Baldwin P. Fighting the first wave. Why the Coronavírus was tackled so differently across the global

Nilson do Rosário Costa Sobre o autor
Fighting the first wave. Why the Coronavírus was tackled so differently across the global. Baldwin, P..

A PANDEMIA DA COVID-19 IMPÔS UMA DERROTA MONUMENTAL ao modelo de proteção sanitária baseado nas intervenções farmacêuticas adotado em escala global. Em função da indisponibilidade de vacinas e antivirais para prevenir ou tratar essa doença, os governos nacionais foram incentivados a suprimir a disseminação do novo coronavírus por meio do lockdown combinado com a testagem em massa, rastreamento de contato e quarentena involuntária. A estratégia da supressão pelo lockdown reduziu a velocidade da disseminação do Sars-CoV-2 e a mortalidade prevista pela Covid-19. Contudo, não foi nada simples a sua aceitação nas democracias liberais em razão dos argumentos sobre perdas econômicas e do temor à invasão da privacidade.

O livro de Peter Baldwin ‘Fighting the first wave. Why the Coronavírus was tackled so differently across the globe’11 Baldwin P. Fighting the first wave. Why the Coronavírus was tackled so differently across the global. Cambridge: Cambridge University Press; 2021. traça um amplo painel dos dilemas, resistências e equívocos do enfrentamento da pandemia da Covid-19 em 2020. A publicação reúne um conjunto de ensaios sobre a pandemia enquanto um evento essencialmente político. A emergência da Covid-19 resgatou a exigência de uma disciplina coletiva que não mais fazia parte das ferramentas da saúde pública contemporânea nem das expectativas de muitas sociedades orientadas por valores individualistas. Nesse contexto, os títulos dos capítulos são extremamente convidativos à leitura: ‘Ciência, política e história: como explicar as diferentes abordagens da Covid-19’, ‘Lutando contra a Covid-19 com Táticas Preventivas Arcaicas’; ‘A política da prevenção: Como o Estado e o cidadão interagem na luta contra Covid-19’; ‘Decisões difíceis em situação adversa: o dilema entre a segurança e a solvência’.

Baldwin chama atenção que o vírus foi rapidamente identificado, testes foram desenvolvidos e demonstrado que o Sars-CoV-2 se dissemina pela tosse, espiro ou respiração dos humanos, sendo extremamente letal. Entretanto, o avanço no conhecimento biomédico teve pouca influência nas decisões de não poucos governantes ao contrário do que foi observado em outras situações epidêmicas, como o exemplo do controle e a prevenção do HIV.

O autor destaca que as relações entre especialistas e governos foram esgarçadas, notadamente quando os dirigentes políticos optaram por respostas “caóticas e deliberadamente ineptas”11 Baldwin P. Fighting the first wave. Why the Coronavírus was tackled so differently across the global. Cambridge: Cambridge University Press; 2021.(3) à pandemia – como nos exemplos recorrentemente citados de Trump, Bolsonaro e do primeiro-ministro inglês Boris Johnson.

Sublinha, ainda assim, que opções de intervenção preventiva foram apresentadas aos governos com base em argumentos científicos conflitantes. Assinala que, durante o primeiro ciclo da pandemia, o aconselhamento aos governos não teve uma “unanimidade de mensagem”11 Baldwin P. Fighting the first wave. Why the Coronavírus was tackled so differently across the global. Cambridge: Cambridge University Press; 2021.(3) abrindo margem para a adoção de soluções erráticas com o apoio de especialistas, como a implantada na Suécia, cujo modelo de responsabilização individual e voluntária pela prevenção ao novo vírus é analisado em detalhe e ironia.

Ao replicar com sucesso a metodologia de mapeamento das respostas nacionais à epidemia de Aids22 Baldwin P. Disease and democracy: How industrialized world faces AIDS. Berkeley: University of California Press; 2005., o autor explica que a diversidade da resposta governamental à pandemia em função do veto ao lockdown tomou como referência a ideia da ‘quarentena focalizada’ nos indivíduos que contraíram a Covid-19 ou a perspectiva inconsequente da ‘imunidade de rebanho’, tentando livrar a massa da população dos eventuais prejuízos decorrentes da imposição do lockdown.

Estas opções de política governamental tiveram como pressuposto que a pandemia teria uma disseminação lenta e que a multiplicação rápida dos quadros graves causados pela Covid-19 não afetaria o sistema de saúde, possibilitando que as atividades econômicas não fossem paralisadas. O risco de surgimento de variantes do novo coronavírus com maior capacidade de transmissão em razão da sua disseminação descontrolada esteve absolutamente fora do cálculo dos defensores da quarentena focalizada e da imunidade de rebanho ou contaminação em massa.

O livro destaca também que a adoção do “charlatanismo farmacológico”11 Baldwin P. Fighting the first wave. Why the Coronavírus was tackled so differently across the global. Cambridge: Cambridge University Press; 2021.(17) e o fervor religioso estiveram na agenda tanto dos governos das economias periféricas quanto das centrais que negaram o lockdown. O líder supremo do Irã promoveu as plantas medicinais. Trump e Bolsonaro defenderam as falsas virtudes de dois antimaláricos (cloroquina e hidroxicloroquina) assim como o presidente francês Macron. Essa defesa de Macron foi, felizmente, apenas na fase inicial da pandemia. O primeiro-ministro japonês fez campanha para um antiviral de produção local sem evidência de eficácia farmacológica. Os líderes da Indonésia propuseram o banho de sol em massa para matar o vírus. Na Coréia do Sul, Paquistão e Irã, foram incentivadas as cerimonias religiosas e as romarias às áreas de maior incidência da Covid-19 para conjurar o risco da pandemia. Na Tanzânia, o presidente defendeu as orações como o melhor meio de proteção contra o novo coronavírus.

O crescimento da demanda por leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) nos sistemas nacionais de saúde foi associado a processos sociais e sanitários de longa duração. Contudo, a pandemia encontrou os países europeus com baixíssima disponibilidade de leitos de UTI em razão das políticas de austeridade fiscal das décadas anteriores. Baldwin relata com certa perplexidade as consequências éticas dessa escassez estrutural de leitos de UTI e de respiradores, a qual colapsou o sistema de saúde e disseminou a prática da triagem na Suécia, na Bélgica, na Suíça, na França, na Itália e nos Estados Unidos. Os protocolos de triagem recomendaram priorizar a internação dos pacientes com maior probabilidade de sobreviver, discriminado os idosos e os mais debilitados. O autor reporta que a prática da triagem de forte conotação eugenista durante a pandemia foi apenas oficialmente rejeitada na Alemanha por força da compreensão de que não existe objetividade legal que autorize aos agentes públicos e os profissionais a decidir sobre quem deve ou não sobreviver. A barbárie praticada pela Alemanha no campo do experimento médico durante a Segunda Guerra Mundial também teria influenciado a decisão de frear a prática da triagem pela autoridade sanitária.

A publicação registra a aplicação da primeira vacina contra o Sars-CoV-2 em dezembro de 2020. A descrença na qualidade da vacina, especialmente entre mulheres, idosos, minorias e pessoas de baixa renda, é apontada como questão relevante para o futuro da segurança sanitária global. Ao criticar as intervenções verticais da saúde pública do passado, o autor defende de modo enfático a parceria com a sociedade civil para lidar com a ascensão do movimento antivacina.

A presença da China, da Índia e da Rússia como novos gigantes da inovação em vacinas é também destacada como uma mudança na geopolítica das tecnologias biomédicas de monta. Entretanto, o autor identifica o déficit abissal na condição de higiene e no modo de interação entre humanos e animais observado na China como um paradoxo da hipermodernidade e ameaça sanitária. Não resta dúvida de que os leitores brasileiros ganhariam muito se o livro tivesse tradução para o português.

Como registro de um tempo de incerteza, a construção de Baldwin pode inspirar novas reflexões que considerem os limites distributivos do resultado do monumental avanço científico associado às várias formulações de vacinas contra o Sars-CoV-2. Novos riscos derivados de desigualdade, pobreza, exclusão social e apartheid permanecem desafiando o modelo de proteção sanitária baseado nas intervenções farmacêuticas das sociedades capitalistas de alta renda. O risco global produzido pela pandemia da Covid-19 não parece ter mitigado a indiferença sanitária em relação a sociedades empobrecidas e tecnologicamente dependentes.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

Referências

  • 1
    Baldwin P. Fighting the first wave. Why the Coronavírus was tackled so differently across the global. Cambridge: Cambridge University Press; 2021.
  • 2
    Baldwin P. Disease and democracy: How industrialized world faces AIDS. Berkeley: University of California Press; 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2021

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2021
  • Aceito
    23 Dez 2021
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