Monitoramento da Covid-19 nas favelas cariocas: vigilância de base territorial e produção compartilhada de conhecimento

Jussara Rafael Angelo Bianca Borges da Silva Leandro André Reynaldo Santos Périssé Sobre os autores

RESUMO

Apresenta-se um ensaio crítico-reflexivo sobre a ocorrência da Covid-19 em espaços periféricos do município do Rio de Janeiro, tendo como metodologia principal a análise documental dos três boletins socioepidemiológicos Covid-19 nas favelas, publicados no âmbito do Observatório Covid-19 da Fiocruz. Os resultados dos referidos boletins foram apresentados e problematizados a partir do referencial teórico da epidemiologia crítica e da determinação social do processo saúde-doença, discutindo a magnitude da doença nas favelas. Ademais, compreendeu-se que este debate visibiliza e fortalece a reflexão sobre os impactos sanitários e sociais da Covid-19 nas áreas de periferia de todo o País. Foram descritos o processo de trabalho para a elaboração dos boletins, os desafios metodológicos enfrentados para monitorar processos epidêmicos em espaços periféricos, e problematizados os principais resultados à luz das desigualdades históricas que ficaram ainda mais evidentes com a atual pandemia.

PALAVRAS-CHAVE
Áreas de pobreza; Práticas interdisciplinares; Acesso à informação; Vigilância em saúde pública

Introdução

Os impactos sanitários e socioeconômicos da Covid-19 são desiguais no espaço urbano, atingindo, com maior intensidade, as populações de favelas e periferias que estão integradas de forma precária à economia urbana e que, historicamente, têm seus direitos de cidadania violados. Nas áreas em que a pobreza urbana é mais acentuada, o novo coronavírus (Sars-CoV-2), que leva ao adoecimento por Covid-19, avança de forma mais rápida – isso porque esses territórios não contam com políticas públicas de qualidade que deem suporte à proteção coletiva. Além disso, as condições de vida dificultam muito a adoção de estratégias individuais de prevenção por parte da população, largamente difundidas nas orientações de controle, como o distanciamento social. Na falta de resposta estruturada por parte do poder público, moradores se organizaram em redes de solidariedade, a fim de divulgar informações para prevenção da Covid-19, elaborar campanhas de doações, pressionar governos, apropriar-se de tecnologias de sanitização e desenvolver sistemas de gestão territorial e de informações epidemiológicas11 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (1). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/42662/2/boletim_socioepidemiologicos_covid_nas_favelas_1.pdf.
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,22 Fleury S, Menezes P. Pandemias nas favelas: entre carências e potências. Saúde debate. 2020 [acesso em 2020 set 5]; 44(esp4):267-280. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/xSgrb6jrq3tLnGszjZ4QcWt/?lang=pt&format=pdf.
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Fleury e Menezes22 Fleury S, Menezes P. Pandemias nas favelas: entre carências e potências. Saúde debate. 2020 [acesso em 2020 set 5]; 44(esp4):267-280. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/xSgrb6jrq3tLnGszjZ4QcWt/?lang=pt&format=pdf.
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, no âmbito da pandemia de Covid-19, identificaram experiências inovadoras e construíram tipologias sobre as formas de organização e os tipos de ação, as quais compreendem garantia da subsistência, comunicação comunitária, prevenção, mapeamento, produção de dados, críticas ao poder público e elaboração de planos de ação. As ações envolveram a apropriação de conhecimento sobre a pandemia e dos meios para sua melhor divulgação aos moradores, bem como a produção de conhecimento sobre a própria favela, com o desenvolvimento de mapeamentos das famílias em situação de maior vulnerabilidade e a criação de painéis de incidência de morbimortalidade no território. Desse modo, as autoras concluíram que “existem no território potencialidades e capacidades que podem ser mobilizadas pelo conjunto das relações sociais que ali se desenvolvem”22 Fleury S, Menezes P. Pandemias nas favelas: entre carências e potências. Saúde debate. 2020 [acesso em 2020 set 5]; 44(esp4):267-280. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/xSgrb6jrq3tLnGszjZ4QcWt/?lang=pt&format=pdf.
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Tendo em vista a complexidade do processo saúde-doença, faz-se necessária a compreensão do espaço e sua dinâmica para o melhor entendimento dos modos de viver, adoecer e morrer dos indivíduos, grupos sociais e populações. Tratando-se especificamente do espaço urbano, deve-se salientar que ele é desigual e muito heterogêneo, apresentando uma dinâmica intensa de transformação. Entretanto, essas mudanças nem sempre conseguem ser apreendidas pela forma como os dados da saúde são disponibilizados. É nesse intuito que foram elaborados, no âmbito do Observatório Covid-19 Fiocruz, três boletins socioepidemiológicos da Covid-19 nas favelas, como um instrumento que fomenta a discussão sobre o processo saúde-doença de modo mais próximo às periferias urbanas11 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (1). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/42662/2/boletim_socioepidemiologicos_covid_nas_favelas_1.pdf.
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Este artigo, no formato de ensaio crítico-reflexivo, tem como metodologia principal a análise documental crítica dos três boletins socioepidemiológicos Covid-19 nas favelas, publicados no âmbito do Observatório Covid-19 da Fiocruz. O arcabouço teórico sustenta-se no referencial teórico da epidemiologia crítica e da determinação social do processo saúde-doença.

Ao discutir sobre a conceituação de ensaios no âmbito científico, Meneghetti33 Meneghetti FK. O que é um ensaio-teórico? Rev Adm Contemp. 2011 [acesso em 2020 set 5]; 15(2):320-332. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-65552011000200010.
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aponta esse tipo de texto como uma forma de geração de conhecimento interdisciplinar. De acordo com o autor, são meios antigos de produção de conhecimento em diversas áreas como a filosofia e as ciências sociais que, por meio da relação intersubjetiva, possibilitam a construção de saberes para a compreensão de distintos fenômenos da realidade. Não se trata de uma formulação aleatória ou fragmentária, refere-se à busca de compreensão de determinado objeto, mobilizando também o leitor para reflexões, em um movimento reflexivo constante que pode caminhar em concordância ou discordância dos autores.

Desse modo, este ensaio enseja apresentar e problematizar os resultados das análises realizadas nos referidos boletins, discutindo a magnitude da doença nas favelas, compreendendo também que este debate visibiliza e fortalece a reflexão sobre os impactos sanitários e sociais da Covid-19 nas áreas de periferia de todo o País. Foram descritos o processo de trabalho para a elaboração dos boletins, os desafios metodológicos enfrentados para monitorar processos epidêmicos em espaços periféricos, e problematizados os principais resultados à luz das desigualdades históricas que ficaram ainda mais evidentes com a atual pandemia.

Resultados e discussão

Processo de construção dos boletins e os desafios metodológicos

A necessidade de elaboração de boletins sobre a Covid-19 para as áreas de favelas emergiu da inquietude de pesquisadores que compõem o Observatório Covid-19 da Fiocruz em compreender como seria o processo de difusão da doença nas periferias urbanas, sobretudo das grandes cidades dos países subdesenvolvidos – considerando que grande parte das recomendações e medidas de controle da doença, estabelecidas no início da pandemia, centralizava-se no nível individual, o que pressupõe o mínimo de condições materiais de vida para serem colocadas em prática.

Em um país no qual cerca de 17 milhões de pessoas vivem em domicílios considerados ‘aglomerados subnormais’ pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Aglomerados subnormais 2019: classificação preliminar e informações de saúde para o enfrentamento à Covid-19. Rio de Janeiro: IBGE; 2020. [acesso em 2021 jul 29]. Disponível em: http://www.fiocruz.br/bibsmc/media/comoreferenciarecitarsegundooEstiloVancouver_2008.pdf.
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, marcados por um acesso deficitário ao saneamento básico e com o acesso à água incipiente e irregular, práticas como o distanciamento e o isolamento social e lavar as mãos com frequência são limitadas pela histórica violação de direitos sociais a que as populações residentes nesses territórios estão submetidas55 Gonçalves LS, Silva CR. Pandemia de Covid-19: sobre o direito de lavar as mãos e o “novo” marco regulatório de saneamento básico. Rev Cient. Foz. 2020 [acesso em 2020 set 5]; 3(1):71-92. Disponível em: https://revista.ivc.br/index.php/revistafoz/article/view/170.
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. Especificamente em relação à cidade do Rio de Janeiro, segundo dados do Instituto Pereira Passos (IPP)66 Instituto Pereira Passos. [homepage na internet]. [acesso em 2020 set 5]. Disponível em: https://www.data.rio/.
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, o município possui 163 bairros, em que cerca de 86% da área deles é constituída por favelas. Entre esses bairros, alguns apresentam grande extensão territorial de áreas ocupadas por favelas, como Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão e Vila Kennedy. Contudo, a maioria das favelas é menor e está localizada ‘dentro’ de um bairro ou ‘atravessando’ mais de um. Há uma quantidade relevante de favelas que são invisibilizadas com o modo de organização dos dados em saúde77 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. 2º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (2). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/44450/2/2o.BoletimSocioepidemiologicoCOVIDFavelas.pdf.
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,88 Lima ALS, Périsse ARS, Leandro B, et al. Covid-19 nas favelas: cartografia das desigualdades. In: Matta GC, Rego S, Souto EP, et al., organizadores. Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia. Rio de Janeiro: Observatório Covid-19; Editora Fiocruz; 2021. p. 111-121. [acesso em 2020 set 5]. Disponível em: https://books.scielo.org/id/r3hc2/pdf/matta-9786557080320.pdf.
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Apesar de a necessidade de monitorar a ocorrência da Covid-19 nas periferias urbanas – e particularmente nas favelas cariocas – ser consensual, há um desafio metodológico, relacionado com a escala dos dados disponíveis para análise intramunicipal na cidade do Rio de Janeiro. Os dados públicos disponíveis no Painel da Prefeitura são disponibilizados apenas na escala de bairros e Código de Endereçamento Postal (CEP)99 Rio de Janeiro. Prefeitura da Cidade. Painel Rio Covid-19. 2021. [acesso em 2020 jul 30]. Disponível em: https://experience.arcgis.com/experience/38efc69787a346959c931568bd9e2cc4.
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. Portanto, para que o monitoramento epidemiológico pudesse ser realizado, foram pensadas aproximações metodológicas que pudessem dar visibilidade à ocorrência da Covid-19 nas favelas e possibilitassem a produção de informação capaz de fortalecer a luta por direitos sociais, sobretudo o direito à informação em saúde.

A informação é um privilégio do aparelho do Estado e dos grupos econômicos hegemônicos. No topo, encontram-se os que podem captar as informações, orientá-las a um centro coletor, que as seleciona, organiza e redistribui em função do seu interesse próprio. Aos demais, cabe o papel de receptores, sobretudo os menos capazes de decifrar os sinais e os códigos com os quais a mídia formal trabalha1010 Santos M. O espaço do cidadão. 7. ed. São Paulo: Edusp; 2012.. Em uma sociedade cuja informação fosse, de fato, socializada, caberia a organização de um sistema de dados concernentes à vida social, em que os desejos da periferia pudessem se materializar mediante um acordo em que a sociedade e o Estado se (re)produzam garantindo cidadania à população1010 Santos M. O espaço do cidadão. 7. ed. São Paulo: Edusp; 2012.. Há desigualdades no processo de produção, distribuição e uso de informação entre as populações que precisam ser evidenciadas. Martins1111 Martins F. Ética, informações e serviços de saúde. In: Leandro BBS, Rezende FAVS, Pinto JMC, organizadores. Informações e registros em saúde e seus usos no SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2020. a defende como um bem público e afirma que o direito da população à informação deve ser considerado tão prioritário quanto os demais, como educação, saúde e alimentação. Trata-se de um aspecto fundamental para o fortalecimento da democracia.

Os boletins foram desenvolvidos articulando três perspectivas de vigilância em saúde: vigilância epidemiológica clássica, vigilância civil e vigilância de base territorial local, as quais atuaram de forma complementar e possibilitaram uma aproximação mais fidedigna da realidade. Foram utilizados enfoques metodológicos quantitativos e qualitativos. A abordagem quantitativa centrou-se, principalmente, na epidemiologia crítica descritiva, e a qualitativa se apoiou na relatoria da ouvidoria coletiva1212 Sevalho G. Apontamentos críticos para o desenvolvimento da vigilância civil da saúde. Physis Rev Saúde Colet. 2016; 26(2):611-32., por meio da realização de rodas de conversa on-line com interlocutores das favelas, pessoas que moram e/ou trabalham nos territórios. Esse esforço apresenta uma possibilidade de articular diferentes saberes e perspectivas, como aponta Breilh1313 Breilh J. Obstáculos de possibilidades diante de uma epidemiologia sem memória e sem sonhos: balanço preliminar de um debate. In: Breilh J. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. p. 131-154. [acesso em 2021 dez 3]. Disponível em: https://repositorio.uasb.edu.ec/bitstream/10644/3618/1/Breilh,0J-CON-213-EpidemiologiaCritica.pdf.
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[...] precisamos de uma boa matemática, mas também de bons procedimentos de observação intensiva e de análise qualitativa para fitar a realidade... para podermos articular o discurso da ciência, do acadêmico, com discursos que fazem parte de outras formas de saber que têm muito a fazer na luta pela saúde.

A abordagem da vigilância epidemiológica clássica/tradicional foi realizada a partir da análise dos dados disponibilizados no Painel Covid-19 da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, resultados apresentados no primeiro e segundo boletim; e dados de síndrome gripal, disponibilizados no OpenDataSUS, apresentados no terceiro boletim. A fim de transpassar a ausência de dados epidemiológicos para as favelas cariocas e encontrar uma alternativa metodológica capaz de ser um proxi das realidades dos espaços periféricos do município do Rio de Janeiro, os bairros foram classificados por tipologia urbana baseada no percentual de área do bairro coberta por favelas. Para isso, utilizou-se a versão mais recente da malha cartográfica de favelas disponibilizada pelo IPP. Os bairros da cidade foram classificados em cinco grupos: Sem favelas; Baixa (<10%); Média (11-20%); Alta (21-50%); e Altíssima (>50%) concentração de favelas. Entre as limitações metodológicas, ressalta-se que um bairro sem favelas ou com baixa proporção de favelas não deve ser compreendido, necessariamente, como uma área com boas condições materiais de vida. Os bairros com extensa área territorial podem ter percentuais baixos de favelas, mas apresentarem outras formas de expressão da pobreza urbana, tais como ocupações e cortiços88 Lima ALS, Périsse ARS, Leandro B, et al. Covid-19 nas favelas: cartografia das desigualdades. In: Matta GC, Rego S, Souto EP, et al., organizadores. Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia. Rio de Janeiro: Observatório Covid-19; Editora Fiocruz; 2021. p. 111-121. [acesso em 2020 set 5]. Disponível em: https://books.scielo.org/id/r3hc2/pdf/matta-9786557080320.pdf.
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Para as classes da tipologia supracitada, foram calculados indicadores de taxa de incidência, taxa de mortalidade e taxa de letalidade. Para a construção dos indicadores, também foi necessário fazer a projeção populacional11 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (1). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/42662/2/boletim_socioepidemiologicos_covid_nas_favelas_1.pdf.
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. No primeiro boletim, foram analisados dados de março a 21 de junho de 2020; e no segundo, dados de 22 de junho a 28 de setembro de 2020. Os dados de síndrome gripal, analisados no terceiro boletim, são referentes ao período de março a 1º de agosto de 202011 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (1). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/42662/2/boletim_socioepidemiologicos_covid_nas_favelas_1.pdf.
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,77 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. 2º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (2). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/44450/2/2o.BoletimSocioepidemiologicoCOVIDFavelas.pdf.
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,1414 Perissé ARS, Leandro B, Genaro C, et al. Análise da distribuição e incidência da síndrome gripal em favelas cariocas. 3º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2021 [acesso em 2020 set 5]; (3). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/46320/2/covid19nasfavelas_ed3.pdf.
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A vigilância civil da saúde foi desenvolvida nos anos de 1990 pelo pesquisador Victor Vicent Valla. Fundamenta-se no reconhecimento da cultura local e na educação popular de Paulo Freire, agregando processos de construção compartilhada do conhecimento e de ouvidoria coletiva a fim de corporificar a participação popular. Espera-se que a vigilância civil possa contribuir para a transformação social e complementar, por sua vez, a tradicional vigilância epidemiológica1212 Sevalho G. Apontamentos críticos para o desenvolvimento da vigilância civil da saúde. Physis Rev Saúde Colet. 2016; 26(2):611-32..

Seguindo essa ideia central de complementaridade das diferentes formas de fazer vigilância em saúde, para a produção dos boletins, as análises dos dados epidemiológicos foram preliminarmente apresentadas e discutidas com os interlocutores dos territórios de favelas que possuem conhecimento da realidade baseados em suas experiências de vida88 Lima ALS, Périsse ARS, Leandro B, et al. Covid-19 nas favelas: cartografia das desigualdades. In: Matta GC, Rego S, Souto EP, et al., organizadores. Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia. Rio de Janeiro: Observatório Covid-19; Editora Fiocruz; 2021. p. 111-121. [acesso em 2020 set 5]. Disponível em: https://books.scielo.org/id/r3hc2/pdf/matta-9786557080320.pdf.
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. Reflexões, dados e apontamentos trazidos por esses indivíduos são essenciais para a qualificação da informação em saúde, levantando outras perspectivas de compreensão do problema/fenômeno e apresentando processos socioespaciais que não conseguem ser apreendidos, apenas, pelos indicadores de saúde e captados pelos sistemas de informações em saúde. O fluxo de trabalho desenvolvido para a elaboração dos boletins aproximou-se do processo de produção compartilhada de conhecimento cuja ideia central não é facilitar a transmissão da informação, mas, sim, a de construir conhecimento com os movimentos sociais e interlocutores locais, integrando saberes e elaborando informações em saúde que evidenciem as desigualdades sociais e fortaleçam a luta por direitos sociais.

A metodologia da construção compartilhada do conhecimento supõe a possibilidade de reduzir hierarquias dos saberes técnico-científico e popular ao mínimo. Desde suas origens, buscava oferecer subsídios tantos às organizações civis de caráter popular, para dar consistência técnica às suas reivindicações, como aos planejadores do setor saúde, de modo a promover a adequação dos serviços ao atendimento das necessidades da população1515 Stotz E. Entre a academia e a rua: Victor Vincent Valla (1937-2009). Interface - Comun Saúde, Educ. 2009; 13(31):461-6.,1616 Valla VV. Participação popular e saúde: a questão da capacitação técnica no Brasil. In: Valla VV, Stotz EN, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume Dumará; 1993..

Por fim, a perspectiva da vigilância de base territorial local teve como referência as metodologias de vigilância local desenvolvidas no âmbito do Projeto de Monitoramento Epidemiológico dos municípios do entorno do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Projeto Comperj), realizado no âmbito da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz), entre 2009 e 2018. Um dos componentes dessa vigilância pressupunha utilizar, como unidade de análise, a área de atuação da Estratégia Saúde da Família (ESF) para a obtenção de indicadores locais a partir da compatibilização da área da saúde da família com a base cartográfica dos setores censitários do IBGE1717 Toledo LMT, Borges B, Sabroza P. Práticas de atuação em rede na vigilância em saúde. In: Souza RMP, organizadora. Vigilância em saúde e atuação em rede. Rio de Janeiro: ENSP; 2016. p. 40-59. [acesso em 2021 jul 30] Disponível em: http://rededeescolas.ensp.fiocruz.br/sites/default/files/livro_vigilancia_em_saude.pdf.
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,1818 Sabroza P. Paulo Sabroza fala sobre a vigilância em saúde de base territorial [vídeo]. Youtube. 42 min. 2016 ago 17. [acesso em 2021 jul 30]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xcKODy3XN1A.
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Sobre a forma dos boletins e sua importância para a comunicação popular

Boletins elaborados no âmbito dos serviços de saúde, em especial, os que se debruçam sobre dados epidemiológicos, são instrumentos importantes para a análise dos dados coletados pelos sistemas de informações em saúde, tanto para a problematização da realidade quanto para a publicização da informação produzida, seja para profissionais de saúde ou usuários1919 Leandro BBS, Rezende FAVS, Soares MF. O uso da informação em saúde: algumas possibilidades. In: Martins F, Munck S, organizadores. Uma experiência de qualificação de trabalhadores do SUS: diagnóstico da gestão de documentos e informações em saúde no Piauí. Rio de Janeiro: EPSJV; 2019. p. 111-126. [acesso em 2021 jul 28]. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/livro_lires.pdf.
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. Apesar da orientação de que boletins sejam feitos em uma linguagem adequada e clara, usualmente, há uma diversidade de boletins epidemiológicos que não trazem a clareza necessária da informação em saúde, sobretudo para os grupos socialmente vulnerabilizados. Tendo em vista que os interlocutores principais dos boletins socioepidemiológicos são moradores de favelas e periferias urbanas, refletir sobre a forma do boletim foi um aspecto tão importante quanto o conteúdo.

O processo de comunicação em saúde e de divulgação científica, com ênfase em uma perspectiva popular, é parte essencial no processo de produção do conhecimento científico, sobretudo quando se trabalha com grupos socialmente vulnerabilizados, cuja linguagem acadêmica pode dificultar a apreensão e a problematização do conteúdo produzido. Considerando que o objetivo central dos boletins foi produzir informação que fortalecesse a luta por direitos sociais, em especial, o direito à saúde, era necessário que a informação produzida, nesse monitoramento, fosse construída com os grupos populares e apropriada por eles. Os boletins socioepidemiológicos Covid-19 tiveram um formato não convencional a fim de ‘traduzir’ o conhecimento produzido em uma linguagem mais popular e de contribuir com a democratização do acesso à informação, considerando as especificidades dos grupos socialmente vulnerabilizados.

A necessidade de que as análises dos dados epidemiológicos de Covid-19 fossem publicizadas em um formato mais acessível ao público geral foi uma demanda trazida pelos próprios movimentos sociais. Em resposta a essa necessidade, foram incluídas, por exemplo, explicações sobre como proceder à leitura de gráficos1414 Perissé ARS, Leandro B, Genaro C, et al. Análise da distribuição e incidência da síndrome gripal em favelas cariocas. 3º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2021 [acesso em 2020 set 5]; (3). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/46320/2/covid19nasfavelas_ed3.pdf.
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, bem como foi desenvolvido um vídeo curto com linguagem acessível2020 Leandro B, Angelo J, Perrisé A. 2º boletim socioepidemiológico Covid-19 nas favelas. [vídeo] Youtube. 2021 jan 26. 5 min. [acesso em 2021 jul 28]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QKVY8ohsdMw.
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Teixeira2121 Teixeira RR. Modelos comunicacionais e práticas de saúde. Interface - Comun Saúde, Educ. 1997 [acesso em 2021 jul 28]; 1(1):7-42. Disponível em: https://interface.org.br/wp-content/uploads/2015/01/v.1-n.1-agosto-1997.pdf.
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aponta que a temática do acesso à informação, após a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), ganhou progressiva importância no debate médico-sanitário, sobretudo depois que se institucionalizou a Lei dos Conselhos de Saúde (nº 8.142/1990), tornando-se central a discussão sobre garantir a democratização da informação. Contudo, em termos práticos, manteve-se o predomínio do modelo de comunicação em que a proposta de um diálogo não consegue disfarçar a unilinearidade implícita na proposta de decodificação retórica – do ‘técnico’ ao popular –, sugerindo que a ‘Consciência Sanitária’ corresponda, de fato, a um comportamento predefinido pelos técnicos2121 Teixeira RR. Modelos comunicacionais e práticas de saúde. Interface - Comun Saúde, Educ. 1997 [acesso em 2021 jul 28]; 1(1):7-42. Disponível em: https://interface.org.br/wp-content/uploads/2015/01/v.1-n.1-agosto-1997.pdf.
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Diversos são os desafios impostos para que haja avanços no processo de comunicação em saúde, de modo que seja um processo elaborado de forma compartilhada em uma relação dialógica. No entanto, reconhece-se que uma comunicação mais próxima dos grupos populares, nesse novo formato desenvolvido para os boletins, foi alcançada parcialmente – isso porque se conseguiu que a informação fosse apropriada com maior facilidade pelas mídias tradicionais e por lideranças e integrantes de movimentos sociais. Todavia, ainda estão bem distantes de circular amplamente pela maior parte dos grupos historicamente subalternizados. Ademais, avalia-se, como um aspecto positivo, a construção de boletins com dados epidemiológicos que possam ter outros formatos, sendo mais utilizados, inclusive, por profissionais de saúde.

Refletindo sobre os principais resultados

Com base na premissa de que toda e qualquer situação de saúde deve ser analisada no seu contexto histórico, social e geográfico, foram feitas as análises dos dados dos boletins socioepidemiológicos de Covid-19 das favelas cariocas. As particularidades do espaço geográfico e dos processos de organização espacial foram contextualizadas, assim como foram identificadas as características históricas, sociais e ambientais que determinam e condicionam o perfil de adoecimento e morte por Covid-19 no município do Rio de Janeiro.

Para Santos2222 Santos M. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. 6. ed. São Paulo: EDUSP; 2004. 285 p., trabalhar com a noção de causa e efeito é lidar com o que se vê. Já quando se trabalha com a noção de contexto, debruça-se também sob o que não se vê e, frequentemente, é ainda mais importante do que o que é visível; já que, olhar para o contexto, permite uma visão para além da forma e da aparência, abarcando o que está por detrás do fenômeno. Esse mesmo raciocínio pode ser transpassado para a reflexão sobre o processo saúde-doença, uma vez que um adoecimento não pode ser compreendido isoladamente, somente pela racionalidade da causa e efeito; para a compreensão contextualizada do processo saúde-doença, faz-se necessário o entendimento da lógica de produção econômica, dos aspectos históricos, sociais, culturais e biológicos, da forma como se entende a saúde e a doença e do desenvolvimento científico da humanidade2323 Sabroza P. Concepções sobre saúde e doença. Contexto – tema 1. Curso de Aperfeiçoamento de Gestão em Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública. Educação a Distância, 2007. [acesso em 2021 jul 27]. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/includes/header_pdf.php?id=141&ext=.pdf&titulo=Concep%E7%F5es%20sobre%20Sa%FAde%20e%20Doen%E7a.
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A comparação dos dados dos boletins 1 e 2, apresentados no quadro 1, mostrou que os bairros classificados como ‘sem favelas’ apresentaram a maior taxa de incidência por Covid-19 no município do Rio de Janeiro. No primeiro boletim, nos bairros classificados como sem favelas, a taxa de incidência foi de 116 por 10 mil habitantes, enquanto nos bairros classificados como alto e altíssimo percentual de área coberta por favelas, variou de 33 a 24 casos por 10 mil habitantes. Esse resultado, analisado apenas de forma descritiva, sem um olhar crítico dos processos socioespaciais, poderia levar a uma interpretação equivocada da realidade. Levantou-se a hipótese explicativa de que o acesso à testagem para a confirmação do adoecimento por Covid-19 era desigual e incipiente, principalmente na periferia da cidade. Essa suposição de acesso desigual à testagem foi confirmada por meio da análise dos dados de síndrome gripal realizada no terceiro boletim.

Quadro 1
Comparação das taxas de incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 entre o 1º e o 2º Boletim

Em junho de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já afirmava que o Brasil fazia poucos testes em relação ao seu tamanho populacional. Em setembro do mesmo ano, a testagem aproximava-se de 7%, quando o objetivo era de testar um quarto da população (25%)2424 Leandro BBS, Pinto JMC, Cavalcante JR. Informações e registros em saúde durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: e o SUS como fica? In: Silva LB, Dantas AV. Crise e pandemia: quando a exceção é regra geral. Rio de Janeiro: EPSJV; 2020. p. 209-223. [acesso em 2021 dez 4]. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/crise-e-pandemia-quando-a-excecao-e-regra-geral.
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. A não disponibilidade suficiente de testes, apesar de ser um argumento que, no início da pandemia, poderia se apoiar na justificativa da baixa oferta, com o passar do tempo, não se mostrou mais como um argumento plausível. Essa não oferta se reflete também na histórica e sistemática não disponibilização de outras políticas públicas essenciais para a manutenção da vida nas favelas e periferias urbanas, tais como: equipamentos de saúde, lazer, cultura, saneamento básico, políticas de educação inclusivas. Ademais, a não realização adequada de testagem também torna invisível a confirmação dos casos de Covid-19:

O que torna nebuloso o real conhecimento da evolução da doença nas diferentes localidades do país, sobretudo nas regiões com maior vulnerabilidade socioambiental como é o caso das favelas2424 Leandro BBS, Pinto JMC, Cavalcante JR. Informações e registros em saúde durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: e o SUS como fica? In: Silva LB, Dantas AV. Crise e pandemia: quando a exceção é regra geral. Rio de Janeiro: EPSJV; 2020. p. 209-223. [acesso em 2021 dez 4]. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/crise-e-pandemia-quando-a-excecao-e-regra-geral.
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Contudo, mesmo com essa desigualdade no acesso à testagem, foi possível identificar situações singulares, como o caso de Barros Filho, um bairro classificado com altíssima proporção de área com favelas e localizado na Zona Norte da cidade. Em junho de 2020, apresentou uma taxa de incidência de 76 por 10 mil habitantes, maior que a taxa média do município do Rio de Janeiro (71 por 10 mil habitantes) (figura 1).

Figura 1
Taxa de incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 e taxa de incidência de síndrome gripal nos bairros com altíssima classificação de favelas

Outro resultado que merece uma reflexão importante é o da taxa de letalidade, apesar das limitações em utilizar esse indicador em um contexto de baixa testagem. O primeiro boletim evidenciou que a letalidade nos bairros com altíssima porcentagem de área coberta por favelas (19,5%) foi mais que o dobro quando comparada aos bairros sem favelas (9,2%) (quadro 1). A letalidade é uma medida que expressa a relação entre óbitos e total de casos, permitindo identificar populações em que ocorrem casos mais graves que evoluem rapidamente ao óbito2525 Bonita R, Beaglehole R, Kjellström T. Basic epidemiology. 2. ed. Geneva: World Health Organization; 2006. [acesso em 2021 jul 28]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/43541/9241547073_eng.pdf?sequence=1.
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. Apesar de semelhanças biológicas da forma de adoecer quando vistas no nível individual, uma diferença tão acentuada desse indicador aponta para desigualdades que se expressam no nível populacional, como a oferta insuficiente de leitos, a demora na assistência médica, a não existência de suporte social, a impossibilidade de realizar o isolamento, entre outras situações que podem ser apontadas como relevantes nesse processo de determinação social.

No segundo boletim, que trouxe resultados de junho a setembro de 2020, apontou-se um atraso na entrada das notificações de Covid-19 na plataforma oficial da prefeitura. Apesar de ser compreensível o tempo diferenciado do registro dos dados pelas unidades de saúde, tornam-se relevantes a defesa contínua da disponibilização da informação em saúde e a formulação de um fluxo de informação que ocorra o mais breve possível, possibilitando a atualização das informações que subsidiem a tomada de decisão. Uma vez que a situação de saúde-doença não é estática, mas é complexa, dinâmica, mista e não compartimentalizada, é necessário avançar

Na compreensão do significado das informações, em linguagem adequada, que desnudem/desvendem os condicionantes e os determinantes sociais, políticos e econômicos da situação de saúde-doença-cuidado2626 Moraes IHS. Sistema de Informações em Saúde: Patrimônio da Sociedade Brasileira. In: Paim JS, Almeida-Filho N, organizadores. Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro: Medbook; 2014. p. 649-665.(651).

Se a informação em saúde não for utilizada, irá se tornar estéril, não terá contribuição para a produção de conhecimento, não apoiará a tomada de decisão, cumprirá uma função meramente estética e decorativa2626 Moraes IHS. Sistema de Informações em Saúde: Patrimônio da Sociedade Brasileira. In: Paim JS, Almeida-Filho N, organizadores. Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro: Medbook; 2014. p. 649-665..

Ainda no segundo boletim, observou-se que a taxa de incidência se manteve alta em praticamente todas as tipologias urbanas estudadas, apesar da redução expressiva da taxa de mortalidade, acompanhando o decréscimo observado para toda a cidade (quadro 1). Na análise intramunicipal, percebeu-se que a maior parte dos óbitos ocorreu em bairros da Zona Oeste (Campo Grande, Bangu, Realengo, Santa Cruz, Taquara, Guaratiba, Freguesia e Cosmos). Esses bairros apresentam baixo percentual de área coberta por favelas por terem grande extensão territorial. Contudo, existem favelas localizadas nesses bairros que apresentam pouca visibilidade se comparadas às mais integradas à Zona Sul da cidade. Por essa razão, buscou-se dar visibilidade às pequenas favelas nomeando-as no texto do boletim e produzindo uma crítica sobre a ausência e deficiência de equipamentos públicos urbanos na Zona Oeste da cidade77 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. 2º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (2). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/44450/2/2o.BoletimSocioepidemiologicoCOVIDFavelas.pdf.
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. Outra análise importante que emergiu aos interlocutores sociais dos territórios de favelas tratou-se da temática da mobilidade urbana evidenciada pela fala da militante da favela da Rocinha:

[...] Apesar de Campo Grande ter uma centralidade de oferta de trabalho, muita gente que trabalha no centro da cidade, mora na Zona Oeste. Então, elas se deslocam mais na cidade, são mais expostas à contaminação [por Covid-19], pois elas precisam adentrar em transporte público e a gente sabe que é precário, lotado e sem manutenção. Acho que isso tem a ver também. A falta de acesso à mobilidade e o transporte público precário [...]77 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. 2º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (2). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/44450/2/2o.BoletimSocioepidemiologicoCOVIDFavelas.pdf.
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As temáticas identificadas, sobre mobilidade urbana e acesso ao transporte público devem ser ressaltadas como processos de determinação do adoecimento por Covid-19, atingindo de forma desigual determinado contingente populacional quando comparado a outro. A circulação, o trabalho, a recreação e a habitação são elencadas como funções básicas da cidade que deveriam ser disponibilizadas para a garantia do cotidiano urbano de qualidade2727 Battaus DMA, Oliveira EAB. O direito à cidade: urbanização excludente e a política urbana brasileira. Lua Nova: Revista de Cultura e Política. 2016 [acesso em 2021 jul 28]; (97):81-106. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-6445081-106/97.
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Malta et al.2828 Malta FS, Costa EM, Magrini A. Índice de vulnerabilidade socioambiental: uma proposta metodológica utilizando o caso do Rio de Janeiro, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(12):3933-3944. apontam que a Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro apresenta a segunda maior população do município, tendo os três bairros mais populosos da cidade: Campo Grande, Bangu e Santa Cruz. As referidas autoras propuseram um índice de vulnerabilidade socioambiental e caracterizaram a Zona Oeste como de alta vulnerabilidade, tendo pequenos recortes territoriais classificados como muito alta. As autoras indicam que a vulnerabilidade socioambiental está relacionada com a urbanização no Brasil e afirmam que a formação desigual da estrutura social se expressa na estrutura urbana, ou seja, o direito à cidade não é justo e igual para todos os seus moradores2828 Malta FS, Costa EM, Magrini A. Índice de vulnerabilidade socioambiental: uma proposta metodológica utilizando o caso do Rio de Janeiro, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(12):3933-3944.. Especificamente, no caso do Rio de Janeiro, nota-se um processo de urbanização excludente.

O direito à cidade enquanto outro tema que emerge do conjunto dos três boletins socioepidemiológicos também merece reflexão conceitual. Esse direito é caracterizado como de terceira dimensão no âmbito dos direitos, pois indica uma titularidade coletiva, ou seja, é preservada a dimensão individual, mas sua ênfase é centralizada no suporte coletivo, na garantia da cidade para o povo, para a vivência social, com base no princípio da solidariedade. Possui amparo legal na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto das Cidades de 2001. Faz referência à viabilização de um espaço que proporcione dignidade ao ser humano, melhorando a qualidade de vida dos cidadãos, valorizando o patrimônio social e cultural, garantindo o direito à moradia, transporte público e demais direitos sociais2727 Battaus DMA, Oliveira EAB. O direito à cidade: urbanização excludente e a política urbana brasileira. Lua Nova: Revista de Cultura e Política. 2016 [acesso em 2021 jul 28]; (97):81-106. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-6445081-106/97.
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David Harvey2929 Harvey D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes; 2014. complementa esse entendimento, propondo que é necessário reivindicar o direito à cidade; e afirma que se trata de um direito que deve ser um objeto de ambição coletiva, fundamentado na discussão dos direitos humanos, sobrepondo-se à lógica neoliberal na qual é hegemônico o direito, puro e simples, à propriedade privada e à lucratividade acima dos direitos essenciais para a manutenção da vida em sociedade. Assim, reivindicar o direito à cidade é avançar na compreensão da determinação social do processo saúde-doença, ratificando que a garantia da saúde como um direito social para as populações de favelas e periferias urbanas passa, também, pela garantia da cidade como direito.

Avançando na problematização sobres os principais resultados dos boletins, evidencia-se a temática da raça/cor enquanto uma das dimensões relevantes dos estudos sobre desigualdades e saúde, uma vez que as desigualdades raciais encontram reflexos na precariedade no acesso aos serviços de saúde. No primeiro boletim, o não preenchimento do campo raça/cor das fichas de informação de adoecimento ou morte por Covid-19 (45% de ignorado entre os casos e 42% de ignorados entre os óbitos) foi um fator que dificultou o dimensionamento do real padrão de adoecimento e mortalidade de Covid-19 por raça/cor na cidade do Rio de Janeiro. Esse é um exemplo concreto de como a não informação impossibilita a análise e a estruturação de políticas públicas adequadas às distintas realidades da cidade.

No segundo boletim, identificou-se uma melhoria expressiva no preenchimento do campo raça/cor nas fichas de informação (14% de ignorado entre os casos e 20% entre os óbitos), sendo possível descrever a magnitude da ocorrência e da gravidade da Covid-19 por essa variável. Essa mudança foi induzida por uma ação pública do Ministério Público Federal com o envolvimento dos movimentos negros que exigiu a obrigatoriedade de preenchimento desse campo de informação nas fichas de notificação3030 Lisboa V. Justiça determina registro obrigatório de raça em casos da covid-19. Agência Brasil. 2020 maio 5. [acesso em 2020 set 5]. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/justica-determina-registro-obrigatorio-de-raca-em-casos-da-covid-19.
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Evidenciou-se, portanto, que, para a cidade do Rio de Janeiro, o risco de adoecer e morrer por Covid-19 foi maior para a população negra quando comparada com a população branca. Especificamente, nos bairros classificados como ‘sem favelas’, a taxa de incidência na população negra foi cerca de duas vezes maior quando comparada com a população branca. A desigualdade entre brancos e negros se torna ainda maior quando se considera que os bairros sem favelas são compostos, predominantemente, por brancos, cerca de 70% da população. Sobre esse resultado, não se pode deixar de trazer para reflexão o histórico confinamento, real e simbólico, da população negra em áreas urbanas degradadas e precárias3131 Garcia AS. Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, cidade D’Oxum e Rio de Janeiro, cidade de Ogum. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2006. [acesso em 2021 jul 28]. Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/read/23493676/desigualdades-raciais-e-segregaaao-urbana-em-ippur-ufrj.
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. Garcia sinaliza que

[...] a distância social entre negros e brancos, mesmo quando há proximidade espacial, revela a singularidade da segregação urbana brasileira e seus antagonismos de classe e de raça que a fundamentam3131 Garcia AS. Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, cidade D’Oxum e Rio de Janeiro, cidade de Ogum. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2006. [acesso em 2021 jul 28]. Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/read/23493676/desigualdades-raciais-e-segregaaao-urbana-em-ippur-ufrj.
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Para Oliveira et al.3232 Oliveira RG, Cunha AP, Gadelha AGS, et al. Desigualdades raciais e a morte como horizonte: considerações sobre a Covid-19 e o racismo estrutural. Cad. Saúde Pública. 2020 [acesso em 2021 jul 28]; 36(9). Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/QvQqmGfwsLTFzVqBfRbkNRs/?format=pdf&lang=pt.
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, esse desigual comportamento da doença entre as populações brancas e negras ratifica as análises sobre as desigualdades raciais, resultantes de nossa matriz colonial que naturaliza o lugar de mundo destinado a cada um a depender de sua raça, a qual também é uma construção política. Sobre a insatisfatória qualidade das informações segundo raça/cor, o não registro dessa variável revela o racismo, nos moldes institucionais, pois impede que seja vista a verdadeira magnitude da exclusão da população negra.

Garcia3131 Garcia AS. Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, cidade D’Oxum e Rio de Janeiro, cidade de Ogum. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2006. [acesso em 2021 jul 28]. Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/read/23493676/desigualdades-raciais-e-segregaaao-urbana-em-ippur-ufrj.
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defende o conceito de segregação racial urbana e defende a hipótese de que a segregação brasileira não deve ser olhada apenas pelo prisma da dimensão socioeconômica. Com base na análise de indicadores de ocupação, renda, bens urbanos e serviços de consumo coletivos, espacializados e estratificados por raça/cor, a autora evidenciou a relação entre desigualdades raciais e a segregação urbana na cidade do Rio de Janeiro. Esse processo está vinculado à forma como o racismo se introduz no Brasil, uma vez que a conformação das cidades, quando se aborda a distribuição populacional por raça-cor, recria e, em alguns contextos, cristaliza a lógica da casa grande e senzala.

Em relação à dimensão do gênero, os boletins apontaram que, apesar do risco de adoecer ter sido similar entre homens e mulheres, a mortalidade é mais alta entre os homens. A desigualdade de gênero se torna menor nas áreas de alta e altíssima concentração de favelas, possivelmente porque, nessas áreas, as precárias condições materiais de vida são preponderantes na determinação do processo saúde doença se comparadas à questão de gênero (tabela 1). A maior mortalidade entre homens pode estar associada à demora para buscar os serviços de saúde, o que levaria ao agravamento da doença, evoluindo para o óbito, como também a inserção desse contingente populacional em atividades laborais precarizadas11 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (1). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/42662/2/boletim_socioepidemiologicos_covid_nas_favelas_1.pdf.
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Tabela 1
Taxa de incidência e mortalidade por Covid-19 por raça/cor e gênero (por 10,000 habitantes)

Como mencionado, o terceiro boletim destinou-se ao estudo das notificações por síndrome gripal (adoecimento considerado como caso suspeito de Covid-19 e que dispara o processo de investigação e testagem para a confirmação do caso). Desde o início da pandemia de Covid-19, a notificação por síndrome gripal tornou-se obrigatória em todos os estabelecimentos de saúde do País, públicos e privados. Antes da pandemia, essa ação era restrita, enquanto vigilância sentinela, somente a algumas unidades de saúde. Portanto, a partir desses dados, sobretudo em um contexto de baixa testagem, como é o caso do Brasil, foi possível conhecer em profundidade a dinâmica de transmissão da doença, pelo fato de essas notificações virem, em sua maior parte, das unidades de emergência e de Atenção Primária à Saúde (APS)1414 Perissé ARS, Leandro B, Genaro C, et al. Análise da distribuição e incidência da síndrome gripal em favelas cariocas. 3º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2021 [acesso em 2020 set 5]; (3). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/46320/2/covid19nasfavelas_ed3.pdf.
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O uso desses dados possibilitou comprovar o contexto de baixa testagem e de acesso desigual aos testes na cidade do Rio de Janeiro. Foi feita a análise, para o município, para todo o ano de 2020, porém, na escala intramunicipal, só foi possível proceder à análise até agosto desse ano devido a não disponibilização do banco de dados com a identificação de CEP e bairro pelo Ministério da Saúde. Apesar dessa limitação, evidenciou-se que os bairros com maior proporção de favelas foram os que menos testaram até aquele momento – os bairros com alta e altíssima proporção de favelas tinham mais de 50% das notificações sem informação sobre a realização do teste (tabela 2). A fala do integrante do Movimento Negro Unificado (MNU) da favela do Jacarezinho, na roda de conversa realizada para discussão do primeiro boletim, já apontava esse cenário:

Tabela 2
Distribuição percentual de bairros com exames sem informação por tipologia urbana no município do Rio de Janeiro

É muito grave a subnotificação e não ter teste para todo mundo. Os laboratórios privados fazem teste à vontade para quem pode pagar, mas, no público, as pessoas não fazem e, quando fazem, demora muito para saber o resultado [...] O governo quer dar um ar de normalidade com esses dados11 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (1). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/42662/2/boletim_socioepidemiologicos_covid_nas_favelas_1.pdf.
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A complexidade dos processos envolvidos na subnotificação dos casos de Covid-19 também ficou evidente nas falas da integrante do jornal ‘Voz da Comunidades’ e do integrante do Grupo Eco no Santa Marta, em que ressaltam o desafio de integração com a população, o diálogo necessário para a melhor compreensão dos processos saúde-doença e o papel importante da informação em saúde como um instrumento que garante a democracia e fortalece o direito à saúde:

Aqui no Alemão nós tivemos a presença dos ‘Dados do Bem’ que ficou quase um mês na quadra da estrada do Itararé. E, como veículo de comunicação local, eu digo que foi muito difícil da gente convencer os moradores a realizarem o teste. Eu não sei dizer exatamente o que pode ter acontecido para muitos deles não terem interesse [...] eu queria também encontrar uma resposta para isso: Por que as pessoas não realizaram os testes?1414 Perissé ARS, Leandro B, Genaro C, et al. Análise da distribuição e incidência da síndrome gripal em favelas cariocas. 3º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2021 [acesso em 2020 set 5]; (3). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/46320/2/covid19nasfavelas_ed3.pdf.
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A Clínica da Família aqui no Santa Marta está fazendo teste, mas eu não sabia disso, muita gente não sabe disso, essa informação não foi publicizada. Falta algum elemento que dê à população o domínio desta informação para se relacionar efetivamente com o processo de produção dessa doença e qual é o papel do serviço público77 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. 2º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (2). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/44450/2/2o.BoletimSocioepidemiologicoCOVIDFavelas.pdf.
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Não há como interpretar essa informação trazida pela experiência da sociedade civil organizada sem considerar o contexto político e econômico, colocando na centralidade da discussão o aumento da taxa de desemprego, o fim do auxílio emergencial e a precariedade das relações de trabalho a que grande parte dos moradores das periferias estão submetidos. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua)3333 Barros A. Desemprego mantém recorde de 14,7% no trimestre encerrado em abril. Agência IBGE Notícias. 2021 jun 30. [acesso em 2021 jul 28]. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/31050-desemprego-mantem-recorde-de-14-7-no-trimestre-encerrado-em-abril.
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, o Brasil bateu recorde no primeiro semestre de 2021 com a maior taxa de desocupação da série iniciada em 2012 (14,7%), o que corresponde a quase 15 milhões de pessoas em busca de trabalho no País.

A testagem, seguida da confirmação do caso positivo para Covid-19 e, por sua vez, do cumprimento da medida de isolamento social, significa para os grupos subalternizados a não possibilidade de se deslocar pelo território, o que, na ausência de seguridade social, é o único meio que possuem para garantir a sobrevivência, seja no trabalho informal, seja nas mobilizações das ações de solidariedade para arrecadação de cestas de alimentos. Santos et al.3434 Santos HLPC, Maciel FBM, Martins PC, et al. A voz da comunidade no enfrentamento da Covid-19: proposições para redução das iniquidades em saúde. Saúde debate. 2021 [acesso em 2021 jul 28]; 45(130):763-777. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/YdpFBc4PPmdwTQ5Xb3syhgF/#.
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discutiram o papel do engajamento comunitário, particularmente as ações dos movimentos sociais e da sociedade civil no enfrentamento da Covid-19. Esses autores apontaram que, diante do contexto político brasileiro, no qual é evidente a presença do mecanismo necropolítico no enfrentamento da pandemia, as ações de solidariedade e de luta, promovidas pelos movimentos sociais, buscaram assegurar não apenas segurança alimentar e de higiene dos grupos mais vulneráveis, mas também a mobilização de recursos para ofertar informações acessíveis sobre a conjuntura atual, condizentes com as condições sociais e étnicas, assegurando o seu papel enquanto promotoras da saúde.

Complementando esse raciocínio, sinaliza-se que a identificação das pessoas que estão adoecendo e/ou morrendo por Covid-19 por meio da sua inserção no mercado de trabalho ou sua ocupação3535 Jackson Filho JM, Assunção AA, Algranti E, et al. A saúde do trabalhador e o enfretamento da Covid-19. Rev Bras. Saúde Ocup. 2020 [acesso em 2021 jul 28]; (45). Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbso/a/Km3dDZSWmGgpgYbjgc57RCn/.
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foi um tema emergente, sendo destacado no segundo boletim. O baixo preenchimento do dado de ocupação nas fichas de notificação contribui para uma política de apagamento da realidade de quem está se expondo, adoecendo e morrendo.

Frutuoso e Viana3636 Frutuoso MFP, Viana CVA. Quem inventou a fome são os que comem: da invisibilidade à enunciação: uma discussão necessária em tempos de pandemia. Interface - Comun Saúde, Educ. 2021 [acesso em 2021 jul 28]; (25). Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/LPHP93S94TgNtKbGtRZtDcs/?format=pdf&lang=pt.
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apontam que a discussão e as decisões sobre a fome ganham complexidade por meio de corpos em risco na busca de comida e/ou recursos e na luta pela vida que não se distancia dos contornos do mercado neoliberal. A adaptação da venda de restaurantes por delivery, ainda que possa garantir a sobrevivência desse setor, evidencia o trabalho precarizado de entregadores de plataformas virtuais que se mantêm trabalhando em condições insalubres de vulnerabilidade ao vírus no desenvolvimento de um serviço considerado essencial3737 Abílio LC, Almeida PF, Amorim H, et al. Condições de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a COVID-19. Rev Juríd. Trab. Desenv. Hum. 2020 [acesso em 2021 out 22]; 3. Disponível em: http://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/74.
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Com relação à faixa etária, a mortalidade e a letalidade foram expressivamente maiores para a população idosa (maior de 60 anos) tanto no primeiro quanto no segundo boletim em todas as tipologias urbanas. Além disso, no segundo boletim, foi observado um aumento discreto no risco de adoecimento na população de 40 a 59 anos11 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (1). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/42662/2/boletim_socioepidemiologicos_covid_nas_favelas_1.pdf.
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,77 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. 2º Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (2). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/44450/2/2o.BoletimSocioepidemiologicoCOVIDFavelas.pdf.
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. Em março de 2021, a discussão sobre o rejuvenescimento da pandemia foi evidenciada pelo Observatório Covid-19 da Fiocruz para todo o País, visto que os pesquisadores observaram um aumento de casos de 626% para a respectiva faixa-etária, o que sugere um deslocamento da pandemia para os mais jovens3838 Fundação Oswaldo Cruz. Boletim Observatório Covid-19: Semanas epidemiológicas 10 e 11: 7 a 20 de março de 2021. Portal Fiocruz. 2021. [acesso em 30 jul 2021]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_2021-semanas_10-11-red.pdf.
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Na perspectiva da vigilância de base territorial local, foram utilizados os dados disponibilizados no site do jornal ‘Voz das Comunidades’, que inicialmente eram obtidos nas unidades básicas de saúde de diferentes territórios de favelas pela própria equipe do jornal3939 Voz das Comunidades. Covid-19 nas favelas. 2021 out 22. [acesso em 2021 jul 30]. Disponível em: https://painel.vozdascomunidades.com.br/.
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. Após a seleção de algumas favelas, foi feita a compatibilização cartográfica entre a área de abrangência das unidades de saúde e os setores censitários, de modo a obter uma base populacional que permitisse os cálculos de indicadores locais (tabela 3). Dentre as áreas de atuação da ESF cujos dados estavam disponíveis, foi observado que a taxa de incidência e de mortalidade por Covid-19 foi maior na Cidade de Deus, sendo, respectivamente, 224,7 e 43,1 por 10 mil habitantes11 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (1). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/42662/2/boletim_socioepidemiologicos_covid_nas_favelas_1.pdf.
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Tabela 3
Taxa de incidência, mortalidade e letalidade em favelas do município do Rio de Janeiro

Para Sabroza1818 Sabroza P. Paulo Sabroza fala sobre a vigilância em saúde de base territorial [vídeo]. Youtube. 42 min. 2016 ago 17. [acesso em 2021 jul 30]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xcKODy3XN1A.
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, nos anos de 1980, houve um avanço na vigilância de base territorial com a gestão da informação em saúde na escala municipal. Contudo, essa escala não é mais suficiente para garantir uma atuação territorializada do SUS, principalmente nos municípios com mais de 30 mil habitantes. Além da escala intramunicipal, com a análise em nível de bairros, é necessária a disponibilidade de dados na escala submunicipal para a criação de indicadores locais que levem em consideração a ESF como modelo orientador para a organização da rede de atenção à saúde. Apesar de diversas iniciativas emergentes nessa perspectiva, não há nada institucionalizado. O autor aponta a importância da vigilância de base territorial local, exemplificando com a análise de dados de tuberculose no município de Itaboraí/RJ, onde foram desenvolvidos indicadores para áreas consideradas críticas segundo condições materiais de vida. Essas áreas foram mapeadas em trabalho de campo e compatibilizadas com setores censitários, mostrando que a taxa de incidência da tuberculose foi duas vezes maior em áreas críticas se comparadas com outras áreas1818 Sabroza P. Paulo Sabroza fala sobre a vigilância em saúde de base territorial [vídeo]. Youtube. 42 min. 2016 ago 17. [acesso em 2021 jul 30]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xcKODy3XN1A.
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No segundo boletim, não foi possível dar continuidade ao monitoramento nessa escala em decorrência de mudanças na coleta dos dados pelo jornal ‘Voz das Comunidades’ e pela dificuldade de conseguir os dados por meios institucionais. Todavia, o exercício metodológico realizado no primeiro boletim apresenta uma alternativa capaz de aproximar a produção da informação em saúde à realidade das periferias urbanas, particularmente das favelas cariocas, mostrando um dos caminhos possíveis para o desenvolvimento de uma cartografia de favelas. Essa perspectiva pode ser complementada por um pronunciamento feito pelo militante do grupo Eco, do morro Santa Marta, que reforça a necessidade de um rearranjo territorial para atender à necessidade de disponibilidade de dados e fortalecimento da luta pelo direito em informação em saúde para as favelas:

Temos que ser ousados e propor uma nova cartografia que tenha esse objetivo, se aproximar da realidade com todas as inconsistências e incertezas que nós temos: ousar mesmo na imprecisão, mesmo na incerteza. Eu acho que vale a pena errar, mas vale a pena apontar para a necessidade e mostrar possibilidade de novos arranjos técnicos que sejam capazes de nos aproximar dessas realidades11 Angelo JR, Leandro BBS, Périssé ARS. Análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas. Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas. 2020 [acesso em 2020 set 5]; (1). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/42662/2/boletim_socioepidemiologicos_covid_nas_favelas_1.pdf.
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Reflexões finais

Este estudo trouxe para o centro da reflexão e análise as peculiaridades sobre a ocorrência da Covid-19 nos espaços urbanos periféricos, particularmente nas favelas cariocas. A leitura dos dados e informações, ancorada na visão de mundo de interlocutores sociais dos territórios, mostra a necessidade do desenvolvimento de outras possibilidades de construção compartilhada de conhecimento. Os boletins socioepidemiológicos mostraram-se como uma estratégia possível de produção de informação em saúde crítica, contextualizada, qualificada e articulada com saberes populares.

A manutenção de áreas com alta densidade populacional com precárias condições materiais de vida no espaço urbano, o acesso deficitário aos serviços de saúde, a precariedade do transporte público, entre outras condições que colocam as populações periféricas em situação de vulnerabilidade social, devem ser enfrentadas de forma prioritária pelo poder público – sobretudo, mediante diálogo com a sociedade civil organizada que se mobiliza na luta pelo acesso aos direitos sociais que garantam a dignidade humana e a construção de políticas públicas equitativas.

O enfrentamento de questões estruturais da vida em sociedade, principalmente relacionadas com as históricas desigualdades e injustiças sociais, e a construção de uma cidadania plena que pontue que o direito à cidade não seja restrito a um direito de poucos são os únicos caminhos possíveis para mudanças sociais significativas. Isso para que, diante de uma nova emergência sanitária, não se tenha que discutir, refletir e problematizar sobre os mesmos problemas sociais e sanitários referentes às populações vulnerabilizadas e subalternizadas.

Como nos lembra Breilh1313 Breilh J. Obstáculos de possibilidades diante de uma epidemiologia sem memória e sem sonhos: balanço preliminar de um debate. In: Breilh J. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. p. 131-154. [acesso em 2021 dez 3]. Disponível em: https://repositorio.uasb.edu.ec/bitstream/10644/3618/1/Breilh,0J-CON-213-EpidemiologiaCritica.pdf.
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(161), precisa-se

[...] devolver à epidemiologia sua identidade e sua capacidade de sonhar – identidade como ciência com um horizonte emancipador, de luta pelo humano e oposta ao poder que nos oprime, e capacidade de voltar a sonhar num mundo diferente, no qual a busca aponte para a conquista da saúde no trabalho, na cidade cotidiana, na vida cultural e política e em nossa relação com a natureza.

É necessário esforços das autoridades e dos gestores públicos para que ocorram melhorias na qualidade da informação em saúde e a formulação de estratégias e arranjos técnicos de disponibilização dos dados que deem visibilidade aos espaços periféricos. Afinal, se a forma como a informação em saúde está organizada não permite análises epidemiológicas para determinados grupos sociais e territórios, ela deve ser repensada e reestruturada, pois informação em saúde é um direito.

A estrutura tradicional da vigilância epidemiológica precisa ser repensada na medida em que as ações realizadas não têm sido suficientes para acompanhar as realidades de favelas e outras periferias no âmbito local. Outrossim, torna-se urgente o desenvolvimento de uma vigilância em saúde mais próxima da vida das pessoas, em interação constante com a APS e articulada com os movimentos populares.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2021
  • Aceito
    01 Nov 2021
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