Tão perto e tão longe: trajetória da agroecologia na agenda brasileira de políticas públicas

So close and so far: trajectory of agroecology on the Brazilian public policy agenda

João Mendes da Rocha NetoSobre o autor

RESUMO

Entendida como uma mudança paradigmática, a agroecologia foi incluída na agenda de políticas públicas do Estado brasileiro só muito recentemente. Em meio a disputas, cumpriu uma interessante trajetória, constituindo um arranjo de governança e construindo instrumentos relevantes, mas, desde o ano de 2016, não foi capaz de reunir condições para seu fortalecimento, com indícios que sugerem a sua extinção. Diante do exposto, o objetivo do artigo foi discutir essa trajetória de ascensão e extinção da política de agroecologia, tomando por base suportes teóricos e elementos do ambiente político-institucional que sugerem a fragilização como etapa antecedente da extinção. Para a elaboração do artigo, foi realizada revisão bibliográfica com autores de diversos campos do conhecimento que possibilitaram problematizar o objeto. Além disso, foi feito um levantamento nas fontes oficiais no sentido de caracterizar a política da agroecologia, seus instrumentos de gestão e governança, e, por fim, documentos oficiais e outros acontecimentos recentes que indicam seu enfraquecimento. Nesse sentido, o artigo concluiu que o curto percurso feito pelo arranjo institucional da agroecologia se mostrou uma experiência exitosa, mas não o suficiente para resistir a agendas conservadoras dos governos recentes.

PALAVRAS-CHAVES
Política pública; Agricultura sustentável; Governança; Programas governamentais; Governo federal

ABSTRACT

Understood as a paradigm shift, agroecology was included in the public policy agenda of the Brazilian State only very recently. It had an interesting trajectory, in the midst of disputes, constituting a governance arrangement and building relevant instruments, but has not been able to meet the conditions for its strengthening, since 2016, with signs that point to the extinction of agroecology as a policy. Given the aforementioned, the objective of the article is to discuss such a trajectory of ascension and extinction, based on theoretical supports and elements of the institutional political environment that suggest fragility as a precedent stage of extinction. For the preparation of the article, a bibliographic review was carried out with authors from different fields of knowledge that allowed to problematize the object, in addition, a survey was carried out with official sources in order to characterize the agroecological policy, its management and governance instruments, and finally, official documents and other recent events that indicate its weakening. In this sense, the article concluded that the short path traveled by the institutional arrangement of agroecology turned out to be a successful experience, but not enough to resist the conservative agendas of recent administrations.

KEYWORDS
Public policy; Sustainable agriculture; Governance; Government programs; Federal government

Considerações iniciais

O debate sobre sustentabilidade, apesar de amplamente levado ao conhecimento da população brasileira, ainda é um desafio quando se trata de formular políticas públicas. Historicamente, o Estado brasileiro se orientou por modelos de desenvolvimento mais preocupados com o crescimento econômico do que propriamente com o desenvolvimento em sua essência. Isso se refletiu em uma agenda de políticas públicas bastante conservadoras e pouco permeáveis a inovações paradigmáticas.

Entretanto, nos últimos anos, um dos temas objeto dessas mudanças mais substantivas foi a incorporação da agroecologia na agenda de políticas públicas a partir da institucionalização que visibilizasse o modelo agroecológico voltado para produção orgânica. Isso indicava uma perspectiva alternativa ao agronegócio, que domina a pauta de exportações e o imaginário de grande parte da população brasileira como um modelo bem-sucedido de agricultura.

No entanto, desde 2016, a pauta vem passando por um paulatino enfraquecimento, sugerindo a possibilidade de ser extinta em um futuro muito próximo, a se considerar os elementos, de toda ordem, que sinalizam para esse cenário. Dessa forma, verifica-se que existe um período de ascensão e visibilidade do tema e seu arranjo institucional, seguido por uma desestruturação, por intermédio de movimentos políticos.

Assim, o objetivo do artigo é discutir a trajetória da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), considerando-a em um contexto de inovação na agenda de políticas públicas, bem como nos elementos que indicam forte possibilidade de sua extinção.

Para a elaboração do artigo, foi realizada revisão bibliográfica com autores de diversos campos do conhecimento que possibilitaram o entendimento da questão e que compõem as secções iniciais. Cabe destacar que o percurso se orientou pelo debate de políticas públicas e inovação, além de reflexões com base na literatura, ainda pouco explorada no Brasil, sobre a extinção de políticas e instituições. Para ilustrar essa trajetória, foi realizado um levantamento nas fontes oficiais, como a Presidência da República, a Secretaria de Orçamento Federal, com a finalidade de caracterizar a política, que reuniu a legislação que instituiu as políticas, os planos e os programas, bem como as informações sobre a gestão da política e seus arranjos de governança e disponibilidade de recursos orçamentários. Esses elementos possibilitaram a reflexão sobre o atual momento vivenciado pela PNAPO, que indica um processo de extinção em curso, com o desaparecimento do tema na agenda de políticas públicas federais, mas também sobre a possibilidade de amplificar análises da mesma natureza a partir do framework escolhido.

Breve aparte sobre políticas públicas

O conceito de políticas públicas é compreendido em uma perspectiva polissêmica, que poderia ser amplamente discutido, mas também pode ser balizado pelo entendimento de alguns autores, tais como Lynn11 Lynn LE. Design Public Policy: a casebook on the role of policy analysis. Santa Monica: Gooyear; 1980., que as define como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos.

Para Souza22 Souza C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias. 2006; (16):20-45., a políticas públicas seriam o resultado do governo atuando para solucionar problemas. Essa linha de raciocínio é seguida por Peters33 Peters BG. American Public Policy. Chatham: Chatham House; 1986., que as entende como uma somatória das ações governamentais por intervenção direta ou delegando atividades que influenciarão a vida dos cidadãos. Já Rua44 Rua MG. Análise de políticas públicas: conceitos básicos. (No prelo); 1997.(2) entende as políticas públicas como um conjunto de decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores, cujo aspecto central “[...] é o fato de que as decisões e ações são revestidas da autoridade soberana do poder público [...]”. Isso significa dizer que as ações – sejam elas normativas ou operacionais – emanadas do Estado são respostas às demandas e às reivindicações dos diferentes grupos sociais e corporações.

As reflexões anteriores servem para demonstrar que não existe um único conceito de política pública. Ademais, entre as concepções existentes sobre o tema, não se pode afirmar que uma seja melhor ou pior que a outra22 Souza C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias. 2006; (16):20-45.. Cabe enfatizar a concordância dos autores quanto ao fato de as políticas públicas comportarem vários olhares e que, pela característica intrínseca a elas, a pluralidade de pontos de vista é necessária e vital para o progresso desse campo de conhecimento.

Da mesma forma, não há um caminho único a ser seguido em políticas públicas, mas existem algumas divisões que intencionam facilitar esse processo: formulação, implementação e avaliação. Ressalte-se que essa divisão, mais simplista, serve para facilitar o entendimento, já que, segundo Saravia55 Saravia E. Introdução à teoria da política pública. In: Saravia E, Ferrarezi E, organizadores. Políticas Públicas. v. 1. Brasília, DF: ENAP; 2006. p. 21-42.(29): “As modernas teorias do caos são as que mais se aproximam de uma visualização adequada da dinâmica social”. Pode-se considerar que políticas públicas são, também, estratégias, agregando componentes para realizar uma ação indispensável e exequível em determinado momento para atingir determinado objetivo55 Saravia E. Introdução à teoria da política pública. In: Saravia E, Ferrarezi E, organizadores. Políticas Públicas. v. 1. Brasília, DF: ENAP; 2006. p. 21-42.,66 Bucci MPD. O conceito de política pública em direito. In: Bucci MPD, organizador. Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva; 2006..

Mais importante do que tentar chegar a um consenso acerca de um conceito único ou homogêneo, é preciso compreender que o processo de política pública não possui uma racionalidade manifesta. Não se trata, portanto, de um processo em que há uma ordenação bem definida na qual cada ator social conhece e desempenha o papel esperado. Além disso, cabe salientar que, embora possa haver elementos comuns relativos às características das políticas públicas, o formato concreto delas dependerá de cada sociedade específica, do estágio de maturidade de cada uma delas, e do grau de participação dos grupos interessados e das instituições inseridas nesse contexto.

Um alvissareiro sinal: a agroecologia como inovação

A partir dos acordos internacionais, no âmbito das convenções mundiais em torno do tema da sustentabilidade, os formuladores de políticas públicas brasileiros introduziram diretrizes de Desenvolvimento Sustentável à atuação governamental. No Brasil, percebe-se que o tema Desenvolvimento Sustentável entra na agenda de gestão pública quando é incluído, de forma expressa, nos objetivos de ações governamentais em diferentes órgãos de governo ou diferentes políticas públicas, ou nos discursos internacionais dos presidentes do Brasil, ainda que separados por projetos diferentes de governo77 Brasil. Discursos do Presidente da República. Portal do Planalto. 2015 set [acesso em 2020 fev 5]. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/discursos-da-presidenta/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-roussef-durante-abertura-da-70a-assembleia-geral-das-nacoes-unidas.
http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-...
,88 Brasil. Discursos do Presidente da República. Portal do Planalto. 2016 set [acesso em 2020 fev 5]. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/discursos/discursos-do-presidente-da-republica/discurso-do-presidente-da-republica-michel-temer-durante-almoco-de-trabalho-e-quarta-sessao-de-trabalho-da-cupula-do-g20.
http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-pl...
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A adoção do paradigma agroecológico como política pública, mas não como prioridade, sinaliza para mudanças, mesmo que pontualmente, pois não é possível entender a administração pública como um bloco monolítico capaz de absorver modificações simultaneamente, considerando aspectos complexos e subjetivos que devem ser incorporados às análises dessa capacidade de aceitar e promover inovações. A profundidade das mudanças, em tese, pode vir da adoção de políticas públicas e de outras iniciativas que incentivem a inovação, mas não asseguram que sua difusão ocorra ao mesmo tempo nem com a mesma profundidade, considerando a trajetória histórica de alguns órgãos e suas culturas organizacionais.

Nesse sentido, cumpre dar lugar a Schumpeter99 Schumpeter J. Theory of economic development. Cambridge: Harvard University Press; 1934., que desenvolveu reflexões sobre a inovação voltadas para o mercado, mas que tem sido cada vez mais utilizado em processos inovativos na administração pública, tomando por base sua teorização no debate sobre as mudanças paradigmáticas dos últimos anos.

Para Lynn1010 Lynn L. Innovation and the public interest: insights from the private sector. In: Althuser AA, Behn RD, editores. Innovation in American government: challenges, opportunities and dilemmas. Washington: Brookings Institution; 1997., a inovação no governo estaria devidamente definida como uma transformação fundamental, disruptiva e original das tarefas essenciais da organização. No entendimento do autor, a inovação muda estruturas profundas, modificando-as permanentemente. Ou seja, seriam aquelas transformações que demarcam fases ou mesmo que promovem novos arranjos, mas também podem ser o fim de instituições, de culturas organizacionais, de políticas públicas e de marcos normativos.

Sob esse aspecto, pode-se entender que a proposta de incorporar a produção orgânica e a agroecologia na agenda de políticas públicas brasileira estaria situada em uma posição intermediária. Se, por um lado, a mudança radical situa-se na formalização de instrumentos de planejamento e governança voltados para o tema, por outro, a cultura de algumas organizações governamentais mais conservadoras e a ausência de decisões mais tempestivas revelam a persistência de alguns grupos de interesse e suas coalizões como obstáculos ao alcance de resultados.

Adicionalmente, o debate de Tidd, Bessant e Pavitt1111 Tidd J, Bessant J, Pavitt K. Gestão da inovação. 3. ed. Porto Alegre: Bookman; 2008. mostra-se relevante ao tratar a inovação em quatro categorias, sendo uma delas a inovação de paradigma, que teria foco em mudanças nos modelos mentais subjacentes que orientam o trabalho da organização. Ainda segundo os autores, a inovação se distingue segundo o grau de novidade envolvido em sua difusão. Quando se limita a uma única organização, a inovação pode ser vista como incremental, que deseja melhorias de desempenho; quando se espraia e promove modificações significativas, pode ser classificada como radical.

Em alguns casos, trata-se de modificações substantivas, em outros, mais incrementais, dependendo de um conjunto de fatores que vão desde a capacidade de implantação, financiamento e engajamento do corpo social no tema. Tal realidade é corroborada por Mulgan1212 Mulgan G. Ready or not? Taking innovation in the public sector seriously. Londres: Nesta; 2007., ao comentar que o processo de inovação no setor público deve evidenciar ideias eficazes para criar valor público, sendo necessário que se mostrem mais do que meras melhorias incrementais e sejam úteis e viáveis quanto à implantação.

Quando tais mudanças impõem inovações, os desafios se ampliam, e entram em cena aspectos que constituem a gênese das sociedades contemporâneas: os interesses divergentes e as corporações, que repercutem na agenda de políticas públicas. Assim, pode-se entender que a mudança implica rupturas paradigmáticas e um processo de sensibilização e aprendizagem para operar a partir dessas novas orientações, o que é um fator de resistência de indivíduos e instituições.

A adoção do paradigma agroecológico, portanto, visto como inovação na agenda, poderia ser resultante desse percurso, em que compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro em relação às questões ambientais são traduzidos na forma de ações de governo.

A fase da extinção no ciclo de políticas públicas ainda pouco discutida e a agroecologia nesse contexto

A título de ampliação do conhecimento, os debates sobre extinção de políticas públicas adquirem musculatura em meados do século passado nos Estados Unidos. Artigo de Wilkson e Biggs1313 Wilkinson CF, Biggs ER. Evolution of the Termination Policy, 5 Am. Indian Rer; 1977: 139-184. faz um histórico das organizações públicas e políticas extintas pelo governo norte-americano nas décadas de 1940 e 1950 e, ao focar nas questões indígenas, faz uma análise que até hoje serve ao debate.

Anteriormente, foram expostas as fases ou etapas do ciclo de políticas públicas, mas vale aqui ressaltar que quase toda a literatura nacional ainda negligencia um importante momento em seus estudos, que pode ocorrer durante a avaliação ou ainda a qualquer momento: a extinção. Nesse sentido, vale resgatar Secchi e Souza1414 Secchi L, Souza YH. Extinção de políticas públicas. Síntese teórica sobre a fase esquecida do policy cycle. Cad Gest. Púb. Cidadania. 2015; 20(66):1-19., citando Bardach, Kaufman e De Leon como os precursores dos estudos sobre extinção de políticas e programas governamentais:

[...] a extinção da política pública pode ocorrer de forma previsível e gradual, em que uma sucessão de decisões incrementais ao longo do tempo vão esvaziando sua capacidade regulatória ou esvaziando os recursos financeiros que a sustentam [...] a extinção pode ser repentina, na qual uma decisão autoritária ou politicamente hábil acaba com a política pública de forma inesperada1414 Secchi L, Souza YH. Extinção de políticas públicas. Síntese teórica sobre a fase esquecida do policy cycle. Cad Gest. Púb. Cidadania. 2015; 20(66):1-19.(72).

Essa contribuição permite entender que, assim como as fases anteriores, a extinção de uma política pública ocorre carregada de intencionalidades. Dessa forma, abre-se um amplo leque de possibilidades que permite analisar a alternância de governos e seus projetos, bem como da atuação de grupos de interesse ou mesmo da necessidade, dentro de determinados contextos históricos, de manutenção de algumas iniciativas e organizações do poder público. Sobre tal aspecto:

En la dinámica de formación de la agenda podemos considerar tres características generales que permiten que un determinado tema o cuestión reciba la atención necesaria de los poderes públicos para integrarse em el programa de actuación. Em primero lugar, valorar el grado de apoyo que el tema o cuestión puede recabar o, lo que es lo mismo, valorar el impacto general de la cuestión. En segundo lugar, valorar su significación, es decir, su nivel de impacto sobre la realidad, y en tercer lugar, la viabilidad de la solución anticipada o previsible1515 Subirats J. Definición del problema. Relevancia pública y formación de la agenda de actuación de los poderes públicos. In: Saravia E, Ferrarezi E, organizadores. Políticas Públicas – Coletânea. Brasília, DF: ENAP; 2006. p. 199-218.(208).

De forma complementar, a estruturação da agenda de governo é fator determinante para inovações com a formulação de novos programas governamentais, mas também condiciona à inclusão ou não daquelas iniciativas que não interessam mais ao projeto político do momento.

Embora esse seja um tema ainda pouco explorado, como seus precursores comentaram, trata-se de uma abordagem que pode ser reveladora. Secchi e Souza1414 Secchi L, Souza YH. Extinção de políticas públicas. Síntese teórica sobre a fase esquecida do policy cycle. Cad Gest. Púb. Cidadania. 2015; 20(66):1-19.(77), citando De Leon, concluem que isso se deve:

[...] à conotação negativa dada ao objeto de estudo e à inviabilidade de um fenômeno que muitas vezes é percebido como ajustes incrementais de políticas passadas.

As caraterísticas que revelam a extinção de uma política pública nem sempre são de fácil entendimento, segundo o debate realizado por Secchi e Souza1414 Secchi L, Souza YH. Extinção de políticas públicas. Síntese teórica sobre a fase esquecida do policy cycle. Cad Gest. Púb. Cidadania. 2015; 20(66):1-19. com base em De Leon e Bardach. Logo, é necessário entender que mais do que uma decisão, a implantação de uma política pública exige uma multiplicidade de ações estrategicamente selecionadas. Assim:

[...] as organizações públicas, funções governamentais, políticas públicas e programas representam separadamente os aspectos diferentes do processo político. A extinção de um não significa, necessariamente, o fim do outro1414 Secchi L, Souza YH. Extinção de políticas públicas. Síntese teórica sobre a fase esquecida do policy cycle. Cad Gest. Púb. Cidadania. 2015; 20(66):1-19.(79).

Por um lado, as razões que levam à extinção de uma política pública podem advir do desparecimento do problema, da solução da questão ou do ambiente político; sendo este último, desdobrado em outros aspectos que consideram: a) pressão da mídia e da opinião pública; b) mudança na administração e no governo; c) ideologia política; d) imperativos financeiros; e e) eficiência organizacional1313 Wilkinson CF, Biggs ER. Evolution of the Termination Policy, 5 Am. Indian Rer; 1977: 139-184.. Por outro lado, o autor identifica aspectos que se constituiriam em obstáculos à extinção de uma política pública e elenca: a) relutância intelectual; b) permanência institucional; c) coalizões contrárias à extinção; e d) complexidade e custos iniciais elevados.

Agroecologia no Brasil: uma agenda inconclusa

Embora a agenda mundial que sugere a adoção de modelos sustentáveis de agricultura tenha sido formalizada em 2015, a PNAPO1616 Brasil. Decreto nº 7.794, de 20 de agosto de 2012, institui a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Diário Oficial da União. 21 Ago 2012. lançada em 2012 pela presidente Dilma Rousseff já se antecipava, por intermédio da adoção de uma estratégia de desenvolvimento rural que considerava modelos alternativos de agricultura, mais sustentáveis e menos dependentes de insumos externos.

No ano seguinte, foi finalizado e publicado o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo)1717 Brasil. Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – Planapo: 2016-2019. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Agrário; 2016., que incorporou um conjunto de outras políticas e programas que dialogam com o tema e que, portanto, fazem- -se presentes no Plano, por meio de distintas iniciativas, tais como: Pronaf Agroecologia; Pronaf Mais Alimentos; Pronaf Eco; Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos; Programa Ecoforte – Ecoforte Redes e ao Ecoforte Extrativismo; Programa Nacional de Sementes e Mudas para a Agricultura Familiar (PNSMAF); Programa Nacional de Aproveitamento de Fontes Renováveis de Energia para a Agricultura Familiar; Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Água – Água para Todos; Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e Outras Tecnologias Sociais de Acesso à Água – Programa Cisternas; Programas de Recuperação Ambiental (PRA); Pronatec Bolsa- Verde Extrativismo; Programa de Formação Agroecológica e Cidadã; e Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (PNDSPCT).

O Plano foi aprovado pelo arranjo de governança – Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), composta por 28 integrantes, sendo 14 do segmento governamental e 14 da sociedade civil; e a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (Ciapo), composta por somente órgãos do governo federal –, após a realização de consultas e diálogos com a sociedade civil.

No entanto, na implantação do Planapo 2013-2015, identificou-se um conjunto expressivo de limitações ao avanço do crédito para agroecologia e produção orgânica, relativas ao desconhecimento do tema por parte dos agentes financeiros, à inexistência de linhas de financiamento exclusivas para a produção agroecológica que pudessem conferir escala ao segmento, às dificuldades de monitoramento dos recursos alocados, entre outras questões, que estavam associadas ao pequeno número de contratos de financiamento para sistemas agroecológicos e orgânicos e ao reduzido valor financeiro total desembolsado.

Adicionalmente, a disponibilidade e o acesso dos agricultores a produtos fitossanitários adequados à produção orgânica e de base agroecológica têm sido um fator limitante para a expansão de tais sistemas. Uma alteração substancial desse quadro exige, especialmente, investimentos em estudos e pesquisas, ajustes no aparato legal, apoio ao registro de produtos fitossanitários de baixo impacto e fortalecimento da rede de produção e distribuição desses produtos. Durante o primeiro ciclo do Planapo, não foi implantada a iniciativa específica de realização de estudos e testes voltados ao estabelecimento de especificações de referência para registro simplificado de produtos fitossanitários. As principais dificuldades encontradas na execução dessa ação relacionaram-se à baixa disponibilidade de recursos financeiros e de pessoal para a realização das diferentes atividades que perpassam a regulamentação dos produtos.

Quanto à formação técnica, persiste a necessidade de definir prioridades que atendam à diversidade da agricultura familiar no que tange ao alcance regional, bem como de desenvolver uma estrutura logística mais adequada às características regionais que favoreça a participação de agricultores(as) das diferentes regiões do País. Também se apresenta como desafio do Planapo a estruturação de iniciativas que fortaleçam e ampliem os processos de construção e socialização de conhecimentos em agroecologia e produção orgânica por meio da pesquisa e da aproximação dos saberes popular e científico, e da maior articulação entre pesquisadores, formadores, extensionistas e agricultores no compartilhamento de conhecimentos.

O processo de elaboração do Planapo II se iniciou com a incidência do tema agroecologia e produção orgânica no Plano Plurianual (PPA) 2016-20191818 Brasil. Lei nº 13.249, de 13 de janeiro de 2016. Institui o Plano Plurianual da União para o período de 2016 a 2019. Diário Oficial da União. 14 Jan 2016.. Com base no que havia sido proposto ao PPA, a Ciapo elaborou o documento síntese de contribuições ao Planapo 2016-2019, analisado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). O Planapo 2016-2019 visa a dar continuidade ao primeiro Plano; para tanto, ratifica seu objetivo geral:

[...] implementar programas e ações indutoras da transição agroecológica, da produção orgânica e de base agroecológica, que contribuam para o desenvolvimento sustentável e possibilitem a melhoria de qualidade de vida da população, por meio da oferta e consumo de alimentos saudáveis e do uso sustentável dos recursos naturais1717 Brasil. Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – Planapo: 2016-2019. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Agrário; 2016.(83).

Observa-se ainda um arranjo de coordenação horizontal, em que o Plano procura dialogar com a estrutura programática estabelecida no âmbito do processo de planejamento e orçamento do governo federal; e, verticalmente, com as demais unidades da federação, notadamente, os governos estaduais, a destacar: Rio Grande do Sul; Paraná; Bahia; Distrito Federal e Minas Gerais. As experiências estaduais foram amplamente estudadas em uma coletânea organizada por Sabourin, Guéneau, Colonna et al.1919 Sabourin E, Guéneau S, Colonna J, et al. Organizadores. Construção de Políticas Estaduais de Agroecologia e Produção Orgânica no Brasil: avanços, obstáculos e efeitos das dinâmicas subnacionais. Curitiba: CRV; 2019. e demonstram que os estados marchavam em ritmo acelerado para a constituição de uma rede voltada para a agroecologia.

A elaboração do segundo Plano, assim como o primeiro, foi tarefa construída coletivamente, mediante uma estratégia coordenada que permitiu a participação dos diversos atores com vistas ao processo de transição agroecológica, sendo seus eixos principais: Produção, Uso e Conservação dos Recursos Naturais; Conhecimento, Comercialização e Consumo; Terra e Território; e Sociobiodiversidade. Tais eixos orientam 190 iniciativas, distribuídas em 30 metas que articulam as políticas públicas do governo federal.

Já se encontra implantado o Portal que serviu para promover interação entre o poder público e a sociedade civil. Trata-se de um ambiente que traz documentos relevantes ao tema e permite estreitar a comunicação entre os atores que estão diretamente ligados à PNAPO e ao Planapo, além de ser acessível a toda a sociedade. Os canais de transparência governamental da PNAPO e do Planapo foram concebidos em duas perspectivas: 1) Dinâmica, com a participação da sociedade civil no processo de implantação das ações e seu efetivo acompanhamento, por intermédio da CNAPO; e 2) Estática, com a disponibilização das diversas ações nos portais institucionais que tratam do monitoramento.

Com se verifica, apesar da sua recente inclusão na agenda, a agroecologia foi capaz de rapidamente estruturar um arcabouço teórico que ofereceu suporte ao arranjo institucional, mas que parece não resistir a orientações conservadoras dos últimos governos, como se verifica na seção subsequente.

Elementos (em curso) de um processo de extinção

A observação dos aspectos que definem a extinção de uma política pública e sua associação ao momento do tema da agroecologia na agenda de políticas públicas sugere que há um processo que sinaliza para seu desaparecimento. Além de questões de ordem ideológica ou mesmo políticas, uma das razões possivelmente reside na incompreensão da agroecologia como um campo de conhecimento científico, como bem alertam Caporal e Costabeber2020 Caporal F, Costabeber J. Agroecologia: conceitos e princípios para a construção de estilos de agriculturas sustentáveis. In: Novaes HT, Mazin AD, Santos L, organizadores. Questão agrária, cooperação e agroecologia. Questão agrária, cooperação e agroecologia. Marília: Lutas Anticapital; 2019. p. 239-258..

Em primeiro lugar, não existe questão a ser superada, e, se houvesse, os indícios mostram que a inclusão da agroecologia na agenda sequer ganhou musculatura, o que demonstra uma trajetória de pouco fôlego diante das disputas e sectarismos que a enfraqueceram nos últimos anos, principalmente dos setores do agronegócio. Esse cenário é descrito no estudo de Sambuichi, Spínola, Mattos et al.2121 Sambuichi RHR, Spínola PAC, Mattos LM, et al. Análise da construção da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica no Brasil, Texto para Discussão. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2017., que avaliou a PNAPO e assinala para a forte influência do agronegócio que a seu dispor tinha: “[...] o crédito, a PGPM e a política de ciência, tecnologia e inovação”2121 Sambuichi RHR, Spínola PAC, Mattos LM, et al. Análise da construção da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica no Brasil, Texto para Discussão. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2017.(37), meios com os quais a agroecologia não contava.

Quanto à pressão midiática, o artigo de Capella e Brasil2222 Capella AC, Brasil FG. Agenda-setting: mídia e opinião pública na dinâmica de políticas públicas. Rev Compolít. 2018, 8(1):123-146. discute o papel dos meios de comunicação de massa na formação da agenda e inscreve que:

[...] não apenas os temas selecionados pela mídia importariam, mas também a forma como são caracterizadas e apresentadas ao público, ou seja, a maneira como são enquadradas as questões2222 Capella AC, Brasil FG. Agenda-setting: mídia e opinião pública na dinâmica de políticas públicas. Rev Compolít. 2018, 8(1):123-146.(129).

Sob tal aspecto, cumpre destacar que, além da agenda dos dois últimos presidentes não focar nas políticas sociais nem em modelos alternativos de desenvolvimento, há a primazia do agronegócio na grande mídia, que a todo momento o sacraliza como ‘salvador’ das crises econômicas pelas quais o País passa, a exemplo do slogan difundido por uma grande emissora nacional: ‘agro é tech, agro é pop, agro é tudo’. Não se pode deixar de considerar que a pauta dos grandes veículos de comunicação espelha aquilo que é capaz de gerar notícias e, portanto, é assunto que integra a agenda do governo. Ainda existem alguns suspiros de disseminação do tema, mas muito localizados na mídia alternativa, que não alcança sua potência como elemento de mudança estrutural.

Da mesma forma, se não há visibilidade, não há pressão da opinião pública, hoje muito mais preocupada em resistir a uma agenda de orientação neoliberal que se instala, secundarizando toda e qualquer iniciativa orgânica para defender a agroecologia. Adicionalmente, a pauta da agroecologia esteve vinculada aos governos de centro-esquerda que comandaram o País entre 2003 e 2016, e suas pautas carregam um preconceito dos sucessores. A ideologia dos dois governos não reconhece a agricultura familiar e sua importância, tampouco valoriza práticas alternativas ao modelo de desenvolvimento imposto. Tal fato é agravado na atual gestão em face da postura negacionista do presidente Jair Bolsonaro nas questões ambientais.

Adicionalmente, os entes subnacionais que também vinham em um percurso de construção de suas políticas, a exemplo do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e do Paraná, sofreram retrocessos, como denunciou o estudo realizado por Guéneau, Sabourin, Colonna et al.1919 Sabourin E, Guéneau S, Colonna J, et al. Organizadores. Construção de Políticas Estaduais de Agroecologia e Produção Orgânica no Brasil: avanços, obstáculos e efeitos das dinâmicas subnacionais. Curitiba: CRV; 2019., acompanhando a mesma orientação conservadora do governo central.

O espaço do tema no principal documento de orientação do governo federal, o PPA, foi esmaecendo ao longo dos anos. Quando se verifica o PPA 2012-20152323 Brasil. Lei nº 12.593, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Plano Plurianual da União para o período de 2012 a 2015. Diário Oficial da União. 19 Jan 2012., o tema integrava o Programa Segurança Alimentar e Nutricional e se articulava a outros grandes programas de governo, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que possuía metas de produção orgânica como forma de estímulo às práticas. O Decreto nº 8.026, de 6 de junho de 20132424 Brasil. Decreto nº 8.026, de 6 de junho de 2013. Altera os Decretos nº 7.775, de 4 de julho de 2012, que regulamenta o Programa de Aquisição de Alimentos; nº 5.996, de 20 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a criação do Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar; nº 7.644, de 16 de dezembro de 2011, que regulamenta o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 7 Jun 2013., instituiu limites diferenciados para as aquisições de produtos exclusivamente orgânicos, agroecológicos ou da sociobiodiversidade como mecanismo de incentivo.

Já no PPA 2016-2019, as iniciativas estavam integradas ao Programa Agropecuário Sustentável, cujo objetivo 1.048 declarava a intenção de:

Promover e induzir a transição agroecológica e a produção orgânica e de base agroecológica, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis1818 Brasil. Lei nº 13.249, de 13 de janeiro de 2016. Institui o Plano Plurianual da União para o período de 2016 a 2019. Diário Oficial da União. 14 Jan 2016.(215).

Apesar de trazer um conjunto de ações robustas, que iam do apoio técnico e financeiro às organizações produtivas e instituições de ensino, pesquisa e extensão, para a implantação e qualificação de unidades de produção, às campanhas nacionais para a promoção dos produtos e disseminação de tecnologias apropriadas, passando por capacitação, entre outras que indicavam a consolidação do tema na agenda.

No entanto, o que se observa é o desaparecimento de instituições e deslocamento da agenda, com alterações de mandatos e reposicionamento das prioridades. No seu surgimento, a PNAPO e suas instâncias de governança estiveram próximas ao centro de governo, na Secretaria Geral da presidência da República, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), cumprindo as funções de secretaria executiva da Câmara. No governo de Michel Temer, o tema foi deslocado para a Secretaria Nacional de Articulação Social, da Secretaria de Governo da Presidência, e a sua secretaria executiva foi realocada na Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf ), que deu lugar ao MDA.

No atual governo, houve reposicionamento da agenda para um departamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) pelo Decreto nº 10.253, de 20 de fevereiro de 20202525 Brasil. Decreto nº 10.253, de 20 de fevereiro de 2020. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Diário Oficial da União. 21 Fev 2020., incorrendo na extinção da Seaf. Hoje, a pauta está diluída entre a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo e a Secretaria de Desenvolvimento Rural, Inovação e Irrigação.

Além disso, os últimos governos são marcados pelo afastamento da sociedade civil e pelo enfraquecimento continuado das instâncias de diálogo e participação. Para a PNAPO, isso foi particularmente problemático, pois, com a edição do Decreto nº 9.784, de 20192626 Brasil. Decreto nº 9.191, de 1 de novembro de 2017. Declara a revogação, para fins do disposto no art. 16 da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, e no art. 9º do Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, de decretos normativos. Diário Oficial da União. 3 Nov 2017., tanto o Conselho como a Comissão foram extintos, assim como outras tantas instâncias colegiadas na esfera federal.

Ademais, a postura beligerante do governo em relação aos movimentos sociais naturalmente afasta a coalizão que advoga pelo tema, que agora encontra poucos espaços institucionais para dialogar e reestabelecer espaço na agenda. A exceção a tal cenário fica por conta da Frente Parlamentar da Agroecologia, instalada como resposta ao Requerimento 719/20192727 Brasil. Senado Federal. Requerimento 719/2019, requer a instalação da Frente Parlamentar da Agroecologia. Brasília, DF: Senado Federal; 2019., proposto pelo deputado Leonardo Monteiro (PT-MG) durante o Seminário Terra e Territórios: alimentação saudável e redução de agrotóxicos.

Por outro lado, o teto dos gastos impôs limitações e tem servido como justificativa para o esvaziamento de algumas agendas e extinção de estruturas que coordenavam tais temas no âmbito da administração pública. Desde a criação da PNAPO, seu funcionamento se alicerçou em dois programas: o Terra Forte, que tinha por objetivo implantar e modernizar empreendimentos coletivos agroindustriais em Projetos de Assentamento da Reforma Agrária, criados ou reconhecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em todo o território nacional. Sua gestão se dava na forma colegiada, e os investimentos eram direcionados a cooperativas e associações de produção ou de comercialização com foco na agroecologia.

Ainda há que se mencionar o Programa Terra Sol, criado em 2004 como parte do Plano Nacional de Reforma Agrária, cujo objetivo era fomentar a agroindustrialização e a comercialização de produtos agroecológicos, bem como incentivar outras atividades não agrícolas, como turismo e artesanato, em assentamentos de reforma agrária. A mesma lógica era seguida pelo Programa Ecoforte, mais vocacionado aos povos e comunidades tradicionais. Ambos os programas tiveram suas últimas chamadas públicas em 2016, não havendo chamamentos posteriores para apoio de projetos.

Na Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PL 6.670/2016), reside um dos maiores pontos de conflito entre a agenda agroecológica e o agronegócio, que tem ao seu lado uma portentosa frente parlamentar, além de instituições associativas, como a Confederação Nacional da Agricultura, e de grandes corporações do setor. Trata-se de uma disputa que possui outros elementos, mas que teve claramente um posicionamento contrário dos dois últimos governos, que corroboraram o quadro de fragilização institucional da agroecologia. Isso fica evidente quando se vê o enaltecimento do agronegócio e dos insumos que asseguram aumento da produtividade, a exemplo dos fungicidas, que só no ano de 2019 somaram 479 autorizações de uso segundo dados do Mapa.

Do ponto de vista orçamentário e de disponibilidade de quadros para tratar do tema, o que se verificou foi um rápido declínio no orçamento, bem como nas condições institucionais para sua implantação. Embora a PNAPO e o Planapo fossem conduzidos pela Presidência da República até 2018, com quadros exclusivos já bastante reduzidos, sua potência se dava com as parcerias intragovernamentais, notadamente o MDA, o Incra, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Mapa. O gráfico abaixo mostra como declinou o orçamento das ações de governo voltadas para a agroecologia. Vale ressaltar que o PAA teve seu funcionamento prejudicado com a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e atualmente se limita a liquidar os Restos a Pagar inscritos nos exercícios anteriores.

Gráfico 1
Evolução orçamentária - ações voltadas para a agroecologia - 2016 a 2019

Alguns sinais dessa dissidia institucional são reforçados ao se consultar o site concebido especialmente para tratar da agroecologia, já mencionado, e verificar que, desde 2018, não ocorrem reuniões das instâncias colegiadas extintas em abril de 2019, além de sequer haver atualização de informações ou sua migração para o portal ‘gov. br’, que atualmente recepciona todas as iniciativas do governo federal.

Esse conjunto de fatores remete ao debate feito por Adam, Bauer, Knil et al.2828 Adam C, Bauer MW, Knill C, et al. The Termination of Public Organizations: Theoretical Perspectives to Revitalize a Promising Research Area. Public Organiz Rev. 2007; 7:221-236. ao reconhecer que existem muitas razões que, ao convergirem, facilitam a extinção de uma política pública ou de uma organização. Os apontamentos feitos pelos autores possibilitam compreender que a política de agroecologia se encontra em trajetória descendente, o que não quer dizer que, em outro cenário, sua reconstituição não venha a acontecer.

Considerações finais

A agenda de políticas públicas, muitas vezes, é a expressão dos grupos que apoiam as gestões e, portanto, pod em alternar temas, conferindo- -lhes espaço privilegiado, mas também lhes dando importância secundária, chegando até, no limite, a extinguir políticas e instituições.

No caso específico da agroecologia, sua curta trajetória emergiu em 2012 com a institucionalização da PNAPO e seus instrumentos, e parece estar terminando nos últimos quatro anos, com movimentos sequenciados de enfraquecimento e esvaziamento.

O artigo fez uma breve discussão sobre os elementos que demarcam esse ciclo a partir de um referencial conceitual que tomou a inovação e a extinção como partes do percurso feito pelas políticas na agenda de governo.

Igualmente, procurou trazer elementos conjunturais, bem como posições políticas ideológicas que convergem para a extinção, se não de forma peremptória, em fases que levam ao esquecimento do tema e sua posição secundária, com uma permanência institucional quase débil.

Perante as disputas já mencionadas e a uma agenda de governo que possui abordagem liberal, além de se orientar pelo conflito com a sociedade civil organizada, políticas públicas que consubstanciem mudanças estruturais passam a ser objeto de esvaziamento. Dessa forma, lançar mão do arcabouço teórico sobre a extinção das políticas e organizações passa a ser uma necessidade dos diversos campos de conhecimento que, ao discutirem tal abordagem, podem fornecer à sociedade elementos para compreender o elemento ideológico no funcionamento dos governos.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2020
  • Aceito
    14 Jun 2021
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