão de 243 artigos que não apresentavam resumo e a leitura de títulos e resumos disponíveis. Após a leitura, 591 títulos foram descartados por não se relacionarem com o questionamento que norteia esta pesquisa. Esses artigos tratavam de temas como gestão da qualidade total, uso de diversas ferramentas para mensuração da qualidade, sobre o desempenho de programas e serviços de saúde específicos, relação custo-benefício em diferentes contextos, pagamento por performance médica, descrição e análise dos sistemas de saúde de diferentes localidades, gerenciamento de projetos e de processos de trabalho na área da saúde, sobre governança clínica e características do gestores em saúde, sobre acreditação e auditoria de serviços de saúde, uso de indicadores para análise da assistência à saúde, desenvolvimento de habilidades gerenciais e habilidades dos profissionais e outros assuntos que não tratavam da relação entre cumprimento de metas dos contratos de gestão e qualidade da atenção à saúde. Essa fase resultou em 28 artigos para análise.
Na fase de elegibilidade, 3 artigos foram excluídos por não estarem disponíveis para leitura na íntegra, e restaram 25 artigos para avaliação do texto completo. Após leitura na íntegra, outros 3 artigos foram excluídos por não se relacionarem com o objeto de pesquisa, restando 22 artigos para análise.
Análise de dados
O processo de análise dos dados dos 22 artigos incluídos seguiu a realização do método da revisão integrativa, incluindo as etapas de extração, visualização, comparação e sintetização das conclusões dos dados. A extração de dados foi concluída de forma independente por 2 revisores (M.V.M. e L.C). O formulário de extração de dados foi elaborado com base na questão de pesquisa que norteou esta revisão.
Os dados extraídos dos artigos incluem autor (ano de publicação), país, metodologia utilizada, objetivo, principais resultados e os elementos que relacionam o artigo com a pergunta de pesquisa: metas e seus cumprimentos, tipo de contrato de gestão (contratualização) e a ideia de qualidade. Para completar essas informações, identificou-se, também, o nível de atenção à saúde em que a contratualização acontecia (quando o artigo mencionava). A integração dos dados foi operacionalizada pelo método da análise temática, contribuindo para que a tipologia dos manuscritos permitisse uma integração mais refinada dos dados. Assim, organizaram-se os temas para cada elemento a seguir: metodologia (para discutir a qualidade e a força das evidências), a relação entre objetivos e resultados encontrados, os elementos específicos da pergunta de pesquisa (as metas, o cumprimento das metas, o tipo de contratualização e a idea de qualidade da atenção). Por fim, os aspectos mais focados nas características do uso das metas e seu cumprimento nos contratos - como presença de um estudo de linha-base, multas e punições, bonificação, tipos de metas (quantitativas ou qualitativas) e se o cumprimento da meta impacta a qualidade da atenção - foram analisados.
Resultados
Os artigos são, em sua maioria, estudos de caso e abrangem diversos países - existindo representantes de todos os continentes -, com características culturais, socioeconômicas, epidemiológicas e de sistemas de saúde diferentes entre si. Também foi diverso o nível de atenção à saúde abordado nos artigos, sendo o mais citado a atenção primária. Essa diversidade sugere o quanto o fenômeno de contratualização é comum e tem ganhado espaço dentro de diferentes sistemas de saúde.
Para a maioria dos estudos, a qualidade é reduzida à ideia de cumprir metas e atingir determinados indicadores. Apenas um artigo1212 Souza PC, Scatena JHG. Avaliação da qualidade da assistência hospitalar do mix público-privado do sistema único de saúde no estado de Mato grosso: um estudo multicaso. Rev. adm. Saúde. 2013; 15(59):79-88.21. aborda a avaliação da qualidade seguindo o referencial teórico proposto por Donabedian, e outro artigo1313 Haldiman KL, Tzeng HM. A comparison of quality measures between for-profit and nonprofit medicare-certified home health agencies in Michigan. Home Health Care Serv Q. 2010; 29(2):75-90. menciona uma definição utilizada para qualidade dos cuidados em saúde, além de citar a Teoria das falhas do contrato ao comparar organizações com e sem fins lucrativos. Um dos artigos1414 O’Brien S, Edge N, Clark S. A strategy to reposition the South Australian health system for quality and value. Aust. J. Primary Health, 2015. (22):26-33. especifica o que seria um sistema de saúde de qualidade, trazendo a importância do acesso, eficácia e eficiência, conceitos que também são citados pelo artigo de Ashton et al.1515 Ashton T, Cumming J, McLean J. Contracting for health services in a public health system: the New Zealand experience. Health Policy. 2004; 69(1):21-31..
Para melhor apreciação dos resultados, os artigos foram classificados em três grupos distintos, conforme o quadro 2. O primeiro grupo compreende os estudos que tangenciam o objeto desta pesquisa1212 Souza PC, Scatena JHG. Avaliação da qualidade da assistência hospitalar do mix público-privado do sistema único de saúde no estado de Mato grosso: um estudo multicaso. Rev. adm. Saúde. 2013; 15(59):79-88.21.,1313 Haldiman KL, Tzeng HM. A comparison of quality measures between for-profit and nonprofit medicare-certified home health agencies in Michigan. Home Health Care Serv Q. 2010; 29(2):75-90.,1616 Top M, Sungur C. Opinions and evaluations of stakeholders in the implementation of the public-private partnership (PPP) model in integrated health campuses (city hospitals) in Turkey. Int J Health Plann Manage. 2019; 34(1):e241-e263.
17 Almeida AS. The role of private non-profit healthcare organizations in NHS systems: Implications for the Portuguese hospital devolution program. Health Policy. 2017; 121(6):699-707.
18 Heard A, Awasthi MK, Ali J, et al. Predicting performance in contracting of basic health care to NGOs: experience from large-scale contracting in Uttar Pradesh, India. Health Policy Plan. 2011; 26(supl1):i13-9.-1919 Sekhri N, Feachem R, Ni A. Public-private integrated partnerships demonstrate the potential to improve health care access, quality, and efficiency. Health Aff (Millwood). 2011; 30(8):1498-507., ou seja, discorrem sobre contratualizações e relação entre público e privado, porém, não tratam das metas estabelecidas nesse tipo de contrato e não as relacionam com avaliações de qualidade em saúde. Nesse grupo, os artigos tratam, principalmente, da análise do papel das organizações sem fins lucrativos e da comparação entre instituições com fins lucrativos, da definição do modelo de parceria público-privada e da percepção divergente que diferentes atores da saúde (profissionais públicos e privados, gestores e acadêmicos) têm sobre esse modelo, comparação da qualidade entre serviços ofertados pelos entes público e privado, avaliação de critérios de seleção de organizações não governamentais para escolha da parceria mais eficiente, riscos e benefícios e casos de sucessos e fracassos da implementação de Parcerias Público-Privadas (PPP).
O segundo grupo abrange os artigos1414 O’Brien S, Edge N, Clark S. A strategy to reposition the South Australian health system for quality and value. Aust. J. Primary Health, 2015. (22):26-33.,1515 Ashton T, Cumming J, McLean J. Contracting for health services in a public health system: the New Zealand experience. Health Policy. 2004; 69(1):21-31.,2020 Field E, Abo D, Samiak L, et al. A Partnership Model for Improving Service Delivery in Remote Papua New Guinea: A Mixed Methods Evaluation. Inter. J. Health Policy Manag. 2018; 7(10):923-933.
21 Gardner K, Davies GP, Edwards K, et al. A rapid review of the impact of commissioning on service use, quality, outcomes and value for money: implications for Australian policy. Aust. J. Primary Health. 2016; (22):40-49.
22 Barbosa AP, Malik AM. Desafios na organização de parcerias público-privadas em saúde no Brasil. Análise de projetos estruturados entre janeiro de 2010 e março de 2014. Rev. Adm. Pública. 2015; 49(5):1143-1165.
23 Lee T, McKee D. An Empirical Evaluation of Devolving Administrative Control to Costa Rican Hospital and Clinic Directors. Inter. J. Health Serv. 2015; 45(2):378-397.
24 Gridley K, Spiers G, Aspinal F, et al. Can General Practitioner Commissioning Deliver Equity and Excellence? Evidence from Two Studies of Service Improvement in the English NHS. Journal of Health Services Res. Policy. 2012; 17(2):87-93.
25 Ameli O, Newbrander W. Contracting for health services: effects of utilization and quality on the costs of the Basic Package of Health Services in Afghanistan. Bull World Health Organ. 2008; 86(12):920-8.
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27 Feldman S. Behavioral health services: carved out and managed. Am J Manag Care. 1998; 4(supl):59-67.
28 Halverson PK, Kaluzny AD, Mays GP, et al. Privatizing health services: alternative models and emerging issues for public health and quality management. Qual Manag Health Care. 1997; 5(2):1-18.-2929 McPake B, Hongoro C. Contracting out of clinical services in Zimbabwe. Soc Sci Med. 1995; 41(1):13-24., que respondem parcialmente ao questionamento desta revisão, visto que citam as metas ou citam seus cumprimentos no contrato de gestão, mas não aprofundam a maneira como são mensurados ou não possuem metas claras estabelecidas. Outro ponto a ser mencionado é que esse grupo contém artigos que não abordam a qualidade dos serviços de saúde estudados ou fazem a mensura sem nenhum tipo de relação com as metas referidas.
O terceiro grupo contém os artigos3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870.
31 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208.
32 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.-3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11., que respondem diretamente ao objeto desta pesquisa. A partir deles, pode-se estabelecer a relação entre cumprimento das metas quantitativas dos contratos de gestão e a qualidade da atenção à saúde. Dos quatro estudos apresentados, dois deles3131 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208.,3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. não estabelecem nenhuma relação de impacto entre metas e qualidade, e outros dois não3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870.,3232 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83. estabelecem relação porque a forma de mensurar a qualidade e os indicadores utilizados diverge daquela estabelecida como meta nos contratos.
Síntese dos artigos incluídos segundo autor/ano, país, método, objetivo, principais resultados, metas e seus cumprimentos, tipos de contratualização e ideia de qualidade. 2020
Uma segunda análise foi realizada, e as informações obtidas com os artigos presentes no terceiro grupo deram origem ao quadro 3, que aprofunda a análise sobre metas e seus cumprimentos nos contratos, especificando os indicadores contidos nas metas quantitativas e qualitativas, a existência de multas ou de bonificações de acordo com o desempenho apresentado e o impacto proporcionado na qualidade em saúde.
Nenhum desses estudos citou a presença de metas qualitativas nos contratos, e dois3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870.,3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. não apresentaram multas ou punições previstas caso as metas não fossem atingidas.
Síntese dos artigos incluídos com foco no fenômeno: aspectos de cumprimento do contrato, tipos de metas do contrato e relação entre cumprimento e qualidade da atenção à saúde. 2020
Discussão
Aspectos metodológicos
Os artigos foram divididos de acordo com sua semelhança metodológica em cinco grupos. O primeiro grupo diz respeito aos estudos de caso1212 Souza PC, Scatena JHG. Avaliação da qualidade da assistência hospitalar do mix público-privado do sistema único de saúde no estado de Mato grosso: um estudo multicaso. Rev. adm. Saúde. 2013; 15(59):79-88.21.,1414 O’Brien S, Edge N, Clark S. A strategy to reposition the South Australian health system for quality and value. Aust. J. Primary Health, 2015. (22):26-33.
15 Ashton T, Cumming J, McLean J. Contracting for health services in a public health system: the New Zealand experience. Health Policy. 2004; 69(1):21-31.
16 Top M, Sungur C. Opinions and evaluations of stakeholders in the implementation of the public-private partnership (PPP) model in integrated health campuses (city hospitals) in Turkey. Int J Health Plann Manage. 2019; 34(1):e241-e263.
17 Almeida AS. The role of private non-profit healthcare organizations in NHS systems: Implications for the Portuguese hospital devolution program. Health Policy. 2017; 121(6):699-707.-1818 Heard A, Awasthi MK, Ali J, et al. Predicting performance in contracting of basic health care to NGOs: experience from large-scale contracting in Uttar Pradesh, India. Health Policy Plan. 2011; 26(supl1):i13-9.,2020 Field E, Abo D, Samiak L, et al. A Partnership Model for Improving Service Delivery in Remote Papua New Guinea: A Mixed Methods Evaluation. Inter. J. Health Policy Manag. 2018; 7(10):923-933.,2323 Lee T, McKee D. An Empirical Evaluation of Devolving Administrative Control to Costa Rican Hospital and Clinic Directors. Inter. J. Health Serv. 2015; 45(2):378-397.,2626 Charlesworth J. Negotiating and managing partnership in primary care. Health Soc Care Community. 2001; 9(5):279-85.,2929 McPake B, Hongoro C. Contracting out of clinical services in Zimbabwe. Soc Sci Med. 1995; 41(1):13-24.,3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870.
31 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208.
32 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.-3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11., sendo composto por mais da metade dos artigos que fazem parte desta revisão. Em que pese o fato de os estudos de caso serem muito usados nesses tipos de estudo de caráter mais administrativo, existem críticas a essa metodologia relativas à sua capacidade de generalização e à subjetividade de mensuração e confiabilidade dos dados extraídos. Porém, o estudo de caso pode ser considerado um método que permite estudos mais aprofundados e específicos de situações mais complexas3434 Senger I, Paço-Cunha E, Senger CM. O estudo de caso como estratégia metodológica de pesquisas científicas em administração: um roteiro para o estudo metodológico. Rev Adm. 2004; 3(4)., possibilitando uma análise do fenômeno estudado sem dissociá-lo de seu contexto. Isso se mostra relevante para o objeto de estudo desta revisão integrativa, uma vez que para entender o funcionamento e as características dos diferentes contratos de gestão é preciso considerar o sistema de saúde no qual eles estão inseridos.
O segundo grupo é formado por 3 estudos qualitativos1616 Top M, Sungur C. Opinions and evaluations of stakeholders in the implementation of the public-private partnership (PPP) model in integrated health campuses (city hospitals) in Turkey. Int J Health Plann Manage. 2019; 34(1):e241-e263.,2222 Barbosa AP, Malik AM. Desafios na organização de parcerias público-privadas em saúde no Brasil. Análise de projetos estruturados entre janeiro de 2010 e março de 2014. Rev. Adm. Pública. 2015; 49(5):1143-1165.,2424 Gridley K, Spiers G, Aspinal F, et al. Can General Practitioner Commissioning Deliver Equity and Excellence? Evidence from Two Studies of Service Improvement in the English NHS. Journal of Health Services Res. Policy. 2012; 17(2):87-93.. Esse tipo de metodologia tem um caráter interpretativo dos temas estudados, e os fenômenos são investigados e interpretados segundo o significado atribuído pelos participantes da pesquisa3535 Campos CJG, Siqueira C. Investigação qualitativa: perspectiva geral e importância para as ciências da nutrição. Acta Port. Nutri. 2018; (14):30-34.. Isso se mostrou importante nesse caso, pois, de forma geral, os artigos discorreram sobre as PPP e a visão dos sujeitos envolvidos na sua implantação, que são essenciais na compreensão e crítica dessas modalidades de gestão44 Barbosa NB, Elias PEM. As organizações sociais de saúde como forma de gestão público/privado. Ciênc. Saúde Colet. 2010; 15(5):2483-2495..
Composto por 3 artigos, o terceiro grupo engloba os ensaios descritivos1919 Sekhri N, Feachem R, Ni A. Public-private integrated partnerships demonstrate the potential to improve health care access, quality, and efficiency. Health Aff (Millwood). 2011; 30(8):1498-507.,2727 Feldman S. Behavioral health services: carved out and managed. Am J Manag Care. 1998; 4(supl):59-67.,2828 Halverson PK, Kaluzny AD, Mays GP, et al. Privatizing health services: alternative models and emerging issues for public health and quality management. Qual Manag Health Care. 1997; 5(2):1-18., que descrevem os diferentes modelos de privatização e evidenciam seus potenciais riscos e benefícios, exemplificando a experiência em diversos países. Esse tipo de método refere-se à obtenção de informações sobre um fenômeno e à descrição de suas características, sem o compromisso com a explicação desse fenômeno3636 Leal EJM. Produção acadêmico-científica [recurso eletrônico]: a pesquisa e o en¬saio. Cadernos de ensino. Formação continuada. Ensino Superior. Ano 7, n. 9. Itajaí, 2011.. Por isso, os conteúdos apresentados pelos ensaios têm uma validade científica baixa, e são, portanto, questionáveis quanto aos seus achados e/ou argumentos.
O quarto grupo é composto por 2 revisões sistemáticas1717 Almeida AS. The role of private non-profit healthcare organizations in NHS systems: Implications for the Portuguese hospital devolution program. Health Policy. 2017; 121(6):699-707.,2121 Gardner K, Davies GP, Edwards K, et al. A rapid review of the impact of commissioning on service use, quality, outcomes and value for money: implications for Australian policy. Aust. J. Primary Health. 2016; (22):40-49., sendo que uma delas também incorpora um estudo de caso1717 Almeida AS. The role of private non-profit healthcare organizations in NHS systems: Implications for the Portuguese hospital devolution program. Health Policy. 2017; 121(6):699-707. e analisa o papel das organizações sem fins lucrativos nos sistemas de saúde em comparação com as organizações lucrativas, enquanto a outra revisão analisa o impacto do comissionamento nos serviços de saúde2121 Gardner K, Davies GP, Edwards K, et al. A rapid review of the impact of commissioning on service use, quality, outcomes and value for money: implications for Australian policy. Aust. J. Primary Health. 2016; (22):40-49.. Como as revisões sistemáticas integram informações de um conjunto de estudos, proporcionando um resumo das evidências existentes e possibilitando agregar maiores resultados relevantes3737 Sampaio RF, Mancini MC. Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da evidência científica. Rev. bras. fisioter. 2007; 11(1):83-89., a inclusão desses dois artigos permitiu agregar maior consistência dos achados sobre as contratualizações na tentativa de generalização para outros países com perfil semelhante.
Por fim, o quinto grupo é também formado por dois estudos do tipo transversal1313 Haldiman KL, Tzeng HM. A comparison of quality measures between for-profit and nonprofit medicare-certified home health agencies in Michigan. Home Health Care Serv Q. 2010; 29(2):75-90.,2525 Ameli O, Newbrander W. Contracting for health services: effects of utilization and quality on the costs of the Basic Package of Health Services in Afghanistan. Bull World Health Organ. 2008; 86(12):920-8., que apresentam a vantagem de serem de baixo custo e servirem para examinar em uma amostra a presença ou ausência de efeitos após exposição a uma causa3838 Hochman B, Nahas FX, Oliveira Filho RS, et al. Desenhos de pesquisa. Acta Cir. Bras. 2005; 20(supl2):2-9. no mesmo período. No caso desta revisão, os artigos incluídos com essa metodologia investigaram a qualidade em saúde, um comparando o serviço de agências com e sem fins lucrativos1313 Haldiman KL, Tzeng HM. A comparison of quality measures between for-profit and nonprofit medicare-certified home health agencies in Michigan. Home Health Care Serv Q. 2010; 29(2):75-90., e outro comparando a qualidade com os custos empregados2525 Ameli O, Newbrander W. Contracting for health services: effects of utilization and quality on the costs of the Basic Package of Health Services in Afghanistan. Bull World Health Organ. 2008; 86(12):920-8..
Esses dados sobre os tipos metodológicos são importantes para refletir sobre como o tema pode ser sensível à metodologia empregada. Ao verificar que a maior parte dos artigos usa o estudo de caso, é possível que haja maior vinculação do alcance dos resultados projetados sobre o suposto impacto nos indicadores de saúde, contrariando, em tese, aquilo que a literatura sobre o tema reitera44 Barbosa NB, Elias PEM. As organizações sociais de saúde como forma de gestão público/privado. Ciênc. Saúde Colet. 2010; 15(5):2483-2495.. Entretanto, é essencial ter em mente que os achados desses estudos, em sua maioria, são muito contexto-dependentes, e, portanto, a importação mecânica de seus achados para outros contextos incorre, necessariamente, em falácias.
Metas e seus cumprimentos nos contratos de gestão
Comparou-se se informações sobre metas dos contratos de gestão estão presentes ou ausentes e se há informações sobre seus cumprimentos. Apenas 6 artigos citaram claramente a existência de metas e as descreveram2020 Field E, Abo D, Samiak L, et al. A Partnership Model for Improving Service Delivery in Remote Papua New Guinea: A Mixed Methods Evaluation. Inter. J. Health Policy Manag. 2018; 7(10):923-933.,2727 Feldman S. Behavioral health services: carved out and managed. Am J Manag Care. 1998; 4(supl):59-67.,3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870.,3131 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208.
32 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.-3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11.. Desses, apenas 2 relatam os cumprimentos das metas estabelecidas2727 Feldman S. Behavioral health services: carved out and managed. Am J Manag Care. 1998; 4(supl):59-67.,3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11., enquanto outros 5 artigos apresentavam a importância de monitorar e avaliar os resultados e o desempenho esperados e estabelecidos nos contratos de gestão1414 O’Brien S, Edge N, Clark S. A strategy to reposition the South Australian health system for quality and value. Aust. J. Primary Health, 2015. (22):26-33.,1919 Sekhri N, Feachem R, Ni A. Public-private integrated partnerships demonstrate the potential to improve health care access, quality, and efficiency. Health Aff (Millwood). 2011; 30(8):1498-507.,2424 Gridley K, Spiers G, Aspinal F, et al. Can General Practitioner Commissioning Deliver Equity and Excellence? Evidence from Two Studies of Service Improvement in the English NHS. Journal of Health Services Res. Policy. 2012; 17(2):87-93.,2828 Halverson PK, Kaluzny AD, Mays GP, et al. Privatizing health services: alternative models and emerging issues for public health and quality management. Qual Manag Health Care. 1997; 5(2):1-18.,3131 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208.. Apesar de a terceirização na saúde ser pautada pelos contratos de gestão11 Ibanez N, Vecina Neto G. Modelos de gestão e o SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(supl):1831-1840.,44 Barbosa NB, Elias PEM. As organizações sociais de saúde como forma de gestão público/privado. Ciênc. Saúde Colet. 2010; 15(5):2483-2495., chama atenção que pouco se fale sobre metas e resultados esperados.
Esse fato não deve impressionar de modo algum, afinal, há uma clara inversão entre a medida de quantidade de trabalho com o produto produzido, conforme os estudos críticos sobre o tema vêm denunciando66 Carnut L, Narvai PC. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saúde Soc. 2016; 25(2):290-305.,77 Mendes A, Carnut L. Capitalismo contemporâneo em crise e sua forma política: o subfinanciamento e o gerencialismo na saúde pública brasileira. Saúde soc. 2018; 27(4):1105-1119.. Não se trata de medir a quantidade de trabalho que remunere um produto produzido, mas de medir a quantidade de produto produzido para remunerar o trabalho feito4242 Carnut L, Mendes Á. Capital-Estado na crise contemporânea: o gerencialismo na saúde pública. Argum. 2018; 10(2):108-121.. É nessa díade que a questão da qualidade desaparece, e que, quando existe, não é delimitada conforme os estudos sobre o tema assim o exigem99 Adami NP. Melhoria da qualidade nos serviços de enfermagem. Acta Paul Enf. 2000; (13):190-196.,1010 Silva LMV, Formigli VLA. Avaliação em saúde: limites e perspectivas. Cad. Saúde Pública. 1994;10(1):80-91.. Nesse interim, o cumprimento da meta tampouco importa, já que parece ser um pressuposto sabido de antemão que não há (ou não deve haver) relação entre o cumprimento da meta com a qualidade. É aqui que vê-se nitidamente que o alcance das metas, para o contratado, deve se desvincular do impacto sobre os indicadores de saúde da população, dessa vez, reforçando o que a literatura sobre o tema versa, conforme discutido por Barbosa e Elias44 Barbosa NB, Elias PEM. As organizações sociais de saúde como forma de gestão público/privado. Ciênc. Saúde Colet. 2010; 15(5):2483-2495..
Tipos de contratualização
Neste tema, avaliaram-se os tipos de contratualização que são mencionados nos artigos. As PPP possuem cinco características: formadas por no mínimo dois agentes econômicos, o setor público e o setor privado; os dois lados da parceria apresentam papéis distintos e possuem o direito de negociar os termos da parceria; permitem contratos de longo prazo; uma das partes pode compartilhar seus valores fundamentais, como símbolos ou bens materiais; os riscos e as responsabilidades são compartilhados entre os setores públicos e privados1616 Top M, Sungur C. Opinions and evaluations of stakeholders in the implementation of the public-private partnership (PPP) model in integrated health campuses (city hospitals) in Turkey. Int J Health Plann Manage. 2019; 34(1):e241-e263.. Nesse conceito amplo de PPP, existem diferentes modelos.
O modelo contracting in refere-se à relação entre dois operadores do setor público, promovendo uma gestão privada dentro da configuração do setor público, sendo citado em dois estudos sobre a saúde no Camboja3131 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208.,3232 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.. Esse modelo se assemelha aos conceitos de economia planificada e competição administrada - managed competition3232 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.. Sua possível vantagem estaria em garantir uma gestão alinhada com as políticas em saúde e necessidades da população, já que a tomada de decisões pelo gestor ocorre em colaboração com as autoridades públicas de saúde.
Já no modelo contracting out, todo controle sobre a equipe de profissionais e o orçamento diz respeito à contratada, garantindo-lhe autonomia. Nesse caso, a atuação fica vinculada ao contrato de gestão3232 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.. No Brasil, esse modelo equivale ao adotado pelas OS. Com o funcionamento de forma semelhante, o modelo de comissionamento também é pautado por um contrato e envolve as áreas de planejamento estratégico, contratação de serviços - no caso serviços de saúde - e monitoramento e avaliação desses serviços2121 Gardner K, Davies GP, Edwards K, et al. A rapid review of the impact of commissioning on service use, quality, outcomes and value for money: implications for Australian policy. Aust. J. Primary Health. 2016; (22):40-49.. O modelo clinical commissioning group, presente no Reino Unido2424 Gridley K, Spiers G, Aspinal F, et al. Can General Practitioner Commissioning Deliver Equity and Excellence? Evidence from Two Studies of Service Improvement in the English NHS. Journal of Health Services Res. Policy. 2012; 17(2):87-93., diferencia-se do comissionamento pelo fato de ser comandado por um grupo de médicos de família e não mais por uma terceirizada. Dos 22 estudos incluídos nesta revisão, 12 deles abordam esse tipo de contratação (contracting out)1212 Souza PC, Scatena JHG. Avaliação da qualidade da assistência hospitalar do mix público-privado do sistema único de saúde no estado de Mato grosso: um estudo multicaso. Rev. adm. Saúde. 2013; 15(59):79-88.21.,1717 Almeida AS. The role of private non-profit healthcare organizations in NHS systems: Implications for the Portuguese hospital devolution program. Health Policy. 2017; 121(6):699-707.,1818 Heard A, Awasthi MK, Ali J, et al. Predicting performance in contracting of basic health care to NGOs: experience from large-scale contracting in Uttar Pradesh, India. Health Policy Plan. 2011; 26(supl1):i13-9.,2020 Field E, Abo D, Samiak L, et al. A Partnership Model for Improving Service Delivery in Remote Papua New Guinea: A Mixed Methods Evaluation. Inter. J. Health Policy Manag. 2018; 7(10):923-933.,2424 Gridley K, Spiers G, Aspinal F, et al. Can General Practitioner Commissioning Deliver Equity and Excellence? Evidence from Two Studies of Service Improvement in the English NHS. Journal of Health Services Res. Policy. 2012; 17(2):87-93.
25 Ameli O, Newbrander W. Contracting for health services: effects of utilization and quality on the costs of the Basic Package of Health Services in Afghanistan. Bull World Health Organ. 2008; 86(12):920-8.-2626 Charlesworth J. Negotiating and managing partnership in primary care. Health Soc Care Community. 2001; 9(5):279-85.,2828 Halverson PK, Kaluzny AD, Mays GP, et al. Privatizing health services: alternative models and emerging issues for public health and quality management. Qual Manag Health Care. 1997; 5(2):1-18.,2929 McPake B, Hongoro C. Contracting out of clinical services in Zimbabwe. Soc Sci Med. 1995; 41(1):13-24.,3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870.,3232 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.,3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. ou apenas definem a contratualização como PPP1919 Sekhri N, Feachem R, Ni A. Public-private integrated partnerships demonstrate the potential to improve health care access, quality, and efficiency. Health Aff (Millwood). 2011; 30(8):1498-507.,2222 Barbosa AP, Malik AM. Desafios na organização de parcerias público-privadas em saúde no Brasil. Análise de projetos estruturados entre janeiro de 2010 e março de 2014. Rev. Adm. Pública. 2015; 49(5):1143-1165.. Esse achado possivelmente é justificado pelo relato frequente de que os indicadores em saúde, muitas vezes avaliados nos estudos, apresentavam melhora em relação ao modelo público usado anteriormente nos diversos países que aderiram às PPP, daí o grande número de experiências com esse tipo de contratualização. Apesar de poder apresentar benefícios, existem resultados negativos associados à contratualização, como não apresentar melhorias na qualidade dos serviços de saúde e proporcionar irrisória integração com programas nacionais de saúde2020 Field E, Abo D, Samiak L, et al. A Partnership Model for Improving Service Delivery in Remote Papua New Guinea: A Mixed Methods Evaluation. Inter. J. Health Policy Manag. 2018; 7(10):923-933..
Existe, ainda, o modelo Build-rent-transfer, específico da Turquia, onde o Estado aloca um terreno para que a iniciativa privada construa um hospital e receba o direito de obter créditos através desse equipamento, ou seja, o setor privado realiza a construção num terreno público e depois aluga a edificação para o Estado, que fica responsável pela manutenção e por reparos na estrutura. Com o término do prazo de empréstimo ao setor privado, a edificação é transferida ao Estado1616 Top M, Sungur C. Opinions and evaluations of stakeholders in the implementation of the public-private partnership (PPP) model in integrated health campuses (city hospitals) in Turkey. Int J Health Plann Manage. 2019; 34(1):e241-e263..
Com relação ao modelo carved out, citado em um dos artigos2727 Feldman S. Behavioral health services: carved out and managed. Am J Manag Care. 1998; 4(supl):59-67., trata-se de uma forma em que a gestão e o risco financeiro de um seguro-saúde geral são separados de serviços de saúde mental/comportamental.
Por fim, o modelo de agenciamento é exposto no sistema de saúde da Costa Rica2323 Lee T, McKee D. An Empirical Evaluation of Devolving Administrative Control to Costa Rican Hospital and Clinic Directors. Inter. J. Health Serv. 2015; 45(2):378-397. e nele é cedido um pequeno controle do governo aos hospitais e clínicas através de um contrato, proporcionando descentralização do sistema.
Ideia de qualidade
Dos artigos incluídos nesta revisão, 9 não definiam nenhuma ideia com relação à qualidade1616 Top M, Sungur C. Opinions and evaluations of stakeholders in the implementation of the public-private partnership (PPP) model in integrated health campuses (city hospitals) in Turkey. Int J Health Plann Manage. 2019; 34(1):e241-e263.
17 Almeida AS. The role of private non-profit healthcare organizations in NHS systems: Implications for the Portuguese hospital devolution program. Health Policy. 2017; 121(6):699-707.
18 Heard A, Awasthi MK, Ali J, et al. Predicting performance in contracting of basic health care to NGOs: experience from large-scale contracting in Uttar Pradesh, India. Health Policy Plan. 2011; 26(supl1):i13-9.-1919 Sekhri N, Feachem R, Ni A. Public-private integrated partnerships demonstrate the potential to improve health care access, quality, and efficiency. Health Aff (Millwood). 2011; 30(8):1498-507.,2222 Barbosa AP, Malik AM. Desafios na organização de parcerias público-privadas em saúde no Brasil. Análise de projetos estruturados entre janeiro de 2010 e março de 2014. Rev. Adm. Pública. 2015; 49(5):1143-1165.,2626 Charlesworth J. Negotiating and managing partnership in primary care. Health Soc Care Community. 2001; 9(5):279-85.
27 Feldman S. Behavioral health services: carved out and managed. Am J Manag Care. 1998; 4(supl):59-67.
28 Halverson PK, Kaluzny AD, Mays GP, et al. Privatizing health services: alternative models and emerging issues for public health and quality management. Qual Manag Health Care. 1997; 5(2):1-18.-2929 McPake B, Hongoro C. Contracting out of clinical services in Zimbabwe. Soc Sci Med. 1995; 41(1):13-24.. Entre os que explicitavam a análise da qualidade dos serviços de saúde, a maioria limitava-se a se basear em métricas e indicadores. Um artigo1414 O’Brien S, Edge N, Clark S. A strategy to reposition the South Australian health system for quality and value. Aust. J. Primary Health, 2015. (22):26-33. enumera os princípios de um sistema de saúde de qualidade - centrado no paciente, seguro, eficaz, acessível, eficiente e equitativo -, enquanto outro artigo1313 Haldiman KL, Tzeng HM. A comparison of quality measures between for-profit and nonprofit medicare-certified home health agencies in Michigan. Home Health Care Serv Q. 2010; 29(2):75-90. define qualidade dos cuidados em saúde como “um equilíbrio ideal entre as possibilidades realizadas e uma estrutura de normas e valores”1313 Haldiman KL, Tzeng HM. A comparison of quality measures between for-profit and nonprofit medicare-certified home health agencies in Michigan. Home Health Care Serv Q. 2010; 29(2):75-90.. Apenas um artigo1212 Souza PC, Scatena JHG. Avaliação da qualidade da assistência hospitalar do mix público-privado do sistema único de saúde no estado de Mato grosso: um estudo multicaso. Rev. adm. Saúde. 2013; 15(59):79-88.21. evidenciava um referencial teórico conceituando sua definição de qualidade baseada na avaliação proposta por Donabedian, que considera as dimensões: estrutura, processos e resultados1212 Souza PC, Scatena JHG. Avaliação da qualidade da assistência hospitalar do mix público-privado do sistema único de saúde no estado de Mato grosso: um estudo multicaso. Rev. adm. Saúde. 2013; 15(59):79-88.21.. Outro artigo2424 Gridley K, Spiers G, Aspinal F, et al. Can General Practitioner Commissioning Deliver Equity and Excellence? Evidence from Two Studies of Service Improvement in the English NHS. Journal of Health Services Res. Policy. 2012; 17(2):87-93. expôs os padrões de qualidade a partir das diretrizes do National Institute for Health and Care Excelllence - Nice (Reino Unido), que também são baseadas no conceito de Donabedian3939 NICE - National Institute for Health and Care Excellence. [acesso em 2020 dez 19]. Disponível em: https://www.nice.org.uk/standards-and-indicators/how-to-use-quality-standards#measure
https://www.nice.org.uk/standards-and-in... .
Fica o questionamento de como pode ser possível afirmar que a contratualização favorece o aumento da qualidade dos serviços prestados se os estudos não aprofundam o debate sobre esse tema e não se utilizam sequer de um referencial teórico99 Adami NP. Melhoria da qualidade nos serviços de enfermagem. Acta Paul Enf. 2000; (13):190-196.. É interessante notar que o fato de os estudos relacionarem-se com a qualidade do ponto de vista retórico, não apresentam processos de verificação da qualidade em função do tipo de cumprimento contratual. Isso chama atenção para a limitação dos estudos que, por vezes, afirmam que o cumprimento das metas garante mais qualidade aos usuários atendidos.
Aspectos do cumprimento do contrato de gestão
Entre os artigos que compõem esta revisão, 4 estão incluídos no grupo que responde diretamente ao objeto desta pesquisa3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870.
31 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208.
32 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.-3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11., que é analisar se existe relação entre o cumprimento de metas quantitativas dos contratos de gestão e a qualidade da atenção à saúde. Desses artigos, apenas um3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. não apresenta linha-base que permita comparação do desempenho dos contratos. Com relação à especificação quanto à existência de multas e punições, os estudos que descrevem as experiências de Bangladesh3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870. e Costa Rica3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. são os que apresentam multa por mau desempenho ou redução orçamentária caso as metas estipuladas no contrato não sejam atingidas. Gridley2424 Gridley K, Spiers G, Aspinal F, et al. Can General Practitioner Commissioning Deliver Equity and Excellence? Evidence from Two Studies of Service Improvement in the English NHS. Journal of Health Services Res. Policy. 2012; 17(2):87-93. questiona se as necessidades de saúde seriam atendidas caso não houvesse metas e incentivos, já que não seriam vistas como prioridades.
Analisando as bonificações citadas nos contratos, apenas um artigo3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. não cita esse item, e seu autor pondera que não ir além da meta declarada no contrato caracterizaria uso ineficiente de recursos e que uma recompensa motivaria a superar as metas estabelecidas. Os outros 3 artigos discorrem sobre recompensas de acordo com o desempenho apresentado3131 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208., bônus de acordo com a taxa de cobertura alcançada pelos serviços de saúde3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870. e pagamento de bônus aos profissionais também a partir de seus desempenhos3232 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83..
Metas do contrato de gestão
Nenhum dos artigos que respondem ao objeto de pesquisa3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870.
31 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208.
32 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.-3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. apresenta metas qualitativas. Abransom3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. cita em seu estudo que alguns provedores consideraram que os indicadores de qualidade presentes nos contratos nem sempre eram capazes de expressar a qualidade dos serviços de saúde. Diante dessa afirmação, dificilmente se consegue comprovar que a contratualização realmente proporciona melhora da qualidade em saúde. Se os indicadores não expressam a qualidade dos serviços, por que basear os contratos apenas em metas quantitativas?
No que diz respeito às metas quantitativas, todos os estudos3030 Heard A, Nath DK, Loevinsohn B. Contracting urban primary healthcare services in Bangladesh - effect on use, efficiency, equity and quality of care. Trop Med Int Health. 2013; (18):861-870.
31 Jacobs B, Thomé JM, Overtoom R, et al. From public to private and back again: sustaining a high service-delivery level during transition of management authority: a Cambodia case study. Health Policy Plan. 2010; 25(3):197-208.
32 Soeters R, Griffiths F. Improving government health services through contract management: a case from Cambodia. Health Policy Plan. 2003; 18(1):74-83.-3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. abordavam a cobertura dos serviços, ações e procedimentos em saúde. Apenas um artigo3333 Abramson WB. Monitoring and evaluation of contracts for health service delivery in Costa Rica. Health Policy Plan. 2001; 16(4):404-11. definia indicadores específicos para avaliar organização, qualidade e prestação direta de serviços.
Relação entre cumprimento das metas e qualidade
Neste tema, tentar-se-á estabelecer relação entre o cumprimento de metas e a qualidade, incluindo a qualidade da atenção à saúde. Field2020 Field E, Abo D, Samiak L, et al. A Partnership Model for Improving Service Delivery in Remote Papua New Guinea: A Mixed Methods Evaluation. Inter. J. Health Policy Manag. 2018; 7(10):923-933. argumenta em seu artigo que é limitada a evidência de que modelos de PPP melhorem a prestação de serviços de saúde, dada a dificuldade em avaliar programas complexos de prestação de serviços em oposição à avaliação de intervenções únicas ou pacotes de intervenções2020 Field E, Abo D, Samiak L, et al. A Partnership Model for Improving Service Delivery in Remote Papua New Guinea: A Mixed Methods Evaluation. Inter. J. Health Policy Manag. 2018; 7(10):923-933.. Na mesma linha de argumentação, alguns provedores da Nova Zelândia consideravam que as avaliações da qualidade focavam principalmente em processos e não nos resultados obtidos nos serviços de saúde1515 Ashton T, Cumming J, McLean J. Contracting for health services in a public health system: the New Zealand experience. Health Policy. 2004; 69(1):21-31..
Ballaroti et al.4040 Ballarotti B, Corneau FG, Junqueira V, et al. Reflexões de médicos sobre o trabalho na Estratégia de Saúde da Família sob a gestão das Organizações Sociais. Interface (Botucatu). 2019; (23):e180082. concluem em seu estudo que a comparação do desempenho dos serviços no alcance de metas não seria suficiente para determinar qual serviço cumpre melhor seu papel na rede de saúde, pois o modelo de contratualizações pautado na avaliação de desempenho teria o potencial de gerar distorções e levar os serviços de saúde a direções distintas das planejadas4040 Ballarotti B, Corneau FG, Junqueira V, et al. Reflexões de médicos sobre o trabalho na Estratégia de Saúde da Família sob a gestão das Organizações Sociais. Interface (Botucatu). 2019; (23):e180082.. Portanto, artigos comumente publicados no Brasil comparando o desempenho de serviços sob gestão pública e privada, como o exemplo do estudo de Souza e Scatena1212 Souza PC, Scatena JHG. Avaliação da qualidade da assistência hospitalar do mix público-privado do sistema único de saúde no estado de Mato grosso: um estudo multicaso. Rev. adm. Saúde. 2013; 15(59):79-88.21., presente nesta revisão, poderiam gerar conclusões distorcidas, não proporcionando informações suficientes para afirmar qual serviço cumpre melhor seu papel. Além disso, qualquer objetivo no campo da saúde precisa de avanços coordenados em outras áreas para ser alcançado, principalmente no setor social, sendo possível apenas com gerência intergovernamental4141 Kliksberg B. A modernização do Estado para o desenvolvimento social: algumas questões-chave. Rev Adm. Púb. 1996; 30(1):78-90., e não apenas com base no desempenho de serviços isolados.
Nesse ponto, é importante lembrar a diferença entre ‘desempenho’ e ‘resultados’, frequentemente tomados como sinônimos na literatura corrente. O desempenho está associado aos resultados de um serviço, mas certamente não se deve confundir com este último. O desempenho é uma defasagem com relação a uma métrica estabelecida, cujo resultado do serviço se demonstra geralmente aquém ou (raramente) além do esperado. Assim sendo, o desempenho é uma diferença relacionada a uma métrica elaborada arbitrariamente, costumeiramente a serviço dos interesses do empregador66 Carnut L, Narvai PC. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saúde Soc. 2016; 25(2):290-305.. O resultado, no entanto, é algo muito mais polissêmico. Cabe aqui apenas ressaltar que, no âmbito da mensuração da qualidade na gestão dos serviços de saúde, resultados, ‘donabedianamente’ falando, são ‘processos’, e, raramente, os verdadeiros resultados dos serviços de saúde (as medidas dos índices epidemiológicos) são considerados como resultados4242 Carnut L, Mendes Á. Capital-Estado na crise contemporânea: o gerencialismo na saúde pública. Argum. 2018; 10(2):108-121.,4343 Carnut L, Masseran JAM. Entre a filosofia jurídica e a saúde coletiva: o conceito de desempenho no Decreto nº 7.508/2011 vis-à-vis a integralidade da assistência à luz do pós-positivismo. R. Dir. sanit. 2017; 18(1):37-56.. Pelo contrário, os procedimentos se tornam os resultados dos serviços e, portanto, o objeto da aferição.
Isso se relaciona bem com o controle (de resultados) imposto pelas formas de contratualização. Tal mecanismo representa uma nova forma de controle e que vem acompanhada do estabelecimento de sanções positivas e negativas. A especificidade do resultado como produto máximo dessa filosofia de gestão deposita nas metas a redução do escopo administrativo, sendo estas representativas de toda cadeia de intangíveis intrínseca aos processos organizacionais, das quais a qualidade é uma delas66 Carnut L, Narvai PC. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saúde Soc. 2016; 25(2):290-305..
Nesse diapasão, as metas dos processos organizacionais não servem necessariamente para alcançar os verdadeiros resultados dos serviços de saúde, como citado anteriormente. Isso faz com que o atendimento das necessidades em saúde da população passe a ser negligenciado. Considerando a taxonomia proposta por Cecílio4444 Cecílio LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO; 2006. p. 117-130.(119), atender ao conjunto das necessidades em saúde relacionadas à criação de vínculos afetivos entre o usuário e a equipe e/ou profissional - o que, em suas palavras, “significa o estabelecimento de uma relação contínua no tempo, pessoal e intransferível, calorosa: encontro de subjetividades” - estaria prejudicado, bem como o conjunto ligado à autonomia, que diz respeito à capacidade de reconstrução dos próprios sentidos de vida e no modo de viver de cada pessoa, o que é possível através da educação em saúde, por exemplo4444 Cecílio LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO; 2006. p. 117-130., e que, em termos de metas desses contratos, passa a não ter muita significância pelo fato de não ser um ‘procedimento’ passível de mensuração objetiva. Com profissionais cobrados por desempenho, o estabelecimento de vínculo com os usuários e as propostas de educação em saúde são prejudicados por não serem vistos como prioridade. Afinal, esses profissionais são cobrados para atingir as metas impostas pela contratualização com foco na oferta que os serviços podem proporcionar do ponto de vista contábil, enquanto as necessidades em saúde não são mensuráveis nesse nível de ‘cálculo racional’ para os contratos.
Um ponto importante a ser ressaltado é a escassez de estudos sobre o cenário das contratualizações no Brasil e a avaliação da qualidade, dificultando a análise desse fenômeno no Sistema Único de Saúde (SUS), visto que é relevante considerar o sistema de saúde no qual a contratualização está inserida, e extrapolar os achados de outros países dissociaria o fenômeno de seu contexto. Sendo assim, torna-se inapropriado discutir sobre a contrarreforma e associá-la com o desempenho das OS no SUS, uma vez que nesta revisão não se encontraram estudos suficientes sobre a realidade brasileira que proporcionassem subsídios para um debate mais aprofundado. Contudo, uma afirmação é possível de ser feita: que o cumprimento de metas na saúde, como expressão material associada à contrarreforma do Estado, no bojo da dissolução do Estado Social Capitalista22 Boschetti I. Assistência social e trabalho no capitalismo. São Paulo: Cortez; 2016., é um fenômeno de alcance mundial, conforme visto na diversidade de países incluídos que usam essas formas de contratação.
Atenção à saúde designa a organização estratégica do sistema e das práticas de saúde em resposta às necessidades da população. É expressa em políticas, programas e serviços de saúde consoante os princípios e as diretrizes que estruturam o Sistema Único de Saúde (SUS)4646 Pereira IB, França Lima JC. Dicionário da educação profissional em saúde. 2. ed. Rev. Ampl. Rio de Janeiro: EPSJV; 2008.(39).
Ora, por ser a atenção à saúde algo amplo, que engloba, além dos campos da assistência, onde estão contidos os serviços de saúde, o campo das intervenções ambientais e das políticas externas ao setor saúde, fica evidente a dificuldade em relacionar mudanças de qualidade na atenção à saúde com as metas dos contratos de gestão. Ademais, vê-se que os estudos se limitam a estudar os modelos de contratualização de forma restrita aos serviços de saúde e que, ainda assim, nem demonstram relação com qualidade da assistência direta propriamente dita.
Dada a escassez de estudos realizados no Brasil que abordam os contratos de gestão de forma ampla, questiona-se se tal fato possa ser explicado pelo empenho de grandes grupos em limitar essas pautas e dificultar o acesso à informação. Com o desempenho das OS resumidos à gradação de resultados de produtividade e deixando de funcionar como ferramenta gerencial para qualificar o serviço, conforme apontado por Carnut e Narvai66 Carnut L, Narvai PC. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saúde Soc. 2016; 25(2):290-305., apreende-se, também, que os contratos de gestão perdem seu sentido de controle. Nos últimos anos, tornaram-se públicas denúncias de irregularidades nos contratos celebrados com diferentes Organizações Sociais da Saúde por todo o País4747 São Paulo. CPI OSS - Relatório Final. Suplemento Diário Oficial do Estado de São Paulo. 2018 [acesso em 2021 fev 6]; 128(175). Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/arquivoWeb/com/com5772.pdf
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/arq... ,4848 Galdo R. Fraudes na saúde: levantamento aponta que OSs citadas em documentos do MPF receberam quase R$2 bi do estado. Extra. 2020 set 6. [acesso em 2021 fev 6]. Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/fraudes-na-saude-levantamento-aponta-que-oss-citadas-em-documentos-do-mpf-receberam-quase-2-bi-do-estado-rv1-1-24626384.html
https://extra.globo.com/noticias/saude-e... . No estado de São Paulo, por exemplo, em 2018, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que identificou supostos atos de improbidade administrativa e evidenciou a falta de controle do Estado sobre as OS, principalmente sobre os subcontratos firmados por essas instituições e outros prestadores de serviços4848 Galdo R. Fraudes na saúde: levantamento aponta que OSs citadas em documentos do MPF receberam quase R$2 bi do estado. Extra. 2020 set 6. [acesso em 2021 fev 6]. Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/fraudes-na-saude-levantamento-aponta-que-oss-citadas-em-documentos-do-mpf-receberam-quase-2-bi-do-estado-rv1-1-24626384.html
https://extra.globo.com/noticias/saude-e... ,4949 Macedo F. Entidades não se sentem obrigadas a prestar contas, diz presidente da CPI das OSS. Estadão. 2019 jun 4. [acesso em 2021 fev 6]. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/entidades-nao-se-sentem-obrigadas-a-prestar-contas-diz-presidente-da-cpi-das-oss/
https://politica.estadao.com.br/blogs/fa... .
O grande volume de recursos financeiros empregado nessas parcerias com OS dão a dimensão da importância de fiscalizar e de, no mínimo, rever como os contratos de gestão se estabelecem. No período entre 2013 e 2018, as OS do estado de São Paulo receberam mais de R$50 bilhões4747 São Paulo. CPI OSS - Relatório Final. Suplemento Diário Oficial do Estado de São Paulo. 2018 [acesso em 2021 fev 6]; 128(175). Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/arquivoWeb/com/com5772.pdf
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/arq... , e, no Rio de Janeiro, entre 2019 e 2020, R$1,8 bilhão (56% das despesas da Secretaria Estadual de Saúde) foi repassado às OS citadas em denúncia realizada pelo Ministério Público Federal4848 Galdo R. Fraudes na saúde: levantamento aponta que OSs citadas em documentos do MPF receberam quase R$2 bi do estado. Extra. 2020 set 6. [acesso em 2021 fev 6]. Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/fraudes-na-saude-levantamento-aponta-que-oss-citadas-em-documentos-do-mpf-receberam-quase-2-bi-do-estado-rv1-1-24626384.html
https://extra.globo.com/noticias/saude-e... . Um dos fatores, levantados pela CPI em São Paulo, que dificulta a auditoria sobre esses recursos é que os gastos com as OS são diluídos no orçamento da Secretaria de Saúde5050 Machado L. CPI das OSS aprova relatório após retirar denúncias contra governador de SP e secretário adjunto. G1. 2018 set 12. [acesso em 2021 fev 6]. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/09/12/cpi-das-oss-aprova-relatorio-apos-retirar-denuncias-contra-governador-de-sp-e-secretario.ghtml
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/notici... .
Limitações desta revisão
Através do método de revisão sistemática integrativa, este artigo procurou sintetizar o conhecimento existente sobre o objeto de pesquisa e realizar inferências e interrelação dos resultados de forma crítica. Devido à limitação do método em focar no objeto pesquisado, muitos estudos foram identificados na busca inicial, e apenas poucos estudos foram elegíveis, além da maioria dos artigos incluídos apenas tangenciar ou responder parcialmente ao questionamento aqui proposto.
Outra limitação é relacionada à falta de estudos encontrados sobre o objeto de pesquisa no contexto brasileiro, sendo o interesse inicial da pesquisa abordar a contratualização no SUS.
Implicações para políticas públicas
O artigo confirmou não ser possível relacionar o cumprimento de metas com qualidade da atenção/assistência à saúde, sendo improcedente, segundo os dados desta revisão, admitir que os modelos de PPP, semelhantes às Organizações Sociais em Saúde no Brasil, e o estabelecimento de metas contratuais traz benefícios e gera aumento na qualidade dos serviços de saúde. Sendo assim, gestores públicos podem rever o processo de terceirização e a transferência da execução de atividades no campo saúde, que poderiam voltar a ser desenvolvidas exclusivamente pelo Estado, ou, ao menos, seria indicado que os gestores revissem a forma como os contratos de gestão são estabelecidos, a natureza de suas metas e como estas são pactuadas, executadas e, ainda, monitoradas. Os gestores públicos poderiam fomentar e incentivar a realização de mais pesquisas que avaliem a qualidade de forma ampla, fundamentada teoricamente, considerando a saúde num contexto amplo e não se limitando à assistência apenas.
Outra possibilidade seria estabelecer metas de acordo com o perfil epidemiológico da região compreendida no contrato de gestão e em consonância com melhoria dos indicadores de saúde.
Avanços desta revisão e agenda de pesquisa
Identificou-se que os estudos não avaliam a qualidade levando em consideração um referencial teórico e se limitam a avaliá-la apenas no que diz respeito à assistência à saúde, ainda que as metas estipuladas não se relacionassem com os indicadores escolhidos para análise, e não de forma mais ampla, englobando a atenção à saúde.
O conhecimento sobre essa temática pode avançar com pesquisas que avaliem a qualidade dentro do fenômeno da contratualização no SUS.
Conclusões
Apesar da existência de estudos que abordem a transferência da administração de serviços de saúde para a iniciativa privada e de relatos de experiência que citam os contratos de gestão, a literatura científica mostra que pouco se discute sobre a qualidade. A falta da utilização de um referencial teórico nos artigos, no caso desta pesquisa, sendo citado o proposto por Donabedian, mostra a dificuldade da avaliação ampliada da qualidade e a limita a atingir indicadores preestabelecidos, além de distorcer o significado de ‘resultados’ em saúde.
Dos 22 estudos incluídos nesta revisão sistemática integrativa, apenas 4 respondem diretamente ao questionamento realizado, e fica evidenciado que nesses estudos as metas propostas nos contratos não se relacionam com os indicadores que avaliam a qualidade, além de não existirem metas qualitativas nas contratualizações estudadas. Diante dos estudos revisados nas bases de dados trabalhadas, não é possível estabelecer relação entre metas dos contratos de gestão e qualidade da atenção à saúde, visto que os estudos se restringem à assistência à saúde.
Outro achado é a insuficiência de estudos realizados no Brasil, mostrando a necessidade de se estudar esse tema no SUS e ampliar a avaliação de qualidade no contexto da atenção à saúde.
- Suporte financeiro: não houve
- *Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
08 Dez 2021 - Data do Fascículo
Oct-Dec 2021
Histórico
- Recebido
26 Fev 2021 - Aceito
05 Out 2021