RESUMO
O envolvimento de mulheres com a atividade de patenteamento no Brasil é examinado por meio da análise de patentes concedidas e de pedidos de depósitos de residentes no País, publicados na ‘Revista da Propriedade Industrial’ do Instituto Nacional da Propriedade Industrial durante o período 1996-2017. O estudo contribui para a melhor compreensão da presença de mulheres na produção de conhecimento tecnológico nacional, revelando o crescimento de sua participação, apesar do predomínio do sexo masculino no sistema de patentes brasileiro. Ao examinar essa dimensão pouco estudada da atuação das mulheres como cientistas, busca-se apresentar novos elementos sobre os processos que vêm conformando as desigualdades de gênero na ciência brasileira.
PALAVRAS-CHAVE
Mulheres; Identidade de gênero; Patentes; Brasil
ABSTRACT
The involvement of women in the patenting activity in Brazil is examined through the analysis of the patent registrations granted and applications for deposits from residents, published in the ‘Industrial Property Journal’ (RPI) of the National Institute of Industrial Property (Inpi) during the period 1996-2017. The study contributes to a better understanding of the presence of women in the production of technological knowledge in the country, revealing the growth of their participation, despite the predominance of males in the Brazilian patent system. By examining this little-studied dimension of women’s role as scientists, the aim is to present new elements about the processes they confer, shaping gender inequalities in Brazilian science.
KEYWORDS
Women; Gender Identity; Patent; Brazil
Introdução
Ainda não há uma única nem conclusiva resposta à indagação do motivo pelo qual há poucas mulheres inventoras nos sistemas de propriedade intelectual. A sub-representação de mulheres nesse campo chama a atenção, em particular, pelo contraste com o desempenho das mulheres nos diversos níveis de escolarização e de titulação acadêmica. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2013, as mulheres constituíam entre 44% e 54% dos pós-graduados na maioria dos países pesquisados pela agência. Proporções similares foram identificadas nos países da União Europeia (EU-28), em que, em 2012, as mulheres representavam 47% dos titulados com doutorado e entre 40% e 60% dos doutores de todos os demais 13 países associados11 European Comission. She figures 2015. Gender in research and innovation. Luxembourg: Publications Office of the European Union. 2016. [acesso em 2018 jul 18]. Disponível em: https://data.europa.eu/data/datasets/she-figures-2015-gender-in-research-and-innovation?locale=en
https://data.europa.eu/data/datasets/she... . Todavia, essa quase igualdade de gênero, no que tange à educação superior, não se traduz em forte presença no âmbito da pesquisa científica e tecnológica: a estimativa da Unesco é que elas representem cerca 28% dos pesquisadores em nível global, variando essa taxa conforme o país22 Huyer S. Is the Gender Gap Narrowing in Science and Engineering? In: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. UNESCO Science Report: Towards 2030. Paris: UNESCO; 2015. [acesso em 2020 ago 20]. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000235406
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf... .
Essa circunstância interfere na publicação e no ritmo em que percorrem os postos das hierarquias científicas, trajeto que é afetado pelo chamado leaky pipeline, termo utilizado para descrever a diminuição da proporção de mulheres nas posições mais altas dessas hierarquias33 Elsevier Research Intelligence. Gender in the global research landscape. Holanda: Elsevier; 2017. [acesso em 2018 jul 20]. Disponível em: https://www.elsevier.com/research-intelligence/resource-library/gender-report
https://www.elsevier.com/research-intell... . Esses e outros constrangimentos influenciam o desempenho científico, dificultando o alcance de níveis na carreira comparáveis aos de seus colegas homens com mérito e educação equivalentes44 Naldi F, Luiz D, Valente A, et al. Scientific and technological performance by gender. In: Moed HF, Glanzel W, Schmoch U, editores. Handbook of Quantitative Science and Technology Research. The Use of Publication and Patent Statistics in Studies of S&T Systems. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers; 2004. p. 300-301..
No que concerne especificamente à produção de patentes, verifica-se que o hiato de gênero é mais pronunciado do que em outros empreendimentos aos quais as cientistas e engenheiras se lançam. Conforme o relatório do United States Patent and Trademarks Office (USPTO), cada vez mais, um quantitativo maior de mulheres ingressa e se mantém ativo no sistema de patentes norte-americano. Porém, entre 2016 e 2019, elas representavam apenas 12,8% no total de inventores com patentes; e nas patentes concedidas, somente 22% contavam com ao menos uma mulher entre os inventores55 United State Patent and Trademark Office. Progress and Potential. 2020 update on U.S. women inventor-patentees. Office of the Chief Economist. 2020. [acesso em 2020 jul 23]. Disponível em: https://www.uspto.gov/sites/default/files/documents/OCE-DH-Progress-Potential-2020.pdf
https://www.uspto.gov/sites/default/file... . A disparidade dessa participação feminina constitui um fenômeno generalizado, embora varie de acordo com o país e a região44 Naldi F, Luiz D, Valente A, et al. Scientific and technological performance by gender. In: Moed HF, Glanzel W, Schmoch U, editores. Handbook of Quantitative Science and Technology Research. The Use of Publication and Patent Statistics in Studies of S&T Systems. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers; 2004. p. 300-301.,66 Mauléon E, Bordóns M. Male and female involvement in patenting activity in Spain. Scientometrics. 2010; (83):605-621.,77 Frietsch R, Haller I, Funken-Vrohlings M, et al. Gender-specific patterns in patenting and publishing. Res. Pol. 2009; 38(4):590-599.. Diversos fatores geram essa diferença. Um deles é a menor proporção de mulheres que trabalham em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), principalmente na indústria, em que se concentra a atividade de patenteamento na maioria dos países, e a estrutura do mercado de trabalho tende a reservar postos e salários mais altos aos homens77 Frietsch R, Haller I, Funken-Vrohlings M, et al. Gender-specific patterns in patenting and publishing. Res. Pol. 2009; 38(4):590-599.. Outro fator que influencia o desequilíbrio de gênero é a composição por sexo dos campos de especialização tecnológica de um país: mulheres estão mais presentes em indústrias relacionadas com química e com produtos farmacêuticos, reduzindo a proporção de participação em campos vinculados às ciências físicas e às engenharias (motores, máquinas, ferramentas, eletricidade e transportes). Nestes, e em ramos industriais conexos, reconhecidos como de patenteamento intensivo, encontram-se as principais atividades de patenteamento por homens44 Naldi F, Luiz D, Valente A, et al. Scientific and technological performance by gender. In: Moed HF, Glanzel W, Schmoch U, editores. Handbook of Quantitative Science and Technology Research. The Use of Publication and Patent Statistics in Studies of S&T Systems. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers; 2004. p. 300-301.,66 Mauléon E, Bordóns M. Male and female involvement in patenting activity in Spain. Scientometrics. 2010; (83):605-621.
7 Frietsch R, Haller I, Funken-Vrohlings M, et al. Gender-specific patterns in patenting and publishing. Res. Pol. 2009; 38(4):590-599.-88 Martinez GL, Raffo J, Saito K. Identifying the gender of PCT inventors. Switzerland: World Intellectual Property Organization; 2016. [acesso em 2018 maio 29]. Disponível em: http://www.wipo.int/pressroom/en/articles/2016/article_0015.html
http://www.wipo.int/pressroom/en/article... .
Estudos e relatórios recentes sinalizam pequenas, mas contínuas alterações nesse quadro nos últimos anos: a participação global de mulheres entre os inventores dos pedidos internacionais do Patent Cooperation Treaty (PCT), tratado multilateral administrado pela World Intellectual Property Organization (Wipo), subiu de 9,5% em 1995 para 18,7% em 2019, com uma média anual de crescimento de 12,5%, taxa bem acima da média de 9,5% dos homens, embora partindo de um patamar mais baixo55 United State Patent and Trademark Office. Progress and Potential. 2020 update on U.S. women inventor-patentees. Office of the Chief Economist. 2020. [acesso em 2020 jul 23]. Disponível em: https://www.uspto.gov/sites/default/files/documents/OCE-DH-Progress-Potential-2020.pdf
https://www.uspto.gov/sites/default/file... . O crescimento da participação de mulheres no sistema de patenteamento foi reconhecido inclusive em países latino-americanos, como Brasil, México e Chile99 Zetter BC, Brambila CG, Angon MA. Gender desegregated analysis of mexican inventors in patente apllications under the Patente Cooperation Treaty (PCT). Interciencia. 2017; 42(4):204-211.,1010 Valera RM, Fernandez DA. La actividad innovadora por gênero em América Latina: um estudio de patentes. Rev. Bras. Inov. 2014; 13(1):163-186. . No caso do Brasil, a proporção de mulheres entre todos os inventores aumentou de 11% no período 1996-2000 para 19% no período 2011-201533 Elsevier Research Intelligence. Gender in the global research landscape. Holanda: Elsevier; 2017. [acesso em 2018 jul 20]. Disponível em: https://www.elsevier.com/research-intelligence/resource-library/gender-report
https://www.elsevier.com/research-intell... . De modo similar à tendência internacional, essa elevação acompanhou o aumento dos pedidos internacionais de patentes do sistema PCT com origem no Brasil que tem ao menos uma mulher inventora e que quase dobrou de 12% para 21% no mesmo período.
Esse trabalho tem como propósito identificar e descrever algumas características da atividade de patenteamento por parte de mulheres inventoras, revelando uma dimensão ainda pouco estudada de sua atuação na produção de conhecimento científico e tecnológico no País. Os estudos que apresentam dados de patenteamento de mulheres no Brasil utilizam como base os pedidos de patentes internacionais PCT com origem no Brasil33 Elsevier Research Intelligence. Gender in the global research landscape. Holanda: Elsevier; 2017. [acesso em 2018 jul 20]. Disponível em: https://www.elsevier.com/research-intelligence/resource-library/gender-report
https://www.elsevier.com/research-intell... ,88 Martinez GL, Raffo J, Saito K. Identifying the gender of PCT inventors. Switzerland: World Intellectual Property Organization; 2016. [acesso em 2018 maio 29]. Disponível em: http://www.wipo.int/pressroom/en/articles/2016/article_0015.html
http://www.wipo.int/pressroom/en/article... , e os depósitos no USPTO1010 Valera RM, Fernandez DA. La actividad innovadora por gênero em América Latina: um estudio de patentes. Rev. Bras. Inov. 2014; 13(1):163-186., o que representa apenas um grupo reduzido de pedidos quando comparado aos depósitos realizados no País. A pesquisa tem como fonte de informação os dados de pedidos de depósitos e de concessões de patentes de invenção relativos ao período 1996-2017 por parte de depositantes residentes no País, isto é, inventores individuais, empresas brasileiras e estrangeiras com filiais legalmente constituídas em território brasileiro. Mesmo que a titularidade da invenção seja da matriz estrangeira, quando tais pedidos dão entrada como residentes, são considerados como esforços inovadores brasileiros. Essas informações foram extraídas da ‘Revista da Propriedade Industrial’ (RPI), publicação oficial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), que, desde 1972, publica os atos normativos, despachos, e decisões relativos ao sistema de propriedade industrial do Brasil. O texto apresenta inicialmente uma síntese das escassas e incompletas informações a respeito da participação de mulheres na Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), com vistas a compreender o lugar que ocupam nesse mercado de trabalho. Na sequência, são analisados os dados coletados na RPI sobre a participação de mulheres no sistema de patenteamento. Conclui-se que, embora ainda constituam um grupo minoritário, as mulheres têm intensificado sua presença no sistema de patentes, com participação crescente em grupos de inventores.
Ciência, tecnologia e inovação: o lugar das mulheres inventoras
Nas patentes concedidas no USPTO entre 1990 e 2006, o Brasil aparece com 17% de suas patentes tendo ao menos uma mulher entre os inventores, elevando-se essa proporção para 19% no período 2011-201588 Martinez GL, Raffo J, Saito K. Identifying the gender of PCT inventors. Switzerland: World Intellectual Property Organization; 2016. [acesso em 2018 maio 29]. Disponível em: http://www.wipo.int/pressroom/en/articles/2016/article_0015.html
http://www.wipo.int/pressroom/en/article... ,1010 Valera RM, Fernandez DA. La actividad innovadora por gênero em América Latina: um estudio de patentes. Rev. Bras. Inov. 2014; 13(1):163-186..
Esse desempenho deve ser avaliado à luz dos limites que caracterizam o próprio sistema de inovação brasileiro, formado pelo conjunto heterogêneo de Instituições de Ensino Superior (IES), institutos de pesquisa, empresas públicas e privadas que desenvolvem P&D nas próprias instalações e/ou em algum tipo de consórcio com as entidades de natureza científica. Conforme a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no universo de quase 117 mil empresas com 10 ou mais pessoas, aproximadamente 33,6% realizaram alguma inovação de produto ou de processo no triênio 2015-2017, configurando um recuo de 2,4% em relação ao período 2012-2014, quando esse índice foi de 36,0%1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de inovação 2014. Rio de Janeiro: IBGE; 2016. [acesso em 2018 set 8]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99007.pdf .
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza... ,1212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de inovação 2017. Rio de Janeiro: IBGE; 2017. [acesso em 2018 set 8]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101706_notas_tecnicas.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza... . Esse recuo é explicado por vários fatores que constituem obstáculos à inovação, tais como: risco econômico, custo elevado para inovar, falta de pessoal, escassez de financiamento. Embora o Brasil não seja atrasado do ponto de vista científico e tecnológico, a estrutura industrial predominante é formada por setores de baixa e média tecnologias, com reduzida capacidade de inovação passível de patenteamento1313 Albuquerque EM. Sistema nacional de inovação no Brasil. Uma análise introdutória a partir de dados disponíveis sobre a ciência e a tecnologia. Rev. Econ. Polit. 1996; 16(3):56-72.
14 Suzigan W, Albuquerque E. A interação entre universidades e empresas em perspectiva. histórica no Brasil. Belo Horizonte: UFMG; Cedeplar; 2008. [acesso em 2018 set 28]. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Eduardo_E_Albuquerque/publication/5000573
https://www.researchgate.net/profile/Edu... -1515 Soares T, Torkomian A, Nagano M, et al. O Sistema de inovação brasileiro: uma análise crítica e reflexões. Interciencia. 2016; 41(10):713-721.. Apesar de dispor de um setor produtivo diversificado, o investimento em P&D é limitado e se mantém estável ao longo do tempo1616 De Negri F. Novos caminhos para a inovação no Brasil. Organizadores: Wilson Center, Interfarma. Washington, DC: Wilson Center; 2018..
Essas características influenciam o mercado de trabalho no campo da CT&I. A oferta de empregos é reduzida e pouco diversificada para as profissões técnico-científicas. O contingente de cientistas e de engenheiros é menor do que em outros países do continente americano. Os profissionais mais qualificados entre os engenheiros, exceto no setor de petróleo, não são atraídos pelo setor industrial, encontrando colocação mais facilmente em IES e nos institutos de P&D públicos1717 Davidovich L. Por que o Brasil tem tão poucos cientistas? Sociedade Brasileira de Química. 2 jun 2017. [acesso em 2018 set 29]. Disponível em: http://www.sbq.org.br/noticia/por-que-o-brasil-tem-tem-tão-poucos-cientistas 2/06/2017.
http://www.sbq.org.br/noticia/por-que-o-... ,1818 Observatório da inovação e competitividade. Tendências e Perspectivas da Engenharia no Brasil. Relatório EngenhariaData 2015. Formação e Mercado de Trabalho em Engenharia no Brasil. 2015. [acesso em 2019 abr 17]. Disponível em: http://engenhariadata.oic.nap.usp.br/wp-content/uploads/2015/06/Relatorio-Engenharia_Data_2015.pdf
http://engenhariadata.oic.nap.usp.br/wp-... . Pouco se sabe a respeito da inserção profissional de mulheres nesse mercado de trabalho. Uma iniciativa pioneira foi a Pintec, realizada em 2014, que forneceu informações a respeito do número absoluto de mulheres ocupadas entre 2011-2014 como pesquisadoras em P&D1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de inovação 2014. Rio de Janeiro: IBGE; 2016. [acesso em 2018 set 8]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99007.pdf .
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza... . A maior participação foi verificada nas empresas da indústria de transformação (22%), destacando-se alguns setores: fabricação de produtos farmoquímicos (75,3%); fabricação de sabões, detergentes, produtos de limpeza, cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal (66,2%); fabricação de produtos farmacêuticos (60,2%); confecção de artigos do vestuário e acessórios (58,8%); fabricação de produtos de fumo (47,6%); fabricação de produtos químicos orgânicos (47,2%).
Embora não se restrinja às atividades de C&T, a investigação do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) sobre os egressos da pós-graduação fornece também algumas informações acerca do emprego de mulheres nesse campo1919 Mestres e doutores 2015 - Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira. Brasília, DF: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos; 2016.. Entre o grupo de mestres e doutores formados no País a partir de 1996 e que estavam empregados em 2014, foi identificado um crescimento, ainda que modesto, da participação de mulheres no emprego total de mestres e doutores nas entidades empresariais estatais e privadas brasileiras entre 2009 e 2014. Nas estatais, a proporção de mulheres com título de mestre aumentou de 34% para 37% no período, enquanto o percentual de mulheres com título de doutor passou de 35% para 38,%. Já nas empresas privadas, a proporção do grupo de mestres se elevou de 44% para 45%; e do grupo de doutoras, de 48% para 50%.
Uma segunda dimensão abordada pelo mesmo estudo diz respeito às funções técnico-científicas no âmbito do ensino e da pesquisa acadêmica e industrial. Considerando somente o principal vínculo empregatício e os grupos ocupacionais da Classificação Brasileira de Ocupação (CBO), verificou-se que, em 2014, as mulheres representavam 45,5% entre os mestres e 47,8% entre os doutores do grande grupo de profissionais das ciências e das artes, que reúne diversos subgrupos ocupacionais, com destaque para as profissões de ensino, notadamente de ensino superior no caso de doutores, e de pesquisa em ciências da saúde e exatas.
Apesar de limitados, os resultados apresentados pela Pintec e pelo CGEE permitem observar que a participação das mulheres se distribui em ramos e áreas de atividades de acordo com um padrão de segmentação por gênero. A maior incidência da participação se relaciona às atividades consideradas como tipicamente femininas: o ensino, no caso das egressas da pós-graduação, e os setores têxtil e químico (cosmética, higiene) no âmbito da indústria. Esse padrão de participação no mercado de trabalho configura a chamada segregação territorial, um tipo de discriminação de gênero segundo a qual as mulheres tendem a garantir alta representatividade em certos campos de conhecimento em detrimento de outros, gerando o estabelecimento de ‘nichos femininos’, identificados com supostas habilidades e talentos característicos do sexo feminino2020 Rossiter M. Women scientists in America: struggles and strategies to 1940. Baltimore: John Press; 1982..
A identificação de gênero com esses setores se relaciona a certas particularidades: a indústria têxtil, desde a origem, empregou preferencialmente mulheres, identificadas ao antigo ofício da costura doméstica2121 Perrot M. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: Edusc; 2005.,2222 Hobsbawn E. A era dos Impérios. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1988.. O ramo químico, por sua vez, especializou-se na chamada indústria da beleza, cujo mercado consumidor se direciona não somente, mas principalmente para mulheres2323 Brasilio LA. Um olhar sócio-histórico sobre a beleza: das amarras à alteridade. [tese]. São Paulo: Universidade Estadual Paulista; 2007. [acesso em 2019 ago 25]. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/106274
http://hdl.handle.net/11449/106274... . Além disso, parece existir uma correlação entre a formação profissional requerida para o exercício da atividade nesse ramo industrial e o elevado número de mulheres formadas no País em ciências biológicas, química e engenharia química. Nesse último ramo industrial, a partir do final dos anos 1980, constata-se um grande contingente de mulheres nos setores de produção de artigos de beleza, higiene e perfumaria; e desde 2005, um quarto dos empregos formais para engenheiros químicos foram ocupados por mulheres2424 Lombardi MR. Engenheiras brasileiras: inserção e limites de gênero no campo profissional. Cad. Pesq. 2006; 36(127):173-202.
25 Lombardi MR. Carreiras de engenheiras em pesquisa científica e tecnológica: conquistas desafios. Cad. Pesq. 2011; 41(144):886-903.-2626 Santos NP, Massena EP. As marcas do gênero na ciência: a formação do licenciado e do químico na antiga Faculdade Nacional de Filosofia e no Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. In: Anais do VII Encontro Nacional de Pesquisa de Educação em Ciências, 8 a 13 de novembro de 2009, Santa Catarina. Florianópolis: Abrapec; 2009. s/p..
A presença de mulheres no mercado de trabalho de C&T se deve à ampliação da escolarização da população feminina em todos os níveis educacionais nas últimas décadas do século XX. Alterou-se o padrão de escolaridade, em particular, no que concerne ao ensino superior, em que elas passaram de minoria à maioria do contingente total com esse grau de escolaridade. Tendência similar se verifica na pós-graduação, em que o sexo feminino aparece em vantagem no âmbito das matrículas e dos titulados2727 Guedes M. A presença feminina nos cursos universitários e nas pós-graduações: desconstruindo a idéia da universidade como espaço masculino. Hist., Ciência, Saúde - Manguinhos. 2008; (15):117-132.. Indubitavelmente, esse processo contribuiu de maneira decisiva para a aquisição de competências próprias às profissões técnico-científicas. Deve-se assinalar também a possível influência de investimentos públicos nas instituições que concentram o emprego de mulheres que atuam em C&T: as IES públicas e os institutos públicos de pesquisa. Esses investimentos incentivaram o estabelecimento de nichos e polos de inovação tecnológica, e de geração de patentes, embora essa não fosse uma prática habitual da cultura universitária, dedicada primordialmente à formação de recursos humanos e à produção de conhecimento2828 Garnica LA, Torkomian AN. Gestão de tecnologia em universidades: uma análise do patenteamento e dos fatores de dificuldade e de apoio à transferência de tecnologia no Estado de São Paulo. Gest. Prod. 2009; 16(4):624-638..
No início dos anos 2000, essas instituições concentravam cerca de 30% dos investimentos públicos em P&D, e passaram a integrar a lista dos 50 maiores depositantes de patentes no País com prioridade brasileira2929 Oliveira RM, Velho LM. Patentes acadêmicas no Brasil: uma análise sobre as universidades públicas paulistas e seus inventores. Parc. Estrat. 2009 [acesso em 2019 jul 20]; 14(29):173-200. Disponível em: http://seer.cgee.org.br/index.php/parcerias_estrategicas/article/view/355
http://seer.cgee.org.br/index.php/parcer...
30 Povoa LM. A crescente importância das universidades e institutos públicos de pesquisa no processo de catching-up tecnológico. Rev. Econ. Contemp. 2008; 12(2):273-300.-3131 Colla S, Esteves LA. Lei da Inovação e Patentes Universitárias no Brasil: uma análise quantitativa (2005 - 2010). Rev. Tecnol. Soc. 2013; 9(17):118-133. Entre 2015 e 2017, as universidades federais e estaduais ocuparam as dez primeiras posições no ranking dos principais depositantes residentes de patentes de invenção3232 Nunes J, Oliveira L. Universidades brasileiras. Utilização do Sistema de Patentes de 2000 a 2004. Rio de Janeiro: Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI; 2007.
33 Carvalho SM, Jorge MG, Barcelos VI, et al. Indicadores da propriedade Industrial 2000-2012. O uso do sistema de propriedade industrial no Brasil. Rio de Janeiro: INPI; 2015.-3434 Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Ranking dos depositantes residentes. 2019. [acesso em 2020 set 4]. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/acesso-a-informacao/pasta-x/estatisticas-preliminares/arquivos/documentos/ranking-maiores-depositantes-residentes-2019.pdf
https://www.gov.br/inpi/pt-br/acesso-a-i... . Uma das razões cogitadas para esse desempenho foi a mudança no arcabouço jurídico dos direitos de propriedade intelectual, decorrentes da Lei de Propriedade Industrial (nº 9.279, 14 de maio de 1996) e da chamada Lei de Inovação (nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004), além obrigatoriedade de instalação de Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) nas instituições científicas para gerir a política de inovação; em particular, a proteção jurídica dos resultados da pesquisa e sua transferência para o setor privado. Um aspecto fundamental foi a autorização para a concessão de parte dos ganhos econômicos da exploração comercial de patentes para os inventores pertencentes às universidades e institutos públicos3535 Haase H, Araújo EC, Dias J. Inovações vistas pelas patentes: exigências frente às novas funções das universidades. Rev. Bras. Inov. 2005; 4(2):329-362.,3636 Scholze SH, Chamas CI. Instituições públicas de pesquisa e o setor empresarial: o papel da inovação e da propriedade intelectual. Parc. Estrat. 2000 [acesso em 2018 set 7]; 1(8):85-92. Disponível em: http://seer.cgee.org.br/index.php/parcerias_estrategicas/issue/view/8/showToc
http://seer.cgee.org.br/index.php/parcer... .
Os reflexos da nova institucionalidade forjada por essas ações públicas foram percebidos na análise apresentada a seguir a respeito do quantitativo de patentes concedidas a residentes e de pedidos de depósitos de residentes pelo Inpi entre 1996 e 2017. Embora reduzida, a presença de mulheres nesses 21 anos é perceptível no sistema de patentes brasileiro, notadamente a partir da última década do período. A institucionalização dos novos polos de inovação e de geração de patentes das IES e dos institutos públicos de pesquisa contribuiu diretamente para tanto. Essas instituições abrigaram a maioria das mulheres inventoras e concentraram um volume significativo de patentes por elas produzidas, notadamente na área química, reconhecida como uma área de especialização e profissionalização femininas. Nessa área, enquadram-se os inventos das indústrias farmacêuticas, biotecnológicas, e de química fina orgânica3737 United State Patent and Trademark Office. Progress and Potential 2019 update on U.S. women inventor-patentees. Office of the Chief Economist. 2019. [acesso em 2020 jun 20]. Disponível em: https://www.uspto.gov/sites/default/files/documents/Progress-and-Potential.pdf
https://www.uspto.gov/sites/default/file... .
A atividade de patenteamento dos inventores residentes
Para identificar o envolvimento de mulheres com o patenteamento de invenções no Brasil, foram utilizadas as informações publicadas na RPI acerca de pedidos de depósito e de concessão de patentes de invenção relativos a depositantes residentes no período entre 1996-2017. Os dados disponibilizados pelo Inpi apresentam uma grande diferença cronológica entre o pedido de depósito e a expedição da carta-patente. Essa defasagem temporal significa que os dados relativos a patentes concedidas fornecem o retrato de uma situação ocorrida há pelo menos 10 anos3333 Carvalho SM, Jorge MG, Barcelos VI, et al. Indicadores da propriedade Industrial 2000-2012. O uso do sistema de propriedade industrial no Brasil. Rio de Janeiro: INPI; 2015.. Os registros coligidos se referem ao despacho de concessão de patentes e à identificação do titular da patente, a partir dos quais se buscou reconhecer ao menos um inventor do sexo feminino. Esse procedimento permitiu construir agrupamentos de patentes por sexo do(s) titular(es), para os quais foram criadas as seguintes denominações: a) patente composta somente por homem (H); patente composta somente por mulher (M); patente composta por ambos os sexos ou mista (M&H), isto é, com pelo menos uma mulher e com pelo menos um homem. A classificação de grupos de patente por sexo tem como referência o estudo de Naldi e colaboradores, que criou indicadores para medir a contribuição individual de homens e mulheres na produção de patentes, e de publicações científicas elaboradas em cooperação entre diversos inventores/autores de gêneros e países diferentes44 Naldi F, Luiz D, Valente A, et al. Scientific and technological performance by gender. In: Moed HF, Glanzel W, Schmoch U, editores. Handbook of Quantitative Science and Technology Research. The Use of Publication and Patent Statistics in Studies of S&T Systems. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers; 2004. p. 300-301.. De modo a abranger o maior contingente de titulares de patentes do sexo feminino, foram reunidos os dados relativos às patentes M e M&H. Esse conjunto gerou mais um agrupamento de patentes designado ‘todas as mulheres’ (TM), adotando-se procedimento similar ao se tratar de ‘todos os homens’ (TH). Com base nessa distribuição, foi possível apreciar as seguintes características da atividade de patenteamento: a) o quantitativo de patentes por sexo; b) a presença e a participação de pelo menos um dos gêneros em cada patente; c) a natureza jurídica das instituições/entidades empresariais depositantes das patentes; d) as áreas tecnológicas das patentes produzidas pelo sexo feminino.
Um primeiro aspecto a destacar é o quantitativo de homens e mulheres entre os titulares de patentes. Os homens predominam em todos os tipos de agrupamentos de patentes, com destaque para as patentes compostas por H, seja individualmente ou em conjunto. O grupo de patentes com M como titular representa apenas 2,8% de todas as patentes concedidas entre 1996 e 2017. Já nos pedidos de depósitos, as patentes M representam 4,2% do total desse conjunto no mesmo período.
Não obstante essa assimetria, os dados anuais de patentes concedidas e de pedidos de depósitos (gráfico 1) mostram um crescimento lento, mas contínuo a partir de 2012 do agrupamento M no conjunto de patentes concedidas: de 1,7% do total de patentes concedidas nesse ano para 2,7% em 2013, saltando para 4,7% em 2015, e para 5,2% em 2016. Já no conjunto de pedidos de depósitos, o número absoluto é superior ao de concessões, com uma proporção anual variando de 4% a 5,7% do total dos pedidos entre 1996 e 2015.
Um crescimento mais expressivo, todavia, ocorreu no agrupamento de patentes M&H, tanto no conjunto de patentes concedidas quanto no de pedidos de depósito (gráfico 2). No primeiro conjunto, a proporção de patentes M&H aumentou de 2,4% em 2010 para 6% em 2012, e de 8,5% em 2014 para 11,4% em 2017. Já no conjunto de pedidos de depósitos, esse percentual variou de 2% a 5% entre 1996 e 2005, aumentando para 8% em 2010, 10% em 2012 e 13,5% em 2015.
Ao se agrupar as patentes M&H e as patentes M, ou seja, o conjunto TM, percebe-se o aumento da participação feminina em relação aos totais anuais de patentes concedidas e de pedidos de depósito. Como mostra o gráfico 3, no conjunto de patentes concedidas, a proporção variou de 1,3% a 6% entre 1996 e 2011, elevando-se continuamente desde então: 9% em 2013, 15% em 2015, e 17% em 2017. No âmbito dos depósitos, a situação é similar, embora os números absolutos sejam mais altos durante todo o período: entre 1996 e 2004, essas patentes representaram entre 6% e 8% do total dos pedidos. O patamar de 10% foi alcançado em 2007, e atingiu 18% em 2015, sugerindo a maior atuação de mulheres na atividade inventiva.
Os estudiosos das relações de gênero e patentes observam outro aspecto associado à produção de patentes por equipes de inventores. Ao correlacionar a composição por sexo e oportunidades de trabalho para mulheres, constatou-se que as equipes que reúnem grande número de inventores ampliam as chances à participação e à presença feminina. Percebe-se uma tendência similar nesta pesquisa ao se analisar o número de inventores em cada agrupamento de patentes. Naqueles agrupamentos compostos por um único sexo - M e H -, a média em 2017 foi, respectivamente, 1 e 1,5 inventor por patente. Nas patentes M&H, por sua vez, foi identificada a elevação dessa média para cerca de 3 inventores por patente a partir de 2011.
Esse aspecto foi explorado em outra perspectiva para averiguar a relação entre o quantitativo de inventores nos agrupamentos de patentes TM e TH, e a natureza jurídica da instituição/entidade empresarial depositante. Ou seja, como se configura a presença de mulheres nos espaços de trabalho, segmentados em três tipos: 1) empresa - reúne o grupo de patentes em que pelo menos um dos depositantes foi designado no registro do Inpi (documento de despacho) como Ltda ou Sociedade Anônima; 2) centro de pesquisa, que abrange instituto de pesquisa público e universidade (pública e privada); 3) inventores individuais sem vínculo com os outros dois grupos, que tende a reunir as patentes com menor número de inventores, a grande maioria com apenas um único inventor. Com base nos dados referentes a patentes concedidas a residentes no ano de 2017, foi calculada a média do número de inventores por patente em cada agrupamento por sexo - TM e TH -; e no agrupamento total de patentes, independentemente de sexo e segundo a natureza jurídica do depositante (empresa, centro de pesquisa, e individual). Como mostra o gráfico 4, o conjunto de patentes TM exibe as maiores médias do número de inventores em todos os tipos jurídicos de instituições/entidades, com destaque para empresa (3,59) e centro de pesquisa (3,48). Mesmo no grupo de inventores isolados, verifica-se que a maior média de número de inventores reside exatamente nas patentes TM (1,92).
Média de inventor por patente concedida segundo agrupamento de sexo e natureza jurídica do depositante (2017)
É provável, como sugerem esses resultados, que as instituições que compõem aqui os segmentos empresa e centros de pesquisa tenham estabelecido um ambiente de inovação mais colaborativo, capaz de estimular a incorporação de mulheres às equipes de inventores. No que concerne às universidades em particular, como mencionado, elas se destacaram nas últimas duas décadas entre os maiores depositantes de patentes no Brasil, o que, possivelmente, abriu novas oportunidades de trabalho para cientistas e tecnologistas, entre eles, as mulheres. De forma correspondente a esses dados, verificou-se que o segmento centro de pesquisa, embora tenha um quantitativo de concessões bem menor em relação aos demais, destaca-se pela tendência de alta a partir de 2010. Se na maior parte desse período as concessões nesse segmento foram inexpressivas, representando entre 1,6% e 3% do total de concessões por ano, esse comportamento se alterou, chegando a 6% desse total em 2012, e a 10% em 2014, e 13,8% em 2017. Note-se que esse crescimento coincidiu com o aumento do quantitativo de patentes concedidas do agrupamento TM no mesmo período. Nos dois primeiros anos do período analisado, não há registro de concessão desse tipo de patente, aparecendo posteriormente com números abaixo dos demais segmentos empresa e individual. Contudo, em 2012, foram identificadas 14 patentes TM no segmento centro de pesquisa, representando 27% do total anual de concessões das patentes TM. A partir de então, ocorreu um aumento constante: 30% do total anual em 2015; 43,7% em 2016, e 41,3% em 2017.
Esse comportamento se reproduz na distribuição das patentes TM por segmento jurídico no conjunto de pedidos de depósito. Se em 1996 esse agrupamento do segmento centro de pesquisa representava 3,1% do total anual das patentes TM, essa proporção se elevou para 14% em 2002; 20% em 2006, subindo para 40% em 2011, e 50,3% em 2014. Nos demais segmentos, essa evolução foi diferente. No caso de ‘empresa’, iniciou com 14,8% em 1996, subiu para 23% em 2004, caindo para 20% em 2014. Já o segmento individual se destacou na maior parte do período como aquele que apresentou o maior quantitativo de patentes TM. Contudo, progressivamente, perdeu essa posição: começou com 82% em 1996, caiu para 70% em 2001, e daí em diante desenhou uma trajetória de queda, atingindo 34,1% em 2015. Ou seja, apresentou uma taxa menor do que a dos depósitos do segmento centro de pesquisa.
Um último aspecto a comentar diz respeito às áreas tecnológicas nas quais as patentes foram registradas conforme a Classificação Internacional de Patentes (IPC). O gráfico 5 mostra que o maior número de patentes TM se concentra nas seções A (necessidades humanas); B (operações de processamento e transporte); C (química e metalurgia), enquanto menos de 10% do total se distribui pelas demais seções do IPC.
A comparação entre todos os setores tecnológicos revela que a maior participação de inventoras mulheres reside na química, área abrangente que inclui química de alimentos, produtos farmacêuticos, biotecnologia, engenharia química, entre outros setores técnico-científicos nos quais se encontra um expressivo contingente de especialistas e profissionais do sexo feminino. Ao longo do período analisado, observa-se que as patentes provenientes dessa área progressivamente ganharam relevância, sobretudo desde 2012, quando atingiram o patamar de 10% do total das patentes concedidas, proporção que se elevou para 13% do total de concessões em 2016. Do ponto de vista do vínculo jurídico dos depositantes das patentes TM na química, o segmento centro de pesquisa sobressai a partir de 2009, quando atinge 57% do total das concessões TM nessa área. Nos anos seguintes, essa taxa apresenta uma queda, mas se eleva a partir de então: 60% em 2015; 62,7% em 2016, e 68,5% em 2017. Entre os outros dois segmentos, empresa apresenta um melhor desempenho, com taxas que oscilam entre 21% e 38% a partir de 2010. As patentes TM da área química são provenientes de equipes com muitos pesquisadores: as médias anuais variaram de 2,5 a 5 inventores por patente, com um pico de 8,3 inventores em 2004. A partir de 2009, a média anual não foi menor do que 3,5 inventores por patente. Assim, a área reproduz a tendência geral segundo a qual a participação de mulheres na atividade de patenteamento se efetiva com mais frequência em grupos de inventores.
Considerações finais
Existe um amplo consenso a respeito do potencial inexplorado das contribuições de cientistas e engenheiras para o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica. No entanto, no caso da atividade de patenteamento, a desigualdade de gênero permanece como uma tendência mundial. Embora se constate uma continuidade da participação feminina nesse campo de atividade nos últimos 40 anos, essa evolução tem sido lenta3737 United State Patent and Trademark Office. Progress and Potential 2019 update on U.S. women inventor-patentees. Office of the Chief Economist. 2019. [acesso em 2020 jun 20]. Disponível em: https://www.uspto.gov/sites/default/files/documents/Progress-and-Potential.pdf
https://www.uspto.gov/sites/default/file... . Lacunas e barreiras persistem, e os esforços por parte de governos e organismos internacionais para promover a igualdade não têm produzido os efeitos esperados22 Huyer S. Is the Gender Gap Narrowing in Science and Engineering? In: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. UNESCO Science Report: Towards 2030. Paris: UNESCO; 2015. [acesso em 2020 ago 20]. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000235406
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf... .
No Brasil, o panorama não é diferente, embora seja agravado pelas limitações estruturais do próprio sistema de C&T, cujo mercado de trabalho apresenta baixa capacidade de absorver cientistas, engenheiros e outras profissões técnico-científicas. Não obstante tais condicionamentos, a presença de mulheres nessas profissões constitui um fato recente e expressivo, perceptível, sobretudo, no ambiente acadêmico. Ali se encontra um número elevado de mulheres na carreira de ensino e pesquisa, carreira que se expandiu com a própria estrutura de pesquisa científica e tecnológica estabelecida nas IES públicas. Essas instituições, juntamente com os institutos públicos de pesquisa, transformaram-se em polos de desenvolvimento de inovação tecnológica e de geração de patentes sob o estímulo do planejamento estatal para área de C&T, assumindo um papel relevante na constituição de um sistema de inovação no País. Tanto o volume e a continuidade de investimentos públicos em P&D quanto a mudança na legislação da propriedade industrial produziram efeitos diversos e amplos no campo da CT&I.
Esse foi o cenário em que as mulheres apareceram como produtoras de tecnologia e de patentes. Trata-se de um fenômeno recente, e representa uma novidade do ponto de vista da inserção de mulheres no campo científico e tecnológico no País. Frutos da intensa escolaridade que atingiu a população feminina nas últimas décadas do século XX, as novas inventoras detinham títulos e capacitação profissional para aproveitar as oportunidades geradas por aquelas circunstâncias. Mesmo considerando os avanços que os dados acima indicam, é importante ressaltar que cientistas e engenheiras ainda constituem um grupo minoritário que requer ações públicas específicas para potencializar as competências técnico-científicas de que são portadoras, e que poderiam contribuir para a ampliação de sua participação na atividade de patenteamento no Brasil.
- Suporte financeiro: não houve
- *Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
22 Nov 2021 - Data do Fascículo
Out 2021
Histórico
- Recebido
31 Ago 2020 - Aceito
25 Jul 2021