Toxicologia crítica aplicada aos agrotóxicos – perspectivas em defesa da vida

Critical toxicology applied to pesticides – perspectives in the defense for life

Karen Friedrich Aline do Monte Gurgel Marcia Sarpa Cheila Nataly Galindo Bedor Marília Teixeira de Siqueira Idê Gomes Dantas Gurgel Lia Giraldo da Silva Augusto Sobre os autores

RESUMO

A toxicologia é aplicada aos processos regulatórios tendo como base central a linearidade das relações entre a dose e o efeito e a possibilidade de estabelecer condições de exposição seguras. Isso ocorre apesar das limitações apontadas pela literatura cientifica. A concepção, a definição das metodologias e a condução da avaliação de risco dos agrotóxicos acabam por atender aos interesses econômicos e à definição de cenários de segurança distantes da realidade. As limitações metodológicas dos estudos exigidos para fins de registro de um agrotóxico envolvem: a desconsideração das interações entre as misturas utilizadas; a não previsão de curvas dose-resposta não lineares (horméticas); a compartimentalização dos desfechos analisados; a exposição nos períodos críticos do desenvolvimento; e a desconsideração do contexto, das diversidades individuais, coletivas e dos territórios expostos aos agrotóxicos, entre outros aspectos discutido nesse ensaio. A toxicologia crítica propõe que a avaliação toxicológica parta da integralidade do problema no contexto apresentando propostas que podem ser adotadas nos processos de regulação de agrotóxicos e outras substâncias potencialmente perigosas.

PALAVRAS-CHAVES
Medição de risco; Toxicologia; Agroquímicos; Marcos regulatórios

ABSTRACT

Toxicology is applied to regulatory processes based on the linear basis of the relationship between dose and effect and the possibility of establishing safe exposure conditions. This occurs despite the limitations pointed out by the scientific literature. The conception, definition of methodologies, and the conduct of risk assessment of pesticides ends up meeting economic interests and the definition of security scenarios that are far from reality. The methodological limitations of the studies required for the purpose of registering a pesticide involve: disregarding the interactions between the mixtures used; the failure to predict non-linear dose-response curves (hormetical); compartmentalization of the analyzed outcomes; exposure in critical periods of development; and disregarding of the context, individual and collective diversity and the territories exposed to pesticides, among other aspects discussed in this essay. Critical toxicology proposes that the toxicological assessment should start from the integrality of the problem in the context, presenting proposals that can be adopted in the regulation processes of pesticides and other potentially dangerous substances.

KEYWORDS
Risk assessment; Toxicology; Agrochemicals; Regulatory frameworks

Por que se faz necessária uma toxicologia crítica?

Realizar uma avaliação epistêmica e ontológica da toxicologia como disciplina emerge como uma necessidade por esta ser apropriada em favor da tolerância com as contaminações ambientais e as exposições a produtos nocivos à saúde. Também é relevante tratar como os interesses do mercado se imiscuem no Estado e influenciam a produção técnico-científica, minimizando ou ocultando os perigos e riscos das exposições.

Parte-se do entendimento de que abordagens teóricas e práticas críticas podem reduzir as nocividades para a saúde e o ambiente diante da exposição a agentes químicos como os agrotóxicos. Uma perspectiva crítica aponta também caminhos para o campo da saúde coletiva, contribuindo assim para a promoção da saúde, a justiça socioambiental, a soberania e a segurança alimentar e nutricional e os territórios sustentáveis. Pode auxiliar na construção de novos modelos compreensivos e de atuação perante as nocividades do modo produtivo da agricultura químico-dependente.

Tomando a complexidade da saúde, própria da saúde coletiva, como ponto de partida para uma revisão crítica da toxicologia, no seu modo positivista dominante, busca-se, inicialmente, analisar as implicações do biopoder nos processos regulatórios dos agrotóxicos. Integrar os contextos de vulnerabilidade e suas interações nos sistemas e processos biológicos é fundamental para proteger o fazer científico dos interesses que promovem a manipulação da ciência e assim construir as bases para o desenvolvimento de uma toxicologia crítica, a partir da saúde coletiva.

A recente flexibilização das legislações trabalhistas, previdenciárias e ambientais, incluindo todo o arcabouço que regula o registro e uso de agrotóxicos no Brasil, coloca a urgência da abordagem crítica da toxicologia. Busca-se uma profunda revisão das premissas basilares que permitem que a toxicologia seja utilizada para a flexibilização das normativas, tornando-as menos protetoras para a saúde humana e o ambiente, e mantenedoras de desigualdades e vulnerabilidades.

Biopoder, biopolítica e a complexidade do processo saúde-doença

A compreensão das práticas sociais voltadas à gestão e regulação dos processos vitais humanos e das práticas políticas contemporâneas pode ser realizada mediante o conceito de biopoder, haja vista os saberes construídos em favor de interesses conflitantes. Biopoder é entendido como um conjunto de mecanismos e processos em que as características biológicas fundamentais da espécie humana passam a ser tratadas em uma estratégia política de poder sobre a vida11 Furtado RN, Camilo JAO. O Conceito de Biopoder no Pensamento de Michel Foucault. Rev Subjetividades. 2017 [acesso em 2020 set 15]; 16(3):34. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rs/v16n3/03.pdf.
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,22 Foucault M. The Politics of Trust. Semiotext(e), editor. Los Angeles: Semiotext(e); 2007.
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Sabe-se que diversos campos de conhecimento vêm sendo utilizados como instrumentalizadores do biopoder, como estatística, epidemiologia, toxicologia, engenharia genética, entre outros, contribuindo para maior controle da população, sendo sustentados por uma forma empirista dominante de produzir conhecimento. Isso dificulta o diálogo com outros campos do conhecimento, ao mesmo tempo que não se debruçam sobre os contextos reais com toda a sua complexidade.

Algumas características fundamentais do modo positivista do conhecimento merecem destaque, tais como: i) a exclusão e a separação do sujeito perante o objeto de estudo, levando à crença de que a ciência é neutra; ii) a fragmentação do todo em partes, com exclusão das interações, levando à inversão de complexidade, submetendo a compreensão do mais geral (o todo) a uma simples análise de componentes sem conexão33 Samaja J. Epistemología de la salud: reprodución social, subjetividad y transdisciplina. 2. ed. Buenos Aires: Lugar Editorial; 2009. ou apenas justapostos; iii) o uso do positivismo científico voltado à criação de uma ‘ciência oficial’ subordinada ao biopoder, em que a seleção dos instrumentos e procedimentos se impõem à sociedade, sem a devida crítica, dificultando as ações de proteção da saúde e de resistência às nocividades geradas nos processos de produção e consumo22 Foucault M. The Politics of Trust. Semiotext(e), editor. Los Angeles: Semiotext(e); 2007.; e iv) os limites do conhecimento frequentemente são ocultados e os resultados obtidos em processos de validação internos do método de investigação são estabelecidos como verdades para o todo.

Em oposição, uma atitude crítica permite identificar os limites do conhecimento científico, apontando a necessária autonomia do Estado e da Academia, salvaguardando direitos fundamentais e evitando a ocultação dos danos e a opressão das estruturas de biopoder22 Foucault M. The Politics of Trust. Semiotext(e), editor. Los Angeles: Semiotext(e); 2007..

A interferência no Estado representa uma estratégia fundamental para a consolidação de práticas de biopoder voltadas para atender aos interesses do capital financeiro, e a manipulação da ciência permite essas aproximações e justifica a adoção de medidas que, não raro, resultam em danos à saúde e ao ambiente. Marques44 Marques L. Capitalismo e colapso ambiental. 3. ed. São Paulo: Ed. Unicamp; 2018.(506) aponta que os Estados foram tomados pelos interesses das corporações capitalistas por não terem poder para impor as regras do jogo nem contrabalançar as “forças cegas do mercado”. Segundo o autor, “recai, assim, sobre os ombros da sociedade civil a tarefa imensa de confrontá-las”. É com base nessa constatação que se insere a necessidade de uma ciência crítica, que atue de forma ética na proteção da saúde.

A adoção de legislações protetivas, que postulem a proibição de agrotóxicos devido a efeitos graves como mutagênese, carcinogênese, desregulação endócrina, teratogênese e toxicidade reprodutiva, é conflitante com interesses gananciosos das indústrias. O biopoder se vale então de mecanismos diversos, desde atuar na definição de conceitos que lhe favoreçam, como criar critérios muito específicos para definir o que são desreguladores endócrinos55 Bars R, Fegert I, Gross M, et al. Risk assessment of endocrine active chemicals: Identifying chemicals of regulatory concern. Regul Tox. Pharm. 2012 [acesso em 2020 set 15]; 64(1):143-54.; pressionar a realização, interpretação e divulgação de estudos; até perseguir cientistas independentes que divulguem achados contrários a seus interesses66 McHenry LB. The Monsanto Papers: Poisoning the scientific well. Int J Risk Saf Med. 2018 [acesso em 2020 set 15]; 29(3-4):193-205..

Desvelar os fenômenos promotores de nocividades que se sustentam nos mecanismos de biopolítica e biopoder demanda compreender a complexidade do processo saúde-doença. A complexidade não é passível de simplificação, e surge onde a unidade produz emergências; as distinções e as clarezas de identidades e causalidades se perdem; as desordens e as incertezas perturbam os fenômenos; o sujeito-observador surpreende sua própria face no objeto observado; as antinomias vagam no curso do raciocínio77 Morin E. Introdução ao Pensamento Complexo. 5. ed. Porto Alegre: Ed. Sulina; 2015..

Os fenômenos da saúde são complexos, emergem em diferentes planos e possuem interfaces hierárquicas interdependentes, com grande quantidade e diversidade de informação. Esses planos contêm subsistemas em diferentes níveis de integração – microestrutural, microssistemas, subindividual, epidemiológico, ecossocial, econômico, político e simbólico – e estão subsumidos hierarquicamente, em que o mais complexo supera e conserva o de menor complexidade e o ressignifica33 Samaja J. Epistemología de la salud: reprodución social, subjetividad y transdisciplina. 2. ed. Buenos Aires: Lugar Editorial; 2009..

Essas ferramentas cognitivas permitem compreender as interações e as mediações existentes nos processos de determinação, como condicionantes econômicos, sociais, ambientais, políticos e culturais, considerando os diferenciais de vulnerabilidades, de suscetibilidades e de resiliências não contemplados nos efeitos observáveis em análises laboratoriais. Os fenômenos biológicos são vistos nos diferentes planos de interação, extrapolando a relação dose-resposta. Em situações complexas, predições não podem se basear em conhecimentos de um só ramo da ciência, sendo necessário o amplo entendimento da sua relação com a sociedade88 Garcia R. Sistemas complejos: conceptos, método y fundamentación epistemológica de la investigación interdisciplinaria. Barcelona: Gedisa; 2006..

Críticas ao modelo dominante: limitações da toxicologia clássica

A toxicologia estuda a interação entre os agentes químicos, biológicos e físicos com os organismos vivos e ecossistemas, incluindo a prevenção e o tratamento dos efeitos e danos resultantes, bem como a avaliação das probabilidades de sua ocorrência. Um de seus principais paradigmas é a crença na relação linear de dose-resposta, que sustenta que um efeito será mais expressivo quanto maior for a dose de exposição, permitindo calcular a dose ‘segura’ de exposição que não afetará a saúde humana, estabelecendo--se um ‘risco aceitável’. Essa tese baseia-se em imprecisões na tradução do texto original de Paracelsus (1492-1541), as quais subvertem seu sentido99 Deichmann WB, Henschler D, Holmstedt B, et. What is there that is not poison? A study of the Third Defense by Paracelsus. Arch Toxicol. 1986 [acesso em 2020 set 15]; 58(4):207-13.. O equívoco da premissa da existência de ‘limites seguros de exposição’ encontrou amparo na toxicologia e sustenta processos regulatórios, a partir da avaliação de risco1010 Friedrich K, Almeida VES. Agrotóxicos no Brasil, “risco aceitável” ou “risco forçado”? In: Souza MMO, Folgado CAR, organizadores. Agrotóxicos e agroecologia: enfrentamentos científicos, jurídicos, políticos e socioambientais. Anápolis: Ed. UEG; 2019. p. 187-202.. São estabelecidos assim “padrões negociados”, resultantes da incorporação-integração de limites de natureza não científica, mas de ordem tecnológica, econômica, social ou política1111 Pivetta F, Machado JM, Araújo UC, et al. Biological monitoring: concepts and applications in public health. Cad. Saúde Pública. 2001 [acesso em 2020 jul 26]; 17(3):545-54. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v17n3/4638.pdf.
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As metodologias adotadas e a condução da avaliação de risco atendem aos interesses do mercado, que propõe a existência de cenários supostamente seguros a partir de dados apresentados como seguros pelas indústrias, que podem ter origem em fontes não isentas ou selecionadas de forma tendenciosa, insuficientes para identificar potenciais danos1010 Friedrich K, Almeida VES. Agrotóxicos no Brasil, “risco aceitável” ou “risco forçado”? In: Souza MMO, Folgado CAR, organizadores. Agrotóxicos e agroecologia: enfrentamentos científicos, jurídicos, políticos e socioambientais. Anápolis: Ed. UEG; 2019. p. 187-202..

Um exemplo é o processo de reavaliação do glifosato, iniciado em 2008 e finalizado em 2019, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que decidiu pela sua manutenção no País1212 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 48, de 07 de julho de 2008. Diário Oficial da União. 7 Jul 2008. nº 129, seção 1; 2008. p. 10-3.,1313 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica no 23/2018/Sei/Creav /Gemar/Ggtox/Dire3/ Anvisa. Processo no 25351.056754/2013-17. Brasília, DF; 2019. [acesso em 2020 jul 26]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117833/Nota+técnica+23+de+2018+-+Glifosato/faac89d6--d8b6-4d8c-8460-90889819aaf7.
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. Há evidências de que estudos de pesquisadores independentes tiveram menor peso na tomada de decisão. A conclusão oficial de que o glifosato não apresenta características mutagênicas, teratogênicas e carcinogênicas, não é desregulador endócrino nem é tóxico para a reprodução se amparou nas conclusões apresentadas pela força-tarefa (task force) de reavaliação do glifosato. As força-tarefa são grupos formados pelas empresas registrantes para atuarem nas agências reguladoras nos processos regulatórios de seus produtos, e, no caso do glifosato, desconsideraram os estudos utilizados pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) que classificou esse agrotóxico como provável carcinógeno para humanos.

Contudo, ficou comprovado, mediante a divulgação judicial de documentos internos da Monsanto, uma das maiores produtoras de agrotóxicos formulados com glifosato, que a transnacional não avaliou adequadamente a toxicidade de seus produtos, ocultou estudos com resultados desfavoráveis à empresa, contratou ‘escritores fantasma’ (pesquisadores renomados que, embora não tenham participado dos estudos financiados pela indústria, assinaram sua autoria para conferir credibilidade às publicações), interferiu no processo de revisão por pares em artigos submetidos à periódicos científicos, influenciou na criação de um site pretensamente acadêmico para defender seus produtos e perseguiu instituições e pesquisadores independentes que publicaram estudos revelando a toxicidade do glifosato66 McHenry LB. The Monsanto Papers: Poisoning the scientific well. Int J Risk Saf Med. 2018 [acesso em 2020 set 15]; 29(3-4):193-205.,1414 Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Parecer Técnico sobre processo de reavaliação do ingrediente ativo de agrotóxico glifosato utilizado na agricultura e como produto domissanitário. 2019. [acesso em 2020 set 25]. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2019/06/Parecer-tecnico--glifosato-GTSA-26_06_2019-1.pdf.
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,1515 Krimsky S, Gillam C. Roundup litigation discovery documents: implications for public health and journal ethics. J Public Health Pol. 2018 [acesso em 2020 jul 26]; 39(3):318-26. Disponível em: https://doi.org/10.1057/s41271-018-0134-z.
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Essas ações diretas sobre o processo científico, alterando ou suprimindo descobertas científicas e distorcendo as conclusões para obtenção de vantagens, representam o “abuso político da ciência”1616 Mooney C. The Manufacture of Uncertainty. Am Prospect. 2008 [acesso em 2020 jul 12]; 19(4):1-2. Disponível em: http://prospect.org/article/manufacture--uncertainty.
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, frequentemente evidenciado no processo de regulação de substâncias perigosas. Busca-se assegurar que os processos de regulação de substâncias perigosas sejam considerados como sustentados por um pretenso rigor técnico e científico, neutro e sem vieses, mas que objetiva atender aos interesses do mercado1717 Gurgel AM. Neurotoxicidade dos agrotóxicos or-ganofosforados e regulação estatal: da indústria da dúvida científica à ocultação de perigo para a saúde humana. [tese]. [Recife]: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2017. 228 f..

Em países com instrumentos contratuais e de tutelas sociais mais frágeis, como o Brasil, onde a estrutura legal e a organização dos serviços de vigilância da saúde e de assistência social são bastante precárias, os níveis de educação são baixos e de desemprego são altos, criam-se condições para uma cultura de aceitação de perigos e riscos e de negociação de padrões de exposição, fortemente determinados pelo setor regulado, em que a influência dos trabalhadores, sindicatos e sociedade é praticamente inexistente1111 Pivetta F, Machado JM, Araújo UC, et al. Biological monitoring: concepts and applications in public health. Cad. Saúde Pública. 2001 [acesso em 2020 jul 26]; 17(3):545-54. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v17n3/4638.pdf.
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As estratégias de manipulação da toxicologia pela tecnociência, em particular na regulação sanitária, criam artifícios para aceitação dos perigos. A abordagem crítica anuncia meios de superação, a partir da saúde coletiva, cujos corolários apontam as interações, as mediações, os planos e as interfaces dos fenômenos, permitindo operar a toxicologia e dar-lhe consequência interpretativa para a proteção da saúde e da vida.

Avaliação de risco: definição e prática

A avaliação de risco é um procedimento para estimar a probabilidade de um agente em produzir efeitos adversos na população em determinadas condições de exposição, devendo agregar informações qualitativas e quantitativas, mas, principalmente, descrever as incertezas e as variabilidades do processo. Autores do principal livro texto da toxicologia na atualidade reconhecem que muitos usuários igualam a avaliação de risco a um processo quantitativo, produzindo um número excessivamente preciso da estimativa de risco, ao mesmo tempo que ignoram informações cruciais sobre as incertezas da avaliação de risco, modos de ação e os tipos de efeitos sobre as espécies ou os contextos1818 Faustman EM. Risk Assessment. In: Klaassen CD. Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. 9. ed. Kansas: McGraw-Hill Education; 2019. p. 127-55..

No Brasil, a Anvisa é o órgão responsável pelo processo de avaliação de risco para a saúde humana diante da exposição a agrotóxicos, cujo processo é feito a partir da análise dos resultados dos estudos realizados pelo registrante. Para isso, a Agência se vale da definição de limites seguros, da linearidade das curvas dose e efeito e da determinação dos ‘riscos aceitáveis’. Levando em conta fórmulas para extrapolação de doses testadas em condições controladas, são feitos os cálculos de probabilidade que estimam quem morre, quem adoece e o custo-benefício para os setores privados com a socialização dos danos1010 Friedrich K, Almeida VES. Agrotóxicos no Brasil, “risco aceitável” ou “risco forçado”? In: Souza MMO, Folgado CAR, organizadores. Agrotóxicos e agroecologia: enfrentamentos científicos, jurídicos, políticos e socioambientais. Anápolis: Ed. UEG; 2019. p. 187-202..

Contudo, a determinação do maior nível de dose a que, supostamente, uma pessoa pode se expor sem que sejam observados efeitos significativos contraria a perspectiva da adoção de medidas mais protetoras para a saúde e o ambiente. Para isso, seria necessário um esforço para eliminar ou reduzir ao máximo os níveis de exposição a substâncias tóxicas, partindo da menor dose1919 O’Brien M. Making Better Environmental Decisions: An Alternative to Risk Assessment by Mary. Cambridge: MIT Press; 2001.. O processo de avaliação de risco, permeado por variadas limitações, é dividido em quatro etapas: identificação do perigo, avaliação da exposição, avaliação dose-resposta e caracterização do risco, como visto na figura 1.

Figura 1
Etapas e conceitos da avaliação e principais limitações

Em uma perspectiva crítica, para proteger a saúde, a avaliação de risco deveria partir do conhecimento de como os produtos e processos produtivos, nos contextos socioambientais em que se inserem, podem representar perigos, diferenciais de vulnerabilidades, de exposição e de efeito. Deve incorporar dimensões temporais, espaciais, culturais, econômicas, éticas e políticas, que podem modificar a possibilidade de ocorrência de eventos negativos, como adoecimento, morte, sofrimentos e perdas materiais e simbólicas. Esses elementos devem estar integrados em planos hierárquicos, desde os níveis molecular, celular, clínico, epidemiológico, social, cultural, ambiental, nos quais estão envolvidas de forma interdependente a microestrutura biológica e as macroestruturas sociais, econômicas, culturais e políticas, orientando a tomada de decisão. É necessário superar os modelos de avaliação baseados na observação fragmentada e na quantificação isolada de eventos, representando meras abstrações probabilísticas medidas de forma a-histórica e fora do contexto em que efetivamente se dá a exposição.

Limitações metodológicas no processo regulatório

Limitação dos testes exigidos para avaliação toxicológica

A avaliação toxicológica voltada à regulação de diferentes produtos utiliza os resultados dos testes toxicológicos descritos em diretrizes internacionais, como as da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (quadro 1). As diretrizes são elaboradas por diferentes organismos internacionais e determinam os desenhos metodológicos dos testes que são apresentados pelo setor privado como exigência para terem seus produtos autorizados, em que os resultados dos estudos experimentais determinam a segurança humana e ambiental2020 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. OECD Guidelines for the Testing of Chemicals, Section 4: Health Effects. Paris: OECDi-Library; 2020. [acesso em 2020 set 25]. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/environment/oecd-guidelines-for-the-testing-of-chemicals-sec-tion-4-health-effects_20745788.
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Quadro 1
Relação das diretrizes da OCDE preconizadas para avaliação de efeitos sobre a saúde humana classificadas segundo tipo de teste de toxicidade

Entre as 70 diretrizes da OCDE vigentes, 15 são destinadas à classificação de efeitos agudos, subagudos, subcrônicos e crônicos, que não aprofundam a investigação de determinados desfechos, em especial de funções que não são alvo de diretrizes específicas, como desregulação hormonal, imuno, nefro, hepato e cardiotoxicidade.

Os estudos exigidos nas diretrizes internacionais e utilizados com fins regulatórios são pautados em ensaios experimentais in vivo (animais de laboratório), in vitro (culturas de células) ou in silico (modelos computacionais), e seus resultados sustentam a avaliação de risco. Os estudos independentes, em geral, não se restringem às metodologias propostas nessas diretrizes, que limitam a escolha do número de doses, de modelos e são reducionistas quanto aos desfechos observados. Assim, abordam outros aspectos relevantes, identificando repercussões sobre diferentes funções fisiológicas e investigando interações entre substâncias.

Embora os testes tenham metodologias padronizadas internacionalmente, a lista dos exigidos para fins de regulação pode diferir entre países. Aqueles que exigem menos testes são alvos preferenciais no mercado de produtos associados a danos à saúde e ao ambiente, e que não teriam seu registro aprovado em países mais rígidos quanto à segurança sanitária e ambiental. É facultado às agências reguladoras exigir a complementação dos estudos, mas, no Brasil, solicitações dessa natureza nem sempre são atendidas pelas empresas. Isso reitera a fragilidade do Estado diante de setores econômicos poderosos, muitas vezes organizados em grandes grupos como as forças-tarefa, recentemente observadas no País na reavaliação do glifosato e do 2,4-D1313 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica no 23/2018/Sei/Creav /Gemar/Ggtox/Dire3/ Anvisa. Processo no 25351.056754/2013-17. Brasília, DF; 2019. [acesso em 2020 jul 26]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117833/Nota+técnica+23+de+2018+-+Glifosato/faac89d6--d8b6-4d8c-8460-90889819aaf7.
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,2121 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Parecer técnico de reavaliação no 07, de 2015/GGTOX/Anvisa – 2,4-D. Brasília, DF; 2015. [acesso em 2020 jul 26]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2719308/Parecer+Técnico+de+Reavaliação+no+7-2015+-+GGTOX.pdf/055bdca1-a19d--4ee0-a50c-975e8ef43577.
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Desconsideração dos produtos formulados na avaliação do ingrediente ativo

Os agrotóxicos são formulados com substâncias que podem aumentar sua toxicidade, mas que raramente são apresentadas na bula, como outros ingredientes ativos, surfactantes, contaminantes e impurezas significativas do ponto de vista toxicológico, e que podem estar associados a graves danos à saúde ou ao ambiente. Estudos independentes e documentos internos da Monsanto revelaram que produtos formulados com glifosato demonstram ser mais tóxicos que o Ingrediente Ativo (IA) isolado, demandando novos debates sobre questões científicas e regulatórias66 McHenry LB. The Monsanto Papers: Poisoning the scientific well. Int J Risk Saf Med. 2018 [acesso em 2020 set 15]; 29(3-4):193-205.,1515 Krimsky S, Gillam C. Roundup litigation discovery documents: implications for public health and journal ethics. J Public Health Pol. 2018 [acesso em 2020 jul 26]; 39(3):318-26. Disponível em: https://doi.org/10.1057/s41271-018-0134-z.
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,2222 Myers JP, Antoniou MN, Blumberg B, et al. Concerns over use of glyphosate-based herbicides and risks associated with exposures: a consensus statement. Env. Health. 2016 [acesso em 2020 set 25]; (15):1-13. Disponível em: http://ehjournal.biomedcentral.com/ar-ticles/10.1186/s12940-016-0117-0.
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Embora os produtos formulados não passem por todos os testes toxicológicos aos quais os ingredientes ativos são submetidos2323 Gurgel AM, Búrigo AC, Friedrich K, et al. Agrotóxicos e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018., paradoxalmente, as pesquisas independentes que os testam e que apresentam resultados mais próximos da realidade de exposição têm menor peso na toxicologia regulatória, que centraliza a análise no IA.

Descaracterização dos contextos de exposição

A avaliação de risco adotada na prática para o registro de agrotóxicos, em geral, favorece os interesses do biopoder ao apresentar desenhos experimentais limitados e insuficientes para detectar toda a diversidade de danos à saúde que um agente químico pode causar nos reais cenários de exposição2424 Tweedale AC. The inadequacies of pre-market chemical risk assessment’s toxicity studies – the implications. J Appl Toxicol. 2017; 37(1):92-104.,2525 Myers JP, vom Saal FS, Akingbemi BT, et al. Why public health agencies cannot depend on good laboratory practices as a criterion for selecting data: The case of bisphenol A. Env. Health Perspect. 2009; 117(3):309-15..

Os estudos epidemiológicos seguem diretrizes éticas e metodológicas rígidas, inerentes às pesquisas envolvendo seres humanos. Na regulação de agrotóxicos, as agências reguladoras consideram majoritariamente na análise estudos realizados com populações comprovadamente expostas ao agrotóxico em teste, às vezes exigindo a comprovação analítica que não havia outra exposição. Obviamente, os desenhos dos estudos epidemiológicos raramente atendem a essas exigências, pois a realidade concreta é de exposições múltiplas a diferentes agrotóxicos. Por exemplo, um estudo epidemiológico que mostrou alterações na fertilidade masculina após a exposição ao herbicida 2,4-D foi considerado limitado pela força-tarefa 2,4-D no Parecer Técnico de Reavaliação da Anvisa por não ter sido possível descartar a presença de outros agrotóxicos2121 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Parecer técnico de reavaliação no 07, de 2015/GGTOX/Anvisa – 2,4-D. Brasília, DF; 2015. [acesso em 2020 jul 26]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2719308/Parecer+Técnico+de+Reavaliação+no+7-2015+-+GGTOX.pdf/055bdca1-a19d--4ee0-a50c-975e8ef43577.
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. A indústria de venenos também desqualifica sistematicamente esses achados, ampliando artificialmente as incertezas e as deslocando em favor dos seus interesses, ignorando o princípio da precaução1717 Gurgel AM. Neurotoxicidade dos agrotóxicos or-ganofosforados e regulação estatal: da indústria da dúvida científica à ocultação de perigo para a saúde humana. [tese]. [Recife]: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2017. 228 f., 2626 Friedrich K. Desafios para a avaliação toxicológica de agrotóxicos no Brasil: desregulação endócrina e imunotoxicidade. Vigilância Sanitária em Debate. Rio de Janeiro. 2013 [acesso em 2016 maio 16]; 1(2):2-15. Disponível em: https://visaemdebate.incqs.fiocruz.br/index.php/visaemdebate/article/view/30.
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Esses exemplos ilustram como as certezas e a pretensa neutralidade dos atores que têm interesse financeiro na venda desses produtos são superestimadas. Ao mesmo tempo, os estudos das indústrias são mantidos sob sigilo, não sendo permitidas a avaliação e a interpretação dos seus achados por cientistas independentes e outros atores envolvidos na defesa do interesse público.

Ocultação das incertezas e vulnerabilidades nos modelos dos estudos experimentais

A extrapolação dos resultados dos estudos em animais para humanos, particularmente para estabelecer doses seguras de exposição, parte de assunções relacionadas com similaridades toxicocinéticas e toxicodinâmicas interespécie, com taxas de absorção, metabolização e de eliminação semelhantes2727 Aleksunes LM, Eaton DL. Principles of Toxicology. In: Klaassen CD. Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. 9. ed. Kansas: McGraw-Hill Education; 2019. p. 25-64.. A extrapolação requer supor que as exposições são equivalentes, ignorando questões que podem resultar em estimativas de risco distintas entre espécies. Ainda, diferenças nas taxas de respiração, tamanhos de órgãos, metabolismo basal, taxas de renovação celular e duração de vida dificultam a comparabilidade interespécie2828 Nachman KE, Fox MA, Sheehan MC, et al. Leveraging epidemiology to improve risk assessment. Open Epid. J. 2011; 4(1):3-29.,2929 Hertz-Picciotto I. Public Health Policy Forum Epidemiology and Quantitative Risk Assessment: A Bridge from Science to Policy. Am J Public Health. 1995; 85(4):484-91. [acesso em 2020 jul 14]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1615131/pdf/amjph00442-0022.pdf.
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Há uma grande variação na dose, frequência e condições de exposição em exposições ambientais e ocupacionais, sendo impossível mimetizá-las em laboratório, um ambiente controlado, artificial e distante da realidade. A administração de um único produto feita em laboratório, desconsiderando entradas simultâneas por diferentes vias de exposição (oral, inalatória, dérmica), tem pouco em comum com um cenário de exposições múltiplas por múltiplas vias a que os humanos estão expostos2929 Hertz-Picciotto I. Public Health Policy Forum Epidemiology and Quantitative Risk Assessment: A Bridge from Science to Policy. Am J Public Health. 1995; 85(4):484-91. [acesso em 2020 jul 14]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1615131/pdf/amjph00442-0022.pdf.
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. As vias de entrada no organismo influenciam a biotransformação, a depuração (clearance) renal e determinam aspectos sobre os metabólitos produzidos, incluindo o tempo necessário para excreção2727 Aleksunes LM, Eaton DL. Principles of Toxicology. In: Klaassen CD. Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. 9. ed. Kansas: McGraw-Hill Education; 2019. p. 25-64.. Como não é possível minimizar o impacto das diferenças entre os padrões laboratoriais e o mundo real, simplificam-se os pressupostos para traduzir a exposição dos animais a equivalentes humanos2929 Hertz-Picciotto I. Public Health Policy Forum Epidemiology and Quantitative Risk Assessment: A Bridge from Science to Policy. Am J Public Health. 1995; 85(4):484-91. [acesso em 2020 jul 14]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1615131/pdf/amjph00442-0022.pdf.
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Também são desconsiderados em estudos com animais os fatores comportamentais (como hábito de fumar ou beber, que interferem na absorção), a diversidade genética e a variabilidade de outros fatores endógenos em humanos, que seriam mais bem representados em estudos epidemiológicos2727 Aleksunes LM, Eaton DL. Principles of Toxicology. In: Klaassen CD. Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. 9. ed. Kansas: McGraw-Hill Education; 2019. p. 25-64., 2828 Nachman KE, Fox MA, Sheehan MC, et al. Leveraging epidemiology to improve risk assessment. Open Epid. J. 2011; 4(1):3-29..

Existem situações não reproduzíveis em condições experimentais, sendo não raro consideradas fatores de confundimento ou interferentes66 McHenry LB. The Monsanto Papers: Poisoning the scientific well. Int J Risk Saf Med. 2018 [acesso em 2020 set 15]; 29(3-4):193-205., como saneamento básico inadequado, aspectos nutricionais, adensamentos habitacionais, desigualdade social, violência e dificuldade de acesso a políticas públicas.

Enquanto o ambiente controlado dos estudos em animais pode ser útil para identificar relações causais, estudos com humanos são melhores para avaliar exposição a misturas e interações entre diferentes agentes e caracterização do status real do adoecimento2828 Nachman KE, Fox MA, Sheehan MC, et al. Leveraging epidemiology to improve risk assessment. Open Epid. J. 2011; 4(1):3-29.. Logo, os resultados dos estudos epidemiológicos em pessoas expostas a essas substâncias nas condições reais de uso reduzem o impacto das incertezas inerentes à extrapolação dos dados de estudos em animais2929 Hertz-Picciotto I. Public Health Policy Forum Epidemiology and Quantitative Risk Assessment: A Bridge from Science to Policy. Am J Public Health. 1995; 85(4):484-91. [acesso em 2020 jul 14]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1615131/pdf/amjph00442-0022.pdf.
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. No entanto, isso só seria possível após a concessão do registro, quando as substâncias já estariam liberadas. Por essa razão, a revisão periódica do registro é crucial, devendo, nesse momento, dar mais peso aos resultados dos estudos epidemiológicos.

Outra limitação reside na interpretação dos estudos quantitativos que investigam a associação entre exposição e efeito. Quando estes não alcançam a significância estatística estipulada na metodologia, aceita-se a hipótese nula, de não associação3030 Axelson O. Negative and non-positive epidemiolo-gical studies. Int J Occup Med Env. Health. 2005; (11):159-67..

Essas questões apontam que é justamente a aproximação da realidade, com incorporação das incertezas e subjetividades, que confere maior confiabilidade aos achados dos estudos epidemiológicos em humanos, evidenciando o real comportamento das substâncias ante a multiplicidade de condições que interferem na contaminação ambiental ou exposição humana.

Negligenciamento da integração dos eixos neurológico, imunológico e endócrino

Em geral, os estudos experimentais considerados para fins regulatórios são pouco sensíveis para detecção de desfechos precursores de doenças neurológicas, reações ou doenças autoimunes, diminuição das respostas imunológicas (imunossupressão), alterações das funções relacionadas com os hormônios (desregulações endócrinas) e outras manifestações crônicas.

Os testes de neurotoxicidade preconizados pela OCDE preveem a observação de parâmetros comportamentais, por vezes subjetivos, dos animais de laboratório (quadro 1). Embora medidas como definir o mesmo observador para avaliar os grupos estudados possam dirimir alguns vieses, a subjetividade durante a observação e interpretação dos achados não está descartada. A neurotoxicidade atua mediante diversos mecanismos que resultam em variadas doenças. Estudos experimentais e epidemiológicos correlacionam a exposição a alguns agrotóxicos e desordens neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson1717 Gurgel AM. Neurotoxicidade dos agrotóxicos or-ganofosforados e regulação estatal: da indústria da dúvida científica à ocultação de perigo para a saúde humana. [tese]. [Recife]: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2017. 228 f.,3131 Mostafalou S, Abdollahi M. The link of organophosphorus pesticides with neurodegenerative and neurodevelopmental diseases based on evidence and mechanisms. Toxicology. 2018 [acesso em 2020 jul 26]; (409):44-52. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.tox.2018.07.014.
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, e prejuízos ao desenvolvimento e maturação neurocomportamental3232 Sagiv SK, Harris MH, Gunier RB, et al. Prenatal or-ganophosphate pesticide exposure and traits related to autism spectrum disorders in a population living in proximity to agriculture. Env. Health Persp. 2018; 126(4).,3333 Shelton JF, Geraghty EM, Tancredi DJ, et al. Neurodevelopmental disorders and prenatal residential proximity to agricultural pesticides: The charge study. Env Health Perspect. 2014; 122(10):1103-9.,3434 Engel SM, Bradman A, Wolff MS, et al. Prenatal or-ganophosphorus pesticide exposure and child neurodevelopment at 24 months: An analysis of four birth cohorts. Env Health Perspect. 2016; 124(6):822-30..

Muitas desordens neurodegenerativas não são devidamente investigadas e incorporadas na avaliação de risco. Como exemplo, estudos experimentais para avaliar uma possível associação entre a exposição a agrotóxicos organofosforados e parkinsonismo foram realizados somente três décadas após o registro do primeiro caso suspeito em humanos1717 Gurgel AM. Neurotoxicidade dos agrotóxicos or-ganofosforados e regulação estatal: da indústria da dúvida científica à ocultação de perigo para a saúde humana. [tese]. [Recife]: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2017. 228 f..

Os estudos de imunotoxicidade são expressivos desde 1970; ainda assim, a compreensão de sua magnitude e a incorporação desses efeitos na avaliação de risco são limitadas. Mesmo estudos realizados por grupos independentes têm se voltado mais à investigação de manifestações alérgicas do que a alterações que aumentam a suscetibilidade a infecções e doenças como câncer e respostas inflamatórias3535 Heindel JJ, Balbus J, Birnbaum L, et al. Developmental origins of health and disease: Integrating environmental influences. Endocrinology. 2016; 1(17):17-22.. As diretrizes da OCDE incluem poucos testes específicos para a investigação de imunotoxicidade, a maioria voltados a identificar respostas locais como sensibilização dérmica.

A imunotoxicidade abrange danos resultantes do estímulo e da inibição das respostas imunológicas. No primeiro caso, reações alérgicas, de hipersensibilidade, sensibilidade dérmica e autoimunidade podem estar associadas a exposições a substâncias químicas como agrotóxicos. O comprometimento da capacidade de resposta imunológica pode levar à imunossupressão, reduzindo as defesas contra infecções e a capacidade de eliminar células potencialmente neoplásicas3636 Mokarizadeh A, Faryabi MR, Rezvanfar MA, et al. A comprehensive review of pesticides and the immune dysregulation: Mechanisms, evidence and consequences. Tox. Mech Methods. 2015; 25(4):258-78.. A imunossupressão é considerada pela Iarc um dos mecanismos precursores para o desenvolvimento de câncer em humanos3737 Smith MT, Guyton KZ, Gibbons CF, et al. Key characteristics of carcinogens as a basis for organizing data on mechanisms of carcinogenesis. Env. Health Persp. 2016; 124:713-21., ocasionando tumores mesmo que estes não tenham sido observados nos testes usualmente realizados nos modelos experimentais.

A identificação dos principais mecanismos de ação dos desreguladores endócrinos também é limitada nas diretrizes disponíveis. Os principais mecanismos de ação de desregulação endócrina podem ser reunidos em dez grupos de características-chave (quadro 2). Nessas características, podem estar inseridos componentes dos eixos hormonais que atuam, por exemplo, sobre crescimento, desenvolvimento sexual, amamentação, processos metabólicos, apetite, sono, humor, comportamento, estresse, temperatura corporal3838 Diamanti-Kandarakis E, Bourguignon JP, Giudice LC, et al. Endocrine-disrupting chemicals: an endocrine society scientific statement. Endocr Rev. 2009; 30(4):293-342., apontando a amplitude das interferências.

Quadro 2
Características-chave compartilhadas por substâncias químicas desreguladoras endócrinas para seres humanos

As funções do eixo neuro-imuno-endócrino também compartilham outras características, como maior vulnerabilidade à toxicidade em períodos críticos para o desenvolvimento, que podem levar à manifestação de doenças na fase adulta4039 Dietert RR. Developmental Immunotoxicity, Perinatal Programming, and Noncommunicable Diseases: Focus on Human Studies. Adv Med. 2014; 1-18., a danos causados a partir da exposição a baixas doses e curvas dose-resposta não lineares3838 Diamanti-Kandarakis E, Bourguignon JP, Giudice LC, et al. Endocrine-disrupting chemicals: an endocrine society scientific statement. Endocr Rev. 2009; 30(4):293-342.,4140 Grandjean P. Paracelsus Revisited: The Dose Concept in a Complex World. Basic and Clinical Pharmacology and Toxicology. 2016; (119):126-32.. Considerando a relação entre esses eixos, o potencial de desencadeamento de efeitos severos, persistentes, potencialmente irreversíveis e que podem afetar gerações futuras, a identificação de danos a esses sistemas, muitos deles inclusive já previstos em testes preconizados por diretrizes internacionais, deveriam ser obrigatórios para fins regulatórios.

Desreguladores endócrinos também podem prejudicar o sistema nervoso e o imunológico, e vice-versa. A comunicação bidirecional entre os sistemas, que se inicia no período embrionário e permanece ao longo da vida, é estabelecida pelo compartilhamento de ligantes (como neurotransmissores, neuropeptídeos, fatores de crescimento, citocinas, hormônios), mecanismos de transporte (proteínas carreadoras, canais de entrada ou saída nas células e núcleos) e receptores compartilhados4039 Dietert RR. Developmental Immunotoxicity, Perinatal Programming, and Noncommunicable Diseases: Focus on Human Studies. Adv Med. 2014; 1-18.. Essas características, somadas à diversidade e à complexidade e distribuição tecidual das estruturas desses sistemas que são potenciais alvos para a interação de agentes tóxicos, tornam o modelo de avaliação de risco tradicional insuficiente para identificação de danos.

Negligenciamento dos mecanismos de genotoxicidade e carcinogenicidade

Os agrotóxicos contribuem para a carcinogênese de diversas maneiras, considerando-se todas as vias intermediárias de mecanismos moleculares e bioquímicos (quadro 3). Esses mecanismos podem ser agrupados em categorias relativas a dez mecanismos de ação carcinogênica: 1) ativação metabólica ou eletrofilicidade; 2) genotoxicidade; 3) instabilidade genômica; 4) capacidade de causas/ alterações epigenéticas; 5) estresse oxidativo; 6) inflamação crônica; 7) imunossupressão; 8) modulação de receptor; 9) imortalização celular; e 10) alteração da proliferação celular3737 Smith MT, Guyton KZ, Gibbons CF, et al. Key characteristics of carcinogens as a basis for organizing data on mechanisms of carcinogenesis. Env. Health Persp. 2016; 124:713-21.. As chances para aparecimento de câncer aumentam quando os agrotóxicos estão associados a um ou mais eventos.

Quadro 3
Características-chave compartilhadas por substâncias químicas reconhecidamente cancerígenas para seres humanos

O 2,4-D, por exemplo, classificado como possível carcinógeno humano (2B), apresenta uma forte associação com a indução de estresse oxidativo4241 Guyton KZ, Rusyn I, Chiu WA, et al. Application of the key characteristics of carcinogens in cancer hazard identification. Carcinogenesis. 2018; 39(4):614-22.. Contudo, na reavaliação do 2,4-D, a Anvisa desconsiderou as evidências apresentadas pela Fundação Oswaldo Cruz, um ano antes da publicação da decisão da Iarc, sobre o potencial de indução de estresse oxidativo desse herbicida4342 Friedrich K. Avaliação dos efeitos tóxicos sobre o sistema reprodutivo, hormonal e câncer para seres humanos após o uso do herbicida 2,4-D. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2014.. O malation, utilizado no País para controle de transmissores de arboviroses, classificado como provável cancerígeno (2A), está associado a cinco dos dez mecanismos de ação carcinogênica3737 Smith MT, Guyton KZ, Gibbons CF, et al. Key characteristics of carcinogens as a basis for organizing data on mechanisms of carcinogenesis. Env. Health Persp. 2016; 124:713-21..

Identificar a incidência de efeitos como indução de inflamações crônicas, imunossupressão e a modulação de receptores, incluindo hormonais, que são mediados por componentes do sistema imunológico e endócrino e podem ser desencadeados a partir da exposição a doses muito baixas, é indispensável para a adoção de medidas que possam prevenir o câncer e outras doenças crônicas. Alguns desses efeitos, como o estresse oxidativo, também podem estar associados a doenças neurodegenerativas, cardiovasculares e inflamações crônicas3737 Smith MT, Guyton KZ, Gibbons CF, et al. Key characteristics of carcinogens as a basis for organizing data on mechanisms of carcinogenesis. Env. Health Persp. 2016; 124:713-21., e cuja ocorrência simultânea pode dificultar a recuperação dos afetados.

Desconsideração das interações entre misturas

A exposição a múltiplos agrotóxicos diferentes no mesmo momento ou ao longo do tempo pode desencadear efeitos tóxicos não previstos, mesmo em baixas doses; em especial, se os agentes envolvidos atuarem por meio de mecanismos de ação semelhantes ou que se inter-relacionam de alguma forma. A interação entre essas substâncias pode aumentar a potência dos efeitos tóxicos, ou iniciar efeitos não observados para exposições únicas. A exposição múltipla abrange outros estressores biopsicossocioambientais, como patógenos, radiação ultravioleta, calor, aditivos alimentares, entre outros, que interferem na toxicidade4443 Lehman-McKeeman LD. Mechanisms of Toxicity. In: Klaassen CD. Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. 9. ed. Kansas: McGraw-Hill Education; 2019. p. 65-125.. Dependendo do dano causado e do intervalo entre as exposições, os danos podem ser magnificados2727 Aleksunes LM, Eaton DL. Principles of Toxicology. In: Klaassen CD. Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. 9. ed. Kansas: McGraw-Hill Education; 2019. p. 25-64..

Como exemplo, as interações toxicológicas envolvendo a mistura de inseticidas, mesmo em baixas doses, provocaram efeitos sinérgicos e aditivos após a administração de diferentes doses e combinações de agrotóxicos como acetamiprido, clorpirifós, deltametrina e fipronil4544 Bano F, Mohanty B. Thyroxine modulation of immune toxicity induced by mixture pesticides mancozeb and fipronil in mice. Life Sci. 2020; (240):117078.,4645 Taillebois E, Thany S. The Differential Effect of Low-Dose Mixtures of Four Pesticides on the Pea Aphid Acyrthosiphon pisum. Insects. 2016 [acesso em 2020 set 25]; 7(4):53. Disponível em: http://www.mdpi.com/2075-4450/7/4/53.
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Mesmo que ocorra a eliminação dos agrotóxicos e dos seus metabólitos do organismo (toxicocinética), alguns efeitos moleculares, bioquímicos e enzimáticos (toxicodinâmica) e danos tóxicos aos tecidos e células podem ser de longa duração e/ou irreversíveis, e os intervalos entre as exposições para a recuperação da homeostasia podem não ser suficientes2727 Aleksunes LM, Eaton DL. Principles of Toxicology. In: Klaassen CD. Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. 9. ed. Kansas: McGraw-Hill Education; 2019. p. 25-64..

Essa abordagem também pode ser extrapolada para os danos ambientais, em que os componentes são interdependentes. A sequência de contaminações pode afetar diferentes seres de um mesmo habitat, como microrganismos presentes no solo, polinizadores, répteis anfíbios e outros, levando a um desequilíbrio irreversível4746 Russo R, Becker JM, Liess M. Sequential exposure to low levels of pesticides and temperature stress increase toxicological sensitivity of crustaceans. Sci Total Environ. 2018; (610-611):563-9..

Negligenciamento das curvas doseresposta não lineares

A definição dos limites de segurança e dos valores seguros de exposição, mediante identificação da maior dose na qual não são observados efeitos adversos (tóxicos), central nos processos de avaliação de risco, apresenta uma validade externa questionável e raramente verificada nas condições reais de exposição. Essa etapa se baseia unicamente no pressuposto de que as relações entre a dose e o efeito são lineares (monotônicas), ou seja, aumentando a dose, a resposta também aumenta de forma previsível, e vice-versa.

Essa lógica assume inequivocamente que nenhum efeito adverso pode ocorrer abaixo da maior dose em que não foram observados efeitos (Noael, do inglês no observed adverse effect level). No entanto, diversas substâncias e misturas se comportam apresentando efeitos em baixas doses e inibição em doses elevadas, fenômeno denominado de hormese, indicando que o paradigma hegemônico é falho e precisa ser revisado e incorporado na avaliação de risco e nos processos regulatórios2727 Aleksunes LM, Eaton DL. Principles of Toxicology. In: Klaassen CD. Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. 9. ed. Kansas: McGraw-Hill Education; 2019. p. 25-64.,4847 Vandenberg LN. Non-monotonic dose responses in studies of endocrine disrupting chemicals: bisphenol a as a case study. Dose Response. 2014; 12(2):259-76 [acesso em 2017 set 12]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24910584.
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,4948 Calabrese EJ. Hormesis: why it is important to toxicology and toxicologists. Env Toxicol Chem. 2008 [acesso em 2020 set 25]; 27(7):1451-74.
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Destaca-se que o fundamento científico que estabelece a linearidade da relação dose--resposta baseia-se em um erro na extrapolação de resultados de alguns estudos. Esse entendimento foi consolidado e convertido em política pública, sustentando o modelo de avaliação de risco nas assunções feitas a partir desse equívoco4948 Calabrese EJ. Hormesis: why it is important to toxicology and toxicologists. Env Toxicol Chem. 2008 [acesso em 2020 set 25]; 27(7):1451-74..

Ao desconsiderar a hormese, a ciência tende a ignorar danos nas exposições a baixas doses, podendo levar à definição inadequada de limites de exposição considerados seguros, como aqueles admitidos para a contaminação de água e alimentos.

Avaliação insuficiente da exposição humana em períodos críticos para o desenvolvimento intra e extrauterino

Estudos ambientais, epidemiológicos e experimentais têm apontado que a exposição aos agrotóxicos e a outros contaminantes pode produzir nocividades em diferentes períodos do desenvolvimento5049 Environmental Protection Agency. Critical periods in development. Washington, DC; 2003.,5150 International Programme on Chemical Safety. Global assessment of the state-of-the-science of endocrine disruptors. Geneva: WHO/PCS/EDC/02.2; 2002.,5251 Bezek S, Ujházy E, Mach M, et al. Developmental origin of chronic diseases: Toxicological implication. Interdiscip Toxicol. 2008 [acesso em 2020 set 25]; 1(1):29-31.. A exposição intrauterina ou nos primeiros anos de vida a contaminantes ambientais influencia no desempenho das funções fisiológicas e no risco de desenvolvimento de doenças na vida adulta5049 Environmental Protection Agency. Critical periods in development. Washington, DC; 2003.,5352 Grandjean P, Landrigan PJ. Neurobehavioural effects of developmental toxicity. Lancet Neurol. 2014 [acesso em 2020 jul 26]; 13(3):330-8..

Os danos podem ser permanentes e graves, dependendo do efeito e do momento em que ocorrem. Alterações nos níveis de hormônios específicos, por exemplo, podem ter consequências irreversíveis caso ocorram em momentos críticos do desenvolvimento4544 Bano F, Mohanty B. Thyroxine modulation of immune toxicity induced by mixture pesticides mancozeb and fipronil in mice. Life Sci. 2020; (240):117078., mesmo que logo em seguida retornem a níveis considerados normais.

São considerados períodos de exposição mais críticos5049 Environmental Protection Agency. Critical periods in development. Washington, DC; 2003.,5150 International Programme on Chemical Safety. Global assessment of the state-of-the-science of endocrine disruptors. Geneva: WHO/PCS/EDC/02.2; 2002.,5251 Bezek S, Ujházy E, Mach M, et al. Developmental origin of chronic diseases: Toxicological implication. Interdiscip Toxicol. 2008 [acesso em 2020 set 25]; 1(1):29-31.:

  1. i) Período do desenvolvimento das células germinativas masculina e feminina: inicia-se na vida intrauterina e amadurece na puberdade ou continua a diferenciação durante a vida adulta. Efeitos sobre esses processos podem levar à infertilidade ou a problemas congênitos nas gerações seguintes.

  2. ii) Intrauterino: o desenvolvimento embrionário e fetal ocorre rapidamente, e danos nos primeiros dias após a concepção podem levar à perda fetal e, posteriormente, a anomalias congênitas, crescimento inadequado e danos fisiológicos e funcionais, que podem se manifestar até a vida adulta.

  3. iii) Infância: período em que ocorre o desenvolvimento e a maturação do sistema nervoso e imunológico, quando a exposição a substâncias químicas pode levar a danos motores e cognitivos, maior propensão a manifestações alérgicas, reações autoimunes ou diminuição da resposta à vacinação e a patógenos.

  4. iv) Puberdade: período de maior expressão do desenvolvimento físico e maturação dos órgãos sexuais, podendo ocorrer efeitos na reprodução.

Nessas fases, marcos importantes de desenvolvimento podem sofrer atrasos devido às exposições, como brincar, interagir, sentir, expressar vontades e sentimentos, comer, andar, falar. A interação com outras pessoas e seres vivos, fatores psicossociais, culturais e econômicos que terão importância na formação como indivíduo e sua inserção na sociedade também podem ser afetados devido aos danos provocados por contaminantes ambientais5049 Environmental Protection Agency. Critical periods in development. Washington, DC; 2003.,5453 National Research Council. Children’s Health, the Nation’s Wealth: assessing and improving child health. Children’s Health, the Nation’s Wealth. Washington, DC: National Academies Press; 2004. [acesso em 2020 set 25]. Disponível em: https://www.nap.edu/download/10886#.
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Alternativas na perspectiva da toxicologia crítica

As limitações dos processos de regulação vêm sendo apontadas na literatura científica e abordam a utilização e a interpretação dos estudos toxicológicos, voltados à compreensão de fenômenos reais1919 O’Brien M. Making Better Environmental Decisions: An Alternative to Risk Assessment by Mary. Cambridge: MIT Press; 2001.,4140 Grandjean P. Paracelsus Revisited: The Dose Concept in a Complex World. Basic and Clinical Pharmacology and Toxicology. 2016; (119):126-32., revelando a necessidade da busca de alternativas menos danosas1919 O’Brien M. Making Better Environmental Decisions: An Alternative to Risk Assessment by Mary. Cambridge: MIT Press; 2001.,5554 Tickner J, Weis CP, Jacobs M. Alternatives assessment: New ideas, frameworks and policies. J Epid. Community Health. 2017 [acesso em 2020 set 25]; 71(7):655-6..

A literatura científica e as organizações internacionais apresentam metodologias estruturadas (frameworks) para comparar os impactos para a saúde e para o ambiente entre as opções disponíveis1919 O’Brien M. Making Better Environmental Decisions: An Alternative to Risk Assessment by Mary. Cambridge: MIT Press; 2001.,5554 Tickner J, Weis CP, Jacobs M. Alternatives assessment: New ideas, frameworks and policies. J Epid. Community Health. 2017 [acesso em 2020 set 25]; 71(7):655-6.. Essas avaliações de alternativas diferem da avaliação de risco, pois se voltam a comparar o agente em processo de autorização com outras opções, fomentando que alternativas menos danosas sejam priorizadas.

A legislação brasileira de agrotóxicos prevê que somente sejam registrados produtos menos tóxicos que outras opções já existentes com a mesma finalidade agronômica, ainda que não aponte que aqueles já registrados, para os quais já se tenham alternativas, devam ser proibidos5655 Brasil. Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 11 Jul 1989. [acesso em 2020 set 25]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7802.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
. A assimetria de informações, a pouca transparência nos processos e os critérios adotados para classificar os produtos como ‘menos tóxicos’ podem representar entraves para a substituição por produtos menos danosos.

A legislação europeia também prevê a obrigatoriedade de registro de produtos com menor toxicidade5756 União Europeia. Regulation (EC) No 1107/2009 of the European Parliament and of the Council of 21 October 2009. 1.107 Strasbourg: Jornal Oficial da União Europeia; 2009. p. 50. [acesso em 2020 set 25]. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:32009R1107.
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. No processo de renovação de registro do glifosato, o parlamento europeu acatou a determinação da agência reguladora, porém concluiu que a Comissão e os estados--membros buscassem alternativas de menor risco na reavaliação seguinte5857 Parlamento Europeu. Renewing the approval of the active substance glyphosate. European Parliament. 2017. [acesso em 2020 set 25]. Disponível em: https://echa.europa.eu/documents/10162/2d3a87cc-5ca1-31d6-8967-9f124f1ab7ae.
https://echa.europa.eu/documents/10162/2...
. As avaliações das alternativas também teriam a função de indicar as áreas com necessidade de pesquisa e desenvolvimento de opções mais seguras5453 National Research Council. Children’s Health, the Nation’s Wealth: assessing and improving child health. Children’s Health, the Nation’s Wealth. Washington, DC: National Academies Press; 2004. [acesso em 2020 set 25]. Disponível em: https://www.nap.edu/download/10886#.
https://www.nap.edu/download/10886#...
.

A adoção de alternativas que não incluam produtos químicos enfrenta resistências tanto por parte dos setores regulados como dos reguladores. As principais etapas no processo de avaliação das alternativas incluem: a) definir o escopo de utilização, formular o problema e identificar alternativas para consideração; b) identificar danos e avaliar a exposição comparativa; c) avaliar a viabilidade técnica; d) avaliar a viabilidade econômica; e) considerar outros aspectos e grupos impactados (mudanças climáticas, ecossistemas etc.); f) definir os caminhos para a tomada de decisões5554 Tickner J, Weis CP, Jacobs M. Alternatives assessment: New ideas, frameworks and policies. J Epid. Community Health. 2017 [acesso em 2020 set 25]; 71(7):655-6..

A Agência Europeia de Substâncias Químicas (Echa) preconiza que devem ser incorporadas análises socioeconômicas para avaliar custos e benefícios para a sociedade, incluindo: grupos e setores envolvidos ao longo da cadeia produtiva; disponibilidade de emprego; impactos econômicos; questões locais, regionais, nacionais e internacionais; análise e distribuição (espacial e populacional) dos custos e benefícios5958 Comunidade Europeia. Agência Europeia de Substâncias Químicas. Guidance on the preparation of socio-economic analysis as part of an application for authorisation. Helsinki; 2011. [acesso em 2020 set 25]. Disponível em: http://echa.europa.eu/reach_en.asp.
http://echa.europa.eu/reach_en.asp...
.

No Brasil, produtos biológicos destinados à produção orgânica devem ser considerados na apreciação comparativa no processo de avaliação de registro de novos produtos agrotóxicos. No entanto, a menor quantidade de produtos biológicos na lista de monografias autorizadas da Anvisa pode ser mais uma consequência do que uma causa para a preferência por produtos químicos. Por essa razão, o financiamento de pesquisa e desenvolvimento de produtos biológicos deve entrar na agenda das políticas públicas, dos órgãos reguladores, assim como existe o incentivo do setor privado, incluindo instituições públicas para o desenvolvimento de novas funções para moléculas já existentes ou novos produtos agrotóxicos.

As propostas de avaliação das alternativas relatadas na literatura citada mostram avanços importantes no processo de tomada de decisão voltados a autorizar ou não a exposição a agentes tóxicos. Apesar disso, algumas limitações do modelo de avaliação de risco vigente não parecem totalmente superadas nesses modelos, em especial, relacionadas com a avaliação toxicológica ou ecotoxicológica para identificar potenciais danos à saúde e ao ambiente, e que são pouco protetivas na perspectiva atual. A abordagem da complexidade dos fenômenos de adoecimento em decorrência da exposição aos agentes químicos também não parece totalmente contemplada a partir da avaliação socioeconômica, pois não explicita como contextos de vulnerabilidade podem ser incorporados na avaliação das alternativas.

Propostas para uma abordagem crítica da toxicologia

A investigação interdisciplinar pressupõe o compartilhamento de marcos epistêmicos, conceituais e metodológicos entre os diferentes atores envolvidos na análise do problema. Outro aspecto indispensável é a multiplicidade de formação dos profissionais envolvidos que deve ser a mais diversa, e não somente de várias pessoas com formações semelhantes.

Os modelos para uma perspectiva crítica requerem uma triangulação metodológica, em um processo de integração-diferenciação-integração88 Garcia R. Sistemas complejos: conceptos, método y fundamentación epistemológica de la investigación interdisciplinaria. Barcelona: Gedisa; 2006.. O contexto do uso do agrotóxico visto em sua integralidade seria o ponto de partida da investigação, em que a análise toxicológica é um dos momentos de diferenciação especializada, culminando na tomada de decisão. No nível do contexto, devem-se considerar todos os condicionantes que podem modificar a toxicidade do produto e como o produto pode produzir danos que afetam retroativamente a saúde, a economia, o ambiente e outros aspectos relevantes. Os estudos analíticos toxicológicos devem produzir resultados significados a partir dessa complexidade, e suas limitações precisam ser apresentadas de forma clara e independente.

Em uma perspectiva crítica para a toxicologia, o quadro 4 apresenta alguns elementos necessários para uma avaliação mais integral das nocividades de produtos e processos e das suas consequências diante da demanda de registro de um novo IA agrotóxico.

Quadro 4
Elementos necessários para avaliação das nocividades de ingredientes ativos e produtos agrotóxicos sob a perspectiva da toxicologia crítica

As práticas de base agroecológica devem ser consideradas nas avaliações das alternativas, tendo em conta o potencial de danos à saúde, ao ambiente e aos ecossistemas, menor demanda energética, de água, desmatamento e mudanças climáticas, distribuição dos custos e benefícios e análises socioeconômicas, incluindo a incorporação da subjetividade sobre a determinação social da saúde. Nesse sentido, metodologias específicas que permitam a avaliação comparativa entre modos de cultivo convencionais e de base agroecológica podem ser adotadas.

Conclusões

A toxicologia é um campo que está sob disputas epistêmicas, metodológicas e éticas. A perspectiva de uma toxicologia crítica considera a integralidade do problema no contexto socioeconômico, político, cultural em que se dá a exposição, reduzindo vieses decorrentes da tomada de decisões regulatórias com base apenas em estudos realizados e ou financiados pela indústria ou sustentados por paradigmas cientificistas estruturados em uma perspectiva acrítica, e propondo uma abordagem sistêmica para sua operação.

A toxicologia não deve ser aplicada fora dos contextos de exposição, com todos os diferenciais que se observam na realidade de vida e trabalho. A perspectiva crítica possibilita ao tomador de decisão a consciência do biopoder presente nos conflitos de interesse e observados nos processos regulatórios do Estado. A participação efetiva da sociedade é um mecanismo garantidor de processos mais equânimes para redução das práticas de abuso da própria ciência em favor liberação de substâncias tóxicas. Essa estratégia reduz a ocultação ou minimização de riscos e dificulta a manipulação dos processos decisórios para atender aos interesses de mercado. Nessa perspectiva, este ensaio introduz elementos que objetivam a construção de uma toxicologia crítica, de forma inaugural, como ferramenta de elucidação de processos de exposição, adoecimento e morte observados em contextos de exposição a contaminantes ambientais, como os agrotóxicos.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2020
  • Aceito
    26 Jul 2021
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