Compra de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar: a situação do Rio Grande do Norte

Purchase of food from family farming for school feeding: the situation in Rio Grande do Norte

Leticia Gabriella Souza da Silva Genykléa Silva de Oliveira Clélia de Oliveira Lyra Liana Galvão Bacurau Pinheiro Renata Alexandra Moreira das Neves Maria Angela Fernandes Ferreira Sobre os autores

RESUMO

Objetivou-se caracterizar o cenário da aquisição dos alimentos provenientes da Agricultura Familiar (AF) para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) nos municípios do Rio Grande do Norte. Pesquisa avaliativa com delineamento ecológico, utilizando dados do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 2017 e 2018. Avaliaram-se 31 municípios, analisando o percentual de aquisição de alimentos da AF para a alimentação escolar, além das possíveis dificuldades nesse processo, utilizando variáveis relacionadas com governança e gestão, estabilidade e disponibilidade de alimentos. Dos municípios avaliados, mais de 50% adquiriram alimentos da AF no ano anterior e afirmaram a compra no ano atual. Todos relataram empregar o modelo de gestão centralizada, 29% declararam aquisição menor que 30%, 9,7%, aquisição acima de 30%, e 61,3% não souberam informar. Quanto às principais dificuldades relacionadas com governança e gestão, a articulação intersetorial e o edital de chamada pública ganharam destaque. Sobre a estabilidade de alimentos, destacaram-se as condições higienicossanitárias necessárias, e em relação à disponibilidade de alimentos, a aquisição de alimentos orgânicos mostrou-se como uma dificuldade elencada por 80,6% dos municípios.

PALAVRAS-CHAVES
Alimentação escolar; Agricultura familiar; Segurança alimentar e nutricional

ABSTRACT

The objective was to characterize the scenario of acquisition of food from Family Farming (AF) for the National School Feeding Program (PNAE) in the municipalities of Rio Grande do Norte. An evaluative research with an ecological design, using data from the Collaborating Center for School Food and Nutrition of the Federal University of Rio Grande do Norte in 2017 and 2018. 31 municipalities were evaluated, analyzing the percentage of food purchases from AF for school meals, in addition to of the possible difficulties in this process, using variables related to governance and management, stability and availability of food. Of the evaluated municipalities, more than 50% purchased food from the AF in the previous year and confirmed the purchase in the current year. All reported using the centralized management model, 29% declared acquisition less than 30%, 9.7%, acquisition above 30%, and 61.3% were unable to inform. As for the main difficulties related to governance and management, intersectorial articulation and the public call notice were highlighted. Regarding food stability, the necessary hygienic-sanitary conditions were highlighted, and in relation to food availability, the purchase of organic food was shown to be a difficulty listed by 80.6% of the municipalities.

KEYWORDS
School feeding; Family farming; Food and nutrition security

Introdução

De acordo com a Lei nº 11.346/2006, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), a alimentação adequada é um direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) da população11 Brasil. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União. 18 Set 2006..

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Ministério da Educação (MEC), e consiste na mais antiga e abrangente política brasileira na área de alimentação escolar e de SAN, sendo considerada uma das maiores do mundo relacionada com o atendimento universal aos escolares e de garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) se estendendo a todos os alunos matriculados na educação básica da rede pública e filantrópica de ensino no Brasil22 Saraiva EB, Silva APFD, Sousa AAD, et al. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Ciênc. Saúde Colet. 2013; (18):927-935.,33 Brasil. Ministério da Educação, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Programas (FNDE). Cartilha Nacional de Alimentação Escolar. 2014. [fev. 22]. [acesso em 2020 maio 4]. Disponível em: https://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/960.pdf.
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Ainda de acordo com a Lei nº 11.346/2006, a SAN consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Nessa perspectiva, a criação do PNAE engloba-se como um dos maiores marcos na garantia da SAN de escolares no País11 Brasil. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União. 18 Set 2006.,22 Saraiva EB, Silva APFD, Sousa AAD, et al. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Ciênc. Saúde Colet. 2013; (18):927-935..

O apoio ao desenvolvimento sustentável é uma das diretrizes do PNAE, mediante o incentivo à aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e, preferencialmente, pelo pequeno agricultor e por empreendedores familiares rurais, priorizando as comunidades tradicionais indígenas, remanescentes de quilombolas e assentamentos de reforma agrária. Nesse sentido, a partir da Lei nº 11. 947/2009, foi declarada a obrigatoriedade de que, no mínimo, 30% dos recursos repassados pelo FNDE sejam investidos na compra de gêneros alimentícios provenientes diretamente da Agricultura Familiar (AF) e suas organizações33 Brasil. Ministério da Educação, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Programas (FNDE). Cartilha Nacional de Alimentação Escolar. 2014. [fev. 22]. [acesso em 2020 maio 4]. Disponível em: https://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/960.pdf.
https://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox...
,44 A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O estado da segurança alimentar e nutricional no Brasil: Um retrato multidimensional, relatório 2014. Quebec: FAO; 2015. [acesso em 2020 maio 4]. Disponível em: http://www.fao.org.br/download/SOFI_p.pdf.
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A inclusão da AF como parte do PNAE aumenta a oferta de alimentos in natura, produzidos localmente, promovendo uma alimentação mais saudável e sustentável. Ao mesmo tempo que agrega benefícios aos escolares, a compra de alimentos de pequenos produtores locais viabiliza a valorização da AF, o resgate de hábitos alimentares locais, as políticas de produção de alimentos e as políticas de educação e proteção ambiental55 Garcia JRN. O programa Nacional de Alimentação Escolar como promotor do desenvolvimento rural sustentável e da segurança alimentar e nutricional em Marechal Cândido Rondon – PR. [dissertação]. Curitiba: Universidade Estadual do Oeste do Paraná; 2016..

Com o objetivo de auxiliar a implantação do PNAE e a consolidação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) no ambiente escolar, mediante a qualificação da gestão e do controle social do PNAE, o FNDE, baseado na Portaria Interministerial nº 1.010, de 2006, firmou parcerias com Instituições Federais de Ensino Superior para a criação dos Centros Colaboradores em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane), que têm como competência levar apoio a gestão, desenvolver projetos e pesquisas, bem como ofertar ações de formação, controle e avaliação do PNAE66 Scarparo ALS, Capalonga R, Oliveira LDD, et al. Ações de formação e assessoria realizadas pelo CECANE UFRGS, no estado do Rio Grande do Sul, entre 2007 e 2014. Anais do 5º Simpósio de Segurança Alimentar; 2015 jun 26-29: Bento Gonçalves. Bento Gonçalves: SBCTA-RS; 2015. p. 1-5.

A execução do PNAE no âmbito da AF é um dos eixos do programa de mais difícil avaliação, haja vista o escasso número de estudos que buscam analisar como se dá o processo de aquisição desses alimentos22 Saraiva EB, Silva APFD, Sousa AAD, et al. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Ciênc. Saúde Colet. 2013; (18):927-935..

A obrigatoriedade do percentual de compra de alimentos advindos da AF para o PNAE, bem como a elaboração do marco legal, na análise de Siqueira et al.77 Siqueira RLD, Cotta RMM, Ribeiro RDCL, et al. Análise da incorporação da perspectiva do Direito Humano à Alimentação Adequada no desenho institucional do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(1):301-310.(3) é um avanço e um “instrumento importante para a implementação da estratégia nacional ao DHAA”, porém, somente a criação de um expediente legal não garante o seu cumprimento nem a sua eficácia.

O fato de este ser um programa de larga abrangência em que as adequações às normas ocorrem de formas distintas e condicionadas a questões de natureza política, econômica e social locais, pode haver dificuldades em sua execução enquanto promotor do DHAA, comprometendo a SAN dos estudantes pretendida pela política77 Siqueira RLD, Cotta RMM, Ribeiro RDCL, et al. Análise da incorporação da perspectiva do Direito Humano à Alimentação Adequada no desenho institucional do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(1):301-310..

Diante do cenário exposto, considerando a importância do conhecimento do real panorama de aquisição de alimentos provenientes da AF para o PNAE nos municípios do Rio Grande do Norte (RN), o objetivo do presente estudo foi caracterizar o cenário da aquisição desses alimentos nos municípios do RN acompanhados pelo Cecane vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) nos anos de 2017 e 2018, bem como identificar as possíveis fragilidades envolvidas nesse processo.

Material e métodos

Trata-se de uma pesquisa avaliativa com delineamento ecológico, com informações analisadas segundo dados secundários extraídos do Cecane/UFRN dos anos de 2017 e 2018, de acordo com a fundamentação de modelo teórico exposta na figura 1.

Figura 1
Fluxograma de modelo teórico

A unidade de análise foi composta por todos os municípios que receberam o monitoramento e consultoria do Cecane/UFRN nos anos de 2017 e 2018, um total de 31 municípios, sendo: Alexandria, Vila Flor, Baraúna, João Câmara, São Gonçalo do Amarante, Touros, São José do Campestre, Serra Negra do Norte, Natal, Cruzeta, Serrinha, Caiçara do Norte, Parnamirim, Jundiá, Tibal do Sul, São João do Sabugi, Extremoz, Florânia, Tentente Laurentino Cruz, Timbaúba dos Batistas, Rio do Fogo, Cerro-Corá, Caicó, Goianinha, Paraú, Caiçara do Rio do Vento, Pilões, Barcelona, Pedra Grande, Galinhos e Água Nova. A coleta foi realizada mediante o banco de dados do Cecane/UFRN referente ao exercício das assessorias e monitoramento da execução do PNAE nos respectivos anos.

A seleção dos municípios que receberão as assessorias e o monitoramento do Cecane é realizada anualmente pela gestão nacional do programa seguindo critérios relativos a dados dos sistemas de informações oficiais, prestações de contas não enviadas pelo Conselho de Alimentação Escolar (CAE), denuncias, reprogramação de saldo acima do valor permitido (30%), e a não aquisição de produtos da AF. As assessorias são realizadas por uma equipe previamente capacitada composta por nutricionista e contador, consistindo em uma primeira visita com duração de cinco dias, com direito à revisita. Durante a assessoria, é realizada uma avaliação diagnóstica mediante a aplicação de questionários padronizados pela gestão nacional do programa; e com base nos achados, são repassadas orientações técnicas a todos os atores envolvidos no programa, ou seja, a Entidade Executora (EE), gestores, nutricionistas, CAE e agricultores familiares.

Os questionários padronizados aplicados no ato da assessoria incluem categorias avaliativas tanto voltadas à gestão do PNAE como ao desenvolvimento das recomendações na execução do programa, questões como: tipo de gestão, utilização de recursos financeiros, processos licitatórios, formas de aquisição de alimentos, compras de alimentos da AF, dificuldades relativas a compras da AF, capacitação e assessoria por meio do Cecane, controle de qualidade de alimentos, atuação do CAE e responsabilidade técnica pelo programa.

O percentual de aquisição de alimentos diretamente da AF para o PNAE no período avaliado foi considerado variável desfecho, do tipo categórica nominal. A utilização dos recursos financeiros repassados anualmente pelo FNDE para a aquisição de gêneros alimentícios diretamente da AF e do empreendedor familiar rural ou suas organizações para a alimentação escolar foi classificada em: abaixo do recomendado (0 a 29,99%), e igual ou acima do recomendado (30% ou mais). Os principais obstáculos relacionados com a compra de produtos da AF para o PNAE, segundo os itens trazidos pelo questionário avaliativo aplicado no ato da assessoria e monitoramento, foram elencados como variáveis independentes do tipo categórica nominal. Esses obstáculos foram selecionados e agrupados em três eixos por conterem informações afins: o primeiro eixo englobando demandas relacionadas com governança e gestão do programa; o segundo com demandas ligadas à estabilidade no fornecimento; e a terceiro sobre a disponibilidade dos alimentos. Os dados foram analisados utilizando os softwares Microsoft Excel® 2013 e SPSS v22.0.

O trabalho em questão foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes (CEP-HUOL), como parte de um projeto de pesquisa intitulado ‘O PNAE na perspectiva da Segurança Alimentar e Nutricional no ambiente escolar do Rio Grande do Norte’, tendo como parecer o número 3.640.100.

Resultados

Dos 31 municípios assessorados pelo Cecane, 100% declararam executar o PNAE por meio do Modelo de Gestão Centralizada, ou seja, o repasse financeiro é direcionado do FNDE para a EE e esta faz a aquisição e a distribuição dos gêneros alimentícios as escolas.

Dos municípios analisados, mais de 50% dos entrevistados referiram ter adquirido alimentos da AF no ano anterior e afirmaram comprar no período em questão. No entanto, 29% declararam aquisição menor que 30%, 9,7% referiram aquisição acima de 30% e 61,3% não souberam informar o percentual de aquisição de gêneros da AF para o PNAE. Dentre as possíveis fragilidades relacionadas com essa aquisição, podem-se destacar as demandas relacionadas a governança e gestão envolvidas na compra e venda desses gêneros.

Observa-se que a emissão de documentos fiscais por parte dos fornecedores (90,3%), o valor de fornecimento (93,5%) e a elaboração do projeto de venda (90,3%) não foram considerados fragilidades relacionadas com o percentual de aquisição; por outro lado, a articulação intersetorial (61,3%) e o edital de Chamada Pública (51,6%) foram elencados como dificultadores nesse processo (tabela 1).

Tabela 1
Aspectos relacionados com governança e gestão envolvidos na compra e venda de gêneros oriundos da agricultura familiar para o PNAE (n=31)

No que concerne à Chamada Pública, 43% dos entrevistados não souberam informar o local de publicação da desta, 24,39% relataram publicar em Diário Oficial, 12,2%, em Jornal de grande circulação, e 20,4%, em outros meios de comunicação. Vale salientar que o mesmo município pode utilizar mais de um meio de comunicação para realizar essa publicação.

O total de 67,7% dos gestores municipais não teve dificuldade em relação à pesquisa e estabelecimento de preço para o fornecimento, e no que tange ao conhecimento da produção local, 22,6% relataram ter essa dificuldade no acesso, embora outros 38,7% não souberam opinar sobre este ponto.

No que se refere à origem do fornecimento, 29% não souberam informá-la e 67,7% relataram aquisição diretamente de produtores individuais organizados em grupos informais.

Ainda referente às possíveis fragilidades ante o percentual de aquisição, demandas relacionadas com estabilidade no fornecimento demonstram que o fornecimento regular desses alimentos não foi considerado uma dificuldade (74,2%). Do total dos municípios avaliados, foi verificado que 41,9% apresentaram dificuldades quanto às condições higienicossanitárias (tabela 2).

Tabela 2
Estabilidade no fornecimento de alimentos oriundos da agricultura familiar para o PNAE (n=31)

No que concerne à disponibilidade de alimentos oriundos da AF para o PNAE, outro ponto destacado é a elaboração do cardápio de acordo com a produção local: tendo em vista que, durante o ano, o processo produtivo perpassa por fatores condicionados à sazonalidade de cultivo e colheita, 83,9% dos entrevistados relataram não ter dificuldades nesse aspecto. Ainda sobre a disponibilidade de alimentos, 80,6% dos municípios referiram ter dificuldade na aquisição de alimentos orgânicos e/ou agroecológicos por meio da AF para o PNAE (tabela 3).

Tabela 3
Disponibilidade de alimentos oriundos da agricultura familiar para o PNAE (n=31)

Discussão

A compra de alimentos da AF para o PNAE em RN, nos anos de 2017 a 2018, foi insuficiente; apesar de a maioria dos municípios terem realizado a compra, o seu percentual foi inferior ao recomendado. Em justificativa a essa baixa aquisição, os municípios elencaram a falta de articulação intersetorial como uma das dificuldades, ou seja, a falta de interação nos diversos setores envolvidos no processo de compra e venda pode prejudicar esse processo. Além disso, a elaboração da Chamada Pública também foi considerada um dificultador, uma vez que é por meio dela que todas as exigências e recomendações para a aquisição são estabelecidas. Outro fator elencado como fragilidade foi a aquisição de alimentos orgânicos e/ou agroecológicos, em que a maioria dos municípios estudados relataram não adquirir, levando a crer que, embora os alimentos sejam produzidos em âmbito local e por meio da AF, o uso de defensivos agrícolas ainda seja prevalente no processo de cultivo.

Em relação ao estado do RN, Santos88 Santos IDG. Cenário da aquisição de alimentos da agricultura familiar na alimentação escolar do Rio Grande do Norte. [monografia]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2017., ao analisar 7 dos 16 municípios assessorados pelo Cecane/UFRN no ano de 2017, observou que apenas 3 municípios relataram ter adquirido gêneros da AF para o PNAE no exercício anterior, porém com o percentual abaixo de 30%. No que concerne ao exercício atual, os 7 municípios avaliados não estavam fazendo essa aquisição.

Dessa forma, atender às normativas referentes à aquisição de, no mínimo 30%, dos recursos repassados pelo FNDE de alimentos oriundos da AF para o PNAE, conforme preconiza a Lei nº 11.947/09, tem-se mostrado uma dificuldade, sobretudo pela escassez de políticas de valorização e incentivo à AF88 Santos IDG. Cenário da aquisição de alimentos da agricultura familiar na alimentação escolar do Rio Grande do Norte. [monografia]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2017.. Entretanto, é importante destacar que a inserção da AF como parte do PNAE, o incentivo a práticas alimentares saudáveis, priorizando alimentos in natura e regionais, ganharam maior espaço, colocando em ênfase a importância da soberania alimentar, isto é, a valorização da cultura alimentar local e impactando na SAN99 Castro IRR. A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a agenda de alimentação e nutrição. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(2)..

Os resultados do presente estudo são similares aos encontrados por Silva et al.1010 Soares P, Davó-Blanes MC, Martinelli SS, et al. The effect of new purchase criteria on food procurement for the Brazilian school feeding program. Appetite. 2017; (108):288-294., que, ao avaliar dois municípios do estado de Minas Gerias quanto à compra de alimentos da AF para o PNAE, observaram que, até o final de 2016 as recomendações para essa aquisição não eram cumpridas, ou seja, a aquisição era inferior a 30% dos recursos enviados pelo FNDE.

Essa dificuldade também foi evidenciada por Villar et al.1111 Silva SS, Alvers Júnior A, Freitas AF. A interface entre alimentação escolar e agricultura familiar em Jampruca e Mathias Lobato, Minas Gerais (Brasil). Rev Espacios. 2017; 38(46)1-14., em que, dos 645 municípios do estado de São Paulo que foram avaliados, cerca de 50% não estavam em situação positiva em relação às compras da AF para o PNAE. Diante disso, é possível observar que o panorama de aquisição de alimentos da AF para o PNAE não é tido como dificuldade apenas no estado do RN, uma vez que, em inúmeros municípios do País, essa compra não atingiu o que preconiza a Lei nº 11.947/091212 Villar BS, Schwartzman F, Januario BL, et al. Situação dos municípios do estado de São Paulo com relação à compra direta de produtos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Rev Bras Epidemiol. 2013; 16(1):223-226..

No que concerne à aquisição de alimentos da AF para o PNAE, é possível observar que seguir a recomendação da Lei nº 11.947/09 não tem sido fácil, uma vez que a compra desses alimentos depende de inúmeros fatores, sendo eles internos e externos. Fatores relacionados com gestão e governança do programa podem impactar de forma direta na comercialização dos gêneros alimentícios por meio da AF. A principal fragilidade citada quanto à gestão do PNAE nos municípios avaliados foi a falta de articulação intersetorial na execução do programa, seguida dos trâmites relacionados com Chamada Pública, dado similar ao encontrado por Santos88 Santos IDG. Cenário da aquisição de alimentos da agricultura familiar na alimentação escolar do Rio Grande do Norte. [monografia]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2017. também em RN. É importante relatar, diante do contexto atual, o crescente enfraquecimento da governança e gestão das políticas públicas, incluindo as políticas de fortalecimento da SAN, tendo como exemplo a publicação da Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão consultivo que tinha como competência institucional apresentar proposições e exercer o controle social na formulação, execução e monitoramento das políticas de SAN99 Castro IRR. A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a agenda de alimentação e nutrição. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(2)..

A articulação dos atores envolvidos na gestão do PNAE é essencial para que todos os princípios e diretrizes sejam assegurados. Para isso, a boa estruturação e atuação dos CAE pode colaborar com a organização setorial, bem como garantir, por meio do controle social, que todos os atores possam contribuir para execução1313 Machado PMDO, Schmitz BDAS, González-Chica DA, et al. Compra de alimentos da agricultura familiar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): estudo transversal com o universo de municípios brasileiros. Ciênc. Saúde Colet. 2018; (23):4153-4164.. Todavia, além de um CAE atuante, a comunicação entre os setores internos e externos ao processo produtivo local, bem como da gestão municipal, pode colaborar para aquisição de alimentos da AF para o programa88 Santos IDG. Cenário da aquisição de alimentos da agricultura familiar na alimentação escolar do Rio Grande do Norte. [monografia]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2017.,1414 Azevedo L. A relação entre o PNAE e a agricultura familiar: virtudes e problemas de gestão. [monografia]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2014..

Uma desarticulação intersetorial pode interferir em todos os processos envolvidos na execução do PNAE, inclusive no processo de Chamada Pública, tendo em vista a necessidade de um planejamento conjunto nas diferentes fases de aquisição dos alimentos. Para que a Chamada Pública seja efetivada, necessita-se, previamente, do estabelecimento dos alimentos que compõem o cardápio pré--elaborado pelo(a) nutricionista, mediante as necessidades e especificidades locais. Nessa concepção, além do levantamento dos alimentos, necessita-se realizar a pesquisa de preço, a fim de definir o valor de aquisição desses alimentos por meio dos agricultores participantes. Todo o processo da Chamada Pública deve cumprir a orientação do FNDE, seguindo a Lei Federal nº 8.666/1993, que determina as normas referentes ao processo de licitações, e a Lei Federal nº 10.520/2002, que dispõe as exigências para a modalidade licitatória denominada Pregão1515 Aguiar AJ, Calil RM. Análise e avaliação das especificações dos alimentos contidas em editais de chamadas públicas do PNAE. Vigilân. Sanit. debate: Soc. Ciênc. Tec. 2016; 4(2):79-87.,1616 Brasil. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial União. 22 Jun 1993.,1717 Brasil. Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Diário Oficial União. 18 Jul 2002..

A elaboração do edital de Chamada Pública, mediante todos os processos envolvidos, é uma das demandas de gestão que podem tanto favorecer como, se não realizada conforme as recomendações legais, prejudicar o processo de aquisição dos alimentos da AF, uma vez que é uma etapa em que todas as exigências e orientações aos fornecedores são determinadas. Uma pesquisa em que foram analisados, via internet, 201 editais de Chamada Pública de alimentos para o PNAE nas diferentes regiões do País evidenciou que todas as regiões pesquisadas apresentaram editais em não conformidade com as recomendações, faltando informações básicas ao agricultor1515 Aguiar AJ, Calil RM. Análise e avaliação das especificações dos alimentos contidas em editais de chamadas públicas do PNAE. Vigilân. Sanit. debate: Soc. Ciênc. Tec. 2016; 4(2):79-87..

Esquerdo et al.1818 Esquerdo VFS, Bergamasco SMPP, Andrade FRP. Agricultura Familiar e o PNAE: A implantação da Lei 11.947/2009 nos Municípios do Circuito das Frutas--SP. Retratos de Assentamentos. 2013; 16(2):153-173., ao analisar os municípios do Circuito das Frutas/São Paulo, observaram que quando existe apoio por meio do município, em seus diversos setores, para a organização do processo produtivo e dos agricultores locais, tem-se um melhor resultado na participação destes nas chamadas públicas, uma vez que os agricultores não dispõem de informações necessárias, principalmente relacionados com demandas burocráticas.

Outro fator relacionado à gestão e governança que pode impactar na aquisição de alimentos da AF para o PNAE são os documentos fiscais necessários ao agricultor para que este possa se beneficiar do programa. Embora, na presente pesquisa, a maioria dos municípios avaliados tenham relatado que a elaboração dos documentos fiscais por parte dos agricultores não é uma dificuldade, estudos mostram que a elaboração do projeto de venda, emissão de nota fiscal, porte da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), bem como a burocracia envolvida, podem limitar a participação dos agricultores nas chamadas públicas, tendo em vista as exigências de cada um1818 Esquerdo VFS, Bergamasco SMPP, Andrade FRP. Agricultura Familiar e o PNAE: A implantação da Lei 11.947/2009 nos Municípios do Circuito das Frutas--SP. Retratos de Assentamentos. 2013; 16(2):153-173.,1919 Silva DD, Baccarin JG, Aleixo SS, et al. Os agentes sociais e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): a percepção dos agricultores familiares. In: Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: Aproximando agendas de agentes. 2013 abr. 23-25: Araraquara. Araraquara: Unesp; 2013. p. 1-18.,2020 Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saud Socied. 2010; (19):933-945..

Para que todo processo de fornecimento e aquisição aconteça, o primeiro passo a ser seguido é mapeamento e conhecimento da produção local, levantamento dos alimentos cultivados, informações acerca da sazonalidade, bem como mediar a articulação de todos os atores envolvidos nesse processo, ou seja, órgãos municipais de gestão e agricultores, a fim de planejar as ações o mais próximo possível da realidade local, assim como fomentar o consumo de alimentos regionais sustentáveis2121 Rossetti FX, Silva MV, Winnie LWY. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o desafio da aquisição de alimentos regionais e saudáveis. Seg Alim Nutr. 2016; (23):912-923.. Uma das principais dificuldades relacionadas com compra de alimentos da AF para o PNAE pelas EE é a ausência do mapeamento da produção agrícola local22 Saraiva EB, Silva APFD, Sousa AAD, et al. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Ciênc. Saúde Colet. 2013; (18):927-935.,2222 Marques AA, Fernandes MGM, Leite IN, et al. Reflexões de agricultores familiares sobre a dinâmica de fornecimento de seus produtos para a alimentação escolar: o caso de Araripe, Ceará. Saud Socied. 2014; (23)1329-1341..

Dessa forma, sem o devido conhecimento acerca da agricultura local, o cardápio e a Chamada Pública tendem a se afastar da realidade e gerar impacto na estabilidade do fornecimento de alimentos durante todo o ano letivo, que é um dos pontos destacados referentes à associação com o percentual de aquisição de alimentos da AF. Nessa perspectiva, mesmo estando a estabilidade do fornecimento como um desafio enfrentado pelos agricultores, a maioria dos municípios elencados no presente estudo não a considerou como um fator problema, fato que pode estar ligado à participação dos agricultores em grupos informais, aos quais os agricultores se aliam informalmente, sem uso de documento jurídico, unindo forças na produção para mantê-la regular e constante.

A organização dos agricultores, seja em grupos estruturados como associações e cooperativas ou até mesmo em grupos não formalizados, pode agregar maior poder de negociação, reduzir custos referentes à logística e aumentar o volume produtivo, uma vez que os agricultores organizados em grupos tendem a buscar a diversificação dos mercados, inclusive nos institucionais2323 Corrêa ES. Programa nacional de alimentação escolar: Um canal de comercialização da agricultura familiar em São Lourenço do Sul. [monografia]. São Lourenço do Sul: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2013.,2424 Carmo APCF. Fatores associados à venda da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) nos municípios do estado de São Paulo. [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2017..

Ainda relacionado com estabilidade do fornecimento, uma dificuldade elencada no estudo em questão é manter-se dentro dos padrões de qualidade exigidos pelo programa, tendo em vista que é necessário tanto o atendimento das questões sanitárias e às formalidades exigidas à sua comprovação como o registro de produtos e dos estabelecimentos nas instâncias responsáveis. Devido à série de medidas que poderiam onerar a produção e inviabilizá-la, essas exigências podem impossibilitar a formalização dos agricultores, bem como sua participação no programa2020 Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saud Socied. 2010; (19):933-945..

O atendimento à legislação sanitária e a necessidade de certificação de alguns alimentos apresentam-se como medidas de controle e de aperfeiçoamento do processo produtivo, visando a um padrão de qualidade efetivo e à minimização dos possíveis riscos envolvidos, fazendo parte da garantia da SAN aos escolares. Uma forma de reduzir as dificuldades relacionadas com o atendimento dessas recomendações e viabilizar ainda mais a participação dos agricultores no programa é, novamente, a participação ativa dos atores sociais envolvidos, ou seja, disseminar a informação e torná-la mais acessível, assim como facilitar a comunicação com órgãos e profissionais que possam orientar o processo88 Santos IDG. Cenário da aquisição de alimentos da agricultura familiar na alimentação escolar do Rio Grande do Norte. [monografia]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2017.,2020 Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saud Socied. 2010; (19):933-945..

Quando se fala em AF, é importante destacar o espaço que ganha a produção orgânica e a agroecológica, tendo em vista a possibilidade, por meio da AF, de fomento a esse tipo de agricultura, bem como incentivar a sua produção e o consumo. Atualmente, o Brasil lidera a escala mundial de consumo de agrotóxicos, com um mercado global caracterizado por um oligopólio com alto grau de concentração, ou seja, poucas empresas detêm o controle desse mercado. Nesse sentido, observa-se que, mesmo diante de políticas que fomentam a AF, abrindo espaço para a produção orgânica e/ ou agroecológica, como o PNAE e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a disponibilidade desses alimentos ainda se mostra limitada diante da atual realidade do processo produtivo interno do País2525 Silva AT, Silva ST. Panorama da agricultura orgânica no Brasil. Seg. Aliment. Nutri. 2016; (23)1031-1040..

Ainda segundo Silva et al.2525 Silva AT, Silva ST. Panorama da agricultura orgânica no Brasil. Seg. Aliment. Nutri. 2016; (23)1031-1040., o cenário atual relacionado com a utilização de agrotóxicos no Brasil já é algo muito preocupante, tanto do ponto de vista de saúde pública quanto ambiental, devendo ser levados em conta todos os riscos associados à monocultura químico--dependente. Perante isso, o mercado brasileiro de alimentos orgânicos pode, e deve, ser desenvolvido amplamente, articulando os setores envolvidos, de modo a favorecer sua ascensão, visto que o fomento dessa atividade tende a contribuir para a inserção dos agricultores no mercado interno, bem como impactar significativamente na garantia do DHAA e SAN no Brasil.

A disponibilidade de alimentos orgânicos e/ou agroecológicos, assim como sua aquisição pelo PNAE, tem se mostrado uma tarefa difícil. Na presente pesquisa, mais de 80% dos municípios avaliados relataram ter dificuldade quanto a essa aquisição, cenário similar ao encontrado por Silva et al.2626 Silva APF, Sousa AA. Alimentos orgânicos da agricultura familiar no Programa Nacional de alimentação Escolar do Estado de Santa Catarina, Brasil. Rev. Nutr. 2013; 26(6):701-714. em Santa Catarina, em que foi observada uma baixa aquisição desses alimentos na maioria dos municípios pesquisados.

Santos et al.2727 Santos F, Fernandes PF, Rockett FC, et al. Avaliação da inserção de alimentos orgânicos provenientes da agricultura familiar na alimentação escolar, em municípios dos territórios rurais do Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(5):1429-1436., ao avaliar municípios do Rio Grande do Sul, observaram um baixo número de municípios que compravam produtos orgânicos provenientes da AF, como também Soares et al.1010 Soares P, Davó-Blanes MC, Martinelli SS, et al. The effect of new purchase criteria on food procurement for the Brazilian school feeding program. Appetite. 2017; (108):288-294. que, ao estudar um município de Santa Catarina, notaram que apesar de ter aumentado a compra de alimentos saudáveis para o PNAE, este não realizou a compra de alimentos orgânicos.

É importante relatar a necessidade do conhecimento a respeito dos alimentos produzidos de maneira orgânica e todo o contexto envolvido nesse tema, uma vez que os orgânicos e os agroecológicos, por não conterem fertilizantes nem terem sofrido modificações genéticas, comportam uma grande responsabilidade social e ambiental. Nesse contexto, além de se tratar de alimentos considerados saudáveis, seguros do ponto de vista ambiental e nutricional, são produzidos considerando o uso saudável e responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais colaborando para o desenvolvimento sustentável2525 Silva AT, Silva ST. Panorama da agricultura orgânica no Brasil. Seg. Aliment. Nutri. 2016; (23)1031-1040..

Valer-se de programas como o PNAE, que defende a alimentação adequada e saudável, incentiva a produção agrícola local e valoriza o pequeno agricultor, sobretudo após a Lei nº 11.947/09, é crucial que a produção orgânica e agroecológica ocupe espaços cada vez mais amplos, gerando impactos não só na economia local, mas também na saúde e na qualidade de vida dos escolares beneficiários do PNAE2626 Silva APF, Sousa AA. Alimentos orgânicos da agricultura familiar no Programa Nacional de alimentação Escolar do Estado de Santa Catarina, Brasil. Rev. Nutr. 2013; 26(6):701-714..

Nessa concepção, diante de tudo o que foi levantando, é possível observar as inúmeras fragilidades envolvidas no processo de compra e venda de alimentos diretamente da AF para o PNAE não apenas em RN, mas também em todo País, fato que necessita de um olhar mais ampliado para essa política pública e sua execução em nível municipal. Para todos os pontos levantados, menciona-se a articulação dos diversos setores envolvidos como um ponto--chave existente no processo de execução que pode fazer grande diferença; estes incluem os órgãos governamentais, profissionais, agricultores e escolares, a fim de tornar a alimentação ofertada pelo PNAE o mais regional possível88 Santos IDG. Cenário da aquisição de alimentos da agricultura familiar na alimentação escolar do Rio Grande do Norte. [monografia]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2017..

Assim sendo, os cardápios elaborados conforme a produção agrícola local, valorizando os alimentos típicos, respeitando a sazonalidade e os valores culturais vinculados ao alimento, abrindo espaço e mercado para a produção de alimentos orgânicos e/ou agroecológicos, não só gerariam um impacto imensurável na execução do PNAE, como também aproximariam sua execução a todos os princípios e diretrizes pregadas por ele. É importante destacar que a Resolução nº 6/2020, que entrará em vigor a partir de 2021, traz que pelo menos 75% dos recursos devem ser destinados à aquisição de alimentos in natura ou minimamente processados, restringe a, no máximo, 20% a aquisição de alimentos processados e ultraprocessados, abrindo ainda mais espaço para o cumprimento dos objetivos do PNAE2828 Brasil. Ministério da Educação, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Resolução nº 06, de 08 de maio de 2020. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Diário Oficial da União. 8 Maio 2020..

Diante de todos os assuntos levantados, é importante mencionar as limitações e as lacunas presentes no estudo em questão, sendo uma delas a ausência do estabelecimento de critérios para os entrevistadores e entrevistados, bem como a ausência de clareza de algumas questões presentes no instrumento avaliativo, fatores que podem gerar vieses nas respostas e, com isso, camuflar as fragilidades existentes no processo de compra e venda de alimentos da AF para o PNAE.

Assim como as fraquezas, as fortalezas do estudo também merecem destaque. O Cecane posto em evidência ante o controle social do PNAE é algo que necessita ser mais explorado, tendo em vista a grande importância desses Centros para a adequada execução do PNAE, o cumprimento de seus objetivos, princípios e suas diretrizes. Além disso, o presente estudo explanou como o PNAE em RN vem se comportando no que se refere à compra de alimentos da AF, cenário importante para diagnóstico local, bem como laboração de ações para melhorar a execução do programa.

Conclusões

Conforme os resultados obtidos no estudo em questão, observou-se que a aquisição de alimentos da AF para o PNAE nos municípios de RN avaliados nos anos de 2017 e 2018 foi insuficiente, e, diante isso, diversas são as dificuldades que podem estar envolvidas nesse processo. Entre todos os fatores avaliados, a falta de articulação dos diversos setores envolvidos no processo, bem como a elaboração do processo de Chamada Pública, a manutenção dentro das exigências higienicossanitárias e a compra de alimentos orgânicos e/ou agroecológicos para a alimentação escolar mostraram-se como principais no que se refere à insuficiência na aquisição.

Diante desse cenário, é importante mencionar que esses problemas podem ser solucionados com medidas de articulação e planejamento conjunto, envolvendo órgãos legais, agricultores, CAE e demais setores necessários a essa construção, uma vez que a aproximação da AF à alimentação escolar traz inúmeros benefícios sociais.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2020
  • Aceito
    13 Jul 2021
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