Saúde mental infantojuvenil e a escola: diálogos entre profissionais da educação e da saúde

Carolina Donato da Silva Andrea Perosa Saigh Jurdi Sobre os autores

RESUMO

O presente artigo teve como objetivo apresentar e discutir os resultados de dois grupos focais com professores de rede pública de ensino no âmbito de um programa desenvolvido no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil Campo Limpo (Capsij Campo Limpo), visando à integração saúde mental e educação: o Programa EducAção. Por meio de grupos focais com os professores que frequentaram as reuniões do referido programa, e posterior tratamento analítico dos dados e análise de conteúdo temática, foi possível constatar que o espaço foi considerado como um lugar de formação permanente. Entretanto, a análise propiciou o entendimento além daquele pretendido no escopo do trabalho, posto que se percebeu que o espaço estudado transcendeu seu objetivo inicial, assumindo também a função de um lugar de cuidado, escuta e acolhimento para os professores. Nessa direção, foi possível concluir que, por se sentirem cuidados pela equipe do Capsij, os professores foram capazes de cuidar, ouvir e significar o sofrimento de crianças e jovens que tinham em seu percurso escolar, repetidas experiências ligadas às dificuldades de aprendizagem, socialização ou interação, apresentando sofrimento psíquico grave, e, por isso, serem acompanhadas no Capsij.

PALAVRAS-CHAVE
Saúde mental; Saúde pública; Colaboração intersetorial; Educação; Educação continuada.

Introdução

Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Capsij) são serviços abertos e de caráter comunitário indicados para municípios ou regiões com população acima de 150 mil habitantes. Atendem crianças e adolescentes com prioridade para sofrimento e transtornos mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack, álcool e outras drogas. Ou seja, crianças e jovens com comprometimento grave e complexo do curso natural do desenvolvimento, com sérios riscos de rompimento de seus laços sociais de suporte, e que, devido a esses riscos, encontram-se em situação de vulnerabilidade e/ou sofrimento psíquico11 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Caminhos para uma política de Saúde Mental Infantojuvenil. Série B. Textos básicos de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005..

Os serviços de saúde mental infantojuvenil, dentro das perspectivas que hoje regem as políticas de saúde mental no setor, devem contar com a colaboração dos diversos equipamentos que atendem a essa população como partes integrantes do processo de cuidado: Escola, Conselho Tutelar, Pontos de Cultura, Serviços da Assistência Social, entre outros que formam uma trama de possibilidades e parcerias. A corresponsabilização pelo cuidado e a colaboração efetiva entre profissionais de diferentes serviços indicam vias potentes para a superação dos principais desafios impostos à atenção psicossocial para crianças e adolescentes22 Couto MCV, Delgado PGG. Presença viva no território: construção da rede pública ampliada de atenção para crianças e adolescentes. In: Lauridsen-Ribeiro E, Lykouropoulos CBO, organizadores. CAPSij e o desafio da gestão em rede. São Paulo: Hucitec; 2016. p. 271-279..

Taño, Matsukura e Minatel33 Taño BL, Matsukura TS, Minatel MM. Atenção Psicossocial e intersetorialidade: entre o lugar do saber e o saber do lugar. In: Fernandes ADSA, Taño BLT, Cid MFB, et al., organizadores. Saúde Mental de Crianças e Adolescentes e Atenção Psicossocial. Santana de Parnaíba: Manole; 2021. p. 5.(5) referem que os Capsij, ao dimensionar o trabalho pela ética do cuidado, assumem um

posicionamento metodológico, ou seja, um modo de produzir o trabalho cotidiano nos serviços que tanto agregue outras parcerias intersetoriais, como seja potente o suficiente para reconhecer, no território, onde estão inseridos contextos estratégicos para a construção de projetos singulares de cuidado.

Para Pinho et al.44 Pinho LB, Kantorski LP, Olschowsky A, et al. Ideologia e saúde mental: análise do discurso do trabalhador no campo psicossocial. Texto Contexto - enferm. 2014 [acesso em 2021 set 14]; 23(1):65-73. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072014000100065&lng=pt.
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a intersetorialidade ainda configura um desafio no cotidiano dos serviços de saúde mental infantojuvenil, uma vez que implicar outros campos como a assistência social, a educação e a justiça acarreta se deslocar de um paradigma biomédico para o modelo da atenção psicossocial.

É preciso salientar que a intersetorialidade potencializa o grau de comunicação entre os setores, corresponsabilizando-os pelas situações a serem enfrentadas, em dinâmicas que objetivam a superação de problemáticas complexas localizadas em determinado território. Compreendidas como ações que transformam a lógica social a partir do combate à exclusão, as ações intersetoriais devem estar direcionadas para a construção de projetos de vida comuns e para a tessitura de laços sociais55 Inojosa RM. Sinergia em política e serviços públicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. Cad. FUNDAP (São Paulo). 2001; (22):102-110..

A educação se configura como um dos setores que atuam no cuidado às crianças e aos adolescentes; e as escolas são ambientes privilegiados, tanto para a promoção do desenvolvimento e de fatores protetivos quanto na detecção de riscos e na redução de danos de agravos psicossociais. Por concentrarem a maior parte da população infantojuvenil brasileira, as escolas agregam diversidades e singularidades, potencialidades e recursos significativos para a produção de saúde, a garantia da proteção integral e o desenvolvimento de pessoas sob princípios de autonomia e emancipação.

No entanto, a falta de articulação entre os setores que atendem essas crianças e suas famílias, a falta de uma rede de apoio e a concepção normativa e disciplinar dos tratamentos oferecidos preocupam. Estudos recentes desenvolvidos por Taño66 Taño BL. A constituição de ações intersetoriais de atenção às crianças e adolescentes em sofrimento psíquico. [tese]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2017. [acesso em 2021 set 14]. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/8803.
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e Oliveira77 Oliveira BDC. Análise das Políticas públicas Brasileiras para o autismo: entre a atenção psicossocial e a reabilitação. [dissertação]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2015. [acesso em 2021 set 14]. Disponível em: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/4309.
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mostram que educação, saúde e assistência social mantêm um diálogo pontual sobre as intervenções a esse segmento populacional, produzindo um silenciamento discursivo que resulta em desassistência às crianças com sofrimento psíquico. Além disso, a intersetorialidade se coloca como horizonte, dado que é processual e solicita que a atenção psicossocial esteja imbuída da tarefa de sustentar a criação de campos discursivos mais amplos que agenciem ações mais compartilhadas coletivamente.

Quanto aos processos de inclusão escolar, verifica-se que as iniciativas de apoio à inclusão não contemplam as questões referentes à diversidade psíquica presentes na infância e adolescência. Nessa direção, Lins et al.88 Lins SRA, Matsukura TS, Taño BL et al. Professores, escola e saúde mental infantojuvenil: elementos para reflexão. In: Fernandes ADSA, Taño BLT, Cid MFB, et al., organizadores. Saúde Mental de Crianças e Adolescentes e Atenção Psicossocial. Santana de Parnaíba: Manole; 2021. p. 48. reforçam a importância em avançar na perspectiva da garantia e da qualidade da permanência de todos os alunos no contexto escolar, inclusive aqueles com sofrimento psíquico. Para que isso ocorra, a escola, em uma concepção inclusiva, deve ter recursos humanos e de infraestrutura que possam sustentar suas práticas cotidianas, assim como um redimensionamento para sua organização escolar, além da formação e de processos de educação permanente do professor. Os baixos salários e a falta de investimento na educação básica fazem com que as escolas públicas e os que nelas trabalham tenham mais dificuldades para construir um trabalho coletivo que possa modificar situações de exclusão. Sendo assim, é preciso garantir não só o acesso, mas também a permanência de todos os alunos, inclusive aqueles com deficiência e/ou sofrimento psíquico, nos espaços escolares, propiciando oportunidades de aprendizagem diversificadas99 Rozek M, Martins GDF, Silva KFW, et al. Crenças e práticas de professores sobre a educação inclusiva. Perspectiva. 2020 [acesso em 2021 set 14]; 38(1):1-22. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/2175-795X.2020.e63201.
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Entende-se que a realização de estudos que enfatizem a realidade da saúde mental infantojuvenil nos seus diversos contextos contribui para aprofundar o conhecimento e ampliar as discussões sobre o campo. Colabora também para disparar ações e estratégias que se colocam em diálogo e na defesa do exercício da cidadania e na participação sociocultural para todas as pessoas, enaltecendo os diferentes potenciais humanos e suas contribuições para a vida comum66 Taño BL. A constituição de ações intersetoriais de atenção às crianças e adolescentes em sofrimento psíquico. [tese]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2017. [acesso em 2021 set 14]. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/8803.
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,1010 Lins SR. Saúde Mental infantojuvenil e inclusão escolar: desafios, demandas e proposição de formação continuada para professores. [tese]. 195 f. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2018.
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Para Couto e Delgado22 Couto MCV, Delgado PGG. Presença viva no território: construção da rede pública ampliada de atenção para crianças e adolescentes. In: Lauridsen-Ribeiro E, Lykouropoulos CBO, organizadores. CAPSij e o desafio da gestão em rede. São Paulo: Hucitec; 2016. p. 271-279., a corresponsabilização pelo cuidado e a colaboração efetiva entre profissionais de diferentes serviços indicam ser vias necessárias para a superação dos desafios impostos à atenção psicossocial para crianças e adolescentes como: o estigma relacionado a eles e a ‘invisibilidade’ dos problemas de saúde mental infantojuvenis.

Nesse sentido, é preciso reconhecer a necessidade do diálogo entre os setores de educação, saúde mental e assistência social, decisivo para a colaboração intersetorial e fortalecimento de ambientes escolares solidários que ampliem condições de inclusão escolar para crianças e adolescentes com problemas de saúde mental1111 Teixeira MR, Ferreira AO, Couto MCV. Atenção psicossocial e promoção de saúde mental nas escolas. In: Fernandes ADSA, Taño BLT, Cid MFB, et al. organizadores. Saúde Mental de Crianças e Adolescentes e Atenção Psicossocial. Santana de Parnaíba: Manole; 2021. p. 35..

Dessa forma, o objetivo deste artigo é apresentar e discutir os resultados de dois grupos focais com professores de rede pública de ensino no âmbito de um programa desenvolvido no Capsij Campo Limpo, visando à integração saúde mental e educação: o Programa EducAção.

Material e métodos

Pesquisa empírica de natureza qualitativa na qual se empregou a técnica de grupo focal com o intuito de analisar o Programa EducAção. O processo de pesquisa qualitativa considera a investigação como um processo interativo entre o pesquisador e os participantes da pesquisa, privilegiando as palavras das pessoas e seus comportamentos como dados primários1212 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec; 2010..

O grupo focal é uma técnica utilizada na pesquisa qualitativa para completar informações, conhecer atitudes, opiniões, percepções a respeito de um tema específico. Para Gatti1313 Gatti AB. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Liber Livro Editora; 2012. p.11., a maior potencialidade do trabalho com grupo focal está ligada à possibilidade que ele oferece ao trazer um conjunto concentrado de informações de diferentes naturezas (conceitos, ideias, opiniões, sentimentos, preconceitos, ações e valores) para o foco de interesse do pesquisador.

O Programa EducAção, no qual foi realizado o grupo focal, foi desenvolvido pela equipe do Capsij Campo Limpo, administrado pela Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SBIBAE) e inaugurado em agosto/2014. Está localizado na região sul do município de São Paulo; sua área de abrangência corresponde aos distritos: Campo Limpo, Capão Redondo e Vila Andrade. As três regiões são representadas pela Prefeitura Regional do Campo Limpo. Tem-se, assim, um território com 29 Unidades Básicas de Saúde, 403 escolas e quase 700 mil habitantes. Tal fato denota o desafio dos profissionais do Capsij em atender a um território tão extenso e complexo em suas necessidades. Esse fato repercute na escola quando ela recebe alunos, e/ou familiares destes, que necessitam dos serviços de saúde mental e não conseguem o acesso a esse direito.

Desde o início do trabalho no Capsij Campo Limpo, a gestão se preocupou em garantir, para cada profissional, horários predefinidos para a realização de ações específicas. As agendas abrangiam atendimentos individuais e/ou familiares, grupos, plantão (acolhimento e convivência), reuniões e ações no território. Essas ações compreendiam reuniões nas Unidades Básicas de Saúde, reuniões com escolas, visitas domiciliares, visita a espaços culturais etc. No decorrer dos anos, a equipe pôde organizar suas atividades levando em consideração as demandas tanto do território - rede de suporte social e de saúde - quanto as internas no serviço.

Atualmente, as ações territoriais são concentradas em reuniões nas Unidades Básicas de Saúde (com as equipes de Estratégia Saúde da Família), Ações de Matriciamento (visitas domiciliares, atendimentos compartilhados, grupos compartilhados), reuniões nas escolas, Matriciamento Intersetorial (reunião mensal que acontece no Capsij tendo como convidada a rede de atenção às crianças); EducAção (Matriciamento das Escolas) e Fórum de Saúde Mental Infantojuvenil de São Paulo.

Como era de se esperar, a programação de horários para ações territoriais favoreceu de forma significativa a organização da equipe para garantir uma presença viva nos espaços de discussão e construção compartilhada do cuidado.

Com o propósito de aproximação com as escolas e compreender melhor as demandas de cuidado direcionadas ao Capsij Campo Limpo pelas escolas da região, a equipe propôs a formação de um grupo denominado EducAção - pensado como estratégia para promover ações aos professores das escolas da região na direção de uma compreensão mais ampla acerca das queixas escolares e as situações de sofrimento psíquico das crianças e dos adolescentes atendidos no Capsij.

Foram convidados para participar dos encontros os professores e os coordenadores das escolas particulares e públicas localizadas no território de responsabilidade do Capsij. Os temas trabalhados foram levantados no decorrer das reuniões a partir do interesse dos participantes do grupo, principalmente dos professores, os quais traziam questões e dúvidas com base em suas experiências nos ambientes educacionais. Esses encontros visaram aproximar a equipe de saúde mental infantojuvenil da realidade escolar, com o objetivo de consolidar algumas práticas e ressignificar outras. A equipe do Capsij estava representada nos encontros por uma terapeuta ocupacional, por um educador físico e um médico psiquiatra.

Para organizar as reuniões à equipe do Capsij com os professores presentes na primeira reunião, foi acordado que os encontros seriam semanais e que teriam três horas de duração. Os convites foram direcionados por e-mail à Diretoria Regional de Ensino (DRE), que, por sua vez, encaminhava-os para sua área de abrangência. Além disso, para as famílias que frequentam o Capsij, foi enviado um convite impresso convidando as escolas que seus filhos frequentam para o encontro. O objetivo era acessar o maior número possível de professores e coordenadores das escolas localizadas no território de responsabilidade do Capsij, particulares e públicas.

Participaram do programa predominantemente professores e coordenadores pedagógicos da rede pública municipal e estadual de ensino da região. Além desses participantes, é importante ressaltar a presença dos membros do Núcleo de Apoio e Acompanhamento para Aprendizagem (Naapa) e do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (Cefai). Ademais, foi possível observar a concentração de professores de Escolas Municipais de Ensino Fundamental (Emef), responsáveis pela maioria dos encaminhamentos ao Capsij.

A partir desse processo, foram realizados dois grupos focais com participantes do Programa EducAção para avaliar o processo e os desdobramentos que os encontros do programa ocasionaram no cotidiano de trabalho dos professores e das escolas que serão descritos a seguir.

Participaram do grupo focal os profissionais da educação que frequentaram as reuniões do Programa EducAção no período entre 2016 e 2017. Em cada reunião do Programa EducAção, os participantes informam um e-mail para contato pelo qual se realiza a troca de materiais e de informações sobre as pautas discutidas e organizam-se os encontros futuros - foi por esse e-mail que o convite foi enviado.

Foram oferecidos dois dias e dois horários para serem escolhidos pelos professores, desse modo, eles puderam considerar o que seria mais adequado e possível dentro de sua rotina. O convite foi enviado para 50 professores; foram recebidas 13 respostas positivas e 1 negativa; 37 professores não se manifestaram. No dia da realização do grupo, houve duas faltas sem justificativa. Foram realizados dois grupos, um com 5 professores, e outro 6 seis. Os professores que participaram serão nomeados por números (Professor 1, 2, ..., 11) com o intuito de preservar o sigilo e a confidencialidade dos participantes.

Para os grupos focais, foi elaborado um roteiro de perguntas para nortear as discussões do grupo. As perguntas abordaram a compreensão dos participantes acerca do ambiente escolar de como esse ambiente pode influenciar a vida e os modos de agir das crianças e adolescentes, como pode favorecer as práticas de cuidado e avaliação dos participantes acerca dos encontros realizados nos anos de 2016 e 2017. Os grupos focais foram gravados e, posteriormente, transcritos. Cada grupo contou com os participantes, um mediador e a pesquisadora.

No processo de análise de dados, foi utilizada a metodologia de Análise de Conteúdo Temática1414 Bardin L. Análise de Conteúdo. Edições 70: São Paulo; 2016.. Após a pré-análise e a fase de exploração do material propostas na metodologia de análise, emergiram as seguintes categorias: 1. O Programa EducAção como espaço de formação permanente e de cuidado para o professor; 2. O papel do Programa EduAção no trabalho intersetorial.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Após o esclarecimento dos objetivos da pesquisa, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados e discussão

O Programa EducAção como espaço de formação permanente e de cuidado para o professor

Durante o processo de coleta de dados nos grupos focais, quando se iniciaram as questões relacionadas com o cuidado que o ambiente escolar poderia ou não oferecer, deparou-se com os comentários dos professores referindo-se aos encontros do EducAção como um lugar no qual se sentiam ouvidos, respeitados. Desse modo, foi possível observar que o programa se constituiu tanto como um espaço de formação permanente apontado pelo grupo quanto como um lugar em que o professor se sentiu cuidado pela equipe do Capsij e pelos professores, diretores e coordenadores que formavam o corpo dos encontros.

De acordo com Figueiredo1515 Figueiredo LC. As diversas faces do cuidar: novos ensaios de psicanálise contemporânea. São Paulo: Escuta; 2012. p. 141., não só o agente de cuidado melhora a qualidade do que faz quando compartilha seus afazeres e decisões com outros agentes cuidadores. Ele ganha muito ao descobrir que o objeto de cuidado, em diversos aspectos, também é ele. Deixar-se cuidar pelo outro passa a ser, em si mesmo, uma forma eficaz de cuidar. A respeito dessa dialética do cuidado para si e do cuidado para os outros, a psicanálise, sobretudo em sua vertente winnicottiana, traz alguns elementos de entendimentos que podem ser derivados para trazer uma melhor compreensão do que se passa no âmbito da educação.

Winnicott1616 Winnicott DW. Babies and their Mothers. Merloyd Lawrence Book: Beverly; 1987. fala sobre a importância que a mãe se deixe cuidar pelo bebê, que ela esteja sensível ao cuidado que seu bebê dedica a ela através do olhar, do toque, do carinho. Na mesma linha, pode-se apontar a relevância do médico se deixar cuidar pelo paciente, o professor pelo aluno. Nos encontros do EducAção, foi possível notar que, ao procurar ajuda para os alunos, os professores encontraram ajuda para si, pois se viram no lugar de quem também precisa, e merece, de cuidado - o qual poderia ser proveniente da equipe do Capsij, dos próprios alunos, dos familiares, dos colegas de profissão.

Ademais, em decorrência do cuidado recebido, referem ter conseguido cuidar e escutar mais as crianças, assim como construir outros pontos de vista para o mau comportamento, para a falta de limites e para a agressividade. Ao se oferecer um espaço de cuidado aos professores, e considerá-los cuidadores das crianças, colocaram-se em pauta as questões relacionadas com os cuidados dos cuidadores.

Considerando-se o tempo desprendido pelos professores no ambiente escolar, é possível afirmar que sua tarefa pode ser compreendida para além de educar, é também cuidar. A aproximação com os educadores permitiu constatar o quanto havia necessidade de escuta, de receber cuidado, de serem valorizados enquanto cuidadores, pois, segundo seus relatos, não encontravam acolhimento para suas angústias em outros espaços institucionais

Os professores precisam falar. O trabalho na escola está cada vez mais difícil, precisamos cada vez mais de mais ajuda. (Professor 1).

A escola é uma instituição que cuida, mas que também precisa ser cuidada. (Professor 2).

O excesso de demandas do trabalho é apontado pelos professores como um fator que dificulta o seu desenvolvimento. O tempo dedicado à preparação das aulas e à interação constante com os estudantes ocupa parte significativa de sua carga horária, não restando tempo para pausas que favoreçam a revisão do que está sendo feito, ou a reflexão sobre os acontecimentos que os cercam. Eles não conseguem parar para pensar, planejar, ver.

Eu penso que no nosso dia a dia nós vamos perdendo a oportunidade de observar coisas, acabamos engolidos pelos afazeres, e por isso, muitas vezes a gente não consegue nem mesmo se ouvir. Se ouvir enquanto própria pessoa para refletir sobre determinadas questões. Eu acho que um dos maiores dificultadores da escola é que não há espaço de fala, e quando eles existem, ninguém disponível para escutar e pensar sobre. (Professor 3).

Eu acho que a rede também precisa dar apoio aos professores. Eles mesmo referem do quanto precisam de cuidado nessa parte emocional. Porque o profissional sendo acolhido, sendo escutado, ele também passa a ver a situação da criança de forma diferente. (Professor 5).

A fala dos professores reflete a precarização dos processos de formação e de trabalhos dos professores. Lins et al.88 Lins SRA, Matsukura TS, Taño BL et al. Professores, escola e saúde mental infantojuvenil: elementos para reflexão. In: Fernandes ADSA, Taño BLT, Cid MFB, et al., organizadores. Saúde Mental de Crianças e Adolescentes e Atenção Psicossocial. Santana de Parnaíba: Manole; 2021. p. 48. apontam que o desvelamento das condições e das concepções presentes nas instituições escolares é importante para que mudanças ocorram e não pode servir como ferramenta para culpabilizar os professores. A frequência dos professores nos encontros do Programa EducAção permitiu observar uma transformação no decorrer da experiência. O grupo foi transformando as formas com que os professores lidavam com as situações difíceis. Atravessados pela experiência das discussões, das dúvidas, percebeu-se, nas discussões de caso, que eles traziam suas questões com mais delicadeza, mais crítica e considerando que suas atitudes também constituíam aquele cenário.

À primeira vista, os professores procuravam a origem, a explicação, de um mau comportamento somente na história do menino, às vezes da sua família, porém não consideravam que a escola, sua estrutura física e simbólica, poderiam estar envolvidas. Os professores não se inseriam na cena da agitação, da inquietação, da agressividade. Essa lógica de procurar a responsabilidade fora do espaço escolar e de seus atores começa a mudar a partir da fala representada abaixo:

[...] na escola tem muitos atores, e esses atores constituem o esse espaço escolar, que tem um papel no imaginário cultural e social, e que tem determinados lugares que esses papéis vão agir. Então apesar de serem pessoas que estão ali dentro, são pessoas com determinados papéis que geram determinados sofrimentos ou comportamentos. (Professor 2).

O passo inicial foi perceberem que o ambiente era um ator importante, entretanto, ainda não se viam como parte dele. No segundo momento, conseguiam se inserir na cena e considerar que suas atitudes, como altura da fala, formato da informação, postura, linguagem corporal, também influenciavam de maneira significativa as atitudes dos estudantes; e mais além, perceber que os professores, o ambiente, também poderiam se encontrar em situação de sofrimento.

O sofrimento psíquico que faz com que a vida fique um pouco mais difícil ele é muito evidenciado nos espaços escolares, infelizmente, e por todos que estão aí. Não são só os alunos não, tem também muito professor em sofrimento, muito gestor em sofrimento, muita tia da cozinha que está lá sofrendo. É preciso olhar para todo o ambiente. (Professor 4).

Uma vez que o Programa EducAção visa produzir mudanças nas práticas cotidianas escolares que favoreçam a permanência confortável dos alunos nesses espaços, ao cuidar do professor, constrói-se a possibilidade de ele cuidar do aluno. Ao ouvir ativamente o professor, abre-se a possibilidade deste passar a ouvir o aluno.

Quando o professor se sente acolhido, ele consegue acolher o outro. (Professor 1).

A gente só consegue dar o que a gente tem. Se eu não estou bem, como é que eu vou proporcionar algo para aquele aluno, como vou acolhê-lo, como é que eu vou lidar com todas aquelas questões? Se o professor recebe apoio, se se sente ouvido, e consegue estar emocionalmente melhor, é claro que a gente não vai dar conta de tudo, mas um pouquinho que a gente faz, já faz uma diferença. (Professor 3).

Eu venho com angústias, e às vezes uma fala que vocês trazem, de informações quanto ao acompanhamento no Capsij, ou às vezes nem trazem necessariamente muita orientação, em termos do que a gente tem que fazer, mas a gente consegue perceber que há um acolhimento. Então vocês acolhem nossa demanda, estão trazendo uma reflexão para a gente, e isso de certa forma, faz com que nós, lá na escola, consigamos perceber essas mudanças, inclusive nossas. Isso baixa um pouco nossa ansiedade, a nossa angústia, e nos chama a pensar de uma outra forma. A gente começa a ter outros olhares. (Professor 1).

No EducAção sentimos respeito à opinião da escola. (Professor 4).

Aqui, o EducAção, é um lugar que a gente pensa, escuta o outro, pensa, reflete e revê processos. (Professor 7).

Sob essa troca de saberes, foram sendo construídos processos de inclusão que consideravam os limites e as necessidades de cada lado: da escola, do professor e da criança.

Foi apontado pelos participantes do grupo focal que a discussão de temas foi de suma importância para o seu trabalho:

No EducAção, eu aprendi a entender um pouco mais dessas crianças, até mesmo a ser mais humanizada com elas... vocês me ensinaram a ser uma profissional... aprendi a entender um pouco mais da mente. (Professor 3).

As discussões teóricas me ajudaram a ampliar minha visão. Via muita coisa aqui e depois ia buscar mais informações para aprofundar o conhecimento sobre o assunto. E, o fato de vocês disponibilizarem o material teórico via e-mail é muito legal, pois permite que possamos usá-los em outros momentos. (Professor 2).

Gostaria que tivesse mais tempo para as discussões dos temas, talvez aumentar a frequência do encontro para ser duas vezes ao mês; com um encontro para discussão teórica e outro só para os casos. (Professor 4).

Para concluir, ressalta-se a evidência de o programa ser considerado como um espaço de formação permanente e aprendizado para os educadores. Quando questionados quanto ao conteúdo apreendido nos encontros do EducAção, foram levantados três principais pontos: o conhecimento sobre as questões psíquicas e suas múltiplas formas de expressão; o. aprofundamento sobre o desenvolvimento infantojuvenil de forma detalhada; e a apreensão do funcionamento da rede de atenção à saúde, suas possibilidades, e limites, de ação.

O papel do Programa EducAção no trabalho intersetorial

Machado1717 Machado AM. Crianças de classe especial: Efeitos do encontro da saúde com a educação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994. aponta que as escolas encaminham aos serviços de saúde as crianças e os adolescentes em busca de um diagnóstico que justificaria os problemas de comportamento e as dificuldades de aprendizagem. A lógica do encaminhamento desresponsabiliza todos os autores envolvidos, transferindo problemas escolares e institucionais para a esfera individual, como um problema de saúde mental do estudante. Nesse contexto, pode-se reforçar a importância do papel da escola em identificar comportamentos e atitudes que fogem do dito como ‘normal’, e com os quais os educadores encontram dificuldade para lidar. Entretanto, o encaminhamento a outros setores não deve se limitar a si mesmo. Ou seja, o encaminhamento não é o fim, mas sim o início de um processo de cuidado que precisará contar com a escola como um dos atores.

É preciso garantir que a produção do cuidado de crianças e de adolescentes em sofrimento psíquico aconteça em rede. Além disso, a construção e a tessitura da rede implicam um posicionamento metodológico, com produção de mudanças nas lógicas institucionais. Nesse sentido, a escola precisa estar inserida em uma rede que participa do processo de cuidado e constrói um conhecimento comum e compartilhado com os diversos parceiros: família, saúde, assistência social, entre outros33 Taño BL, Matsukura TS, Minatel MM. Atenção Psicossocial e intersetorialidade: entre o lugar do saber e o saber do lugar. In: Fernandes ADSA, Taño BLT, Cid MFB, et al., organizadores. Saúde Mental de Crianças e Adolescentes e Atenção Psicossocial. Santana de Parnaíba: Manole; 2021. p. 5..

Na linha de construir uma comunicação intersetorial efetiva, trabalha-se, também, com os professores, o modo como os encaminhamentos se dão, quais as expectativas em relação a eles, quais avaliações a escola fez. De acordo com Machado1818 Machado AM. Plantão Institucional: um dispositivo criador. In: Marcondes A, Fernandes A, Rocha M, organizadores. Novos Possíveis no Encontro da Psicologia com a Educação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2013., o trabalho da saúde implica construir com a escola e professores a desnaturalização dos encaminhamentos, das queixas dos diagnósticos individualizados que, como tantos autores já demonstraram, deixam de culpabilizar as famílias, as crianças e os próprios professores.

Faltam livros, cadeiras, professores, atividades criativas, mas, mesmo assim, a culpa do baixo rendimento é da criança e do adolescente1919 Fernandes AMD, Accioly A, Souza DMD, et al. Histórias e práticas do sofrer na escola: múltiplos atos/atores na produção do “aluno-problema”. In: Marcondes A, Fernandes A, Rocha M, organizadores. Novos Possíveis no Encontro da Psicologia com a Educação São Paulo: Casa do Psicólogo; 2013..

Nasce a crença de que as faltas são de ordem individual e que é possível preencher o que falta. Como se a falta de indisciplina, atenção, esforço e concentração dos alunos e a falta de dedicação dos pais acontecessem por uma certa falta de vontade de mudar e lutar. Também é comum haver críticas de algumas professoras de que não se esforçam, como se a elas faltasse vontade de exercer suas funções1919 Fernandes AMD, Accioly A, Souza DMD, et al. Histórias e práticas do sofrer na escola: múltiplos atos/atores na produção do “aluno-problema”. In: Marcondes A, Fernandes A, Rocha M, organizadores. Novos Possíveis no Encontro da Psicologia com a Educação São Paulo: Casa do Psicólogo; 2013.(120).

Nas falas dos professores, observa-se o discurso pautado na dificuldade que tem sido trabalhar no ambiente escolar. Segundo eles, o trabalho na escola está cada vez mais difícil, pois, além de ensinar matemática, português, geografia, os professores precisam lidar com comportamentos autísticos, hiperatividades, desatenções; por isso referem precisar cada vez mais da ajuda de especialistas. Nesse sentido, constata-se que os professores se sentem incapazes de lidar com os desafios apresentados pelos diversos comportamentos dos alunos.

Por isso eu acredito que precisamos cada vez mais de especialistas juntos, conosco, porque está ficando cada vez mais difícil trabalhar na escola. Os casos encaminhados para as salas de recursos chegam com queixas como problemas comportamentais graves, agressividade, fala sozinho, uso de substância. (Professor 1).

Partindo desse ponto, na aproximação com a realidade escolar, foi possível desconstruir, aos poucos, o lugar hierarquizado do profissional da saúde como mantenedor de um conhecimento que precisa ser passado aos professores, ou do qual eles dependem para realizar suas ações para um lugar de troca de conhecimentos horizontal. Ao discutir o tema da medicalização, por exemplo, foi possível promover um espaço de reflexão aprofundada sobre o assunto, considerando os diversos pontos de vista. Nesse caminho, conseguiu-se encontrar alternativas para o sim e para o não quanto ao uso da medicação. Refletiu-se conjuntamente sobre os sintomas que podem ser amenizados com o uso de medicamentos, os efeitos colaterais e os riscos envolvidos no uso de determinadas drogas. Desse modo, resolver um mau comportamento com uso de medicação deixou de ser responsabilidade somente da equipe de saúde mental, mas sim de todos os envolvidos na situação.

Na rotina do trabalho, no contato frequente com as escolas, tinha-se a impressão de que faltava informação aos professores. Eles pediam conteúdos, aulas, protocolos de avaliação. Contudo, ao haver aproximação, desvelou-se uma necessidade de cuidado. Os professores careciam de pessoas disponíveis a ouvi-los, a dividir suas angústias, compartilhar suas dúvidas; que reconhecessem seu lugar de desamparo.

A situação de trabalho dos educadores é delicada. Salas com muitos alunos, pouco tempo para reflexão, para dispersão, para organização. Quando se sugeriu uma adaptação para um aluno, seja no horário de aula, seja no horário da saída, notou-se uma significativa dificuldade em flexibilizar as amarras institucionais - e, muitas vezes, os professores também se encontram atados a esses nós.

Nesse contexto, quando é relatada a necessidade de ajuda pelo professor, que está cada vez mais difícil trabalhar na escola, que precisa cada vez mais de espaços de formação, reconhece-se a necessidade de mais informações e mais experiência para lidar com os desafios colocados pela situação educacional.

Oliveira2020 Oliveira MFAPB, Mendonça J. O CAPSI e a rede ampliada: intersetorialidade. In: Lauridsen-Ribeiro E, Lykouropoulos CB. O CAPSij e o desafio da gestão em Rede. São Paulo: Hucitec; 2016. p. 193-207., ao relatar a experiência do Capsij Vila Prudente na aproximação com as escolas, enfoca quatro objetivos de trabalho que favorecem a formação permanente dos professores: promover identificação na instituição escolar de quais são as crianças com transtorno mental; favorecer o aprendizado quanto ao manejo com pacientes graves de saúde mental; identificar necessidades de crianças e adolescentes com queixa de aprendizagem e de comportamento; auxiliar na organização da demanda. O trabalho realizado pelo Capsij Vila Prudente vai ao encontro do que também foi efetivado pelo Capsij Campo Limpo, os pontos destacados para serem explorados se equivalem, contudo, a equipe do Campo Limpo sentiu-se convocada a extrapolar esse pedido. Nesse contexto, iniciou-se o trabalho de discussão de temas, e não mais de casos, com o plano de não focar mais no sujeito, no aluno problema, e sim nas relações que mantinham, ou não, determinado comportamento.

Cabe destacar o ponto em que se pode identificar que a noção de cuidado da escola em relação ao aluno se dá, principalmente, pelos encaminhamentos para outras áreas. Quando se perguntou aos professores se a escola era um ambiente de cuidado, as respostas eram exemplificadas por situações nas quais estes notaram algo de incomum e realizaram o encaminhamento para a saúde. Observar que algo está errado e realizar o encaminhamento é nomeado como cuidado.

Somente em uma das falas, a resposta incluía ações da escola em trabalhar o problema identificado dentro do ambiente escolar; e assim mesmo porque se tratou de uma situação limite. Nesse caso, a situação referia-se a uma aluna que apresentou tentativa de suicídio. A escola trabalhou o tema, com a ajuda da Unidade Básica de Saúde, por meio de palestras e de rodas de conversa com os professores, alunos e familiares.

A ação entre os dois setores de forma permanente e contínua começa a surtir efeitos quando os professores compreendem que a intersetorialidade é uma via de mão dupla, dinâmica e se constitui como apoio para profissionais de saúde e educação.

Não tinha noção do que era essa articulação com a saúde. (Professor 1).

Eu mudei minha visão com relação ao serviço público de saúde. (Professor 9).

Esse contato com vocês nos ajuda a compreender melhor o sistema de saúde, e isso é muito importante. (Professor 7).

Eu acho importantíssimo essa aproximação da equipe multi daqui com o educador. Até ampliar, levar mais palestras, pois os professores estão necessitados dessas informações. (Professor 8).

A compreensão do sofrimento psíquico, de como se estrutura o setor saúde e de como a parceria e a comunicação entre os setores pode ocorrer foi importante para os deslocamentos dos professores. As crianças e suas famílias atendidas pelo Capsij Campo Limpo encontram-se em situação de sofrimento psíquico e, por motivos variados, necessitam de um cuidado ampliado e articulado com outros setores. Segundo Delfini2121 Delfini PSS. O cuidado em saúde mental infantil na perspectiva de profissionais, familiares e crianças. [tese]. 2016. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2016., as dificuldades por elas apresentadas são complexas, multideterminadas, relacionadas com os contextos em que vivem; por isso, a atenção demandada é igualmente múltipla.

Considerações finais

O Programa EducAção se constituiu como espaço que favoreceu troca de experiências, vivências e informações entre os núcleos da saúde mental e educação.

A complexa dinâmica de trocas entre a saúde mental e a educação é permeada por contradições, diferentes visões, oposições, contrapontos; entretanto, pensa-se ter construído um modelo compreensivo capaz de captar a heterogeneidade dos fenômenos analisados, preservando, assim, o processo vivo no interior do qual cada um dos profissionais, professores, educadores e técnicos, posicionava-se, revia e alterava sua posição em prol de um objetivo comum: o cuidado com a criança ou com o jovem.

A equipe do Capsij aprendeu acerca da dinâmica institucional escolar, conheceu as hierarquias que precisam ser respeitadas, apropriou-se da realidade do professor em sala de aula - suas implicações, desafios, peculiaridades.

Assimilar os detalhes do funcionamento das instituições educacionais, do cotidiano dos educadores, quantidade de alunos por sala, a relação entre a coordenação pedagógica, a direção e os professores - hierarquias institucionais - e se apropriar desse contexto foi de suma importância para planejar, coletivamente, as situações de inclusão que pautavam as reuniões. Acredita-se na capacidade da escola em lidar com os estudantes que desafiam a ordem e exigem que as regras sejam revistas, reprogramadas, às vezes, subvertidas.

Sob essa troca de saberes, foram construídos processos de inclusão que consideravam os limites e as necessidades de cada lado: da escola, do professor e da criança. Nos encontros propiciados pelos grupos focais e nas conversas com os professores, houve surpresa quanto ao fato de que o programa havia se constituído como um lugar de formação tanto para os professores quanto para a equipe do Capsij, assim como se apresentou como um lugar para o cuidado, a escuta e o acolhimento do professor.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2021
  • Aceito
    12 Set 2022
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