Entrevista com Fernando Pigatto – Presidente do Conselho Nacional de Saúde (25/06/2021)

Fernando Pigatto Marcelo Rasga Moreira Kátia Maria Barreto Souto Sobre os autores

RESUMO

Entrevista realizada com Fernando Pigatto, atual presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), por via remota, em 25 de junho de 2021, quando o País chegava a 500 mil mortos pela pandemia de Covid-19. Nela, os entrevistadores objetivaram, por meio de perguntas abertas, levantar informações que: i) apresentassem a atuação do CNS no contexto pandêmico, em especial, seus desafios e avanços; e ii) promovessem a reflexão do entrevistado sobre aspectos fundamentais da democracia e da participação social, sobretudo a relação do Conselho com a sociedade civil e a sociedade política, o papel do CNS no processo decisório das políticas de saúde (ator e/ou arena?) e a interação Conselho-Conferência.

PALAVRAS-CHAVES
Participação social; Covid-19; Políticas públicas

FERNANDO PIGATTO, GAÚCHO DE Rosário do Sul, iniciou sua atuação social e política no grupo de jovens das comunidades eclesiais de base e não parou mais: movimento estudantil; associação de produtores rurais; Partido dos Trabalhadores; Consórcio Social da Juventude; associação de moradores do bairro Primavera; Confederação Nacional de Associações de Moradores; Conselho Nacional das Cidades; e Conselho Nacional de Saúde (CNS), para o qual foi eleito Presidente em 2018 e reeleito em 2021, assumindo o papel de conduzir o CNS no momento histórico de maior gravidade para a saúde pública brasileira.

Esta entrevista foi realizada, por via remota, em 25 de junho de 2021, quando o País chegava a 500 mil mortos pela pandemia de Covid-19. Nela, os entrevistadores objetivaram, por meio de perguntas abertas, levantar informações que: i) apresentassem a atuação do CNS no contexto pandêmico, em especial, seus desafios e avanços; e ii) promovessem a reflexão do entrevistado sobre aspectos fundamentais da democracia11 Moreira MR. Reflexões sobre democracia deliberativa: contribuições para os conselhos de saúde num contexto de crise política. Saúde debate. 2016 [acesso em 2021 dez 29]; 40(esp):25-38. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-11042016000500025&lng=pt&nrm=iso.
http://old.scielo.br/scielo.php?script=s...
e da participação social22 Souto K, Moreira MR. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: protagonismo do movimento de mulheres. Saúde debate. 2021 [acesso em 2021 dez 29]; 45(130):832-846. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-11042021000300832&lng=pt&nrm=iso.
http://old.scielo.br/scielo.php?script=s...
, sobretudo a relação do Conselho com a sociedade civil e a sociedade política, o papel do CNS no processo decisório das políticas de saúde (ator e/ou arena?) e a interação Conselho-Conferência.

(MRM) Como o Conselho Nacional de Saúde tem atuado no enfrentamento da pandemia de Covid-19?

O CNS sempre foi reconhecido como um dos mais atuantes do Brasil. Quando chega uma pandemia, ele acaba tendo uma visibilidade ainda maior, até porque é uma questão de saúde, a temática de que o Conselho trata!

A gente já vinha em um crescente de afirmação do papel do CNS. Quando, em 2016, houve um golpe no País (e hoje está confirmado que isso aconteceu!), começamos uma luta, uma resistência para não perder direitos constitucionais que vinham – e continuam! – sendo retirados.

O CNS atou para que não fosse aprovada o que a gente denominou de ‘PEC da morte’, que hoje é a Emenda Constitucional no 95 (EC 95). Teve um papel importante na luta pela Emenda nº 29, pelo ‘Saúde +10’... uma luta intensa para fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS)! Mas o SUS continuou a ser atacado, por exemplo, pela Portaria nº 2.979, que atacou o modelo de financiamento da atenção básica.

Em 2019, estávamos em processo de Conferência Nacional, a 16a, chamada ‘8ª+8’. Nela, houve um fortalecimento muito grande do controle social! Há muito tempo não se tinha uma Conferência com tanta mobilização! Desde as conferências livres, às conferências municipais e às conferências estaduais em todas as UFs (Unidades da Federação). Foi uma luta para que a Conferência fosse realizada durante um governo que não gosta de participação, que não tolera o controle social.

Em janeiro de 2020, já sabendo que a ‘epidemia’ – não se falava ainda em pandemia – chegaria ao Brasil, a Mesa Diretora do CNS reuniu-se com a representante da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Dr.a Socorro Gross, com a Dr.a Nísia Trindade, Presidenta da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e com o Secretário Nacional de Vigilância em Saúde, Dr. Wanderson.

Em fevereiro, realizamos nossa reunião ordinária mensal (a última presencial) justamente para debater como o Brasil enfrentaria a ‘epidemia’. A mesa principal dessa reunião foi coordenada por mim, pelo Wanderson, a Fiocruz e a Opas. A partir dessa reunião, acionamos nossas Comissões Intersetoriais e Câmaras Técnicas. Criamos um ‘Comitê de Acompanhamento da Covid-19’ com as Coordenações de Usuários(as), dos(as) Trabalhadores(as) em saúde, da gestão e dos prestadores de serviço.

Esse Comitê foi criado em abril, mas, já a partir de fevereiro, publicamos dezenas de recomendações, moções, pareceres técnicos, cartas abertas, notas públicas, lives, projetos de formação, campanhas... Do início de 202 até maio de 2021, já nos posicionamos publicamente mais de 150 vezes, isso do ponto de vista de deliberações do Conselho! Significa um posicionamento do CNS a cada três dias!

(MRM) Todo esse material está público?

Tudo! Está no site do CNS, nas nossas redes sociais... aberto a todos aqueles que queiram fazer um apanhado do que produzimos nesse período. Importante dizer que, no relatório de gestão de 2020, tivemos uma média de duas atividades por dia do CNS! A nossa assessoria de comunicação fez um levantamento de que o CNS foi citado ou usado como referência pela imprensa nacional, aproximadamente, 1.500 vezes.

Nossas ações são direcionadas para os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, para as Universidades, mas, especialmente, para a sociedade civil! Buscamos – já em nosso planejamento estratégico de 2019 – ‘furar a bolha’! Fazer com que cada vez mais o CNS dialogasse para fora do SUS! É preciso romper barreiras!

Acreditamos que conseguimos ‘furar essa bolha’ e nos tornar referência até da imprensa tradicional. Infelizmente, isso aconteceu por causa de uma pandemia que tem tirado centenas e milhares de vida e atingido milhões de pessoas.

O CNS contribuiu diretamente com a ‘CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia’, do Senado. Fizemos mobilização para que a CPI fosse instalada! Quando começou a coleta de assinaturas pelo Senador Randolfe Rodrigues, nossa assessoria parlamentar articulou-se com a assessoria do Senado e tivemos uma reunião virtual com Senadores(as), no início de março de 2021, e nos posicionamos a favor! Mobilizamos a sociedade para a instalação da CPI. Fomos ao Presidente do Senado exigir a instalação da CPI e fomos ao STF (Supremo Tribunal Federal) sensibilizar os Ministros para que, se o Presidente do Senado não a instalasse, o Supremo o fizesse!

Enviamos à CPI, em 18 de maio de 21, um relatório com todos os nossos documentos sobre a pandemia. Estamos em reunião permanente e criamos um grupo de trabalho com a Mesa Diretora do CNS e as assessorias do Conselho e do Senado. Reunimo-nos permanentemente com Senadores(as) para poder atuar não só esperando a aprovação do requerimento para que a gente vá como convidado à CPI (que aconteceu há duas semanas), mas para subsidiar diretamente a CPI, em que o CNS já foi citado várias vezes.

(MRM) Fale sobre esse relatório que o CNS enviou à CPI.

É um relatório com todas as nossas deliberações sobre o tema. Uma espécie de dossiê do CNS para subsidiar a CPI. Como a gente tem um governo que não respeita o controle social, quase a totalidade daquilo que foi deliberado não foi levado em consideração! Isso agravou a pandemia!

A gente sabe que, se nossas deliberações fossem levadas em consideração pelo governo federal e pelo Ministério da Saúde (MS), teríamos centenas de milhares de mortes evitadas, milhões de pessoas não seriam infectadas e a pandemia não teria os efeitos que está tendo em nosso País.

Em abril de 2020, articulamos com outras organizações da sociedade civil a constituição da ‘Frente pela Vida’, com pessoas que atuam não só na área da saúde, mas da educação, ciência e tecnologia, meio ambiente, comunicação, direito... elaboramos um ‘Plano Nacional de Enfrentamento da Covid-19’, que foi apresentado ao Congresso Nacional e ao MS, em julho de 2020.

(KS) Tanto na Mesa Diretora quanto no pleno do CNS, há representação do MS. Quando você informa que o CNS elaborou um Plano e um dossiê para a CPI, os representantes do MS sabem disso. O que isso representa?

Mesmo não tendo a atenção do MS e do governo federal, optamos por dialogar diretamente com a sociedade. Nesse processo, notamos o avanço do reconhecimento do CNS pela sociedade e o fortalecimento da rede de conselhos (estaduais, municipais e locais). Esse relatório já está servindo de base para comprovar as responsabilidades e negligências do governo.

A gente passou a ter uma compreensão melhor, por parte da sociedade, do que é o CNS. Muitas instituições e atores pensavam que somos um órgão do Ministério! Tudo isso foi muito importante porque passamos a ter mais autonomia de ação.

Têm questões que formamos consenso no CNS, mas têm questões que o governo sabe que é minoria, por isso incomoda tanto! As repercussões de nossas decisões tiveram muito mais força externa – influenciando o comportamento de muitas pessoas em relação à pandemia – do que nos órgãos governamentais.

Não somos reconhecidos pelo governo federal, até mesmo pelas mudanças no Ministério. O Ministro que ficou mais tempo no governo desconhecia quem éramos e, quando soube, continuou descumprindo o que prevê a Constituição, a Lei nº 8.080 e a Lei nº 8.142. Mas seguimos adiante, acionando o MP (Ministério Público), a Defensoria Pública, o STF, o Tribunal de Contas, a CGU (Controladoria-Geral da União). A gente não ficou esperando o governo.

Aliás, controle social e governo sempre foi uma relação difícil, mesmo em governos que têm maior entendimento do que é o controle social. A autonomia do Conselho sempre é um ponto de divergência! Muitas vezes, quem está na gestão não aceita muito bom o que vem do controle social.

Evidentemente que a situação hoje é diferente, pois sabemos que há inimigos do controle social no governo, que chegam a criminalizar os movimentos sociais, ao contrário de governos democráticos e populares, que respeitam o que representam a sociedade civil, mesmo não executando tudo o que é deliberado pelo CNS.

Respeitamos o espaço do governo no CNS, seja na Mesa Diretora, no Pleno, nas Comissões Intersetoriais e nas Câmaras Técnicas, mas não nos preocupamos com o que a gestão ia pensar, o que isso ia repercutir do ponto de vista de represálias! O diálogo é importante, o respeito mútuo é importante, mas não nos ‘achicamos’ (ditado gaúcho do jogo de truco, que significa não se intimidar) diante do que alguém do governo vai pensar.

Tivemos, por exemplo, um TED (Termo de Execução Descentralizada) com a Fiocruz, sobre a devolutiva da 16a Conferência Nacional de Saúde, que era para ter sido assinado em 2019. Recebemos um recado da chefia de gabinete do Ministro Mandetta dizendo que ele não ia assinar porque a gente tinha se comportado muito mal. Em 2020, novamente não foi assinado! Se não for assinado em 2021, temos que lamentar. Mas estamos buscando outra forma de executá-lo!

Não é porque houve algum tipo de ameaça, velada ou explícita, que o CNS parou. Hoje, participamos de uma ‘Comissão Especial de Participação Social’ no âmbito do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que discute a Portaria nº 9.759, que, no início do ano, extinguiu mais de 600 órgãos colegiados no âmbito federal. E nos posicionamos contra essa portaria montando um documento para organismos internacionais sobre o que é este governo e como ele lida com o controle social.

O governo federal não conseguiu fechar o CNS, mas cortou 30% do orçamento para a Conferência Nacional de Saúde, em 2019. O TED com a Fiocruz era recurso do CNS que não foi usado, cerca de 30% do nosso orçamento! Não executar, não atender, não dar resposta a pedidos de informações... são formas de fragilizar o CNS.

Sofremos esses ataques, retaliações, mas não baixamos a cabeça e seguimos enfrentando esse governo que, além de tudo, vem praticando genocídio em nosso País.

(MRM) Os conselheiros que representam o Poder Executivo têm levado suas propostas sobre o enfrentamento da pandemia ao CNS?

A cada vez que troca Ministro, vamos conversar com quem entra, levar o relatório da Conferência Nacional de Saúde e dizer que vamos continuar nossa luta, mas que queremos dialogar com a gestão, que faz parte do Conselho. Como os gestores são minoria e não priorizam esse espaço, são poucas as propostas de políticas que encaminham.

Contudo, há representantes do MS e de outros órgãos do governo federal, além dos representantes do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), que atuam bastante no CNS. Temos um integrante na Mesa Diretora que representa o MS e é muito atuante. Em algumas Comissões Intersetoriais, temos uma presença mais efetiva da gestão. Na Cofin (Comissão de Financiamento), a gestão participa de todas as reuniões, faz contraponto, participa dos debates e apresenta posições. Esse representante do MS na Mesa Diretora, diz sempre “a gente é minoria, se a gente se ausentar do debate, aquilo que a gente pensa pode não ser levado em consideração”.

Acredito que essas mudanças constantes no MS atrapalham, mas a gente sempre trabalhou com a importância de a gestão participar ativamente dos espaços do Conselho! A gente nunca trabalhou o contrário. Isso também fortalece o CNS.

A gestão se recusar a participar, afastar-se do Conselho, não estar nos espaços fragiliza o debate! O espírito de quem fez a legislação é de todos estarem lá para contribuir nos debates. E, quando não tem consenso, vota! E, quando vota, ganha a maioria e tem que acatar!

O CNS não tem feito reuniões ordinárias. A gente debate na Mesa Diretora, no Comitê de enfrentamento à Covid-19, nas Comissões Intersetoriais, nas Câmaras Técnicas, nos Grupos de Trabalho, nos fóruns e nos espaços de segmentos. E a gente constrói posicionamentos que, quando não são por consenso, são por maioria.

As nossas deliberações têm acontecido em reuniões extraordinárias, que são posteriores àquilo que a gente encaminha como ad referendum. Eu, como Presidente do CNS, assino as decisões ad referendum. Antes da pandemia, fazíamos os debates, levávamos ao pleno, que decidia e o Presidente assinava. Agora, há uma exigência de aprofundamento de debate ainda maior: assinar uma decisão ad referendum e depois o pleno não referendar seria um grande problema!

Todas as resoluções, recomendações e moções que a gente fez ad referendum do pleno foram aprovadas por ampla maioria de votos, grande parte delas por consenso, por unanimidade e algumas delas com votos contrários do governo e dos prestadores privados.

Isso é fruto de saber ser maioria ou minoria. Normalmente, quem está no governo está acostumado a ser maioria, tem a ‘caneta na mão’... então é bom, é educativo, que quem está na gestão, às vezes, seja minoria, até para apreender a respeitar a minoria.

(KS) Fale sobre ‘Comitê de Enfrentamento à Covid-19’. Há alguma sobreposição em relação ao CNS?

Pela legislação, somos colaboradores eventuais. Antes da pandemia, o CNS fazia uma reunião ordinária presencial mensal (dois dias) e uma reunião mensal da Mesa Diretora (dois dias). Quem participava de Comissão e Câmara Técnica dava um pouco mais de sua contribuição.

Quando chega a pandemia, visualizamos que não teríamos condições, como Mesa Diretora, de coordenar esse processo com nossos oito componentes. Precisávamos criar um espaço que, mesmo não estando na estrutura oficial do Conselho, aprofundasse os debates e fizesse a interlocução com os diferentes setores.

Criamos, então, esse Comitê, que tem participação da Mesa Diretora do Conselho, da Secretaria Executiva, da assessoria de comunicação do CNS (a comunicação é estratégica!) e da representação dos segmentos: a coordenação do Fentas (Fóruns de Trabalhadoras e Trabalhadores em Saúde) e do ForSus (Fórum de Usuárias e Usuários do SUS), a representação da gestão nas três esferas e a dos prestadores de serviço. São cerca de 30 pessoas.

Esse Comitê atua como espaço auxiliar e de interlocução da Mesa Diretora, buscando celeridade nos assuntos ligados à pandemia. O Comitê realiza encontros periódicos para alinhar ações e estratégias; encaminhar pautas; articular com conselheiros(as), comissões e com a rede de conselhos; analisar estudos; mobilizar... muitas ações que temos feito passam por esse espaço: os ‘ao vivo’ são debatidos no Comitê. As reuniões com público externo são debatidas no Comitê.

Em 1º de julho de 2021, vamos fazer uma reunião com associações de familiares de vítimas da Covid-19. Chamamos, no âmbito do Comitê, as coordenações das comissões, das câmaras dos fóruns para discutir. A partir daí, surgirão pautas para as comissões, as câmaras técnicas, os grupos de trabalho.

Discutimos, por exemplo, os ataques às mulheres que têm se agravado ainda mais no período da pandemia. Um tema que consideramos importante que a Cismu (Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher) discuta e apresente ao pleno do Conselho.

Isso tem garantido a interlocução entre as comissões e câmaras técnicas. Há pautas em que se reúnem três, quatro comissões e câmaras técnicas. Desse processo, surge uma nota pública ou carta aberta.

Foi dessa forma que o CNS conseguiu, na nossa avaliação, agilizar o processo de tomada de decisões e democratizar as discussões e deliberações. Graças ao maior aprofundamento do debate! Em um momento de pandemia, descobrimos uma forma de atuação construída coletivamente e que tem dado resultados muito importantes!

(MRM) Toda esta atuação e luta do CNS, atual e historicamente, tem de ser valorizada. Mas sempre há uma questão pendente: quais os sucessos desta luta?

Primeiro, acredito que tem coisas que a gente não consegue mensurar. Ontem, na CPI da Pandemia, estavam o Pedro Halal e a Jurema Werneck, que apresentaram os estudos sobre mortes evitáveis na pandemia: no estudo do Halal, cerca de 80% das mortes poderiam ter sido evitadas! Se tudo tivesse acontecido do jeito que deveria, teríamos mais de 400 mil vidas preservadas, além de milhões de pessoas que não seriam infectadas! Na análise da Jurema, de março de 2020 a março de 2021, poderíamos ter evitado mais de 100 mil mortes.

Mas não há um estudo, pelo menos que eu conheça, que mostre quantas vidas foram salvas pela atuação do CNS. Não se consegue mensurar o quanto as ações do CNS geraram em termos de vidas preservadas. Se não tivéssemos influenciado diretamente as pessoas, as organizações, os conselhos, as entidades, os segmentos (além do que se recomendou para executivo, judiciário e legislativo!), quantos mais teriam adoecido e morrido? A gente não consegue ter, em números, quantas vidas salvou!

Se for avaliar o cálculo frio daquilo que a gente recomendou para o MS e este não fez, isso pode nos frustrar! Poxa, a gente deliberou tanto e não serviu para nada, porque o MS não fez o que deliberamos! Deliberamos pela compra de vacina, não compraram! Não recomendar o uso de cloroquina, está lá recomendando... tem que comprar máscara e distribuir para população... não comprou!

Se a gente ficasse em nosso mundinho fechadinho, só mandado lá pelo SEI (Sistema Eletrônico de Informações do governo federal), acho que a gente estaria frustrado! Mas, não! A gente fez para mobilizar a sociedade, para impactar na vida das pessoas! Na preservação das vidas das pessoas! Só que isso a gente não consegue quantificar!

Eu acredito que o impacto é esse. A valorização que a gente tem que ter é essa. Vamos ter uma avaliação disso lá na frente. Veremos o impacto da CPI na responsabilização de quem não se posicionou. Na análise da atuação da ‘Frente pela Vida’, do que a gente produziu, do ‘Plano Nacional de Enfrentamento’ que entregamos para o Executivo, o Congresso Nacional e o Judiciário.

O presidente do Conass, Calos Lula, disse que o ‘Plano’ que apresentamos vai para as secretarias de saúde. O Conasems disse que vai para as secretarias municipais. A gente interferiu na ponta, fortalecendo os próprios conselhos para participar dos comitês de crise e de enfrentamento – porque a gente não está no Comitê Nacional!

No início, o CNS fazia parte do COE (Comitê de Operações Emergenciais), que foi ativado pelo governo federal para enfrentar a pandemia. Nosso ponto focal era o Secretário Executivo, Marco. O Pazuello entrou e terminou com o COE, mas isso não impediu que continuássemos a apoiar os conselhos estaduais e municipais a participarem dos comitês locais.

A nossa atuação nas eleições de 2020, com a ‘Carta Compromisso’ que fizemos chegar às candidaturas a Prefeituras e Câmaras de Vereadores: não foram todas as candidaturas que assinaram nem todas as que assinaram tiveram sucesso eleitoral, mas aquelas candidaturas que assinaram e ganharam as eleições efetivaram os compromissos da Carta. Isso significa que o CNS influenciou as políticas de saúde desses municípios.

A influência daquilo que o CNS faz, muitas vezes, não é possível quantificar em números. Na prática, no momento em que a gente expande o espaço de atuação, não fica restrito ao ‘susês’, passa a ver que pessoas que não tinham relação com o SUS, engajam-se! A própria ‘Frente pela Vida’ é um exemplo! E a gente tem pesquisas que mostram que o SUS está sendo defendido e reconhecido mais do que era antes da pandemia.

Vi uma propaganda do Sintrajufe-RS (Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal) contra a proposta de reforma administrativa, e o exemplo eram os efeitos danosos da reforma no SUS! O SUS passou a ser uma referência ainda mais reconhecida pela sociedade! E deixou de ser algo só do pessoal da saúde! E o CNS contribuiu com isso! Quando o Conselho dá uma entrevista no ‘Fantástico’, na TV Bandeirantes, no SBT, na CNN, contribui com isso! Antes, a gente não conseguia ocupar esses espaços!

A contribuição que o CNS tem dado, tem se refletido na realidade, no cotidiano da vida das pessoas.

(KS) O CNS participou da elaboração do Plano Nacional de Imunização?

Desde que começamos a discutir o Plano Nacional de enfrentamento da pandemia, tomamos a posição, por meio da Cives (Comissão de vigilância e saúde) e da Cectaf (Comissão de Assistência Farmacêutica), de que, primeiro, não havia remédio para a Covid-19, e, segundo, que a forma de enfrentar a pandemia, além das não farmacológicas, era a vacina.

Aderimos a várias campanhas de vacina. Nos posicionamos várias vezes. O Plano Nacional da ‘Frente pela Vida’ fala sobre isso! Participamos de movimentos com a Abong (Associação Brasileira de ONGs) com o fórum pela democracia...

Mas não fomos chamados a contribuir com o PNI, como Plano Nacional de operacionalização da vacinação contra Covid-19. Esse plano só foi apresentado pelo governo porque o STF, por pressão da sociedade, obrigou. Ele foi apresentado no dia 17 de dezembro de 20. Nesse dia, tínhamos uma reunião da Mesa Diretora com o Secretário Nacional de Vigilância em Saúde (Dr. Arnaldo), que era novo no cargo – tinha dois, três meses de governo – e iria apresentar para o CNS o organograma de sua Secretaria.

A cada reunião do pleno do CNS, a gente levava uma Secretaria do MS para falar sobre suas ações e para abrir agendas com o Conselho. Então, tínhamos essa reunião agendada um mês antes, e o Secretário apresentou o plano de ação dele. Agradecemos, mas dissemos que íamos discutir o Plano de vacinação que tinha sido lançado pela manhã e que não tivemos contato nenhum antes do lançamento!

Fizemos a crítica, falamos que iríamos nos debruçar sobre o plano lançado e iríamos nos posicionar. Fizemos isso em uma reunião no Comitê, no dia 18 de dezembro de 20. Elaboramos uma recomendação no dia 23 de dezembro, fazendo uma primeira avaliação desse plano e propondo a inclusão de grupos prioritários que não haviam sido incluídos.

Reforçamos que tínhamos de ter o máximo de vacinas adquiridas. O SUS já vacinou 3 milhões de pessoas em um dia (no enfrentamento da H1N1), então tínhamos de ter uma grande quantidade de doses à disposição da população. Vacina para todos e todas já!

Tínhamos de mobilizar as pessoas, conscientizá-las de que tinham de tomar a vacina, pois havia uma campanha contra a vacina muito forte! Isso mudou a forma de pensar até de algumas pessoas do governo. Todos tinham de entender que as pessoas não iam virar jacaré!

Afirmamos que tinha de incluir, nas prioridades da vacinação, as pessoas em condição de rua, as pessoas com deficiência, cuidadores(as) de pessoas idosas, indígenas não aldeados (porque o Plano falava de indígenas nas aldeias)! Além de outras que estão detalhadas na Recomendação nº 073 do CNS.

Em abril de 2021, fizemos uma nota técnica completíssima! Aliás, a assessoria do CNS tem tido um papel incrível! Sempre foi reconhecida como excelente! E quem hoje assessora o Comitê de Acompanhamento à Covid-19 e foi responsável por fazer toda a sistematização de nosso trabalho na nota técnica foi a nossa querida Maria Eugênia.

(MRM) Como tem sido a relação do CNS com os demais atores do processo decisório das políticas de saúde?

Na CIT (Comissão Intergestores Tripartite), não temos assento. A última vez que fui à CIT, o ex-ministro Mandetta não me deu a palavra. Ele foi à Conferência Nacional de Saúde e disse que parecia uma turma de sexta série. Eu tive oportunidade de explicar para ele como funcionava o controle social e o respeito que ele não estava tendo com milhares de pessoas. O CNS sempre foi convidado para participar da CIT e tinha direito à fala. A partir desse fato, passamos a ter apenas uma pessoa da assessoria técnica que vai à reunião, faz anotações e leva para o CNS.

O CNS sempre teve uma ótima relação com Conass e Conasems. O Conass é representado na Mesa Diretora por seu Secretário Executivo, Jurandir Frutuoso. Nesse momento de pandemia, a aproximação foi maior ainda. Todas aquelas deliberações que falei antes e que o Ministério não considera, Conass e Conasems repercutem em estados e municípios.

Queria destacar muito o papel do Conass e do Consasems! Além de fazerem parte do conselho, participam ativamente de vários espaços e articulações políticas no Congresso Nacional e nos setores da sociedade, no sentido de cobrar do governo federal, de denunciá-lo por se ausentar da coordenação nacional do enfrentamento da pandemia.

A gente sempre defendeu que o MS coordenasse o enfrentamento da pandemia no Brasil. Nunca fomos a favor de estruturas paralelas! Em todas as deliberações do CNS, reafirmamos a importância de termos uma coordenação nacional liderada pelo MS, com a participação dos vários órgãos de gestão, do Poder Legislativo, do Judiciário e com a participação do controle social, da comunidade científica, das universidades.

(MRM) Você considera que o CNS é uma instituição na qual o processo decisório das políticas de saúde é deliberado, é um ator coletivo que disputa com outros atores o processo decisório das políticas de saúde, ou ambos?

Os dois! Acredito que o grande desafio sempre foi esse! O Conselho tem uma predominância da sociedade civil. Os 50% de usuárias(os) e os 25% que representam trabalhadores(as) da saúde são uma expressão da maioria da sociedade civil. Mas o CNS não pode substituir outros espaços, outras organizações. O Conselho não é uma entidade, embora tenha entidades; não é um movimento, embora tenha movimentos dentro dele; não é uma central, não é uma confederação, não é uma federação... por mais que existam dentro dele essas representações.

Não podemos querer substituir o papel desses órgãos. Esse é o desafio de pessoas que são do movimento e, às vezes, vão para conselhos e deixam de fazer o papel do movimento e viram profissionais. Essa foi uma crítica que sempre houve!

O conselho não pode substituir o papel do partido! E tem muita gente que confunde! Conselhos são plurais! Eu participo de uma entidade que considero uma das mais plurais que existe, a Confederação Nacional de Associações de Moradores! Nas associações de moradores, existe pluralidade! De esquerda, de direita, de centro, de extremas!

Os conselhos são espaços em uma estrutura institucional, porque estão dentro do sistema, que aliás era o debate que a gente fazia no conselho das cidades. O CNS não foi extinto porque está em uma estrutura oficial, legal. Tem poder fiscalizatório e de deliberação.

A gente tem uma crítica, mais no âmbito municipal, a conselhos que simplesmente homologam a política executada ou definida pela gestão. E a gente precisa, cada vez mais, fortalecer a autonomia, inclusive orçamentária, do controle social brasileiro!

Esse espaço do controle social precisa se tornar, cada vez mais, um espaço de poder popular! Precisa, independentemente de quem está no poder, que suas deliberações sejam seguidas. Sou adepto da democracia radical, direta, participativa, combinada com a democracia representativa, combinada com todos os espaços institucionais que precisamos preservar. Mas precisamos avançar.

Isso é um desafio para o debate do processo eleitoral! O CNS, assim como cumpriu o papel de enfrentamento de um governo que não respeita o controle social, também tem papel decisivo em governos democráticos e populares que sabem da importância do controle social.

Vou adiantar, vou dar um spoiler para vocês: já estamos discutindo e, provavelmente, no segundo semestre, vamos lançar a 17ª Conferência Nacional de Saúde!

Iremos convocar a Conferência em 2021 para que seja realizada em 2023. E, dentro dela, vamos fazer um intenso debate sobre os desafios do controle social, do fortalecimento do SUS, do orçamento e financiamento, da pandemia.

Ninguém imaginava essa pandemia! Saímos de uma conferência em vigilância em saúde e não falamos nada sobre isso. Preparamos o País para tratar os territórios, a democracia, a participação e o controle social em vigilância e saúde. Mas não falamos de pandemia! Agora, a gente vivenciou a pandemia, e esse aprendizado vai perpassar a próxima Conferência Nacional de Saúde!

(MRM) Em que medida as Conferências Nacionais de Saúde têm funcionado como orientadoras da atuação do CNS?

A nossa ‘Bíblia’ é a resolução da Conferência! A que está em vigor é a 16a, a ‘8ª+8’. Nas agendas que a gente tem com os Ministros, o documento que a gente entrega é o resultado da Conferência, suas resoluções. Nós cumprimos essas resoluções! E tem que ter a homologação do MS!

Fizemos isso com o Mandetta, que era o Ministro na época em que a Conferência foi realizada, e ele não homologou as resoluções. O Teich, nós não tivemos tempo nem de nos reunir, foi breve sua passagem pelo MS. O Pazuello, nós entregamos e, agora, tivemos audiência com o novo Ministro da Saúde (Marcelo Queiroga) e levamos, novamente, as resoluções da 16a.

Para o resultado de uma Conferência acontecer, priorizamos um processo de devolutiva já em 2020, mas não conseguimos fazer porque era justamente o TED não assinado com a Fiocruz! Não conseguiríamos fazer presencial (a ideia original) por causa da pandemia. Queríamos dar a devolutiva para o Estados, para os Municípios, para implementar aquilo que está nas resoluções da Conferência.

Então, vamos fazer a devolutiva da 16a no escopo de construção da 17a. Precisamos cada vez mais fortalecer esses espaços das Conferências, porque a gente tem a própria ação do governo de enfraquecer o controle social brasileiro a partir, por exemplo, do Decreto nº 9.759.

A gente precisa fazer com que a população reconheça e participe mais dos processos de Conferência. Conseguimos um avanço importante da 15a e das Conferências anteriores para a 16a, que foi influenciar no ‘Plano Nacional de Saúde’. Ao fazermos a 16a no início de agosto de 2019 (era para ser em junho ou julho), conseguimos, de alguma forma, influenciar na confecção do Plano Nacional de Saúde.

Apesar de reprovarmos os relatórios anuais de gestão de 2019, 2018 e 2017 (agora, vamos começar a analisar o de 2020), estamos, a partir da 16a, influenciando nos Planos anuais de saúde. Para a 17a, queremos que a Conferência Nacional aconteça até o mês de junho, para influenciar ainda mais o Plano Plurianual de Saúde, que vai de 2024 a 2027.

(MRM) Considera que há algum tipo de decepção ou desencanto com os Conselhos por parte daqueles(as) que não estão participando tão ativamente do cotidiano do controle social, sejam estes(as) usuários, profissionais de saúde, acadêmicos ou gestores?

Acredito que, na história do nosso País, algumas expectativas não foram atingidas e levaram a algumas decepções. A existência de governos democráticos e populares que não conseguiram dar a resposta que se imaginava frustrou.

Para citar um exemplo: quando o Conselho Nacional das Cidades estava lutando para que a gente tivesse um sistema de desenvolvimento urbano no País e isso acabou não acontecendo, frustrou. Em 2016, algumas entidades saíram do Conselho Nacional das Cidades como forma de reação ao golpe. Quando o Conselho foi extinto, arrependeram-se e tiveram de fazer autocritica.

A gente não pode ter um superdimensionamento do CNS. Ele não substitui movimento, entidade, partido, sindicato e outras organizações da sociedade civil. A gente não pode querer transformar conselhos nestes espaços legítimos, que são a sociedade atuando diretamente!

Os espaços de atuação dessas entidades, um deles, são os Conselhos! Mas existem outras formas de movimentos, entidades, sindicatos, associações, partidos... atuarem.

Eu sou uma pessoa que me aproximei, nos últimos anos, da academia. Era muito crítico da academia que não vivia a realidade, que usava quem é de movimento, quem é de conselho, quem está no dia a dia da luta, na periferia, muitas vezes passando fome, frio, sem ter como viver... para aumentar o seu curriculum, sua bibliografia! Como se quem está na academia soubesse mais do que quem está no dia a dia da luta.

Eu bati muito pesado, porque a gente tinha esse debate lá nas discussões do desenvolvimento urbano, a questão de trânsito e transporte, planejamento urbano, moradia, saneamento: chegar ‘os que sabem’ para falar para ‘os que não sabem’ o que eles têm de fazer.

A pandemia, infelizmente, de uma forma doída, mostrou que os saberes são complementares e que ninguém pode prejulgar. Não me dá o direito de prejulgar alguém da academia se não tive a oportunidade de fazer uma pós-graduação, um mestrado, um doutorado (que aliás, vou ter de fazer!). Não é porque não tive a oportunidade que vou desprezar, atacar, ser duro com quem está nesse espaço e que, às vezes, não está vivendo o cotidiano, a realidade, mas está fazendo uma pesquisa, um estudo, uma análise para ajudar o avanço desses espaços.

E quem está nesses espaços acadêmicos precisa se colocar no lugar de quem está vivendo o cotidiano do movimento, de uma entidade ou de um espaço como é o controle social.

Então, realmente, entre expectativas e frustrações, há o desafio de enfrentar um governo fascista, que a todo momento ameaça a democracia e as instituições, persegue e criminaliza quem atua na luta social e executa o seu ‘plano de morte’, genocida.

Isso fez com que a gente repensasse algumas atitudes, pensamentos, formas de agir, e isso tem contribuído para a gente avançar no aprimoramento daquilo que deve entender como o que é um espaço de conselho, o que são as Conferências, a importância que esses espaços têm, mesmo que não substituam nem a academia nem a luta social que é feita nos outros espaços.

(KS) Como a maior visibilidade do SUS neste momento de pandemia pode ser positiva para Conselhos e Conferências?

Acredito que, da mesma forma que vinha crescendo um certo desencanto (para usar essa palavra que vocês empregaram), agora, durante a pandemia, o controle social brasileiro mostrou sua força!

Acreditamos muito em nossos Projetos de formação para o controle social. Não só de Conselheiros(as), mas também a formação para quem está na sociedade civil e nos movimentos sociais compreender cada vez mais o papel do controle social. Temos a formação voltada para a assistência farmacêutica e vigilância, com 300 lideranças nacionais. Temos um Projeto para os trabalhadores e trabalhadoras de saúde. E temos o projeto de Educação Permanente, as Oficinas para o controle social do SUS.

Defendo que recursos de formação para o controle social precisam ser ampliados. Foi retirada do controle social a verba pública para formação! E a gente tem que voltar a ter! Repasse fundo a fundo de recursos para a formação do controle social do SUS, coordenado pelo próprio controle social. Pelo Conselho Nacional, pelos Conselhos Estaduais, pelos Conselhos Municipais! Não pela gestão!

Quem coordena os processos de formação no âmbito do CNS somos nós! Nós coordenamos com conselhos estaduais e municipais, mas não conseguimos chegar a todos. Conselhos estaduais e municipais têm de ter seus próprios recursos para capacitação!

Sem isso, o controle social fica fragilizado, fica nas mãos da gestão: se o município quer fazer formação, faz... se não quer, não faz! Se uma gestão municipal quer perseguir um(a) conselheiro(a) que dá uma entrevista contra a gestão, vai lá e persegue! Se uma gestão quer mudar uma lei e toda a composição do conselho municipal de saúde, vai lá e muda! Articula com a Câmara de Vereadores e muda! Temos recebido muitas denúncias sobre isso.

Então, precisamos, cada vez mais, fortalecer e dar autonomia aos conselhos. E isso se faz com financiamento e orçamento do CNS. Precisamos radicalizar na democracia que a gente defende.

Os movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos... também têm que apostar na formação de seus quadros para valorizarem ainda mais o controle social! Não como único espaço, mas como um dos espaços de atuação.

Acredito que, dessa forma, a gente consegue avançar e voltar a encantar mais aquelas pessoas que estavam lá na 8ª lutando para que tivéssemos uma democracia real nesse País, que possa transformá-lo em um País mais justo, fraterno e igualitário!

(MRM) Pensando no futuro, que políticas permitirão o SUS atingir o patamar de resolutividade e qualidade desejado?

Temos o desafio de transformar um momento no qual o SUS está tendo uma visibilidade grande e que o sentimento de pertencimento da população em relação ao SUS é maior do que antes da pandemia, em algo que reflita no seu aperfeiçoamento como sistema público!

O Projeto ultraneoliberal, de extrema-direita, que está aí, pensa de outra forma: usar essa visibilidade e as fragilidades que o sistema tem, dizendo que precisam ser supridas pela iniciativa privada!

Aquela reunião que vazou da Consu (Conselho de Saúde Suplementar), em que o Ministro da Economia diz que não tem como dar conta dos problemas porque as pessoas querem viver 100 anos, é um absurdo! Isso gerou uma consulta pública sobre mudanças no sistema de saúde suplementar, e o CNS já se posicionou contra!

Este governo vai seguir tentando implementar essas propostas, que representam a fragilização do que é público! A entrega, cada vez mais, da saúde, à iniciativa privada. Este é um desafio que a gente tem, o da defesa do SUS público!

Senão, as pessoas vão ter que pagar os tais planos populares do Ricardo Barros, que, quando Ministro da Saúde, propunha que as pessoas pagassem R$ 50,00, R$ 100,00 por mês em um Plano popular.

Um grande desafio é a questão do financiamento! A gente tem um SUS desfinanciado! Nunca teve um financiamento adequado, suficiente. Tanto que nós tivemos o ‘Saúde +10’, a ‘EC-29’ (que está parada)... não conseguimos chegar ao ideal, ao que foi preconizado na 8ª.

Precisamos, por exemplo, revogar a Emenda Constitucional nº 95! No Senado Federal, há a PEC 29, que o CNS está apoiando, que propõe uma transição na EC 95.

Precisamos avançar nesse debate do financiamento e entrar em outro: Reforma Tributária. O CNS defenda a taxação das grandes fortunas, dos super-ricos, para poder garantir o financiamento das políticas de saúde, de educação – porque não é só o SUS que vai ter problemas depois da vacinação concluída, serão todas as políticas públicas!

Então, precisamos de uma reforma tributária na qual quem paga a conta é quem gerou a conta! Infelizmente, hoje, o que acontece é o contrário: os ricos cada vez mais ricos, a extrema pobreza aumentando e as pessoas morrendo de Covid-19 e de fome.

A questão dos profissionais de saúde, que estão esgotados(as) com seu trabalho na pandemia!

A desestruturação da atenção básica, com a Portaria nº 2.979; as Organizações Sociais (OS) pelo Brasil afora; unidades de saúde próximas à população sendo transformadas em clínicas de família que afastam as pessoas; e equipes de Saúde da Família com um agente comunitário! As equipes estão ficando sem profissionais!

Vamos precisar voltar a trabalhar pela estruturação de equipes de Saúde da Família no Brasil! Fortalecer a atenção básica de novo... Porque está destruído!

Vão acontecer ainda muitos desdobramentos da pandemia, sobretudo suas sequelas. Esse será um grande desafio para o SUS, porque não serão os planos de saúde que tratarão as sequelas! Fisioterapia, saúde mental... o SUS já está tratando!

Quando a gente colocou, na 16a, a realização da ‘V Conferência de Saúde Mental’, o principal debate era o das Comunidades Terapêuticas, do ataque à Política Nacional de Saúde Mental, à reforma psiquiátrica. Hoje, o debate da V Conferência, para além desse, vai ter de incorporar os efeitos da Covid-19 sobre a saúde mental! Esse será um grande desafio para o SUS!

Em Santa Maria (cidade do Rio Grande do Sul), aconteceu, em 2013, o incêndio da Boate ‘Kiss’, no qual 242 pessoas morreram. Foi criada uma associação dos familiares de vítimas. Até hoje, familiares das vítimas têm atendimento no SUS por causa do que aconteceu! E os jovens que foram atingidos e ficaram com sequelas físicas e de saúde mental continuam sendo atendidos pelo SUS.

Agora, leve em conta as mais de 500 mil mortes causadas pela Covid-19, os(as) milhões de brasileiros(as) que foram infectados(as) pelo coronavírus e que podem ter sequelas! É o SUS que já está atendendo e que vai continuar atendendo, tendo que dar respostas, atender, acolher essas pessoas!

É por isso que o SUS precisa estar no centro dos debates, dos programas de governo, nas eleições de 2022!

  • Financeiro: não houve

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2021
  • Aceito
    01 Fev 2022
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