Contrapontos e inconsistências do discurso da produtividade do agronegócio e suas externalidades sob a ótica do biopoder

Counterpoints and inconsistencies in the discourse of agribusiness productivity and its externalities from the perspective of biopower

Rafaela Corrêa Pereira Paula Bernardes Machado Michel Cardoso de Angelis-Pereira Sobre os autores

RESUMO

Este ensaio se propõe à análise crítica do agronegócio, buscando construir um modelo teórico compreensivo, tendo como referência o conceito de biopoder de Foucault. Pretende ainda contribuir para as discussões de alternativas sustentáveis e de combate às ações que promovem e flexibilizam o uso de agrotóxicos. Argumenta-se que o agronegócio, apesar de ter tido sua imagem construída por discursos que ressaltam sua eficiência e produtividade, impõe barreiras que impedem a garantia da segurança alimentar e nutricional. Pelo uso intensivo de agrotóxicos, também não disponibiliza alimentos seguros e de qualidade, ao mesmo tempo que impacta o meio ambiente e compromete a saúde da população, somado aos seus impactos políticos, econômicos, sociais e culturais. A análise sob a ótica do biopoder destaca que a atuação das indústrias agrícola, agroquímica e de alimentos, enquanto normatizadoras e geradoras de consumo, desconsideram princípios morais e éticos, infringem direitos humanos e a autonomia dos sujeitos. Paralelamente, propõe-se que, por meio da educação popular e a educação alimentar e nutricional, consegue-se, em longo prazo, construir sujeitos e coletividades autônomos e críticos, capazes de transformar as estruturas de poder vigentes e de agir em prol de políticas públicas que fomentem práticas justas, saudáveis, sustentáveis e éticas.

PALAVRAS-CHAVES
Agronegócio; Biopoder; Agroecologia; Educação da população; Política pública

ABSTRACT

This essay proposes a critical analysis of agribusiness, seeking to build a comprehensive theoretical model based on Foucault’s concept of biopower. It also proposes to contribute to the discussions of sustainable alternatives and to combat actions that promote and make the use of pesticides more flexible. It is argued that agribusiness, despite having its image built by speeches that emphasize its efficiency and productivity, imposes barriers that prevent the guarantee of food and nutritional security. Due to the intensive use of pesticides, it also does not provide safe and quality food, while it impacts the environment and compromises the health of the population, added to its political, economic, social, and cultural impacts. The analysis from the perspective of biopower highlights the performance of the agrochemical and food industries, as standards and generators of consumption, disregards moral and ethical principles, infringes human rights and the autonomy of the subjects. At the same time, it is proposed that, through long term popular education and food and nutrition education, it is possible to build autonomous and critical subjects and collectives, capable of transforming the existing power structures and acting in favor of public policies that promote practices that are fair, healthy, sustainable, and ethical.

KEYWORDS
Agrobusiness; Biopower; Agroecology; Popular education; Public policy

Introdução

Os modelos de produção agroalimentar, para que consigam efetivamente garantir a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), o Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequada (DHANA) e a soberania alimentar, devem abranger a produção sustentável e a conservação da biodiversidade e ser capazes de promover o consumo variado, respeitando preparações e hábitos culturais tradicionais. Precisam, ainda, ser seguros, isentos de contaminantes físicos, químicos ou biológicos que causem malefícios a todos os envolvidos nessa cadeia11 Martinelli SS, Cavalli SB. Alimentação saudável e sustentável: uma revisão narrativa sobre desafios e perspectivas. Ciênc. Saúde Colet. 2019; 24(11):4251-4262..

Nesse sentido, a discussão sobre alimentação saudável e promoção da saúde no âmbito da saúde pública precisa envolver, intuitivamente, a discussão dos modelos de produção agroalimentar em prática globalmente, incluindo seus aspectos políticos, econômicos, ambientais, sociais e culturais.

Diante da constatação da dominância do agronegócio como modelo de produção hegemônico, suas falhas em garantir a SAN e suas externalidades negativas22 Dwivedi SL, Lammerts van Bueren ET, Ceccarelli S, et al. Diversifying Food Systems in the Pursuit of Sustainable Food Production and Healthy Diets. Trends Plant Sci. 2017; 22(10):842-856., ao mesmo tempo que se depara com políticas de flexibilização do uso de agrotóxicos ou das legislações de conservação e preservação do meio ambiente33 Mondardo M. O governo bio/necropolítico do agronegócio e os impactos dos agrotóxicos sobre os territórios de vida Guarani e Kaiowá. Ambientes. 2020; 1(2):155-187.,44 Araújo IMM, Oliveira AGRC. Agronegócio e agrotóxicos: impactos à saúde dos trabalhadores agrícolas no nordeste brasileiro. Trabalho, Educ. Saúde. 2017; 15(1):117-129., propõe-se neste ensaio a análise crítica desse modelo por meio de uma revisão bibliográfica de artigos científicos.

A partir disso, busca-se a construção de um modelo teórico compreensivo tendo como eixo de análise o conceito de biopoder de Foucault, para entender as formas de atuação dos principais atores desse contexto e os impactos associados, trazendo assim contribuições para as discussões de alternativas de modelos sustentáveis, de entraves a serem superados e de possibilidades de atuação.

Sistema agroalimentar atual: um modelo que garante a segurança alimentar e nutricional?

O modelo agroalimentar predominante no Brasil, atualmente, consolida-se no agronegócio, que ganhou dominância global com a Revolução Verde55 Fundação Oswaldo Cruz. Agrotóxicos e Saúde. Coleção Saúde, Ambiente e Sustentabilidade. Série Fiocruz – Documentos Institucionais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018.. No entanto, somente a partir da década de 1990 que, no Brasil, passou-se a investir na construção ideológica do que se entende hoje por agronegócio, sendo esse conceito formalmente materializado em 1993, pela Associação Brasileira de Agribussiness (Abag)66 Sauer S. Agricultura familiar versus agronegócio: a dinâmica sociopolítica do campo brasileiro. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica; 2008.. Esse período foi acompanhado pela consolidação do neoliberalismo no País, marcado pela prática do livre comércio, incentivo à exportação e menor subordinação dos mercados ao Estado, uma vez que se assume que a regulação pelo mercado é o modo mais eficiente de controlar as atividades econômicas77 Miranda AC, Moreira JC, Carvalho R, et al. Neoliberalismo, uso de agrotóxicos e a crise da soberania alimentar no Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(1):7-14.,88 Ioris AAR. Agrobusiness in Brazil: The narrative drives on. Rev. NERA. 2016; 19(33):139-154..

Formada por grandes empresas do setor agropecuário, incluindo cooperativas de grande porte, a Abag buscava assim a modernização conservadora da imagem do agronegócio, associando esse formato de atividade agrícola como um modelo sofisticado, eficiente e produtivo, que incorporava os aparatos e avanços tecnológicos da Revolução Verde e da sociedade industrial capitalista, o que, inclusive, é exaltado ainda hoje em propagandas veiculadas pelo setor em diversos canais de comunicação e sustentado por alguns discursos científicos. Esses aparatos incluíam os latifúndios agroindustriais de alta complexidade tecnológica, uso intensivo da terra e da produção de escala, de fertilizantes químicos, sementes transgênicas, agrotóxicos e antibióticos, além do transporte entre longas distâncias55 Fundação Oswaldo Cruz. Agrotóxicos e Saúde. Coleção Saúde, Ambiente e Sustentabilidade. Série Fiocruz – Documentos Institucionais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018.,66 Sauer S. Agricultura familiar versus agronegócio: a dinâmica sociopolítica do campo brasileiro. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica; 2008.,99 Porto MFS, Souza MF. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: um ensaio de epistemologia política. Rev. Crítica Ciênc. Sociais. 2011; 93:31-58.,1010 Carneiro FF, Rigotto RM, Augusto LGS, et al. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, São Paulo: Expressão Popular; 2015.,1111 Ribeiro HJ, Jaime P, Ventura D. Alimentação e sustentabilidade. Estud. Av. 2017; 31(89):185-198..

Acompanhado dos avanços nas tecnologias de processamento de alimentos, e da imagem construída pelos seus atores e de ser uma estrutura de grande produtividade e de baixa dependência sazonal, capaz de modificações e adaptações em suas diferentes fases, concomitantemente à diminuição da penosidade do trabalho44 Araújo IMM, Oliveira AGRC. Agronegócio e agrotóxicos: impactos à saúde dos trabalhadores agrícolas no nordeste brasileiro. Trabalho, Educ. Saúde. 2017; 15(1):117-129.,1212 Kathounian CA. A reconstrução ecológica da agricultura. Botucatu: Agroecológica; 2001., o agronegócio foi proposto como solução ao problema de produzir alimentos em quantidades suficientes para atender às demandas populacionais no presente e no futuro e, portanto, garantir a SAN1313 Radley A, Purchase J. Become the solution: Food Security 2050. FarmBiz. 2017; 14-15..

Esse modelo hegemônico, no entanto, além das diferentes externalidades negativas, não tem se mostrado sustentável, eficiente e produtivo, com capacidade de garantir acesso aos alimentos em quantidade e qualidade suficientes para a população, ou mesmo permitir acesso democrático aos recursos para produção de alimentos22 Dwivedi SL, Lammerts van Bueren ET, Ceccarelli S, et al. Diversifying Food Systems in the Pursuit of Sustainable Food Production and Healthy Diets. Trends Plant Sci. 2017; 22(10):842-856..

A última edição do relatório anual1414 Food and Agriculture Organization. The State of Food Security and Nutrition in the World: Transforming food systems for affordable healthy diets. Roma: FAO; 2020. [acesso em 2020 set 27]. Disponível em: http://www.fao.org/3/ca9692en/CA9692EN.pdf.
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da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) sobre o estado da SAN no mundo, por exemplo, destacou que o número de pessoas que passam fome tem aumentado na última década; e como resultado, mais de 690 milhões de pessoas ainda passavam fome em 2019. Além disso, mais de 3 bilhões de pessoas não conseguiram ter acesso a alimentos seguros e nutritivos, de forma regular e em quantidade suficiente naquele ano, enquanto as taxas de sobrepeso e de obesidade continuaram crescentes em todas as faixas etárias. A organização estimou ainda que, com a pandemia de Covid-19, mais de 130 milhões de pessoas podem passar fome crônica até o final de 20201515 Food and Agriculture Organization. Food security under the COVID-19 pandemic. Roma: FAO; 2020. [acesso em 2020 set 27]. Disponível em: http://www.fao.org/family-farming/detail/en/c/1287508/.
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Diante desse cenário, não se confirmam as promessas propagandeadas até hoje pelo agronegócio e por parte da comunidade científica, especialmente a que recebe financiamento pelas multinacionais que concentram o mercado de agrotóxicos e de sementes transgênicas55 Fundação Oswaldo Cruz. Agrotóxicos e Saúde. Coleção Saúde, Ambiente e Sustentabilidade. Série Fiocruz – Documentos Institucionais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018.. Ancorado na lógica do capital financeiro e da apropriação da tecnologia, na prática, o agronegócio preconiza objetivos distantes do que se compreende por SAN, tampouco tem se mostrado eficiente e produtivo para atender às demandas populacionais por alimentos. Contrariamente, o agronegócio tem se associado cada vez mais às suas externalidades negativas, principalmente seus impactos sociais, ambientais e sanitários44 Araújo IMM, Oliveira AGRC. Agronegócio e agrotóxicos: impactos à saúde dos trabalhadores agrícolas no nordeste brasileiro. Trabalho, Educ. Saúde. 2017; 15(1):117-129.,1616 Porto MF, Soares WL. Modelo de desenvolvimento, agrotóxicos e saúde: um panorama da realidade agrícola brasileira e propostas para uma agenda de pesquisa inovadora. Rev. Bras. Saúde Ocup. 2012; 37(125):17-31..

A fome e as falhas dos mecanismos de garantia da SAN atuais são, portanto, decorrentes do modelo do agronegócio, juntamente da ausência ou inoperância de políticas públicas sociais, resultantes do processo histórico e social de construção do sistema alimentar brasileiro. Isso envolve, entre outros fatores, o mau uso da terra, a apropriação de recursos naturais, a exploração do trabalho, as relações de poder desiguais, a comoditização da comida, a oferta indiscriminada de alimentos ultraprocessados e a incapacidade de mercados livres gerarem bens públicos de forma satisfatória1717 Oliveira SI, Oliveira KS. Novas perspectivas em educação alimentar e nutricional. Psicol. USP. 2008; 19(1):495-504.,1818 Rocha CA. Contribuição da Economia para a análise de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. In: Rocha CA, Burlandy L, Magalhães R, organizadores. Segurança Alimentar e Nutricional: perspectivas, aprendizados e desafios para as políticas públicas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013..

É diante dessas constatações que ganha força o debate sobre a necessidade de um sistema alimentar que promova saúde e justiça social, garanta maior resiliência ecológica ao planeta e esteja alinhado aos objetivos do desenvolvimento sustentável1919 Swinburn BA, Kraak VI, Allender S, et al. The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change: The Lancet Commission report. Lancet. 2019; 393(10173):791-846.,2020 Jaime PC. Pandemia de COVID19: implicações para (in)segurança alimentar e nutricional. Ciênc. Saúde Colet. 2020; 25(7):2504-2504..

Contrapontos no discurso da produtividade do agronegócio

Dentre as várias explicações para o fato de que o modelo agroalimentar regido na lógica do agronegócio é ineficaz para a garantia da SAN, destacam-se, inicialmente, a estrutura agrária concentrada e o uso intensivo da terra. De fato, o Brasil está entre os países com maior grau de concentração de terra no mundo; e os resultados do Censo Agropecuário de 20172121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário, Florestal e Aquícola; 2017. [acesso em 2022 mar 14]. Disponível em: https://censos.ibge.gov.br/agro/2017/.
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indicam que a estrutura agrária no Brasil se concentrou ainda mais desde o último levantamento, em 2006. Em 2017, 14,8% da área produtiva agrícola brasileira se concentrava em 0,04% dos estabelecimentos rurais do País.

Esses estabelecimentos se destinam à produção de mercadorias agrícolas não alimentícias (biocombustíveis e celulose, por exemplo), ou de grandes volumes de commodities para exportação (soja e milho particularmente), que também têm como destino a pecuária e a industrialização44 Araújo IMM, Oliveira AGRC. Agronegócio e agrotóxicos: impactos à saúde dos trabalhadores agrícolas no nordeste brasileiro. Trabalho, Educ. Saúde. 2017; 15(1):117-129. e, portanto, não são diretamente convertidas em alimentos para a população.

A utilização dessas commodities como componentes de ração animal, em especial, passou a ser um mecanismo eficiente e lucrativo para lidar com a superprodução dos grãos e cereais, especialmente após as campanhas de incentivo ao consumo de carne, sobretudo bovina, pelos consumidores1111 Ribeiro HJ, Jaime P, Ventura D. Alimentação e sustentabilidade. Estud. Av. 2017; 31(89):185-198.. Certamente, o aumento anual do consumo de carne mundial foi notável no período de expansão da Revolução Verde. Em países em desenvolvimento, por exemplo, entre 1967 e 1997, a demanda por carnes passou de 11 kg para 24 kg/capita/ano, atingindo taxa de crescimento anual de mais de 5% ao final desse período2222 Smith P, Martino D, Zucong C, et al. Agriculture. In: Barker T, Bashmakov I, Bernstein L. et al., organizadores. Climate Change 2007: Mitigation. United Kingdom and New York: Cambridge University Press; 2007. p. 497-540., números que continuam crescendo até hoje, chegando à média de 34 kg/ capita em 20192323 Organization for Economic Co-operation and Development. Meat consumption (indicator); 2020. [acesso em 2020 set 29]. Disponível em: https://doi.org/10.1787/fa290fd0-en.
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Como consequência, houve expansão das áreas destinadas à pecuária e aumento da rentabilidade dos canais produtivos. Por outro lado, os desfechos negativos à saúde associados ao alto consumo de carne2424 Godfray HCJ, Aveyard P, Garnett T, et al. Meat consumption, health, and the environment. Science. 2020; 361(6399):5324. e ao meio ambiente, devido ao seu elevado impacto ambiental2525 Rajão R, Soares-Filho B, Nunes F, et al. The rotten apples of Brazil’s agribusiness. Science. 2020; 369(6501):246-248., com o encarecimento do preço dos alimentos, trouxeram prejuízos diretos à população, principalmente nas camadas mais pobres1111 Ribeiro HJ, Jaime P, Ventura D. Alimentação e sustentabilidade. Estud. Av. 2017; 31(89):185-198..

Cabe ressaltar ainda que a produtividade dessas culturas não tem sido crescente, como se hipotetizava no início da Revolução Verde, o que era, inclusive, uma das principais razões para justificar o uso de insumos perigosos, como os agrotóxicos. O fato é que, nos últimos anos, passou-se a observar a desaceleração do crescimento da produtividade, acima de tudo nas culturas de cereais como arroz e trigo22 Dwivedi SL, Lammerts van Bueren ET, Ceccarelli S, et al. Diversifying Food Systems in the Pursuit of Sustainable Food Production and Healthy Diets. Trends Plant Sci. 2017; 22(10):842-856., o que representa outra barreira para que o agronegócio consiga atender às demandas futuras por alimentos de uma população em crescimento. A desaceleração da produtividade veio acompanhada da necessidade de volumes cada vez maiores de agrotóxicos, como consequência do aumento da resistência em larga escala a esses produtos, ocasionada pela alta frequência de aplicação2626 Varah A, Ahodo K, Coutts SR, et al. The costs of human-induced evolution in an agricultural system. Nat Sustain. 2020; 3(1):63-71..

Agronegócio e alimentos ultraprocessados

Com a produção predominante de grãos e cereais, parte dela passou a ser destinada à industrialização, sendo matéria-prima para fabricação de alimentos ultraprocessados, de baixo valor nutricional, que dominam os suprimentos de alimentos de vários países desenvolvidos e que estão cada vez mais difundidos em países em desenvolvimento, sendo consumidos amplamente pela população, principalmente de baixa renda44 Araújo IMM, Oliveira AGRC. Agronegócio e agrotóxicos: impactos à saúde dos trabalhadores agrícolas no nordeste brasileiro. Trabalho, Educ. Saúde. 2017; 15(1):117-129.,1010 Carneiro FF, Rigotto RM, Augusto LGS, et al. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, São Paulo: Expressão Popular; 2015.,2727 Monteiro CA, Cannon G. The impact of transnational “big food” companies on the South: a view from Brazil. PLoS Med. 2012; 9(7):e1001252..

Desde 2014, no entanto, a FAO reconhece que o declínio da qualidade da dieta observado nos últimos anos é reflexo do aumento na venda e consumo de alimentos e bebidas industrializados e ultraprocessados2828 Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O estado da segurança alimentar e nutricional no Brasil. Um retrato multidimensional: relatório 2014. Brasília, DF: FAO; 2014. [acesso em 2020 set 17]. Disponível em: https://fpabramo.org.br/acervosocial/wp-content/uploads/sites/7/2017/08/334.pdf.
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. Outros estudos mostram ainda que dietas monótonas, com elevado consumo de carnes e produtos ultraprocessados pioram o quadro de SAN e levam à maior incidência de Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT)2929 Canella DS, Levy RB, Martins AP, et al. Ultra-processed food products and obesity in Brazilian households (2008-2009). PLoS One. 2014; 9(3):e92752.,3030 Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, et al. Alimentos ultraprocessados e perfil nutricional da dieta no Brasil. Rev. Saúde Pública. 2015; 49(38):1-11.,3131 Hall KD, Ayuketah A, Brychta R, et al. Ultra-Processed Diets Cause Excess Calorie Intake and Weight Gain: An Inpatient Randomized Controlled Trial of Ad Libitum Food Intake. Cell Metabolism. 2019; 30(1):67-77..

Todos esses contextos conduzem ainda à representação de situações paradoxais, como o fato de que a maioria dos que sofrem de Insegurança Alimentar Nutricional (IAN) são agricultores de subsistência dedicados ao trabalho agrícola – particularmente em países de baixa renda55 Fundação Oswaldo Cruz. Agrotóxicos e Saúde. Coleção Saúde, Ambiente e Sustentabilidade. Série Fiocruz – Documentos Institucionais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018.. Outro exemplo é o da África, que, ao favorecer as exportações agrícolas em detrimento de sua soberania alimentar, precisa importar um terço de suas demandas por alimentos mesmo s endo grande exportadora de frutas e produtos tropicais3232 Morin E. A Via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2013..

Com as altas taxas de perdas ou desperdício de alimentos ao longo da cadeia produtiva, estimada em 25% – 30%3333 Mbow C, Rosenzweig C, Barioni LG, et al. Food security. In: Shukla PR, Skea J, Calvo Buendia E, et al. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems; 2019. [acesso em 2020 set 25]. Disponível em: https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/08/2f.-Chapter-5_FINAL.pdf.
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, essas evidências comprovam que os sistemas de produção e distribuição desiguais são as grandes barreiras que impedem o acesso aos alimentos dos que deles necessitam e a garantia da SAN55 Fundação Oswaldo Cruz. Agrotóxicos e Saúde. Coleção Saúde, Ambiente e Sustentabilidade. Série Fiocruz – Documentos Institucionais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018..

Externalidades ambientais e para a saúde – agrotóxicos

A produção de alimentos nos moldes do agronegócio é, reconhecidamente, um dos maiores impulsionadores das mudanças ambientais globalmente, contribuindo para mudanças climáticas, aumento na emissão de gases do efeito estufa, perdas de biodiversidade, uso de água potável, desmatamento e exploração ilegal de áreas protegidas, interferência nos ciclos globais de nitrogênio e fósforo e contaminação química3434 Willett W, Rockström J, Loken B, et al. The Lancet Commissions Food in the Anthropocene: the EAT – Lancet Commission on healthy diets from sustainable food systems. 2019; 393(10170):447-492..

Entre essas externalidades, os impactos advindos do uso dos agrotóxicos são especialmente preocupantes já que são amplamente utilizados, apesar de seus evidentes efeitos tóxicos sobre os seres vivos e o meio ambiente. Com a expansão das commodities agrícolas na Revolução Verde, seu mercado foi impulsionado no Brasil, que hoje se configura como um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo55 Fundação Oswaldo Cruz. Agrotóxicos e Saúde. Coleção Saúde, Ambiente e Sustentabilidade. Série Fiocruz – Documentos Institucionais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018.. O País também apresenta políticas de incentivo ao uso de agrotóxicos, mantendo e fortalecendo a liberalização do uso de muitos produtos comprovadamente perigosos, ao mesmo tempo que é frágil para monitorar e controlar seus danos44 Araújo IMM, Oliveira AGRC. Agronegócio e agrotóxicos: impactos à saúde dos trabalhadores agrícolas no nordeste brasileiro. Trabalho, Educ. Saúde. 2017; 15(1):117-129..

Além das consequências à saúde advindas da exposição aguda e direta, mais intensa em trabalhadores rurais e moradores de áreas próximas à aplicação de agrotóxicos, todas as pessoas são inevitavelmente expostas aos agrotóxicos via contaminação ambiental, pelo ar, pela água e pelos alimentos3535 Pignati WA, Souza e Lima FAN, Lara SS, et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(10):3281-3293.. A ingestão de alimentos contaminados por resíduos de agrotóxicos, sejam eles in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados, é considerada a principal via de exposição à maioria dos agrotóxicos pela população3636 Instituto Nacional do Câncer. Agrotóxicos. 2019. [acesso em 2019 nov 12]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/alimentacao/agrotoxicos.
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O que a literatura científica mostra, no entanto, predominantemente as publicações em que não há conflito de interesse declarado, é que a exposição a essas condições pode trazer efeitos negativos à saúde. Dentre eles, destacam-se distúrbios dos sistemas nervoso, digestivo, cardiovascular e urinário além de alterações moleculares específicas que, em médio e longo prazo, podem estar associados a condições cada vez mais incidentes na população, em especial as DCNT, que, até então, são muito pouco associadas ao consumo de alimentos contaminados com resíduos de agrotóxicos ao longo da vida3737 Kim KH, Kabir E, Jahan SA. Exposure to pesticides and the associated human health effects. Science of the Total Env. 2017; 575(1):525-535.,3838 Evangelou E, Ntritsos G, Chondrogiorgi M, et al. Exposure to pesticides and diabetes: A systematic review and meta-analysis. Environment Int. 2016; 91(1):60-68.,3939 Howell GE, Mulligan C, Meek E, et al. Effect of chronic p,p’-dichlorodiphenyldichloroethylene (DDE) exposure on high fat diet-induced alterations in glucose and lipid metabolism in male C57BL/6H mice. Toxicology. 2015 [acesso em 2022 mar 14]; 328(1):112-122. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25541407/.
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No meio ambiente, por sua vez, o desequilíbrio ocasionado pelo uso de agrotóxicos se deve, sobretudo, à contaminação do solo, dos lençóis freáticos, do ar, da flora e da fauna, porque, além de eliminar agentes indesejáveis, os agrotóxicos podem ser tóxicos para uma série de outros organismos, incluindo microrganismos, pássaros, peixes, insetos, agentes polinizadores e plantas não-alvo4040 Lopes CVA, Albuquerque GSC. Agrotóxicos e seus impactos na saúde humana e ambiental: uma revisão sistemática. Saúde debate. 2018 [acesso em 2022 mar 14]; 42(117):518-534. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/bGBYRZvVVKMrV4yzqfwwKtP/?lang=pt.
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Dessa forma, além das barreiras que impedem o acesso aos alimentos em quantidade suficiente dos que deles necessitam, o agronegócio, pelo uso intensivo de agrotóxicos, também não garante a disponibilidade de alimentos seguros e de qualidade para a população, ao mesmo tempo que impacta o meio ambiente e compromete a saúde da população.

Externalidades sociopolíticas e culturais

Do ponto de vista sociopolítico, o modelo do agronegócio e de industrialização de alimentos também tem contribuído fortemente para externalidades negativas, particularmente para o êxodo rural como consequência do aumento da concentração fundiária e de renda. As legislações e políticas públicas em vigor no Brasil, porém, respaldam esse modelo, favorecendo as estruturas patriarcais e as grandes corporações que representam parcela minoritária e privilegiada da população, colaborando para perpetuar injustiças sociais e aumentar significativamente os danos ao meio ambiente e comprometendo o bem-estar e a saúde da população4141 Lambek N. The UN Committee on World Food Security’s break from the agricultural productivity trap. Transnatl. Leg. Theory. 2018; 9(3-4):415-429.,4242 Rocha EC, Canto JL, Pereira PC. Evaluation of environmental impacts among the countries members of Mercosul. Amb. Soc. 2005; 8(2):147-160..

De fato, é o setor privado que domina as principais pesquisas agrícolas, os investimentos na negociação de sementes e a capacidade produtiva, usando patentes para proteger seus direitos de propriedade intelectual. Argumenta-se, no entanto, que essa participação, principalmente nas pesquisas com biotecnologias emergentes, configura-se como uma forma de biopoder, podendo influenciar as direções estratégicas da ciência e distanciar dos interesses públicos, sobretudo no que se refere à utilização das inovações para aumentar a disponibilidade de alimentos, ao mesmo tempo que se garanta a SAN e o DHANA22 Dwivedi SL, Lammerts van Bueren ET, Ceccarelli S, et al. Diversifying Food Systems in the Pursuit of Sustainable Food Production and Healthy Diets. Trends Plant Sci. 2017; 22(10):842-856..

Essas externalidades, além de não serem incorporadas pela cadeia produtiva, ocasionam graves consequência para a sociedade, especialmente para os grupos populacionais em maior situação de vulnerabilidade – de classe, gênero, grupo étnico ou de inserção em territórios e setores econômicos particulares99 Porto MFS, Souza MF. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: um ensaio de epistemologia política. Rev. Crítica Ciênc. Sociais. 2011; 93:31-58.,4141 Lambek N. The UN Committee on World Food Security’s break from the agricultural productivity trap. Transnatl. Leg. Theory. 2018; 9(3-4):415-429..

Por fim, ressalta-se ainda a contribuição do agronegócio e da indústria de alimentos para aumentar o já constatado distanciamento humano em relação aos alimentos, marcado, sobretudo, pela ruptura espacial e temporal da produção e do acesso ao alimento, como resultado da produção em larga escala e da industrialização4343 Proença RPC. Alimentação e globalização: algumas reflexões. Ciênc. Cult. 2010; 62(4):43-47..

Compreendendo o sistema agroalimentar atual sob a ótica do biopoder

Como argumentado anteriormente, os conceitos de SAN e do DHANA não se limitam a proporcionar à população acesso à alimentação em termos estritamente quantitativos, mas deve vincular a essa condição a necessidade de que os alimentos sejam também seguros, de qualidade e estejam disponíveis em condições permanentes, com respeito à soberania alimentar de cada região1717 Oliveira SI, Oliveira KS. Novas perspectivas em educação alimentar e nutricional. Psicol. USP. 2008; 19(1):495-504.. Complementarmente, destaca-se que a IAN não é resultado apenas de baixa produtividade agrícola, mas predominantemente das dimensões socioeconômicas e políticas envolvidas nessa dinâmica, que, muitas vezes, não garantem o DHANA pela sua abordagem reducionista, focada unicamente na maximização da produção e, consequentemente, dos lucros.

Diante dessas constatações, insere-se o conceito de biopoder, que ganhou destaque com as obras de Michel Foucault (França, 1926 – 1984), a partir da década de 1970, após uma série de cursos ministrados no Collège de France, nos quais o filósofo examinou as diversas estruturas políticas engendradas pelas sociedades ocidentais, desde a antiguidade greco-romana até a contemporaneidade4444 Furtado RN, Camilo JAO. O conceito de biopoder no pensamento de Michel Foucault. Rev. Subjetividades. 2017; 16(3):34-44..

Nessa análise, Foucault argumenta que, a partir do século XVIII, passou a predominar na sociedade um novo tipo de poder, mais sutil, dotado de flexibilidade e elasticidade de suas estruturas, como garantia de sua perpetuação na medida em que, mesmo que admita as formas de contestação, são mais facilmente incorporadas e redirecionadas por todo o corpo social4545 Caliman LV, Tavares GM. O biopoder e a gestão dos riscos nas sociedades contemporâneas. Psicol., Ciênc. Prof. 2013; 33(4):934-945..

Assim, diferentemente do poder soberano, que buscava aumento progressivo da rigidez de seus mecanismos, não se busca mais ter o poder sobre a vida, mas, sim, sobre a forma de vida e sobre a qualidade de vida, para, dessa forma, governar a vida posta em prática4646 Bertolini J. Biopoder e mídia: a política do fazer viver se renova e atinge a massa Cad. Comunicação. 2015; 19(2).. Nas palavras de Foucault, isso significa obter a subjugação dos corpos e o controle de populações4747 Foucault M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal; 1979..

Foucault também estabelece que o poder reprime, mas também produz efeitos de saber e verdade. Assim, exercer o poder torna-se possível mediante saberes que lhe servem de instrumento e justificação, que legitimam e viabilizam a gestão dos corpos e dos desejos4848 Ferreirinha IMN, Raitz TR. As relações de poder em Michel Foucault: reflexões teóricas. Rev. Adm. Pública. 2010; 44(2):367-383.,4949 Arnason G. Bipower (Foucault). Encyclopedia of Applied Ethics. 2. ed. Philadelphia: Elsevier; 2012. p. 295-299.. Tal estratégia precisa calcular, antecipar, medir e prever o que pode colocar a vida em risco, por isso o biopoder tem nos mecanismos de previsão, estatística e probabilidade ferramentas importantes de mapeamento e diagnóstico já que números, porcentagens e probabilidades produzem discursos potentes5050 Garré BH, Henning PC. Discurso da crise ambiental na mídia impressa. Educ. Rev. 2017; 33(1):e138587..

É diante dessa análise que se propõe neste ensaio a análise do sistema agroalimentar nos moldes do agronegócio sob a ótica do biopoder, como caminho para compreensão de sua nocividade e das alternativas sustentáveis possíveis. Um modelo teórico dessa análise, incluindo os aspectos sociais, políticos, econômicos, ambientais e culturais associados, é apresentado na figura 1. Esse modelo foi construído por meio das interpretações das relações de poder em Foucault, das evidências sobre o agronegócio e seus impactos, obtidas na revisão bibliográfica discutida anteriormente, e das possibilidades oferecidas por modelos sustentáveis.

Figura 1
Modelo de compreensão de sistemas agroalimentares sustentáveis e insustentáveis sob a ótica do biopoder e os aspectos sociais, políticos, econômicos, ambientais e culturais decorrentes dessas relações.

Para Junges5151 Junges JR. O nascimento da bioética e a constituição do biopoder. Acta Bioethica. 2011; 17(2):171-178., o poder simbólico do mercado, que suscita crescentes demandas de consumo, é um exemplo típico de biopoder. No âmbito da saúde, por exemplo, o autor argumenta que as multinacionais de biotecnologia comercializam produtos com um marketing simbólico que produz subjetividade, apresentando o consumo desses produtos como uma necessidade, levando à exigência jurídica ao acesso a eles como um direito5252 Junges JR. Direito à saúde, biopoder e bioética. Interface. 2009; 13(29):285-295..

De forma análoga à saúde, propõe-se que, no âmbito do sistema agroalimentar posto em prática atualmente, também existam manifestações de biopoder. Nesse caso, fortalecidas pela atuação das indústrias agrícola, agroquímica e de alimentos, enquanto normatizadoras e geradoras de necessidades por produtos, desconsiderando suas externalidades negativas e sobrepondo princípios morais e éticos, infringem-se direitos básicos e a autonomia dos sujeitos no que tange a suas práticas alimentares, sua soberania alimentar e seu direito à saúde ou, de forma mais ampla, seus direitos humanos.

A partir desses conceitos, argumenta-se que os discursos produzidos no campo agroalimentar colocam, frente a frente, conflitos de interesse, que, nas palavras de Ferreira et al.5353 Ferreira FR, Prado SD, Carvalho MCVS, et al. Biopower and biopolitics in the field of Food and Nutrition. Rev. Nutr. 2015 [acesso em 2022 mar 14]; 28(1):109-119. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rn/a/BhhwFqx3TNBnXDyXQsvD7fz/?lang=en.
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, materializam-se em disputas políticas travestidas de discussões epistemológicas abstratas, estratégias de sedução e normatização, traduzindo instâncias de poder em confronto, interesses econômicos, conflitos estruturais e embates políticos.

No Brasil, historicamente, isso esteve muito presente nas estratégias de consolidação do agronegócio como modelo sofisticado, eficiente e produtivo da década de 1990, como citado anteriormente. Segundo Sauer66 Sauer S. Agricultura familiar versus agronegócio: a dinâmica sociopolítica do campo brasileiro. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica; 2008., diante da dinâmica sociopolítica do meio rural brasileiro na época, marcada por disputas entre grandes proprietários e setores marginalizados, estabeleceu-se oposição imediata entre os conceitos de agronegócio e de agricultura familiar considerada por esses grupos minoritários como uma forma arcaica ineficiente de produção e cultivo da terra, especialmente pela não incorporação de tecnologias. As estratégias de legitimação posteriores resultaram no uso corrente e dominante do termo agronegócio como um processo de modernização tecnológica, simbolicamente e politicamente antagônico à agricultura familiar ou camponesa.

Atualmente, várias outras situações podem ser caracterizadas como formas de biopoder. Por exemplo, o domínio do mercado agrícola e de alimentos por um grupo cada vez mais restrito de corporações, desde à produção de sementes até o varejo, passando pelos agrotóxicos e outros insumos, que buscam, sobretudo, aumento da rentabilidade e redução de custos pela padronização do que se produz e se consome globalmente. Essas corporações, por sua vez, assumem participação crescente no setor de pesquisa e desenvolvimento e na propriedade de tecnologias emergentes e de inovações, que, como argumentado anteriormente, podem influenciar as direções estratégicas da ciência e das políticas públicas para objetivos diferentes das demandas da população22 Dwivedi SL, Lammerts van Bueren ET, Ceccarelli S, et al. Diversifying Food Systems in the Pursuit of Sustainable Food Production and Healthy Diets. Trends Plant Sci. 2017; 22(10):842-856..

A Nota Técnica nº 42/2020, emitida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)5454 Brasil. Ministério da Agricultura, Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde. Manifestação do Nupens/USP sobre a Nota Técnica nº 42/2020 do Ministério da Agricultura com descabidos ataques ao Guia Alimentar para a População Brasileira. 2020. [acesso em 2020 set 30]. Disponível em: https://www.fsp.usp.br/nupens/nota-oficial/.
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para justificar a necessidade de revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira editada pelo Ministério da Saúde em 20145555 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Guia Alimentar para a População Brasileira. Brasília, DF: MS; 2014., também é um exemplo de biopoder e confronto por interesses políticos e econômicos. Com embasamento científico limitado e contraditório, a apresentação de críticas à classificação de alimentos de acordo com o nível de processamento utilizada pelo Guia (classificação NOVA) levou à manifestação de vários membros e representantes da sociedade e instituições de ensino e pesquisa na área de alimentação e nutrição. Essas discussões destacaram a prevalência dos interesses econômicos do Mapa em sobreposição aos interesses da saúde pública ao desconsiderar a abordagem inovadora e os avanços que o Guia propõe na forma de lidar com os problemas atuais ligados à alimentação e à nutrição5656 Oliveira MSDS, Amparo-Santos L. Food-based dietary guidelines: a comparative analysis between the Dietary Guidelines for the Brazilian Population 2006 and 2014. Public Health Nutr. 2018; 21(1):255.,5757 Bortolini GA, Moura ALP, Lima AMC, et al. Guias alimentares: estratégia para redução do consumo de alimentos ultraprocessados e prevenção da obesidade. Rer. Panam. Salud Publica. 2019; (43):e59., bem como os estudos que reconhecem que o elevado consumo de produtos ultraprocessados pioram o quadro de SAN e levam à maior incidência de DCNT3737 Kim KH, Kabir E, Jahan SA. Exposure to pesticides and the associated human health effects. Science of the Total Env. 2017; 575(1):525-535.,3838 Evangelou E, Ntritsos G, Chondrogiorgi M, et al. Exposure to pesticides and diabetes: A systematic review and meta-analysis. Environment Int. 2016; 91(1):60-68.,3939 Howell GE, Mulligan C, Meek E, et al. Effect of chronic p,p’-dichlorodiphenyldichloroethylene (DDE) exposure on high fat diet-induced alterations in glucose and lipid metabolism in male C57BL/6H mice. Toxicology. 2015 [acesso em 2022 mar 14]; 328(1):112-122. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25541407/.
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No que tange à ruptura espacial e temporal da produção e do acesso ao alimento, como resultado da produção em larga escala e da industrialização e ultraprocessamento, argumenta-se que também existam novas disposições nas relações de poder – características de biopoder – que dificultam a percepção da origem e/ou dos ingredientes que compõem determinado alimento, mudando o caráter das interações no sistema alimentar e impedindo a autonomia dos sujeitos5858 Castelo Branco G. As resistências ao poder em Michel Foucault. Trans/form/ação. 2001; 24(1):237-248..

Há ainda os conflitos de interesse na ciência, que levam à aprovação de medidas controversas em espaços decisórios públicos, como aconteceu em 2019 em um painel publicado pela ‘Annals of Internal Medicine’5959 Johnston BC, Zeraatkar D, Han MA, et al. Unprocessed red meat and processed meat consumption: dietary guideline recommendations. Ann. Intern. Med. 2019; 171(10):756-764. que recomendava que o consumo de carne vermelha e de produtos cárneos processados poderiam ser mantidos devido à baixa qualidade das evidências disponíveis que trata dos benefícios para a saúde de reduzir o consumo de carne. Mais tarde, essa publicação foi corrigida e retratada após o conselho editorial ser notificado que o autor principal não havia declarado o recebimento de auxílio financeiro de uma indústria do setor agrícola6060 Dyer O. Controversial red meat study adds correction over undisclosed industry funding. BMJ. 2020; (368):m111..

Outro exemplo são os dispositivos político--jurídicos de flexibilização do uso de agrotóxicos ou da legislação ambiental para permitir a produção agrícola em terras indígenas55 Fundação Oswaldo Cruz. Agrotóxicos e Saúde. Coleção Saúde, Ambiente e Sustentabilidade. Série Fiocruz – Documentos Institucionais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018., além da escassez de subsídios para a agricultura familiar e orgânica, em comparação à oferta de recursos alocados para o agronegócio. Ancorado pela lógica do capital financeiro, percebe-se que o Estado vem mantendo e fortalecendo os setores do agronegócio, além de dar respaldo aos modelos de industrialização e comercialização de alimentos44 Araújo IMM, Oliveira AGRC. Agronegócio e agrotóxicos: impactos à saúde dos trabalhadores agrícolas no nordeste brasileiro. Trabalho, Educ. Saúde. 2017; 15(1):117-129.,4141 Lambek N. The UN Committee on World Food Security’s break from the agricultural productivity trap. Transnatl. Leg. Theory. 2018; 9(3-4):415-429. mesmo diante das evidências consistentes de seus efeitos danosos sobre a saúde e o meio ambiente.

De fato, algumas políticas públicas têm sido mais voltadas para atender aos interesses de setores de produção do que às necessidades fundamentais da população, que, na prática, entende-se configurar a subjugação dos corpos e o controle de populações em Foucault4747 Foucault M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal; 1979.. Desse modo, é figurado o processo de modernização da agricultura como conservador e excludente, ao tornar a posse da terra e a riqueza cada vez mais concentrada, ao passo que aprofunda as desigualdades, sendo esses impactos ainda mais severos em grupos populacionais em maior situação de vulnerabilidade6161 Costa R. Modernização agrícola conservadora e as alterações socioespaciais no distrito de Lagoinha-Quixeré (CE). [monografia]. Limoeiro do Norte: Universidade Estadual do Ceará; 2006. 75 p..

Cabe ressaltar que a condição de vulnerabilidade, na ótica do biopoder, não se refere apenas aos grupos de maior exposição às externalidades, mas também a todos que têm dificuldades de reconhecer o problema, de torná-lo público, de enfrentar as nocividades e de influenciar os processos decisórios que os afetam99 Porto MFS, Souza MF. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: um ensaio de epistemologia política. Rev. Crítica Ciênc. Sociais. 2011; 93:31-58.. Isto é, dificuldades de reconhecer e enfrentar as relações de biopoder.

Junges5151 Junges JR. O nascimento da bioética e a constituição do biopoder. Acta Bioethica. 2011; 17(2):171-178. cita que o biopoder da atual tecnologia em gerar habilidades no domínio da vida é o desafio fundamental da bioética em sua tarefa de defender e proteger a vida. Os exemplos acima, no entanto, indicam que este seja também o desafio fundamental da saúde pública.

Educação como forma de resistência ao biopoder

Se, por um lado, o conceito de biopoder permite reconhecer a hegemonia capitalista e suas barreiras sobre a autonomia do sujeito, por outro, o pensamento de Michel Foucault traz contribuições ao enfatizar o papel do sujeito e das coletividades nas lutas de transformação das estruturas de poder vigentes, ou nas resistências ao poder. Sob certas condições, a força dos grupos tem o potencial de contestar os sistemas hegemônicos de poder e de ter êxito em modificá-los, quando opera e age segundo métodos e motivos bem definidos5858 Castelo Branco G. As resistências ao poder em Michel Foucault. Trans/form/ação. 2001; 24(1):237-248..

Nesse raciocínio, e tomando como referência o pensamento de Foucault de que exercer o poder torna-se possível mediante conhecimentos que lhe servem de instrumento e justificação, é útil se preocupar com a forma como a população é gerida e como se pode resistir aos efeitos que essa gestão tem sobre ela4949 Arnason G. Bipower (Foucault). Encyclopedia of Applied Ethics. 2. ed. Philadelphia: Elsevier; 2012. p. 295-299.. Apesar da impossibilidade de eliminar totalmente as relações de poder que regem a vida em sociedade, argumenta-se que é possível aprimorá-las e se defender de seus efeitos nocivos mediante a educação dos sujeitos em prol da construção de autonomia e criticidade, abrindo-se, assim, novas possibilidades de ação.

O Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)6262 Delors J, Al-Muft I, Amagi I, et al. Educação: Um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Brasília, DF: Unesco; 1996. [acesso em 2020 set 18]. Disponível em: http://dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf.
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relata uma preocupação nesse aspecto ao apontar que:

[…] cabe à educação simultaneamente encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficarem submergidas nas ondas de informações, mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e privados e as levem a orientar-se para projetos de desenvolvimento individuais e coletivos. À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele.

A educação popular, nesse caso, apresenta--se com potencial de transformação social, partindo do princípio do desenvolvimento da consciência crítica, a qual preza pelo processo de educação participativa, dialogada e afetiva, valorizando seus saberes preexistentes6363 Brasil. Secretaria Geral da Presidência da República, Secretaria Nacional de Articulação Social. Marco de Referência da Educação Popular Para as Políticas Públicas. Brasília, DF: SNAS; 2014.. Alinhada aos princípios da educação de Paulo Freire, a educação popular vislumbra efeito conscientizador por meio da reflexão coletiva a partir de elementos da própria vivência e cultura, possibilitando a educação transformadora e humanizadora, a partir do debate sobre suas próprias circunstâncias6464 Freire P. Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processo. In: Fávero O, organizador. Cultura popular, educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro: Graal; 1983.,6565 Brandão CR, Fagundes MCV. Cultura popular e educação popular: expressões da proposta freireana para um sistema de educação. Educ. Revista. 2016; (61):89-106..

No âmbito da presente discussão, isso inclui a reflexão sobre os sistemas agroalimentares hegemônicos e contra hegemônicos e suas externalidades, os conflitos de interesse que permeiam os processos decisórios, os agentes influenciadores das práticas alimentares de sujeitos e coletividades, além do reconhecimento da alimentação e da saúde como direitos humanos básicos e que requerem movimentos em defesa do DHANA, da SAN e da soberania alimentar.

No Brasil, um marco importante que contribuiu para avanços nessa discussão foi a institucionalização da educação popular em saúde na Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEP) em 2013, constituindo elemento norteador para ações participativas entre serviços de saúde, movimentos populares e espaços acadêmicos, na concepção da participação social, valorização de diferentes saberes e educação emancipatória6666 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Educação Popular em Saúde. Brasília, DF: MS; 2013..

Alguns exemplos de sucesso incluem as políticas públicas relacionadas com os agrotóxicos no âmbito do SUS, como a Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA), que integra a Política Nacional de Vigilância em Saúde, e tem o objetivo de executar

ações de saúde integradas, compreendendo a promoção à saúde, à vigilância, à prevenção e ao controle dos agravos e das doenças decorrentes da intoxicação exógena por agrotóxicos6767 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos. Brasília, DF: MS; 2017.(7).

Na mesma perspectiva, a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) se coloca como estratégia essencial para promover o debate, atuar perante os modelos hegemônicos de produção e consumo de alimentos e viabilizar movimentos de promoção da SAN e do DHANA. Por envolver os aspectos biológicos da alimentação e da nutrição juntamente com fatores psicológicos, sociais, políticos, econômicos, culturais, espirituais/religiosos e éticos que formam os sujeitos6868 Pereira RC, Inácio MLC, Angelis-Pereira MC. Educação alimentar e nutricional: das bases teóricas às experiências práticas. Lavras: Editora UFLA; 2019. 226 p., a EAN, ao propor abordagens pedagógicas com participação ativa, contextualizadas à realidade dos sujeitos, com luz à interação dos conhecimentos científicos e populares6969 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, DF: MS; 2012., mostra--se, no campo da saúde pública, sobretudo na atenção básica, como uma potente estratégia de atuação para educação e reflexão crítica dos sistemas agroalimentares.

O próprio Marco de Referência de EAN para as Políticas Públicas7070 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília, DF: MDS; 2012. reforça essa discussão ao propor os princípios da EAN na promoção da alimentação adequada e saudável, em que se refere, entre outros fatores, à satisfação das necessidades alimentares sem o sacrifício de recursos naturais e que envolva relações econômicas e sociais estabelecidas a partir da ética, da justiça, da equidade e da soberania.

O ‘Guia Alimentar para a População Brasileira’5555 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Guia Alimentar para a População Brasileira. Brasília, DF: MS; 2014. também se coloca como instrumento importante nesse aspecto. Em uma de suas orientações, a alimentação adequada e saudável é colocada como aquela derivada de sistema alimentar social e ambientalmente sustentável, que diverge do modelo convencional predominante atualmente, principalmente no que se refere às técnicas de cultivo, uso de fertilizantes, controle biológico, conservação e biodiversidade do meio ambiente, capilaridade do mercado e distanciamento do consumidor.

Cabe colocar, no entanto, que ainda existem aspectos estruturais que impedem a verdadeira construção de sujeitos e coletividades críticas e autônomas, e, consequentemente, a implantação efetiva de mecanismos de combate ao biopoder como os citados anteriormente. Dentre eles, merece destaque o próprio modelo educacional, ainda restrito em concepções pedagógicas tradicionais que não promovem diálogo e problematização, desde o ensino fundamental até o superior, impedindo a construção de sujeitos capazes de entender e contrapor esses discursos hegemônicos.

Caminhos para a construção de modelos sustentáveis

Entendendo que as condições existentes de desigualdade e pobreza são decorrentes da ausência e inoperância de políticas públicas sociais que assegurem o DHANA, a SAN e a soberania alimentar como fundamentos para a garantia do direito à cidadania1717 Oliveira SI, Oliveira KS. Novas perspectivas em educação alimentar e nutricional. Psicol. USP. 2008; 19(1):495-504., cada nação tem de estabelecer políticas que garantam acesso à terra, a serviços públicos adequados e à proteção aos serviços extrativistas. Também deve fomentar práticas alimentares locais e o desenvolvimento sustentável, pautado na integridade dos recursos naturais, na resiliência econômica, no bem-estar social e na boa governança7171 Mason P, Lang T. Sustainable diets: How ecological Nutrition can transform consumption and the food system. New York: Routledge; 2017..

Nesse cenário, a atuação profissional ética e crítica tem papel importante não apenas na denúncia dos impactos negativos para a saúde e o meio ambiente ocasionados pelo sistema agroalimentar hegemônico, mas também, ao mesmo tempo, no fortalecimento dos discursos sobre a necessidade de repensar as formas de produção e de consumo atuais, além do apoio aos modelos sustentáveis e justos, como a agroecologia55 Fundação Oswaldo Cruz. Agrotóxicos e Saúde. Coleção Saúde, Ambiente e Sustentabilidade. Série Fiocruz – Documentos Institucionais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018.,7272 Fundação Oswaldo Cruz. Sistema agroalimentar, produtor de doença e iniquidade. 2018. [acesso em 2020 set 30]. Disponível em: https://cee.fiocruz.br/?q=node/873.
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A agroecologia pode ser entendida como,

Um conjunto de conhecimentos sistematizados, baseados em técnicas e saberes tradicionais (dos povos originários e camponeses) que incorporam princípios ecológicos e valores culturais às práticas agrícolas, [hoje descaracterizadas pelo agronegócio]7373 Caldart RS, Pereira IB, Alentejano P, et al. Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; Expressão Popular; 2012.(59).

De fato, a produção de alimentos oriundos de base agroecológica ou orgânica têm recebido cada vez mais interesse e adesão dos consumidores, juntamente com o consumo de alimentos in natura e minimamente processados oriundos da agricultura familiar. Essas opções são vantajosas, não apenas considerando a relevância nutricional e a capacidade de garantir a SAN, mas também por sua representação social, econômica, política, ambiental e cultural, indo de encontro às recomendações e orientações dadas pelos principais órgãos e entidades voltadas para a saúde pública mundial no que se refere a adoção e manutenção de práticas alimentares saudáveis e sustentáveis3434 Willett W, Rockström J, Loken B, et al. The Lancet Commissions Food in the Anthropocene: the EAT – Lancet Commission on healthy diets from sustainable food systems. 2019; 393(10170):447-492.,5555 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Guia Alimentar para a População Brasileira. Brasília, DF: MS; 2014..

Ademais, ao contrário do que se argumenta, além de serem viáveis para atender às demandas da população, os alimentos produzidos por esses sistemas também podem ser mais baratos. O último Censo Agropecuário, de 2017, por exemplo, aponta que, no Brasil, a agricultura familiar, mesmo sem os incentivos governamentais, ainda produz a maior parte dos alimentos in natura que compõem a base da alimentação dos brasileiros, como feijão (70%), mandioca (87%), milho (46%), arroz (34%), café (38%), trigo (21%) e leite (60%). Por outro lado, o sistema agroindustrial entrega apenas 30% dos alimentos, mas usa 80% da terra arável e 70% da água para o uso agrícola2121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário, Florestal e Aquícola; 2017. [acesso em 2022 mar 14]. Disponível em: https://censos.ibge.gov.br/agro/2017/.
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Quanto ao preço, uma pesquisa realizada pela Embrapa traz indícios de que os preços dos produtos orgânicos em feiras livres são mais baixos ou iguais aos dos convencionais. Na pesquisa realizada em Campinas, a média dos preços, analisados por unidade, tipo de produto e local de venda, indicou que alimentos orgânicos adquiridos em feiras foram aproximadamente 43% mais baratos que os adquiridos em supermercados. Para os alimentos convencionais, essa diferença foi de 2,6%7474 Watanabe MA, Luiz AJB, Abreu LS. Preços de hortifrutis convencionais e orgânicos em feiras livres e supermercado de Barão Geraldo. In: 56º Congresso SOBER; 2018 29 jul-1 ago, Campinas. Campinas: Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2018. p. 1-11. .

É importante ressaltar, porém, que essas evidências e iniciativas ainda são limitadas e pontuais, precisando ser acompanhadas por esforços e investimentos governamentais, de instituições públicas e privadas e da sociedade civil para promoção, aperfeiçoamento e divulgação dessas experiências. É diante dessas considerações que se reforça, portanto, a necessidade de os profissionais das áreas da ciência agronômica, de alimentos e da nutrição se fundamentarem cientificamente e, de forma crítica, compreenderem com maior abrangência os fatores que envolvem a produção, o processamento e o consumo de alimentos, possibilitando a atuação em prol da verdadeira promoção da SAN, do DHANA e da soberania alimentar.

Considerações finais

O agronegócio, apesar de, historicamente, ter tido sua imagem construída por discursos que ressaltam sua sofisticação, eficiência e produtividade, além de suas externalidades negativas sobre a saúde e o meio ambiente, não tem se mostrado capaz de garantir a SAN da população. Além das barreiras que impedem o acesso aos alimentos em quantidade suficiente, o agronegócio, sobretudo pelo uso intensivo de agrotóxicos, também não garante a disponibilidade de alimentos seguros e de qualidade, ao mesmo tempo que impacta o meio ambiente e compromete a saúde da população, somado aos seus impactos políticos, econômicos, sociais e culturais.

A análise desse sistema agroalimentar sob a ótica do biopoder destaca que a atuação das indústrias agrícola, agroquímica e de alimentos, enquanto normatizadoras e geradoras de consumo, domina os investimentos, a tecnologia e o controle da capacidade produtiva, ao mesmo tempo que desconsideram princípios morais e éticos, infringem direitos humanos básicos e a autonomia dos sujeitos, particularmente no que se refere às suas práticas alimentares, à soberania alimentar e ao DHANA. O biopoder do agronegócio, portanto, se coloca como um dos maiores desafios a ser superado pela saúde pública em sua tarefa de promoção e manutenção da saúde da população.

Por outro lado, essa análise permite trazer contribuições ao enfatizar que, por meio da educação, em especial a educação popular e a EAN para a promoção da autonomia e da criticidade, consegue-se, em longo prazo, construir sujeitos e coletividades capazes de transformar as estruturas de poder vigentes e de agir em prol de políticas públicas que fomentem práticas justas, saudáveis e sustentáveis, dentro dos princípios da ética e da moralidade.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2020
  • Aceito
    27 Jun 2021
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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