Participação pública em saúde e Covid-19 em Portugal

Ana Raquel Matos Isabel Craveiro Sobre os autores

RESUMO

Nas últimas décadas, o tema da participação pública em processos de decisão tem estado presente nas agendas políticas, com mais ou menos centralidade, em vários contextos democráticos do mundo. No campo da saúde, a participação pública apresenta-se como estratégia política com potencialidades para garantir maior corresponsabilização entre os atores envolvidos e para incrementar a transparência dos serviços, sendo enfatizada como boa prática que deve ser implementada em prol da qualidade das decisões, mas também de decisões que sejam orientadas para os reais problemas das populações. A pandemia da Covid-19 trouxe pressões adicionais aos sistemas de saúde, constituindo-se como contexto propício à análise da participação cidadã nos processos de decisão que enquadram problemas de saúde na sua relação com a pandemia. Este ensaio apresenta uma análise exploratória sobre a evolução das práticas de participação cidadã nas políticas de saúde em Portugal, destacando alguns dos seus desafios atuais e futuros. Procura-se, assim, compreender como a pandemia teve ressonância na forma como a participação em saúde vinha decorrendo no País, aferindo se, em um período global de crise com características singulares, a pandemia, enquanto problema coletivo, distendeu ou contraiu essas práticas participativas.

PALAVRAS-CHAVES
Participação cidadã; Covid-19; Pandemia; Portugal

Introdução

A questão da participação pública em processos de decisão tem estado presente nas agendas políticas, com mais ou menos centralidade, em vários contextos democráticos, ao longo das últimas décadas. Essa preocupação em torno do envolvimento de cidadãos leigos em processos de decisão não só tem animado mais de quatro décadas de abordagens teóricas em torno da participação pública na sua relação com a democracia como também se tem revelado mais pertinente e dinâmica em algumas áreas da vida social.

A questão da participação pública tem, portanto, feito emergir a convicção de que a possibilidade de operacionalizar arranjos participativos, articulados a partir da interdependência de atores (peritos, leigos e decisores políticos), é uma forma eficaz de resolver problemas coletivos. Essa participação tem vindo a ser reiterada como uma estratégia democrática que contribui para o incremento da qualidade das decisões, garantindo que a esfera cidadã tenha voz ativa nesses tipos de processos, permitindo fundamentar decisões na sua experiência e conhecimentos sobre a realidade.

Nesse contexto, a área da saúde tem-se revelado uma dimensão da vida social de particular relevância na sua relação com a questão da participação pública, demonstrando grande dinamismo, sendo terreno fértil em experimentação no que se refere a diferentes possibilidades de colocar em marcha mecanismos participativos. O protagonismo da participação pública na área da saúde assume, no entanto, um marco temporal preciso e incontornável – a Conferência de Alma-Ata.

Realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1978, e dedicada ao tema dos cuidados de saúde primários, na declaração decorrente desse encontro, afirmou-se, pela primeira vez, que é um direito e um dever dos povos participar individual e coletivamente no planejamento e na execução de seus cuidados de saúde. Apesar das experiências institucionalizadas que desde então se consolidaram, importa salientar que, na maior parte dos casos, mesmo quando a participação se concretiza, os seus principais beneficiários não pertencem às camadas sociais mais desfavorecidas, ou seja, aqueles com mais necessidade de fazer ouvir a sua voz nas decisões sobre saúde.

Acresce ainda referir que, não obstante o referido dinamismo da participação pública em saúde nas agendas políticas, há questões que devem ser levadas em linha de conta nesse contexto analítico. Desde logo, as possibilidades convencionais e não convencionais de participar na saúde – como se explicará posteriormente neste artigo –, mas, sobretudo, os diferentes graus de institucionalização desses processos em vários sistemas de saúde.

A participação em decisões sobre saúde apresenta-se, assim, como estratégia política com potencialidades para garantir maior corresponsabilização e incrementar a transparência dos serviços, sendo enfatizada como boa prática que deve ser implementada em prol da qualidade das decisões, mas também de decisões que sejam orientadas para os reais problemas sentidos pelas populações.

Aqui, tratamos a questão da participação pública em saúde na sua relação com a pandemia da Covid-19. Mais concretamente, a análise exploratória que se propõe, com foco na realidade portuguesa, visa compreender como a pandemia registada à escala mundial teve ressonância na forma como a participação em saúde vinha decorrendo no País, aferindo, em um período singular de crise, se a pandemia enquanto problema coletivo distendeu ou contraiu essas práticas participativas.

Este ensaio visa apresentar a análise sobre evolução das práticas de participação dos cidadãos nas políticas de saúde em contexto de pandemia, destacando alguns desafios atuais e futuros. Metodologicamente, foram utilizadas, como base, pesquisas de literatura em bases de dados selecionadas, bem como pesquisas de imprensa utilizando descritores “participação cidadã”, “Covid-19”, “participação dos pacientes” e “Portugal”. Adicionalmente, foi realizada uma revisão de literatura nas bases de dados PubMed e Google Scholar orientada para o tema da participação dos cidadãos nos processos de decisão em contexto de Covid-19, utilizando palavras-chave (MeSH), com linguagem booleana (AND): “citizen participation” AND “patients’ participation” AND “Covid-19” AND “Portugal”. No âmbito da pesquisa de imprensa, recorreu-se às mesmas palavras-chave. Definimos como critérios de inclusão na análise: os documentos tratarem do tema da participação dos cidadãos na tomada de decisão política em contexto da pandemia Covid-19 em Portugal.

Acresce referir, no entanto, que a pesquisa efetuada na PubMed não obteve quaisquer resultados, o que se justifica pela atualidade do tema em análise. Já a pesquisa na Google Scholar resultou em 20 documentos, mas, ao aplicarmos os critérios de inclusão acima mencionados, nenhum se enquadrou. As limitações evidentes nos resultados obtidos dão conta não só da necessidade de uma reflexão mais dilatada no tempo, uma vez que o fenômeno ainda se faz sentir, mas são elas próprias indicadores do que consideramos ser uma retração no sentido do alargamento da participação que se vinha fazendo sentir.

Esta análise, de carácter exploratório, começa por enquadrar os principais debates teóricos em torno da participação, com especial enfoque na participação em saúde para, depois, proceder-se à caracterização da realidade portuguesa no que toca a essa questão, evidenciado qual a trajetória da participação em saúde em Portugal, suas principais características e a forma como essas práticas se têm concretizado e como poderiam ser úteis ao combate à Covid-19. Segue-se um breve enquadramento da literatura da questão da participação pública com a pandemia e a análise dos dados recolhidos no sentido de discutir os impactos concretos da Covid-19 no fenômeno da participação em saúde no País, base analítica que, apesar dos resultados limitados, nos dará ancoragem para avançar com algumas notas conclusivas sobre a realidade em apreço.

As principais linhas dos debates teóricos sobre participação pública em saúde

Há cerca de 40 anos que, em uma lógica transdisciplinar, abordagens deliberativas e participativas enquadradas nos debates sobre a democracia, discutindo possibilidades de participação pública com impactos distintos nas decisões, vêm assumido centralidade não só teórica, mas também ao nível das agendas políticas, nacionais e internacionais, incitando as mais diversas instituições democráticas a fomentar oportunidades regulares para envolver os cidadãos em processos de decisão sobre assuntos que lhes digam diretamente respeito e na formulação de políticas públicas.

A questão da participação pública, também usualmente designada por participação cidadã, tem vindo, assim, a alimentar densos debates teóricos desde 1980. Essa questão, nos últimos anos, tem sido reconhecida como parte indissociável do bom desenvolvimento de uma sociedade11 Pateman C. Participatory Democracy Revisited. Perspectives on Politics. 2012; 10(1):7-19., sendo alguns mecanismos participativos realçados enquanto estratégias que contribuem para o reforço da inclusão social, do sentimento de pertença a uma comunidade, da emancipação social. À participação, portanto, é reconhecida a capacidade de contribuir para possibilidades de controle direto dos processos de tomada de decisão, logo, um maior controle sobre o sistema político e as instituições democráticas22 Matos AR. Eu participo, tu participas... nós protestamos: ações de protesto, democracia e participação em processos de decisão. Púb. priv. 2016; (27):119-137..

Desses debates decorridos ao longo dos últimos anos, tem emergido um novo ator social, definido como o cidadão ou sujeito participativo que é produto desta nova forma de governação33 Nunes JA, Costa DN, Carvalho A, et al. A emergência do sujeito participativo: interseções entre ciência, política e ontologia. Sociol. 2018; 20(48):162-187.. Esse é, assim, um sujeito dotado de um novo conjunto de direitos e deveres, a quem compete, em articulação com peritos, apresentar pareceres, propor soluções, controlar processos e dinâmicas sociais, mas também avaliar, julgar e decidir. É, aliás, esse novo ator social que dá vida a esta estratégia inovadora dos Estados democráticos e que emerge de novas formas de interação entre decisores políticos, cientistas e cidadãos, configurando o que ficou conhecido como fóruns híbridos, apresentando-se mais democráticos, já que estão ancorados na coprodução de conhecimentos, capazes de informar e consolidar decisões mais ajustadas aos reais problemas das populações44 Callon M, Lascoumes P, Barthe Y. Agir dans un monde incertain: essai sur la démocratie technique. Paris: Seuil; 2001., 55 Jasanoff S, organizadora. States of Knowledge. The co-production of science and social order. Paris: International Library of Sociology; Routledge; 2003.. É ainda esse novo ator que tem possibilitado, em um plano teórico, pensar o fortalecimento e a vigilância da democracia, já que é o selo de garantia para o alcance de decisões com mais qualidade66 Rosanvallon P. La contre-démocratie. Paris: Éditions du Seuil; 2006..

A participação, consubstanciada em práticas deliberativas, tem, no entanto, assumido configurações diversas, em várias esferas da vida social, sendo ainda moldada por abordagens teóricas que se distinguem, apesar das suas várias intersecções: a abordagem deliberativa e a abordagem participativa da democracia.

Por um lado, a abordagem deliberativa da democracia, desenvolvida desde a década de 1980, e que apesar das suas várias reformulações ante as críticas de que tem sido alvo, faz assentar os seus pressupostos na comunicação como um processo que permite aos cidadãos participar na construção do bem comum77 Habermas J. Between Facts and Norms. Cambridge: Polity; 1996., 88 Cohen J. Procedure and Substance in Deliberative Democracy. In: Bohman J, Rehg W, editores. Deliberative Democracy. Cambridge MA: MIT Press. 1997. p. 407-437., 99 Gutmann A, Thompson D. Why Deliberative Democracy? New Jersey: Princeton University Press; 2004., 1010 Dryzek J, Niemeyer S. Foudantions and Frontiers of Deliberative Governance. Oxfod: Oxford University Press; 2012.. Essa abordagem, sobretudo nos primeiros anos, valoriza a comunicação articulada a partir da argumentação racional, excluindo desses processos e vetando o direito de participar àqueles que não se mostrarem capazes de argumentar racionalmente em contextos deliberativos orientados para o consenso, reproduzindo um esquema de desigualdades1111 Caluwaerts D, Reuchamps M. Strengthening democracy through bottom-up deliberation: An assessment of the internal legitimacy of the G1000 project. Acta Politica. 2014; 50(2):1-20., 1212 Mockler P. Measuring the inclusiveness of deliberation: structural inequality and the discourse quality index. Comp. European Polit. 2021. [acesso em 2021 nov 8]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/354844332_Measuring_the_inclusiveness_of_deliberation_structural_inequality_and_the_discourse_quality_index.
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Por outro lado, e com origem na intensificação dos processos de globalização da década de 1990, os quais levaram a uma reformulação de vários aspectos dos Estados nacionais, incluindo os processos de tomada de decisão, surgiu a abordagem participativa da democracia.

Contrariamente à abordagem deliberativa, a abordagem da democracia participativa surge ancorada em um projeto que configura a formulação de políticas públicas que se mostra capaz de combater mais eficazmente as diversas formas de desigualdade social por meio de novos arranjos e práticas participativas. Essa abordagem desenvolve-se a partir do pressuposto de que os cidadãos, apesar de leigos, têm conhecimentos e capacidades específicas para se envolverem, em articulação com peritos e decisores políticos, nos processos de formulação de políticas. Ao abrigo dessa abordagem, o novo sujeito participativo detém a capacidade de influenciar e/ou controlar decisões técnicas, mesmo em contexto de conflitos e ainda que a argumentação racional em fóruns de discussão não seja valorizada. Encarada dessa forma, a participação emerge, aqui, contrariamente à abordagem deliberativa, como um direito universal e que deve ser livremente exercido a partir de diferentes formas de expressão, em que as emoções, por exemplo, têm lugar1313 Johnson GF, Morrell ME, Black LW. Emotions and Deliberation in the Citizens’ Initiative Review. Soc. Science Quart. 2019 [acesso em 2021 nov 8]; 100(2). Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/ssqu.12707.
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Embora cristalizando diferentes visões sobre participação e deliberação, as duas abordagens corroboram o argumento de que são práticas assentes no envolvimento dos cidadãos que servem de complemento à democracia representativa.

Tais abordagens servem, assim, para delimitar o que conta como participação. Nesse contexto, uma das ferramentas analíticas mais utilizadas na compreensão da participação pública tem vindo a distinguir entre participação convencional e participação não convencional22 Matos AR. Eu participo, tu participas... nós protestamos: ações de protesto, democracia e participação em processos de decisão. Púb. priv. 2016; (27):119-137., 33 Nunes JA, Costa DN, Carvalho A, et al. A emergência do sujeito participativo: interseções entre ciência, política e ontologia. Sociol. 2018; 20(48):162-187., 44 Callon M, Lascoumes P, Barthe Y. Agir dans un monde incertain: essai sur la démocratie technique. Paris: Seuil; 2001., 55 Jasanoff S, organizadora. States of Knowledge. The co-production of science and social order. Paris: International Library of Sociology; Routledge; 2003., 66 Rosanvallon P. La contre-démocratie. Paris: Éditions du Seuil; 2006., 77 Habermas J. Between Facts and Norms. Cambridge: Polity; 1996., 88 Cohen J. Procedure and Substance in Deliberative Democracy. In: Bohman J, Rehg W, editores. Deliberative Democracy. Cambridge MA: MIT Press. 1997. p. 407-437., 99 Gutmann A, Thompson D. Why Deliberative Democracy? New Jersey: Princeton University Press; 2004., 1010 Dryzek J, Niemeyer S. Foudantions and Frontiers of Deliberative Governance. Oxfod: Oxford University Press; 2012., 1111 Caluwaerts D, Reuchamps M. Strengthening democracy through bottom-up deliberation: An assessment of the internal legitimacy of the G1000 project. Acta Politica. 2014; 50(2):1-20., 1212 Mockler P. Measuring the inclusiveness of deliberation: structural inequality and the discourse quality index. Comp. European Polit. 2021. [acesso em 2021 nov 8]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/354844332_Measuring_the_inclusiveness_of_deliberation_structural_inequality_and_the_discourse_quality_index.
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, 1313 Johnson GF, Morrell ME, Black LW. Emotions and Deliberation in the Citizens’ Initiative Review. Soc. Science Quart. 2019 [acesso em 2021 nov 8]; 100(2). Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/ssqu.12707.
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, 1414 Della Porta D. La democrazia partecipativa e I movimenti sociali. Micro e macro-dinamiche. In: Gelli B, editor. Le nuove forme di partecipazione. Roma: Carocci; 2007. p. 73-86., distinção coincidente com práticas institucionalizadas – tal como defendido pela abordagem deliberativa da democracia – e práticas não institucionalizadas de participar em contextos deliberativos – como defendido pela abordagem participativa. Correspondem à participação não convencional, formas de comportamento político em que canais indiretos de influência são abertos no sentido bottom-up, ou seja, por meio de ações desencadeadas por atores coletivos, em que se enquadra a ação pelo protesto entre outras ações a cargo dos movimentos sociais1515 Della Porta D, Diani M. Social Movements: An introduction. Cornwall: Blackwell Publishing; 1999., 1616 Morgan L. Community participation in health: perpetual allure, persistent challenge. Health Policy and Plann. 2001; 16(3):221-230.. Importa realçar que, dependendo da cultura democrática, a ação coletiva a cargo dos movimentos sociais poder ser uma das únicas formas legítimas de que os cidadãos dispõem para interferir no processo político, justificando assim a legitimidade dessa forma de ação não convencional como participação efetiva e com potenciais efeitos nas decisões1717 Matos AR, Serapioni M. The challenge of citizens’ participation in health systems in Southern Europe: a literature review. Cad. Saúde Pública. 2017; 33(1):e00066716..

A participação tornou-se, portanto, um corolário para muitas áreas da vida social; e os cuidados de saúde não têm sido exceção. A saúde, aliás, é uma dimensão da vida social mais prolífica na forma como sistemas de saúde e participação pública se articulam. São reconhecidas as potencialidades da participação nos sistemas de saúde, destacadas pela literatura nesse domínio, dentre as quais se salientam: a) o reforço da voz dos utentes dos serviços de saúde enquanto estratégia para ultrapassar o déficit democrático que ainda caracteriza os sistemas de saúde1818 Serapioni M, Matos AR. Saúde, Participação e Cidadania. Experiências do Sul da Europa. Coimbra: Almedina; 2014.; b) as experiências dos utentes, e seus conhecimentos, como indispensáveis ao incremento da qualidade das decisões sobre saúde1919 Van de Bovenkamp HM, Trappenburg MJ, Grit KJ. Patient Participation in Collective Healthcare Decision Making: The Dutch Model. Health Expect. 2009; 13(1):73-85., 2020 Lehoux P, Daudelin G, Demers-Payette O, et al. Fostering deliberations about health innovation: What do we want to know from publics? Soc. Scienc. Med. 2009; (68):2002-2009.; c) enquanto meio que legitima a responsabilidade dos sistemas de saúde2121 Tritter JQ, McCallum A. The Snakes and Ladders of User Involvement: Moving beyond Arnstein. Health Policy. 2006; (76):156-158.; d) o fato de deter a capacidade de aproximar as necessidades das comunidades às respostas dos serviços de saúde2222 Crisóstomo S, Matos AR, Borges M, et al. Mais participação, melhor saúde: um caso de ativismo virtual na saúde. Forum Sociológico. 2017; (30):7-16.; e) garantir que os sistemas públicos de saúde sejam mais eficazes quando as decisões tomadas refletem a perspectiva dos utentes que vivem os problemas22 Matos AR. Eu participo, tu participas... nós protestamos: ações de protesto, democracia e participação em processos de decisão. Púb. priv. 2016; (27):119-137., 33 Nunes JA, Costa DN, Carvalho A, et al. A emergência do sujeito participativo: interseções entre ciência, política e ontologia. Sociol. 2018; 20(48):162-187., 44 Callon M, Lascoumes P, Barthe Y. Agir dans un monde incertain: essai sur la démocratie technique. Paris: Seuil; 2001., 55 Jasanoff S, organizadora. States of Knowledge. The co-production of science and social order. Paris: International Library of Sociology; Routledge; 2003., 66 Rosanvallon P. La contre-démocratie. Paris: Éditions du Seuil; 2006., 77 Habermas J. Between Facts and Norms. Cambridge: Polity; 1996., 88 Cohen J. Procedure and Substance in Deliberative Democracy. In: Bohman J, Rehg W, editores. Deliberative Democracy. Cambridge MA: MIT Press. 1997. p. 407-437., 99 Gutmann A, Thompson D. Why Deliberative Democracy? New Jersey: Princeton University Press; 2004., 1010 Dryzek J, Niemeyer S. Foudantions and Frontiers of Deliberative Governance. Oxfod: Oxford University Press; 2012., 1111 Caluwaerts D, Reuchamps M. Strengthening democracy through bottom-up deliberation: An assessment of the internal legitimacy of the G1000 project. Acta Politica. 2014; 50(2):1-20., 1212 Mockler P. Measuring the inclusiveness of deliberation: structural inequality and the discourse quality index. Comp. European Polit. 2021. [acesso em 2021 nov 8]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/354844332_Measuring_the_inclusiveness_of_deliberation_structural_inequality_and_the_discourse_quality_index.
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, 1313 Johnson GF, Morrell ME, Black LW. Emotions and Deliberation in the Citizens’ Initiative Review. Soc. Science Quart. 2019 [acesso em 2021 nov 8]; 100(2). Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/ssqu.12707.
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, 1414 Della Porta D. La democrazia partecipativa e I movimenti sociali. Micro e macro-dinamiche. In: Gelli B, editor. Le nuove forme di partecipazione. Roma: Carocci; 2007. p. 73-86., 1515 Della Porta D, Diani M. Social Movements: An introduction. Cornwall: Blackwell Publishing; 1999., 1616 Morgan L. Community participation in health: perpetual allure, persistent challenge. Health Policy and Plann. 2001; 16(3):221-230., 1717 Matos AR, Serapioni M. The challenge of citizens’ participation in health systems in Southern Europe: a literature review. Cad. Saúde Pública. 2017; 33(1):e00066716., 1818 Serapioni M, Matos AR. Saúde, Participação e Cidadania. Experiências do Sul da Europa. Coimbra: Almedina; 2014., 1919 Van de Bovenkamp HM, Trappenburg MJ, Grit KJ. Patient Participation in Collective Healthcare Decision Making: The Dutch Model. Health Expect. 2009; 13(1):73-85., 2020 Lehoux P, Daudelin G, Demers-Payette O, et al. Fostering deliberations about health innovation: What do we want to know from publics? Soc. Scienc. Med. 2009; (68):2002-2009., 2121 Tritter JQ, McCallum A. The Snakes and Ladders of User Involvement: Moving beyond Arnstein. Health Policy. 2006; (76):156-158., 2222 Crisóstomo S, Matos AR, Borges M, et al. Mais participação, melhor saúde: um caso de ativismo virtual na saúde. Forum Sociológico. 2017; (30):7-16..

No entanto, os mecanismos implementados a funcionar em várias partes do mundo ainda estão longe de garantir a concretização das potencialidades reconhecidas teoricamente à participação em saúde. Certamente, a participação transpõe-se para a realidade a partir de mecanismos variados, com impactos muito distintos das decisões e que vão de júris de cidadãos, processos deliberativos de votação, grupos focais, conselhos de saúde, entre outras possibilidades. A participação em saúde tem, portanto, revelado também constrangimentos, dos quais se destaca o problema da representatividade, uma vez que esses mecanismos participativos não têm tido a capacidade de acolher a diversidade social das comunidades, contribuindo para a reprodução de desigualdades, sobretudo de grupos que já são socialmente excluídos1111 Caluwaerts D, Reuchamps M. Strengthening democracy through bottom-up deliberation: An assessment of the internal legitimacy of the G1000 project. Acta Politica. 2014; 50(2):1-20., 1212 Mockler P. Measuring the inclusiveness of deliberation: structural inequality and the discourse quality index. Comp. European Polit. 2021. [acesso em 2021 nov 8]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/354844332_Measuring_the_inclusiveness_of_deliberation_structural_inequality_and_the_discourse_quality_index.
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, 1313 Johnson GF, Morrell ME, Black LW. Emotions and Deliberation in the Citizens’ Initiative Review. Soc. Science Quart. 2019 [acesso em 2021 nov 8]; 100(2). Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/ssqu.12707.
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, 1414 Della Porta D. La democrazia partecipativa e I movimenti sociali. Micro e macro-dinamiche. In: Gelli B, editor. Le nuove forme di partecipazione. Roma: Carocci; 2007. p. 73-86., 1515 Della Porta D, Diani M. Social Movements: An introduction. Cornwall: Blackwell Publishing; 1999., 1616 Morgan L. Community participation in health: perpetual allure, persistent challenge. Health Policy and Plann. 2001; 16(3):221-230., 1717 Matos AR, Serapioni M. The challenge of citizens’ participation in health systems in Southern Europe: a literature review. Cad. Saúde Pública. 2017; 33(1):e00066716., 1818 Serapioni M, Matos AR. Saúde, Participação e Cidadania. Experiências do Sul da Europa. Coimbra: Almedina; 2014., 1919 Van de Bovenkamp HM, Trappenburg MJ, Grit KJ. Patient Participation in Collective Healthcare Decision Making: The Dutch Model. Health Expect. 2009; 13(1):73-85., 2020 Lehoux P, Daudelin G, Demers-Payette O, et al. Fostering deliberations about health innovation: What do we want to know from publics? Soc. Scienc. Med. 2009; (68):2002-2009., 2121 Tritter JQ, McCallum A. The Snakes and Ladders of User Involvement: Moving beyond Arnstein. Health Policy. 2006; (76):156-158..

As práticas participativas na área da saúde têm, de alguma forma, sido romantizadas, ou seja, vinculando a participação à efetiva resolução de problemas, quando na realidade tal ainda não se efetiva1616 Morgan L. Community participation in health: perpetual allure, persistent challenge. Health Policy and Plann. 2001; 16(3):221-230., designadamente devido à resistência por parte dos profissionais e gestores de saúde à implementação dos resultados da participação pública nos processos deliberativos de cuidados de saúde2323 Martin GP. Ordinary people only: Knowledge, representativeness, and the publics of public participation in healthcare. Sociology of Health and Illness. 2008; 30(1):35-54., uma área que ainda é reconhecida como um reduto de conhecimento perito. Desse contexto, emerge, portanto, um desequilíbrio de poder ao abrigo desses mecanismos na área da saúde, o qual sai legitimado diante da ausência de processos de avaliação que meçam a eficácia da participação nas decisões em saúde2020 Lehoux P, Daudelin G, Demers-Payette O, et al. Fostering deliberations about health innovation: What do we want to know from publics? Soc. Scienc. Med. 2009; (68):2002-2009.. Nesse sentido, pode-se afirmar que o envolvimento dos cidadãos tem vindo a ser instrumentalizado, servindo apenas como uma tecnologia de legitimação2424 Harrison S, Mort M. Which champions, which people? Public and user involvement in health care as a Technology of Legitimation. Soc. Policy Adm. 1998; 32(1):60-70., em uma correspondência, ainda que parcial, à definição de tecnologia de arrogância no âmbito da governação, principalmente se esta implica questões científicas e tecnológicas2525 Jasanoff S. Technologies of Humility: Citizen Participation in Governing Science. Minerva 41. 2003; (3):223-244., a qual não deixa espaço para a interferência dos cidadãos. Ambas as tecnologias se aproximam aos níveis mais elementares de participação concebidos pela intemporal escada de participação de Sherry Arntein2626 Arnstein S. A Ladder of Participation. J. Am. Inst. Plann. 1969; 35(4):216-224. – também designados de falsa participação ou ilusão da participação –, longe da possibilidade de o novo sujeito participativo interferir ou controlar os processos de decisão em saúde.

Apesar da vitalidade desse debate e interesse em torno da participação em saúde, em termos práticos, ao longo das últimas décadas, tem sido reconhecidamente baixo o nível de institucionalização de mecanismos participativos na área da saúde. Estes são, na sua maioria, ativados ocasionalmente por iniciativa das autoridades de saúde, mas acabam descontinuados pelos custos financeiros e humanos que comportam, o que desvaloriza os resultados que podem produzir. No contexto do sul da Europa, onde se inclui Portugal, muitas dessas limitações são ainda mais intensas e visíveis, sobretudo devido à falta de recursos financeiros para implementar mecanismos deste tipo e à falta de tradição de participação dos cidadãos na área da saúde1414 Della Porta D. La democrazia partecipativa e I movimenti sociali. Micro e macro-dinamiche. In: Gelli B, editor. Le nuove forme di partecipazione. Roma: Carocci; 2007. p. 73-86..

A participação pública em saúde em Portugal

Em Portugal, a garantia do direito de participar está consagrada desde a Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976 (incluindo as suas sucessivas alterações) que se seguiu ao regime autoritário deposto com a Revolução de abril de 1974. Nesse âmbito, a participação pública é enquadrada na sua relação com a democracia portuguesa como determinante para resolver certos problemas nacionais (art. 9º, alínea c), na medida em que todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do País, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos (art. 48, nº 1). Contudo, apesar da garantia consagrada na CRP, a transposição desse direito para práticas efetivas só recentemente tem vindo a ganhar forma, sendo ainda escassos ou disfuncionais os mecanismos institucionalizados de participação na saúde em Portugal. A prevalência da participação em saúde, além de recente, tem tido dificuldade em sair dos discursos políticos e ganhar forma efetiva, apesar da crescente reivindicação por parte da população portuguesa por mais participação nessa área concreta2727 Crisóstomo S, Matos AR, Borges M, et al. O Facebook faz bem à saúde? O caso “MAIS PARTICIPAÇÃO melhor saúde” em Portugal. Rev Bras. Pesq. Saúde. 2019; 21(2):123-133..

Na área da saúde, é a Lei de Bases da Saúde, de 1990, assim como o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), de 1993, que definem as possibilidades de participação pública, ainda assim de caráter consultivo, a vários níveis e em várias instâncias. Não obstante a Lei de Bases que enquadra essas possibilidades de participar remeter para a década de 1990, só recentemente, em 7 de abril de 2016, foi aprovado o decreto-lei que estabelece o regime jurídico do Conselho Nacional de Saúde (CNS), dando assim execução ao previsto na Lei de Bases da Saúde, ou seja, cerca de 26 anos depois. A criação do CNS apresenta-se como estratégia para reforçar o poder do cidadão no SNS, garantindo a participação dos cidadãos utilizadores do SNS na definição das políticas, mas contando com a intervenção das autarquias e dos profissionais, bem como das universidades e institutos superiores politécnicos, para além de representantes indicados pela Comissão Permanente da Concertação Social, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e das Regiões Autónomas, como forma de promover uma cultura de transparência e prestação de contas perante a sociedade. Trata-se, portanto, de um órgão consultivo do governo, independente, o qual é composto por 30 membros, visando garantir a participação, mas que deixa pouco espaço à participação individual dos cidadãos na conceção de políticas de saúde.

Outro dos mecanismos existentes são os conselhos gerais dos hospitais, também de caráter consultivo, e que inclui apenas um representante da associação de utentes, uma vez mais um espaço que tende ao não dilatar a definição de participação pública, que se entende mais alargada. Dessa forma, a participação dos cidadãos no sistema de saúde não encontra eco nos espaços institucionalizados, prevalecendo uma forte influência de grupos de interesse estruturados, o que ocasiona um desequilíbrio de poder dentro do sistema político que muito tem contribuído para a falta de discussão política e de pluralismo na formação de políticas de saúde.

No contexto nacional, novas iniciativas têm sido implementadas ao longo das últimas décadas com o intuito de promover a participação cidadã, das quais se destaca o Decreto-Lei nº 28/2008, o qual estabelece os Agrupamentos de Centros de Saúde (Aces). Estes apresentam-se como estruturas orientadas pelo objetivo de reduzir as desigualdades em saúde e superar a marginalização dos cuidados primários. O decreto estabelece ainda os Conselhos da Comunidade (CC) com o intuito de incentivar a participação dos diferentes atores locais nas decisões e na organização dos serviços de saúde, contudo, uma vez mais com um lugar à mesa para os representantes dos utentes. Além de corroborar a tendência para institucionalizar espaços herméticos de participação em saúde em Portugal, outras barreiras surgem associadas a esse tipo de mecanismo, entre as quais, a sua reconhecida incapacidade para colocar essa estrutura a funcionar2828 Serapioni M, Ferreira P, Antunes P. Participação em saúde: conceitos e conteúdos. Notas Econ. 2014; 26-40..

No contexto português, têm sido, sobretudo, as associações de doentes que dinamizam iniciativas reivindicativas em torno de mais participação, destacando-se como os atores sociais de relevo no que toca à participação em saúde, desempenhando um papel extremamente relevante na representação e na defesa dos pacientes. Na ausência de canais institucionalizados capazes de promover uma participação regular e alargada dos cidadãos na saúde, são as associações na área da saúde quem têm marcado positivamente o debate da participação pública em processos de decisão, particularmente porque têm exercido uma pressão crescente, desde 2000, no sentido de abrir os processos de decisão em saúde à sua participação, em uma estratégia de valorização do conhecimento de que são portadoras.

Mais recentemente, alguns sinais positivos têm marcado as oportunidades da participação na saúde em Portugal, tendo sido aprovado em Conselho de Ministros o Decreto-lei que aprova o Estatuto do SNS – o qual, à data da escrita deste artigo, encontrava-se em fase de consulta pública –, passando a contemplar, no seu art. 4º, o reconhecimento dos direitos e deveres constantes da lei e, designadamente, os direitos constantes da Carta dos Direitos de Acesso aos Cuidados de Saúde pelos Utentes do SNS e da Carta para a Participação Pública em Saúde. Dessa forma, no art. 25, é ainda garantida a participação pública dos cidadãos no SNS também nos termos da Carta para a Participação Pública em Saúde. A participação mencionada pode, assim, ocorrer a título individual ou por meio de entidades que representem os beneficiários ou utentes.

A referida Carta para a Participação Pública em Saúde – cujo conteúdo está disponível em https://www.participacaosaude.com/carta – é, portanto, o resultado concreto de um projeto de investigação ação, designado ‘Mais Participação, melhor saúde’, tendo sido aprovada pela Lei nº 108, de 9 de setembro de 2019. Esse documento fomenta a participação por parte das pessoas, com ou sem doença e seus representantes, nas decisões que afetam a saúde da população, e incentivar a tomada de decisão em saúde assente em uma ampla participação pública. Essa carta pretende ainda promover e consolidar a participação pública a nível político e dos diferentes órgãos e entidades do Estado, em Portugal, através do aprofundamento dos processos de participação já existentes e da criação de novos espaços e mecanismos participativos.

Nesses últimos anos, a participação em saúde ganhou novo folego, designadamente mediante resultados alcançados pela mobilização e ação de algumas associações atuantes na área da saúde e que dinamizaram estratégias de participação alargada dos cidadãos e seus representantes na área da saúde. Essas iniciativas visaram tornar as políticas de saúde mais eficazes e, dessa forma, obter melhores resultados em saúde, além de promover a transparência das decisões e a prestação de contas por parte de quem decide, aproximando o Estado e a sociedade civil, aprofundando o diálogo e a interação regular entre ambos.

Portugal apresenta uma trajetória longa de reivindicação participativa na área da saúde, com ganhos normativos, mas ainda carente de possibilidades concretas, capazes de operacionalizar a participação efetiva de todos os cidadãos, sobretudos os mais desfavorecidos. Essa é uma trajetória caracterizada pela escassez de oportunidades institucionalizadas para participar, recentemente marcada por novos ganhos, embora apenas legislativos.

Em países como Portugal, a tendência para envolver doentes, utentes, prestadores de cuidados e o público em geral na elaboração de políticas de saúde é um fenômeno relativamente novo, sendo escassas as oportunidades concretas de participação dos cidadãos em decisões sobre saúde. Nessa história recente, povoada de algumas iniciativas participativas na saúde, sobressaem principalmente mecanismos que concedem pouco espaço à participação individual e alargada dos cidadãos. A existência de abordagens alternativas à participação nos sistemas de saúde que vão para além das fórmulas tecnocráticas e académicas não pode ser ignorada. Protestos e outras formas de ação coletiva introduziram no debate o conceito de algo negligenciado de sociedade civil, refletido na mobilização das classes mais baixas na luta para participar e ter voz nas decisões sobre os cuidados de saúde22 Matos AR. Eu participo, tu participas... nós protestamos: ações de protesto, democracia e participação em processos de decisão. Púb. priv. 2016; (27):119-137., 33 Nunes JA, Costa DN, Carvalho A, et al. A emergência do sujeito participativo: interseções entre ciência, política e ontologia. Sociol. 2018; 20(48):162-187., 44 Callon M, Lascoumes P, Barthe Y. Agir dans un monde incertain: essai sur la démocratie technique. Paris: Seuil; 2001., 55 Jasanoff S, organizadora. States of Knowledge. The co-production of science and social order. Paris: International Library of Sociology; Routledge; 2003., 66 Rosanvallon P. La contre-démocratie. Paris: Éditions du Seuil; 2006., 77 Habermas J. Between Facts and Norms. Cambridge: Polity; 1996., 88 Cohen J. Procedure and Substance in Deliberative Democracy. In: Bohman J, Rehg W, editores. Deliberative Democracy. Cambridge MA: MIT Press. 1997. p. 407-437., 99 Gutmann A, Thompson D. Why Deliberative Democracy? New Jersey: Princeton University Press; 2004., 1010 Dryzek J, Niemeyer S. Foudantions and Frontiers of Deliberative Governance. Oxfod: Oxford University Press; 2012., 1111 Caluwaerts D, Reuchamps M. Strengthening democracy through bottom-up deliberation: An assessment of the internal legitimacy of the G1000 project. Acta Politica. 2014; 50(2):1-20., 1212 Mockler P. Measuring the inclusiveness of deliberation: structural inequality and the discourse quality index. Comp. European Polit. 2021. [acesso em 2021 nov 8]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/354844332_Measuring_the_inclusiveness_of_deliberation_structural_inequality_and_the_discourse_quality_index.
https://www.researchgate.net/publication...
, 1313 Johnson GF, Morrell ME, Black LW. Emotions and Deliberation in the Citizens’ Initiative Review. Soc. Science Quart. 2019 [acesso em 2021 nov 8]; 100(2). Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/ssqu.12707.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
, 1414 Della Porta D. La democrazia partecipativa e I movimenti sociali. Micro e macro-dinamiche. In: Gelli B, editor. Le nuove forme di partecipazione. Roma: Carocci; 2007. p. 73-86., 1515 Della Porta D, Diani M. Social Movements: An introduction. Cornwall: Blackwell Publishing; 1999., 1616 Morgan L. Community participation in health: perpetual allure, persistent challenge. Health Policy and Plann. 2001; 16(3):221-230., 1717 Matos AR, Serapioni M. The challenge of citizens’ participation in health systems in Southern Europe: a literature review. Cad. Saúde Pública. 2017; 33(1):e00066716., 1818 Serapioni M, Matos AR. Saúde, Participação e Cidadania. Experiências do Sul da Europa. Coimbra: Almedina; 2014., 1919 Van de Bovenkamp HM, Trappenburg MJ, Grit KJ. Patient Participation in Collective Healthcare Decision Making: The Dutch Model. Health Expect. 2009; 13(1):73-85., 2020 Lehoux P, Daudelin G, Demers-Payette O, et al. Fostering deliberations about health innovation: What do we want to know from publics? Soc. Scienc. Med. 2009; (68):2002-2009., 2121 Tritter JQ, McCallum A. The Snakes and Ladders of User Involvement: Moving beyond Arnstein. Health Policy. 2006; (76):156-158., 2222 Crisóstomo S, Matos AR, Borges M, et al. Mais participação, melhor saúde: um caso de ativismo virtual na saúde. Forum Sociológico. 2017; (30):7-16., 2323 Martin GP. Ordinary people only: Knowledge, representativeness, and the publics of public participation in healthcare. Sociology of Health and Illness. 2008; 30(1):35-54., 2424 Harrison S, Mort M. Which champions, which people? Public and user involvement in health care as a Technology of Legitimation. Soc. Policy Adm. 1998; 32(1):60-70., 2525 Jasanoff S. Technologies of Humility: Citizen Participation in Governing Science. Minerva 41. 2003; (3):223-244., 2626 Arnstein S. A Ladder of Participation. J. Am. Inst. Plann. 1969; 35(4):216-224., 2727 Crisóstomo S, Matos AR, Borges M, et al. O Facebook faz bem à saúde? O caso “MAIS PARTICIPAÇÃO melhor saúde” em Portugal. Rev Bras. Pesq. Saúde. 2019; 21(2):123-133.. Mais recentemente, a participação encontrou novos ecos legislativos que importam acompanhar no delineamento dessa trajetória da participação pública em saúde em Portugal, no sentido de aferir a sua concretização em práticas efetivas e inovadoras, capazes de marcar, positivamente, esse debate em Portugal.

Nesse sentido, importa sublinhar que a saúde se tem afirmado, ao longo das duas últimas décadas, como uma das áreas que mais mobiliza a população portuguesa para o protesto.

Esses protestos, embora localizados e traduzindo resultados instáveis quanto ao seu potencial para influenciar as políticas públicas de saúde em Portugal, não podem deixar de ser considerados formas legítimas de participar em processos de decisão sobre saúde. Tais formas de participação, muitas vezes classificadas como não convencionais pela literatura científica, vinham sendo dos recursos mais ativados para interferir nos processos de decisão, exatamente pela escassez de canais institucionalizados nos quais os cidadãos pudessem participar.

Os protestos na saúde, que têm marcado a sociedade portuguesa, constituem-se assim enquanto estratégias de monitorização dos processos de implementação das políticas de saúde em Portugal, capazes de colocar em marcha a necessária vigilância política, por parte da população, bem como a vigilância da democracia e a forma como ela vai funcionando. Essas formas de ação coletiva têm permitido sensibilizar a opinião pública para os problemas que afetam a governação da saúde no País, revelando a capacidade coletiva da população portuguesa para intervir, quando necessário, nos processos deliberativos sobre saúde, colocando os principais problemas que os mobilizam na agenda política, tanto local como nacional, influenciando o curso da política e os ciclos eleitorais22 Matos AR. Eu participo, tu participas... nós protestamos: ações de protesto, democracia e participação em processos de decisão. Púb. priv. 2016; (27):119-137..

Participação pública em contexto de pandemia: o que sabemos?

No contexto da pandemia da Covid-19, o tema do envolvimento dos pacientes na tomada de decisão emergiu no contexto da saúde global, nomeadamente um editorial da BMJ2929 Richards T, Scowcroft H. Patient and public involvement in covid-19 policy making. BMJ. 2020 [acesso em 2021 nov 9]; 370. Disponível em https://doi.org/10.1136/bmj.m2575.
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, segundo o qual, durante a pandemia, assistiu-se, na Inglaterra, ao abandono de compromissos políticos no sentido do envolvimento dos cidadãos na tomada de decisão em saúde.

A importância do envolvimento da comunidade já havia ficado explícita anteriormente, tendo sido crucial nas respostas à doença do vírus Ébola na África Ocidental – por exemplo, no rastreamento e abordagem de rumores3030 Gillespie AM, Obregon REl, Asawi R, et al. Social mobilization and community engagement central to the Ebola response in west Africa: lessons for future public health emergencies. Glob Health Sci Pract. 2016; (4):626-646..

No contexto pandêmico atual, em que ficou evidente a necessidade de decisões rápidas, os decisores políticos escolheram o conhecimento científico para apoio à decisão, em detrimento dos que enraízam o seu ‘conhecimento’ na experiência, como é o caso de pacientes, famílias, associações de doentes, profissionais de saúde e do setor social. Em Portugal, tal é exemplificado pelas reuniões técnicas do ‘Infarmed’, que não incluíram representantes da sociedade civil3131 Portugal. Conselho Nacional de Saúde. Participação Pública em Saúde Todas as Vozes Contam. 2014. [acesso em 2021 nov 19]. Disponível em: http://www.cns.min-saude.pt/2020/12/16/participacao-publica-em-saude-todas-as-vozes-contam/.
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Essa constituiu-se uma oportunidade perdida, precisamente quando eram previsíveis os efeitos adversos das limitações no acesso aos serviços de saúde durante o período de pandemia. A Covid-19, como contexto de pandemia global, era um momento que pedia clarificação, nomeadamente, sobre quais serviços que estariam suspensos e quais permaneceriam acessíveis, entre outras formas de reorganização dos serviços e no contexto da doença em si que exigiam maior envolvimento da esfera cidadã; mas da literatura à imprensa, a nota de destaque é que a participação cidadã foi dispensada um pouco por todo o mundo.

Participação cidadã e Covid-19 em Portugal

O CNS3131 Portugal. Conselho Nacional de Saúde. Participação Pública em Saúde Todas as Vozes Contam. 2014. [acesso em 2021 nov 19]. Disponível em: http://www.cns.min-saude.pt/2020/12/16/participacao-publica-em-saude-todas-as-vozes-contam/.
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publicou um relatório em que reconhece a importância da participação pública em saúde, alertando para o fato de a pandemia da Covid-19 ter relegado para segundo plano a regulamentação da Carta para a Participação Pública em Saúde, traduzida em lei em 2019, e que resultou precisamente da iniciativa colaborativa ‘Mais Participação melhor saúde’, constituída em 2015.

O CNS foi formalmente solicitado a emitir parecer sobre o Plano da Saúde apenas para o Outono-Inverno 2020-21, e não foi cooptado pelo governo para promover mecanismos de auscultação com a sociedade civil, embora adiante que contribuiu com um conjunto de recomendações que considerou apropriadas.

A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) organizou, em 20203232 Observador. Participação do Cidadão na Era da Covid. 2020 set 4. [acesso em 2021 nov 19]. Disponível em: https://observador.pt/especiais/a-participacao-do-cidadao-na-era-da-covid-19/.
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, um conjunto de três conferências on-line dedicadas à ‘Participação do cidadão na Era Covid-19’ no sistema de Saúde. Essas conferências reiteraram parte da tendência participativa desenhada no País, a qual tende a privilegiar a influência de grupos de interesse estruturados, sobretudo associações de doentes. Essas estruturas organizativas além de reivindicarem mais participação também têm conseguido encontrar ecos pontuais em alguns espaços participativos nas políticas de saúde. A organização dessas conferências, uma vez mais, corrobora essa tendência, uma vez que, nas três iniciativas organizadas, tanto a organização dos eventos como a gestão daqueles que participaram nas discussões foram exclusivamente asseguradas por representantes das várias associações de doentes atuantes em território nacional, sem espaço para a voz de outros atores.

A primeira conferência foi dedicada ao tema ‘A resposta do sistema de saúde’, sendo abordados os riscos associados ao não diagnóstico e à progressão de doença por redução da procura das instituições de saúde em período de pandemia; os representantes de associações de doenças crônicas realçaram como aspecto positivo as respostas do serviço nacional de saúde, nomeadamente teleconsultas, renovação das receitas e a entrega de medicamentos ao domicílio. Em contrapartida, também confirmaram o medo instalado, originado nomeadamente pelo desconhecimento sobre formas de transmissão do vírus, o que contribuiu para que os doentes não fossem às consultas aos Centros de Saúde.

Um estudo recentemente divulgado, promovido pelo Movimento Saúde em Dia (constituído pela Ordem dos Médicos, pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares e pela Roche) e realizado pela GFK Metris3333 Saúde em Dia. Estudo à População: Acesso a cuidados de saúde em tempos de pandemia. 2021. [acesso em 2021 nov 19]. Disponível em: https://www.saudeemdia.pt/dl/estudo_a_populacao.pdf.
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, apresentou indicadores sobre o acesso ao SNS durante a pandemia. Segundo ele, entre 2020 e 2021, terão ficado por realizar 14 milhões de consultas em Centros de Saúde, 2,8 milhões de contatos nos hospitais, o que inclui consultas, cirurgias e urgências, e 30 milhões de exames. esses dados agora apresentados relativos a Portugal estão em linha com o que é reportado em outros contextos3434 Kazi D, Wadhera R, Shen C, et al. Decline in Emergent and Urgent Care during the COVID-19 Pandemic. medRxiv. [acesso em 2021 nov 9]. Disponível em: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.05.14.20096602v1.
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.

Uma segunda conferência abordou o tema ‘O regresso à normalidade’, centrado nas respostas do SNS aos doentes crônicos durante e após a pandemia. O debate girou em torno das formas de assegurar a melhoria da comunicação entre instituições, profissionais de saúde, doentes e familiares, mas também em formas de os doentes colaborarem na construção de novas ofertas de serviços que tenham por objetivo melhorar a experiência e satisfação das suas necessidades. Foi reclamada a centralidade do papel do doente. Os problemas relacionados com o doente oncológico, nomeadamente o que se perdeu em termos de diagnóstico precoce, qualidade do tratamento e de acompanhamento. A mais-valia da participação dos doentes foi colocada de forma exemplar pelo Presidente do Grupo de Ativistas em Tratamentos – GAT (Luis Mendão), realçando que estes colocam as questões que podem falhar aos restantes especialistas, sendo assim especialistas da sua condição.

A terceira conferência centrou-se no tema ‘Soluções para o futuro’, debatendo-se as inevitáveis reconfigurações do sistema tal como o conhecemos, incidindo em reorganizações necessárias dentro do SNS, mas também de colaborações entre setor público e privado. Os participantes foram desafiados a pensar o futuro, que segundo Miguel Crato, Presidente da Associação Portuguesa de Hemofilia (APH), deverá incluir maior partilha da decisão clínica relativamente ao doente, havendo necessidade de o ambiente hospitalar se adaptar a essa alteração.

De acordo com o estudo do Movimento Saúde em Dia3333 Saúde em Dia. Estudo à População: Acesso a cuidados de saúde em tempos de pandemia. 2021. [acesso em 2021 nov 19]. Disponível em: https://www.saudeemdia.pt/dl/estudo_a_populacao.pdf.
https://www.saudeemdia.pt/dl/estudo_a_po...
, entre 2020 e 2021, houve menos 18% de mamografias realizadas; menos 13% de rastreios ao cancro do colo do útero e menos 5% de rastreios ao cancro do cólon e do reto.

Considerações finais

Oficialmente, a participação em saúde remete para a história da OMS, concretamente para os subsequentes resultados da conferência de Alma-Ata, a qual sedimentou os alicerces do direito e do dever de participar nas decisões sobre saúde, individual ou coletivamente. Ainda assim, 43 anos depois de Alma-Ata, a pandemia Covid-19 demonstrou as dificuldades já evidentes de operacionalizar a participação leiga nos desafios que se colocaram, e ainda colocam, à saúde.

Apesar da parca literatura sobre essa relação participação pública em saúde/Covid-19, é evidente a desvalorização, nesse contexto, de outros conhecimentos além do conhecimento científico, fazendo com que a governação global da pandemia se afirmasse a partir de um claro recurso à tecnologia da arrogância2525 Jasanoff S. Technologies of Humility: Citizen Participation in Governing Science. Minerva 41. 2003; (3):223-244., hermeticamente vinculada à ciência e ao conhecimento especialista.

Se no campo da gestão da pandemia como doença se admite que compete à ciência a procura da erradicação do vírus, nada impede, no entanto, que a participação cidadã possa auxiliar na reorganização dos serviços a prestar às populações, designadamente em contexto nacional, sendo elas quem melhor pode propor soluções no acesso a um serviço que se enclausurou na gestão da pandemia, apesar de as outras patologias continuaram a existir, como é o caso da cronicidade de certas doenças, suas necessidades específicas e a forma como saíram afetadas no acesso aos serviços, com impactos esperados em termos de resultados de saúde.

Em um contexto nacional como o português, já marcado pela escassez e disfuncionalidade dos poucos espaços participativos existentes na área da saúde, os recentes anos de pandemia parecem significar um atraso na possibilidade de colocar em marcha a operacionalização de algumas conquistas legislativas. A Covid-19, tornando-se tema prioritário na saúde, tem implicações não só no arranque de tais iniciativas participativas convencionais como também tem limitado ainda a participação não convencional. A ação coletiva pelo protesto que vinha sendo usada como recurso participativo da população portuguesa encontra nas medidas de contenção da pandemia (distanciamento social, proibição de ajuntamentos na via pública etc.) uma força hercúlea capaz de a travar no espaço público, tornando mais difícil, senão impossível, qualquer mobilização cidadã em torno de reivindicações na área da saúde, sobretudo porque não lhes é permitido prosperar em um contexto em que a centralidade da gestão da pandemia é evidente e incontornável nas agendas políticas em escala global.

Em um contexto de elevada incerteza, a Covid-19 agravou a qualidade das democracias em escala global, e Portugal não foi exceção. O autoritarismo de que se revestiram certas medidas e a falta de espaços de comunicação obstruíram o caminho que se vinha fazendo na participação em saúde em Portugal.

Falar de participação em contexto de Covid-19 em Portugal é falar de três conferências on-line sobre o tema, sem impacto na forma como as medidas foram tomadas, servindo apenas para lembrar que a participação em saúde volta a fazer parte de uma agenda adiada.

No entanto, essas conferências estão em linha com o que é reconhecido para o caso inglês2929 Richards T, Scowcroft H. Patient and public involvement in covid-19 policy making. BMJ. 2020 [acesso em 2021 nov 9]; 370. Disponível em https://doi.org/10.1136/bmj.m2575.
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, embora os representantes dos doentes e sociedade civil não tenham sido representados no grupo dos peritos que aconselharam o governo português na tomada de decisão sobre as medidas de combate à pandemia, que se configuraria como uma influência direta, eles não deixaram de se posicionar no espaço público, contribuindo para discussão e procura de soluções em tempos de pandemia.

Este momento de elevada pressão sobre os sistemas de saúde, em que poderiam ter sido usadas abordagens inovadoras de envolvimento das diferentes partes interessadas, incluindo os que mais sabem sobre a sua condição de saúde, como é o caso dos doentes crónicos, parece ter-se constituído como uma oportunidade perdida para um posicionamento mais potente da participação cidadã.

Nesse âmbito, mais do que uma oportunidade para testar se a participação leiga pode fazer a diferença, a Covid-19 condicionou ainda mais a participação pública a um enquadramento jurídico já identificado na literatura, de que são exemplo os recentes avanços no Estatuto do SNS em Portugal, pelo que fica a questão: de que serve a participação como direito se ele não encontrar espaço para ser exercido?

  • Suporte fnanceiro: Fundação para a Ciência e a Tecnologia for funds to GHTM – UID/04413/2020

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2021
  • Aceito
    25 Fev 2022
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