Estrutura e responsividade: a Atenção Primária à Saúde está preparada para o enfrentamento da Covid-19?

Denise de Lima Costa Furlanetto Wallace Dos Santos Magda Duarte dos Anjos Scherer Fabrício Vieira Cavalcante Aimê Oliveira Klébya Hellen Dantas de Oliveira Ricardo Ramos dos Santos Thaís Alessa Leite Katia Crestine Poças Leonor Maria Pacheco Santos Sobre os autores

RESUMO

A pandemia de Covid-19 reforçou a necessidade de esforços globais para garantir cobertura e acesso universal à saúde, impondo desafios na gestão da Atenção Primária à Saúde (APS). Este estudo objetivou desen- volver e aplicar um instrumento de avaliação da responsividade das Unidades Básicas de Saúde (UBS) diante da Covid-19, baseado na coprodução entre pesquisadores universitários e equipes técnicas da APS. O instrumento, dividido em dois módulos, incluiu identificação; horário de funcionamento; processo de trabalho; estrutura física, equipamentos, mobiliário, suprimentos e Equipamentos de Proteção Individual (EPI); atendimento, exames e acompanhamento de Usuários Sintomáticos Respiratórios (USR); vigilância, integração, comunicação e gestão. Todas as 165 UBS foram convidadas a completar o instrumento. Principais resultados: houve readequação da estrutura física (salas de espera, espaços internos/externos); fornecimento de EPI e de testes Covid-19, busca ativa de USR/suspeitos Covid-19 por telefone/visitas domiciliares, monitoramento de fluxos de transferência de pacientes e telessaúde. Concluindo, as UBS reorganizaram seus serviços para atender necessidades da pandemia. Fornecer informações sobre estrutura e capacidade de resposta das UBS pode subsidiar sistemas de saúde para planejamento e tomada de decisões, em diferentes níveis de gestão, crucial para determinar estratégias para reforçar a responsividade da APS em situações de pandemias e outras calamidades.

PALAVRAS-CHAVE
Covid-19; Atenção Primária à; Saúde; Estrutura de serviços; Estudo de avaliação; Pesquisa de serviços de saúde

Introdução

Os sistemas de saúde em países de renda alta e média-baixa têm enfrentado o desafio de lidar com a alta prevalência existente de doenças crônicas não transmissíveis, juntamente com pandemias que representam um risco global. Espalhada pelo mundo, a Covid-19 reforçou a necessidade de esforços conjuntos para fortalecer a Cobertura Universal de Saúde (CUS) e o acesso aos serviços de saúde, o que impõe desafios de gestão às unidades de saúde de Atenção Primária à Saúde (APS)11 Daumas RP, Silva GA, Tasca R, et al. The role of primary care in the Brazilian healthcare system: Limits and possibilities for fighting Covid-19. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 27]; (36):e00104120. Available at: https://www.scielo.br/j/csp/a/LpxCJfYrMkRWnBr7K9pGnXv/?lang=en.
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2 Lahariya C. Health & wellness centers to strengthen primary health care in India: Concept, progress and ways forward. The Indian J. Pediat. 2020 [access on 2021 Feb 20]; 87(11):916-29. Available at: https://link.springer.com/article/10.1007/s12098-020-03359-z.
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3 Li X, Krumholz HM, Yip W, et al. Quality of primary health care in China: Challenges and recommendations. The Lancet. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 395(10239):1802-12. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673620301227.
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-44 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Primary healthcare in times of COVID-19: What to do? Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 36(8):e00149720. Available at: https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00149720/en/.
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. Investir na APS é uma prioridade para melhorar o acesso à saúde.

A pandemia da Covid-19 destaca o papel da APS como porta de entrada preferencial integrada a uma rede de saúde mais ampla no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Da mesma forma, outros países, como Reino Unido, Austrália e Islândia, têm a APS como porta de entrada preferencial e filtro para níveis de atenção mais complexos55 Prado NMBL, Rossi TRA, Chaves SCL, et al. The international response of primary health care to Covid-19: Document analysis in selected countries. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Nov 21]; 36(12):e00183820. Available at: https://www.scielo.br/j/csp/a/7ws7tVbWLS7LYk559MBJfLL/?format=html&lang=e.
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. Considerando que a atenção primária é onde a maioria dos cuidados de saúde ocorre, é essencial encontrar formas de melhor sustentar os seus serviços para fornecer as respostas necessárias às pandemias66 Huston P, Huston JC, Grant R, et al. COVID-19 and primary care in six countries. BJGP Open. 2020 [access on 2022 Apr 27]; 4(4):bjgpopen20X101128. Available at: https://bjgpopen.org/content/4/4/bjgpopen20X101128?utm_source=trendmd&utm_medium=cpc&utm_campaign=BJGP_Open.
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.

A disponibilidade de ferramentas pode subsidiar os gestores de saúde e direcionar os investimentos necessários para permitir a implementação de estratégias adequadas para a melhoria da APS. Reconhece-se a complexidade da avaliação da APS e destaca-se a importância da produção de informações antes da definição de intervenções para os serviços de APS77 Cubas MR, Faoro NT, Moysés ST, et al. Avaliação da Atenção Primária à Saúde: validação de instrumento para análise de desempenho dos serviços. Saúde debate. 2017 [access on 2022 Apr 20]; 41(113):471-85. Available at: https://doi.org/10.1590/0103-1104201711310.
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. Para enfrentar os desafios impostos pela realidade local, principalmente no contexto de situações extremas como o cenário de pandemia, é ainda mais relevante contar com elementos para otimizar respostas rápidas. Dessa forma, construir instrumentos a partir das experiências existentes, mas também dialogando com a realidade local, pode ser inovador e útil aos serviços de saúde.

Avaliar os serviços de saúde na perspectiva do conceito de responsividade pode trazer a oportunidade de nortear a reorientação das práticas com maior chance de adesão e comprometimento e, consequentemente, melhor responder às reais necessidades. A responsividade é uma medida de como os sistemas de saúde atendem às expectativas das pessoas de forma legítima88 Mirzoev T, Kane S. What is health systems responsiveness? Review of existing knowledge and proposed conceptual framework. BMJ Glob Health. 2017 [access on 2022 Apr 20]; 2(4):e000486. Available at: https://gh.bmj.com/content/2/4/e000486.abstract.
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O objetivo deste estudo foi o desenvolvimento e aplicação de um instrumento para analisar as estruturas e capacidade de resposta das unidades de APS à Covid-19, a fim de identificar a disponibilidade de recursos e lacunas, possibilitando os ajustes necessários.

Material e métodos

Contextualização

Um instrumento foi desenvolvido como parte das atividades relacionadas ao Programa de Qualificação da Atenção Primária à Saúde (QualisAPS), em andamento, implementado em Brasília, Distrito Federal (DF), capital do Brasil. Essa APS tem como base a Estratégia Saúde da Família (ESF), conforme definido pela portaria do governo local desde 201799 Federal Distrito. Portaria nº 77, de 14 de fevereiro de 2017. Estabelece a Política de Atenção Primária à Saúde do Distrito Federal. Diário Oficial do Distrito Federal. 2017 Feb 14. [access on 2021 Feb 6]. Available at: http://www.sinj.df.gov.br/sinj/Norma/b41d856d8d554d4b95431cdd9ee00521/ses_prt_77_2017.html.
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. O Programa QualisAPS, implantado em 2019, visa qualificar a gestão e a atenção à saúde para melhorar os serviços prestados na APS. Envolve o uso de métodos inovadores de coprodução e o desenvolvimento de avaliação participativa para equipes de saúde, divulgação científica e difusão e incorporação de conhecimento.

A estrutura é um componente importante dos sistemas de saúde. Neste estudo, ‘estrutura’ é definida como os aspectos físicos, técnicos e organizacionais considerados essenciais para a qualidade da prestação dos serviços de saúde1010 Scholz S, Ngoli B, Flessa S. Rapid assessment of infrastructure of primary care facilities - a relevant instrument for health care systems management. BMC Health Servic Research. 2015 [access on 2022 Apr 20]; 15(1):1-10. Available at: https://link.springer.com/article/10.1186/s12913-015-0838-8.
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.

Metodologia para o desenvolvimento do instrumento

O instrumento foi desenvolvido de acordo com as diretrizes gerais dos serviços de APS, além dos Planos de Contingência e Notas Técnicas que tratavam especificamente das adaptações e reorganização da APS para o enfrentamento da pandemia de Covid-19 em nível local.

Inicialmente, foi realizada uma revisão de literatura utilizando o método de análise documental. A revisão incluiu normas e documentos técnicos do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde local, como guias, manuais e diretrizes de apoio clínico e organizacional da APS, elaborados no contexto da pandemia (quadro 1).

Quadro 1
Normativas e documentos técnicos utilizados para a elaboração do instrumento de análise da estrutura e da capacidade de resposta das Unidades Básicas de Saúde à Covid-19

A partir da análise documental, identificamos e desenvolvemos itens para mensurar indicadores para cada um dos eixos estruturais da APS durante a pandemia de Covid-19: funcionamento durante a pandemia de Covid-19, força de trabalho, organização e processos de trabalho das equipes de saúde. Assim, foram consideradas, estrutura física, equipamentos, móveis e insumos; Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e medidas de proteção coletiva; acompanhamento dos pacientes e exames; e informações, vigilância, integração, comunicação e gestão dos serviços de saúde.

A etapa seguinte incluiu um painel composto por um grupo de especialistas em APS da Universidade de Brasília (membros da equipe do QualisAPS) e da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp (membro convidado), e profissionais de saúde da Secretaria de Saúde local. O grupo revisou todos os itens do instrumento quanto aos critérios de clareza, simplicidade, objetividade e adequação técnica e contextual e forneceu feedback sobre os itens necessários em cada eixo da estrutura.

A técnica do painel de especialistas tem sido utilizada em uma grande variedade de pesquisas em saúde1111 Hogg W, Rowan M, Russel G, et al. Framework for primary care organizations: the importance of a structural domain. Int J Qual Health Care. 2008 [access on 2022 Apr 22]; 20(5):308-13. Available at: https://academic.oup.com/intqhc/article/20/5/308/1793755?login=false.
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,1212 Pinheiro JQ, Farias TM, Abe-Lima JY. Painel de Especialistas e Estratégia Multimétodos: Reflexões, Exemplos, Perspectivas. Psico. 2013 [access on 2022 Apr 27]; 44(2). Available at: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/11216.
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. Sua implementação neste estudo foi baseada no postulado do Programa QualisAPS de que a melhor estratégia para incentivar o uso dos resultados da avaliação é construir qualquer instrumento no contexto em que será aplicado. Além disso, além de levar em consideração os relatos da literatura, é relevante considerar experiências, interesses e problemas detectados e vistos como significativos por gestores e profissionais de saúde1313 Dennis J-L, Champagne F. Análise da Implantação. In: Hartz MA, organizadores. Avaliação em Saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1997. p. 49-88. [access on 2022 Apr 27]. Available at: https://static.scielo.org/scielobooks/3zcft/pdf/hartz-8585676361.pdf.
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14 Patton MQ. Utilization-focused evaluation: process and premises. Utilization focused evaluation: the news century text. 1997 [access on 2022 Apr 27]; (3):371-85. Available at: https://www.betterevaluation.org/en/resource/guide/UFE_4th_edn.
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-1515 Patton ERL, Labossière F. L’évaluation axée sur l’utilisation. In: Ridde V, Dagenais C. Approches et pratiques en évaluation de programme. Montréal: Les Presses de l’Université de Montréal; 2012. p. 145-160. [access on 2022 Apr 27]. Available at: https://books.openedition.org/pum/5959.
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, em uma perspectiva de coprodução1616 Traynor R, Dobbins M, Decorby K. Challenges of partnership research: insights from a collaborative partnership in evidence-informed public health decision making. Evid Policy A J Res Debate Pract. 2015 [access on 2022 Apr 27]; 11(1):99-109. Available at: https://eric.ed.gov/?id=EJ1131923.
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17 Filipe A, Renedo A, Marston C. The co-production of what? Knowledge, values, and social relations in health care. PLoS Biol. 2017 [access on 2022 Apr 28]; 15(5):e2001403. Available at: https://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.2001403.
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-1818 Langley J, Wolstenholme D, Cooke J. ‘Collective making’ as knowledge mobilisation: the contribution of participatory design in the co-creation of knowledge in healthcare. BMC Health Serv Res. 2018 [access on 2022 Apr 27]; 18(1):1-10. Available at: https://link.springer.com/article/10.1186/s12913-018-3397-y.
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Metodologia para aplicação de instrumentos

Aplicamos o software Research Eletronic Data Capture (REDCap), uma plataforma de acesso aberto, para coleta de dados, desenvolvida pela Vanderbilt University, Tennessee, EUA. O REDCap permite armazenar e gerenciar pesquisas e bancos de dados, além de criar instrumentos de coleta de dados, gerenciar relatórios, entre outras funcionalidades1919 Harris PA, Taylor R, Payne J, et al. Research electronic data capture (REDCap) a metadata-driven methodology and workflow process for providing translational research informatics support. J. biomed. info. 2009 [access on 2022 Apr 27]; 42(2):377-381. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1532046408001226.
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,2020 Harris PA, Taylor R, Minor BL, et al. The REDCap consortium: Building an international community of software platform partners. Journal of biomedical informatics. 2019 [access on 2022 Apr 28]; (95):103208. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1532046419301261.
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.

Antes da aplicação, os eixos do instrumento foram divididos em dois módulos para serem aplicados por meio de entrevistas telefônicas e por meio de autopreenchimento, respectivamente. Os eixos que incluíam informações prontamente disponíveis pelos gestores das Unidades Básicas de Saúde (UBS) foram levantados por meio de entrevistas telefônicas. Os eixos que exigiam buscas em relatórios internos e sistemas de informação foram alocados no link de autopreenchimento e enviados ao final da entrevista telefônica.

Nessa etapa, o instrumento foi pré-testado por gestores de saúde de duas UBS de Brasília. As questões levantadas, principalmente relacionadas à clareza e adequação da linguagem, foram modificadas. O tempo médio de aplicação do instrumento foi identificado como 45 minutos para a entrevista telefônica e 60 minutos para o autopreenchimento. O instrumento foi desenvolvido em junho-julho de 2020, período da primeira onda pandêmica; a coleta de dados ocorreu de agosto de 2020 a janeiro de 2021, antes da segunda onda de pandemia em Brasília, que aconteceu em março de 2021.

As unidades de análise são as UBS de Brasília. Os potenciais respondentes são os gestores da unidade, os quais foram contatados pela primeira vez por telefone. Após os arranjos para a entrevista, foi enviado um e-mail para reforçar as informações fornecidas no telefonema. O termo de consentimento livre e esclarecido foi enviado por e-mail e assinado antes da data da entrevista por telefone. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (CAAE nº 29640120.6.0000.0030).

Resultados e discussão

Estrutura do instrumento

A versão final do instrumento elaborado para analisar a estrutura e a capacidade de resposta das unidades de APS à Covid-19 foi composta por 11 eixos temáticos, totalizando 127 itens, distribuídos em dois módulos. O módulo telefônico é composto por 60 itens distribuídos entre eixo 1 (identificação do respondente), eixo 2 (identificação da UBS), eixo 5 (organização e processo de trabalho), eixo 6 (estrutura), eixo 8 (EPI) e eixo 11 (gestão) (figura 1). O módulo de autopreenchimento é composto por 67 itens organizados no eixo 3 (funcionamento da UBS durante a pandemia de Covid-19), eixo 4 (mão-de-obra), eixo 7 (equipamentos, móveis e insumos), eixo 9 (acompanhamento do paciente e exames) e eixo 10 (informação, vigilância, integração e comunicação) (figura 2).

Figura 1
Instrumento elaborado para avaliar estrutura e capacidade de resposta de Unidades Básicas de Saúde à Covid-19 - Módulo por telefone. Brasília, DF, 2020

Figura 2
Instrumento elaborado para avaliar estrutura e capacidade de resposta de Unidades Básicas de Saúde à Covid-19 - Módulo de autopreenchimento. Brasília, DF, 2020

O instrumento foi planejado para abranger as atribuições da APS e suas diferentes dimensões de organização e funcionamento para a integralidade do cuidado. Portanto, a avaliação incluiu identificação, horário de funcionamento, mão de obra, processo de trabalho, estrutura, equipamentos, mobiliário, insumos, EPIs, exames e acompanhamento de Usuário Sintomático Respiratório (USR)/suspeito de Covid-19, informação, vigilância, integração, comunicação e gestão.

Resultados da aplicação do instrumento

Todas as 165 unidades de APS que funcionam em Brasília, DF, preencheram o instrumento por telefone, enquanto 159 preencheram o módulo de autopreenchimento, no período de agosto de 2020 a janeiro de 2021. A aplicação do instrumento para avaliação da estrutura e responsividade foi essencial para descrever o processo de trabalho, estrutura e disponibilidade de insumos. As variáveis selecionadas são apresentadas nas tabelas 1 e 2. O instrumento abrangeu outros aspectos relacionados ao atendimento de Covid-19 e Usuários Sintomáticos Respiratórios (USR), além dos apresentados nas tabelas a seguir.

Tabela 1
Estrutura e capacidade de resposta das Unidade Básicas de Saúde à Covid-19, segundo a avaliação por inquérito telefônico. Brasília, DF, Agosto 2020-Janeiro 2021 (N= 165)
Tabela 2
Estrutura e capacidade de resposta da Atenção Primaria à Saúde à Covid-19, segundo a avaliação por instrumento de autopreenchimento. Brasília, DF, Agosto 2020-Janeiro 2021 (N= 159)

A tabela 1 mostra adaptações favoráveis no processo de trabalho dentro das UBS, pois a maioria (mais de 88%) atribuiu um profissional de saúde para identificar os USR/suspeitos de Covid-19 na entrada, realizando imediatamente a classificação de risco e encaminhando-os para o atendimento adequado. As configurações estruturais das UBS de Brasília também demonstraram disponibilidade de espaço externo adequado para que os USR/suspeitos de Covid -19 aguardem atendimento em quase 82% delas. Por outro lado, em apenas 60% das UBS há espaço interno reservado apenas para esses pacientes. Consultórios ventilados dedicados exclusivamente aos casos de USR/suspeitos de Covid-19 estavam disponíveis em 81% das unidades, mas apenas 68% dos consultórios dispunham de pia, água e sabão.

Os resultados mostraram adesão a aspectos importantes no âmbito dos serviços de APS, incluindo ações para evitar a transmissão da Covid-19, como distanciamento social, separação das áreas de serviços de saúde oferecidos ao USR e demais pacientes, uso de máscaras, e higiene da superfície, conforme apontado por outros estudos2121 Garg S, Basu S, Rustagi R, et al. Primary health care facility preparedness for outpatient service provision during the COVID-19 pandemic in India: Cross-sectional study. JMIR Public Health and Surv. 2020 [access on 2022 Apr 27]; 6(2):e19927. Available at: https://publichealth.jmir.org/2020/2/e19927/.
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,2222 Hussain I, Majeed A, Imran I, et al. Knowledge, attitude, and practices toward COVID-19 in primary healthcare providers: A cross-sectional study from three tertiary care hospitals of Peshawar, Pakistan. J. Comm. Health. 2020 [access on 2022 Apr 28]; 46(3):441-49. Available at: https://link.springer.com/article/10.1007/s10900-020-00879-9.
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. As recomendações incluem atendimento ao USR fora e em área ventilada, distanciamento entre pacientes e profissionais, uso de barreiras físicas para manter o distanciamento e mudanças nos fluxos11 Daumas RP, Silva GA, Tasca R, et al. The role of primary care in the Brazilian healthcare system: Limits and possibilities for fighting Covid-19. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 27]; (36):e00104120. Available at: https://www.scielo.br/j/csp/a/LpxCJfYrMkRWnBr7K9pGnXv/?lang=en.
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.

A maioria das unidades de APS estudadas relatou ter disponíveis máscaras cirúrgicas PFF2, N95 e descartáveis para os profissionais, e 66% declararam oferecer máscaras cirúrgicas para USR/suspeitos de Covid-19 que compareceram à unidade, embora a disponibilidade possa variar ao longo do mês e entre unidades. Ficar sem EPI tem sido uma grande preocupação em todo o mundo; escassez de viseiras, aventais e máscaras faciais principalmente em casas de repouso, unidades de saúde e clínicas foram relatadas no Reino Unido2323 Hoernke K, Djellouli N, Andrews L, et al. Frontline healthcare workers’ experiences with personal protective equipment during the COVID-19 pandemic in the UK: A rapid qualitative appraisal. BMJ Open. 2021 [access on 2021 Feb 27]; 11(1):e046199. Available at: https://bmjopen.bmj.com/content/11/1/e046199.abstract.
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. Na Austrália, algumas das maiores preocupações em relação ao trabalho em equipe e segurança do paciente estão relacionadas à falta de recursos, como EPI2424 Kippen R, OSullivan B, Hickson H, et al. National survey of COVID-19 challenges, responses and effects in Australian general practice. Aust J Gen Pract. 2020 [access on 2021 Dec 12]; 49(11):745-51. Available at: https://search.informit.org/doi/abs/10.3316/INFORMIT.553734658477640.
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. A disponibilização de EPI, seu uso e medidas para minimizar a transmissão do Covid-19 são necessários para garantir condições seguras de trabalho e proteger os trabalhadores, bem como a população, reduzindo as fontes de disseminação do Covid-1944 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Primary healthcare in times of COVID-19: What to do? Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 36(8):e00149720. Available at: https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00149720/en/.
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. Um desafio global foi a disponibilidade de EPI: países de alta renda garantiram rapidamente seu próprio fornecimento interno de EPI, causando escassez para países de baixa e média renda dependentes de cadeias de suprimentos externas, lado a lado com uma alocação preferencial para hospitais, em detrimento das unidades de saúde da APS2525 Salman R, Allen LN, Stigler FL, et al. Lessons on the COVID-19 pandemic, for and by primary care professionals worldwide. Euro. J. General Pract. 2020 [access on 2021 Dec 12]; 26(1):129-33. Available at: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13814788.2020.1820479.
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. Mais de 90% das Equipes de Saúde da Família realizam busca ativa de novos casos de USR/suspeitos de Covid-19. A maioria destes contatos (88%) foi feita por telefone fixo ou telefone celular.

Nossos resultados mostram que a reorganização necessária para garantir uma assistência segura e de qualidade diante das limitações estruturais parece atender aos requisitos de acordo com a epidemia de Covid-19. No contexto brasileiro, Sarti et al.2626 Sarti TD, Lazarini WS, Fontenelle LF, et al. What is the role of Primary Health Care in the COVID-19 pandemic?. Epid. Serv. Saúde. 2020 [access on 2022 Apr 28]; 29(2):e2020166. Available at: https://www.scielo.br/j/ress/a/SYhPKcN7f8znKV9r93cpF7w/?lang=en.
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citam, entre as estratégias e ações específicas para o enfrentamento da pandemia, a presença de profissionais de saúde capacitados; espaço físico adequado para atender casos suspeitos de Covid-19; testes diagnósticos em quantidade suficiente; estrutura para solicitação de exames complementares e apoio diagnóstico. Igualmente importantes são os fluxos e protocolos bem definidos para o acesso aos serviços de saúde nos diferentes níveis de atenção à saúde; vigilância epidemiológica; equipamentos de proteção individual adequados e suficientes para profissionais de saúde e indivíduos sintomáticos2626 Sarti TD, Lazarini WS, Fontenelle LF, et al. What is the role of Primary Health Care in the COVID-19 pandemic?. Epid. Serv. Saúde. 2020 [access on 2022 Apr 28]; 29(2):e2020166. Available at: https://www.scielo.br/j/ress/a/SYhPKcN7f8znKV9r93cpF7w/?lang=en.
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Em relação aos testes Covid-19, no momento da coleta de dados, o rápido (teste de anticorpos) e o Swab (testes RT-PCR) estavam disponíveis em quase 65% e 75% das UBS, respectivamente. A acessibilidade do teste rápido não foi a ideal (65%) considerando que a distribuição de testes sorológicos para Covid-19 estava entre uma das ações federais previstas para ocorrer para apoiar e fortalecer o combate à Covid-192727 Harzheim E, Martins C, Wollmann L, et al. Federal actions to support and strengthen local efforts to combat COVID-19: Primary Health Care (PHC) in the driver’s seat. Ciênc. Saúde Colet. 2020 [access on 2022 Apr 28]; (25):2493-97. Available at: https://www.scielosp.org/article/csc/2020.v25suppl1/2493-2497/en/.
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. A grande maioria das UBS incluídas nesta pesquisa possuía um carrinho de emergência completo, com dispositivos de suporte à vida/medicação em caso de necessidade de atendimento a um USR crítico. O enfrentamento da Covid-19 requer equipamentos e materiais logísticos e operacionais. O monitoramento de pacientes e exames, visitas domiciliares, oferta de O2 e fluxos para exames laboratoriais fazem parte do papel da APS no enfrentamento à Covid-19. Dependendo da gravidade dos casos, a oferta de O2 é importante e a continuidade do cuidado ao paciente deve ocorrer de forma integrada na APS por meio de canais e fluxos de comunicação eficientes44 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Primary healthcare in times of COVID-19: What to do? Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 36(8):e00149720. Available at: https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00149720/en/.
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.

Um estudo recente analisou a prestação de serviços de atenção primária no contexto da pandemia em seis países de alta renda (Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Holanda, Reino Unido, EUA) e relatou que o lockdown reduziu severamente o acesso e a continuidade dos serviços para condições além da Covid-19, uma vez que a gestão da pandemia tornou-se uma prioridade; de certa forma, essa limitação pode ser mitigada pelo suporte de telessaúde66 Huston P, Huston JC, Grant R, et al. COVID-19 and primary care in six countries. BJGP Open. 2020 [access on 2022 Apr 27]; 4(4):bjgpopen20X101128. Available at: https://bjgpopen.org/content/4/4/bjgpopen20X101128?utm_source=trendmd&utm_medium=cpc&utm_campaign=BJGP_Open.
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. No presente estudo, das 159 unidades de APS participantes do módulo de autopreenchimento, 57,2% relataram oferecer suporte de telessaúde. Os profissionais mais envolvidos nesse serviço foram médicos (39,6%), enfermeiros (36,5%), agentes comunitários de saúde (31,4%) e técnicos de enfermagem (22,6%). A teleconsulta foi uma estratégia amplamente utilizada em outros lugares no contexto da Covid-1966 Huston P, Huston JC, Grant R, et al. COVID-19 and primary care in six countries. BJGP Open. 2020 [access on 2022 Apr 27]; 4(4):bjgpopen20X101128. Available at: https://bjgpopen.org/content/4/4/bjgpopen20X101128?utm_source=trendmd&utm_medium=cpc&utm_campaign=BJGP_Open.
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, mas prejudicada no presente estudo (57,2%) porque nem todas as unidades de APS têm acesso adequado ao telefone e à internet. Em relação à disponibilidade de equipamentos de comunicação, mais de 40% das unidades de APS avaliadas relataram ter equipamentos telefônicos e rede de computadores insuficientes para as equipes (dados não apresentados). No Brasil, o Programa Telessaúde foi implantado em 2011 no âmbito do SUS, podendo ser uma importante ferramenta no combate à Covid-192727 Harzheim E, Martins C, Wollmann L, et al. Federal actions to support and strengthen local efforts to combat COVID-19: Primary Health Care (PHC) in the driver’s seat. Ciênc. Saúde Colet. 2020 [access on 2022 Apr 28]; (25):2493-97. Available at: https://www.scielosp.org/article/csc/2020.v25suppl1/2493-2497/en/.
https://www.scielosp.org/article/csc/202...
,2828 Souza CDFD, Gois-Santos VTD, Correia DS, et al. The need to strengthen Primary Health Care in Brazil in the context of the COVID-19 pandemic. Braz. research. 2020 [access on 2022 Apr 28]; (34):e047. Available at: https://www.scielo.br/j/bor/a/FWF6mZvzvSByh9VBxTD4wCd/abstract/?lang=en.
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.

A teleconsulta deve ser incentivada, pois torna os serviços acessíveis a populações distantes22 Lahariya C. Health & wellness centers to strengthen primary health care in India: Concept, progress and ways forward. The Indian J. Pediat. 2020 [access on 2021 Feb 20]; 87(11):916-29. Available at: https://link.springer.com/article/10.1007/s12098-020-03359-z.
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. No entanto, as UBS devem incorporar os protocolos de triagem e classificação de USR para subsidiar tanto as ações de call center quanto as atividades presenciais nas unidades de saúde da APS11 Daumas RP, Silva GA, Tasca R, et al. The role of primary care in the Brazilian healthcare system: Limits and possibilities for fighting Covid-19. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 27]; (36):e00104120. Available at: https://www.scielo.br/j/csp/a/LpxCJfYrMkRWnBr7K9pGnXv/?lang=en.
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Além do fluxo de atendimento e reorganização das unidades de APS, é fundamental ter um fluxo definido de encaminhamento de casos graves para outros níveis de atenção, por meio de ambulâncias exclusivas para transporte11 Daumas RP, Silva GA, Tasca R, et al. The role of primary care in the Brazilian healthcare system: Limits and possibilities for fighting Covid-19. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 27]; (36):e00104120. Available at: https://www.scielo.br/j/csp/a/LpxCJfYrMkRWnBr7K9pGnXv/?lang=en.
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. Relatou-se no presente estudo que o fluxo de encaminhamento para os níveis secundário e hospitalar foi estabelecido em mais de 80% das unidades de APS avaliadas, das quais 67% consideraram o serviço adequado às necessidades dos pacientes.

A grande maioria dos entrevistados (97%) relatou ter notificado casos suspeitos de Covid-19 nos sistemas de informação apropriados. Também foi relatado que o número de consultas do USR em relação ao número total foi monitorado em 70,4% das unidades. O registro e a utilização de sistemas de informação para vigilância, planejamento de abastecimento, organização da agenda e desenvolvimento de ações intersetoriais pela equipe do território são passos fundam entais para o enfrentamento da pandemia no contexto da APS44 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Primary healthcare in times of COVID-19: What to do? Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 36(8):e00149720. Available at: https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00149720/en/.
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.

Especialmente quando se trata de agentes de transmissão respiratória, como o Sars-CoV-2, as estratégias de vigilância epidemiológica permitem a identificação e o controle de contatos e a redução de novos casos. Conforme afirmado por Teixeira et al.2929 Teixeira MG, Medina MG, Costa MDCN, et al. Reorganization of primary health care for universal surveillance and containment of Covid-19. Epid. Serv. Saúde. 2020 [access on 2022 Apr 28]; 29(4):e2020494. Available at: https://www.scielosp.org/article/ress/2020.v29n4/e2020494/en/.
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, as equipes de saúde e vigilância epidemiológica devem trabalhar de forma integrada para alimentar corretamente o sistema de vigilância e realizar ações de prevenção da Covid-19, com orientação e apoio à população em geral e grupos vulneráveis2929 Teixeira MG, Medina MG, Costa MDCN, et al. Reorganization of primary health care for universal surveillance and containment of Covid-19. Epid. Serv. Saúde. 2020 [access on 2022 Apr 28]; 29(4):e2020494. Available at: https://www.scielosp.org/article/ress/2020.v29n4/e2020494/en/.
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.

Apesar dos desafios mencionados, o acompanhamento dos casos suspeitos de Covid-19 e o atendimento prioritário aos USR também foram estratégias adotadas por 91,8% das unidades para enfrentar o contexto pandêmico. O uso desses e de outros recursos de informação e comunicação, como redes sociais e aplicativos de mensagens, tem potencial para garantir atenção à população adscrita, evitar a descontinuidade do tratamento e agravamento de doenças, além de contribuir para a redução das barreiras de acesso e desigualdade social. A Covid-19 afeta principalmente minorias e populações pobres e vulneráveis, devido à sua disseminação desigual em áreas de população densa e com capacidade de resposta limitada, devido ao baixo acesso aos serviços de saúde e alta prevalência de condições crônicas3030 Shadmi E, Chen Y, Dourado I, et al. Health equity and COVID-19: global perspective. Inter. J. Equity in Health. 2020 [access on 2021 Dec 12]; 19(1):1-16. Available at: https://equityhealthj.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12939-020-01218-z.
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.

As consequências da pandemia de Covid-19 no processo de trabalho dos serviços de APS devem ser consideradas. Ao mesmo tempo em que é fundamental reorganizar os serviços de APS para o enfrentamento da pandemia, também é necessário manter a oferta regular de outras atividades e ações44 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Primary healthcare in times of COVID-19: What to do? Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 36(8):e00149720. Available at: https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00149720/en/.
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,2121 Garg S, Basu S, Rustagi R, et al. Primary health care facility preparedness for outpatient service provision during the COVID-19 pandemic in India: Cross-sectional study. JMIR Public Health and Surv. 2020 [access on 2022 Apr 27]; 6(2):e19927. Available at: https://publichealth.jmir.org/2020/2/e19927/.
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. Serviços como renovação de prescrições, atenção a outras doenças agudas e crônicas11 Daumas RP, Silva GA, Tasca R, et al. The role of primary care in the Brazilian healthcare system: Limits and possibilities for fighting Covid-19. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 27]; (36):e00104120. Available at: https://www.scielo.br/j/csp/a/LpxCJfYrMkRWnBr7K9pGnXv/?lang=en.
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, monitoramento de populações e grupos de risco socialmente vulneráveis e atividades regulares de vacinação devem continuar11 Daumas RP, Silva GA, Tasca R, et al. The role of primary care in the Brazilian healthcare system: Limits and possibilities for fighting Covid-19. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 27]; (36):e00104120. Available at: https://www.scielo.br/j/csp/a/LpxCJfYrMkRWnBr7K9pGnXv/?lang=en.
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,44 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Primary healthcare in times of COVID-19: What to do? Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 36(8):e00149720. Available at: https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00149720/en/.
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. No entanto, essas ações devem ser organizadas de forma a minimizar o risco de transmissão do Covid-1944 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Primary healthcare in times of COVID-19: What to do? Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 36(8):e00149720. Available at: https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00149720/en/.
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. No presente estudo, do total de 137 unidades de APS onde os serviços de vacinação foram informados como continuando regularmente, 77% afirmaram que esses serviços foram reorganizados para garantir o menor contato possível entre os pacientes (vacinação Covid-19 não estava disponível quando realizamos esta pesquisa - começou no final de janeiro de 2021). Das UBS onde era oferecida assistência farmacêutica (n=137), as prescrições com prorrogação de validade para 60 dias, sem necessidade de renovação, foram aceitas na grande maioria (81%), a fim de reduzir o número de pacientes chegando às unidades de APS.

Uma avaliação da resposta da atenção primária à Covid-19 deve considerar o suporte tecnológico e as abordagens remotas, que têm sido componentes essenciais dos serviços de saúde prestados durante a pandemia em todo o mundo. Por exemplo, um estudo italiano sugeriu que todos, em todo o mundo, deveriam ter aplicativos de smartphone atualizados para facilitar a comunicação entre a população e as equipes de profissionais de saúde3131 Bressya S, Zingarellib EM. Technological devices in COVID-19 primary care management: The Italian experience. Fam. Pract. 2020 [access on 2021 Feb 10]; 37(5):725-26. Available at: https://academic.oup.com/fampra/article/37/5/725/5841936?login=false.
https://academic.oup.com/fampra/article/...
. Um estudo indiano indicou que este é o momento certo para aumentar nosso conhecimento sobre as intervenções multifacetadas de saúde digital disponíveis3232 Sarbadhikari S, Sarbadhikari SN. The global experience of digital health interventions in COVID-19 management. Indian J Public. 2020 [access on 2021 Feb 10]; 64(6):117-24. Available at: https://www.ijph.in/text.asp?2020/64/6/117/285593.
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. Os clínicos gerais chineses suspenderam procedimentos eletivos e ambulatórios e adotaram serviços de consulta e teleconsulta on-line3333 Tse DMS, Li Z, Lu Y, et al. Fighting against COVID-19: preparedness and implications on clinical practice in primary care in Shenzhen, China. Fam. Practice. 2020 [access on 2021 Dec 12]; 21(1):1-7. Disponível em https://link.springer.com/article/10.1186/s12875-020-01343-2.
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. Em um estudo grego, verificou-se que a pandemia de Covid-19 proporcionou uma oportunidade de expansão do sistema de telemedicina para áreas remotas3434 Giannopoulou T, Giannopoulou I, Tsobanoglou G. COVID-19 pandemic: Challenges and opportunities for the Greek health care system. Irish J. Psyc. Med. 2020 [access on 2021 Feb 12]; 37(3):226-30. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7287301/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
, e estudos realizados com profissionais de saúde australianos constataram que os serviços de telessaúde eram parte integrante das práticas adotadas durante a pandemia2424 Kippen R, OSullivan B, Hickson H, et al. National survey of COVID-19 challenges, responses and effects in Australian general practice. Aust J Gen Pract. 2020 [access on 2021 Dec 12]; 49(11):745-51. Available at: https://search.informit.org/doi/abs/10.3316/INFORMIT.553734658477640.
https://search.informit.org/doi/abs/10.3...
. Pesquisadores espanhóis sugeriram que é importante determinar quais fatores podem influenciar a escolha entre serviços de telefone e vídeo, incluindo o acesso do paciente à tecnologia, a infraestrutura de telemedicina dos serviços e as preferências do paciente e do médico3535 Rodriguez JA, Betancourt JR, Sequist TD, et al. Differences in the use of telephone and video telemedicine visits during the COVID-19 pandemic. Am. J. Man. Care. 2021 [access on 2021 Dec 20]; 27(1):21-26. Available at: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33471458/.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33471458...
.

No Brasil, a ESF, organizada por território e orientada para a comunidade, é um modelo adequado para apoiar a população no enfrentamento das medidas de mitigação e contenção da Covid-1944 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Primary healthcare in times of COVID-19: What to do? Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 36(8):e00149720. Available at: https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00149720/en/.
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. Há evidências que indicam que a APS é o local onde ocorre a maioria dos cuidados de saúde e onde podem ser estabelecidas relações profissionais e pacientes confiáveis e de longo prazo66 Huston P, Huston JC, Grant R, et al. COVID-19 and primary care in six countries. BJGP Open. 2020 [access on 2022 Apr 27]; 4(4):bjgpopen20X101128. Available at: https://bjgpopen.org/content/4/4/bjgpopen20X101128?utm_source=trendmd&utm_medium=cpc&utm_campaign=BJGP_Open.
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. No entanto, para reduzir a morbimortalidade, além do potencial da ESF, é necessário ter uma APS organizada e estruturada com profissionais qualificados e aptos a atender as necessidades de saúde locais11 Daumas RP, Silva GA, Tasca R, et al. The role of primary care in the Brazilian healthcare system: Limits and possibilities for fighting Covid-19. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 27]; (36):e00104120. Available at: https://www.scielo.br/j/csp/a/LpxCJfYrMkRWnBr7K9pGnXv/?lang=en.
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. Atividades de educação permanente e apoio matricial aos profissionais também são medidas imprescindíveis44 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Primary healthcare in times of COVID-19: What to do? Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Feb 6]; 36(8):e00149720. Available at: https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00149720/en/.
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, assim como ações de promoção e prevenção à população sobre a correta higienização das mãos e distanciamento social. De acordo com os resultados obtidos, em mais de 85% das UBS, as equipes de saúde receberam treinamento ou orientação sobre o manejo clínico da Covid-19 e medidas de prevenção para orientar a população.

Em alguns países, as ações de enfrentamento à pandemia de Covid-19 tiveram, em grande medida, foco principal no atendimento hospitalar. O envolvimento da APS para responder à situação emergente variou de acordo com a organização dos sistemas de saúde nos diferentes países. Houve exemplos, como na China, Índia e Cuba, onde a assistência à APS passou por uma reorganização imediata. Por outro lado, em alguns locais, como na Espanha, os profissionais da APS foram alocados em hospitais, afetando a assistência na APS. O enfrentamento de uma pandemia requer abordagens individuais e comunitárias baseadas no cuidado integral e articulado às necessidades populacionais3636 Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, et al. A contribuição da atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19. Saúde debate. 2021 [access on 2022 Apr 28]; (44):161-76. Available at: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/LTxtLz5prtrLwWLzNJZfQRy/abstract/?lang=pt.
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. É relevante considerar que grande parte da população brasileira tem as UBS como referência de assistência à saúde, e isso se manteve durante a pandemia de Covid-19. Além disso, considerando que abordagens adequadas e precoces podem prevenir o agravamento das condições de saúde, é fundamental determinar estratégias para capacitar e reforçar a resposta da APS à pandemia3737 Vitória AM, Campos GWS. Só com APS forte o sistema pode ser capaz de achatar a curva de crescimento da pandemia e garantir suficiência de leitos UTI. [São Paulo]: Cosems SP; 2020. [access on 2021 Oct 28]. Available at: http://www.cosemssp.org.br/wp-content/uploads/2020/04/So-APS-forte-para-ter-leitos-UTI-.pdf.
http://www.cosemssp.org.br/wp-content/up...
.

São inegáveis os desafios permanentes na gestão da saúde, que deve focar nas necessidades da população para facilitar respostas oportunas durante as crises. Desta forma, a adequação dos processos de trabalho e das estruturas de serviços para melhorar a oferta de APS torna-se favorável não só para o enfrentamento da Covid-19, mas também para os desafios futuros.

A participação dos gestores no presente estudo, avaliando a estrutura e a capacidade de resposta de suas unidades de saúde à Covid-19, tem potencial para externalidades positivas. A participação pode levá-los a refletir sobre os pontos fortes e fracos das unidades de APS, bem como conduzi-los para o melhor planejamento e gestão das atividades, de acordo com as necessidades do contexto atual e com o apoio da gestão regional e central de serviços de saúde.

Conclusões

Além dos desafios enfrentados na resposta às demandas regulares dos serviços de saúde, o contexto da pandemia da Covid-19 trouxe a necessidade de adaptação e novas configurações estruturais na prestação dos serviços de APS. A reorganização do processo de trabalho, ambiência das unidades de saúde, incorporação de equipamentos, insumos laboratoriais e recursos humanos, entre outras estratégias, para mitigar os efeitos da pandemia eram urgentes. Este estudo demonstrou adaptações favoráveis e reorganização dos processos de trabalho nas UBS. Nesse contexto, é relevante destacar o poder e a capacidade dos trabalhadores da APS para promover mudanças e adaptações em cenários adversos. Mas há que salientar a importância das condições estruturais proporcionadas para permitir estas iniciativas. Intervenções e ferramentas destinadas a avaliar e monitorar os serviços de saúde podem contribuir para o planejamento e a tomada de decisão nos diferentes níveis de gestão, o que é fundamental para determinar estratégias para capacitar e reforçar a resposta da APS em situações de pandemias e outras calamidades.

  • Apoio financeiro: a Secretaria de Saúde do Distrito Federal financiou o Programa QualisAPS e o trabalho de campo; a publicação contou com o apoio da Chamada Pública MCTI/CNPq/CT-Saúde/MS/SCTIE/Decit Nº 07/2020
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2021
  • Aceito
    14 Jun 2022
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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