Profilaxia Pós-Exposição sexual no Sistema Único de Saúde: cuidados possíveis na prevenção do HIV

Post-sexual Exposure Prophylaxis in the Unified Health System: possible cares in HIV prevention

Sandra Lúcia Filgueiras Sobre o autor

RESUMO

Este artigo discute os modos de aplicação da Profilaxia Pós-Exposição sexual (PEP sexual) ao HIV em um serviço público de saúde no estado do Rio de Janeiro. Os dados resultam de um estudo de caso e foram produzidos a partir de entrevistas com usuários da PEP sexual e profissionais responsáveis por esse atendimento. Referenciais teóricos sobre integralidade foram utilizados como parâmetros para análise. Ainda que os resultados tenham apontado práticas pautadas em uma relação dialógica que favorecem um cuidado singularizado, predominaram práticas médico e procedimento centradas atravessadas por padrões morais discriminatórios. Desafios ainda precisam ser enfrentados para que o direito de as pessoas conhecerem e se beneficiarem das medidas preventivas, a partir de escolhas esclarecidas e de acordo com suas necessidades, possa ser assegurado. Investimentos em uma formação profissional, que produza reflexões e interrogações sobre as práticas de saúde e organização dos serviços, podem contribuir para o desenvolvimento de ações orientadas pelos princípios do Sistema Único de Saúde – permitindo que o atendimento para PEP sexual possa constituir-se como um dispositivo de cuidado para prevenção do HIV.

PALAVRAS-CHAVE
HIV; Profilaxia Pós-Exposição; Integralidade em saúde

ABSTRACT

This article discusses the forms of application of sexual Post-Exposure Prophylaxis to HIV in a public health service in the state of Rio de Janeiro. Data result from a case study and were produced from interviews with users of the prophylaxis and professionals responsible for such care. Theoretical references on integrality were used as parameters for analysis. Although the results have shown practices centered in a dialogical relationship that favored a singularized care, medical and procedure centered practices crossed by discriminatory moral standards prevailed. Hurdles still need to be overcome so that the people’s right to know and benefit from the preventive interventions, based on informed choices and according to their needs, can be assured. Investments in a professional training, that provoke reflections and questions about health practices and organization of services, can contribute to the development of health actions guided by the Unified Health System (SUS) principles – allowing that the assistance for people who search for the sexual PEP can become a care device for HIV prevention.

KEYWORDS
HIV; Post-Exposure Prophylaxis; Integrality in health

Introdução

No campo da prevenção do HIV, diferentes tecnologias biomédicas baseadas no uso de Antirretrovirais (ARV) vêm sendo implementadas no Sistema Único de Saúde (SUS). Estas, somadas a demais abordagens biomédicas, comportamentais e estruturais, compõem a prevenção combinada11 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Prevenção Combinada do HIV: Bases conceituais para profissionais, trabalhadores(as) e gestores de saúde. Brasília, DF: MS, 2017.,22 Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, et al. O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Revista Brasileira de Epidemiologia. 2015; 18(1):43-62.. Preconizada pelo Ministério da Saúde (MS), essa estratégia tem potencial de revigorar a prevenção da infecção pelo HIV à medida que amplia as possibilidades de respostas individuais e coletivas à diversidade de situações de vulnerabilidade e risco vivenciadas pelas pessoas.

A Profilaxia Pós-Exposição (PEP) é uma medida de prevenção que consiste no uso de ARV para reduzir o risco de infecção em situações de exposição ao HIV. Foi inicialmente disponibilizada no SUS para casos de acidente ocupacional, em seguida, para pessoas vítimas de violência, e somente em 2011 incluiu pessoas que viveram situações de exposição sexual consensual (PEP sexual)33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010..

É uma tecnologia serviço dependente44 Zucchi EM, Grangeiro A, Ferraz D, et al. Da evidência à ação: desafios do Sistema Único de Saúde para ofertar a profilaxia pré-exposição sexual (PrEP) ao HIV às pessoas em maior vulnerabilidade. Cad. Saúde Pública. 2018; 34(7):e00206617. cuja efetividade sujeita-se sobremaneira à organização dos processos de trabalho e da qualidade das práticas de saúde. A busca pela PEP sexual pode ser o último recurso para evitar a infecção pelo vírus, após os demais métodos terem falhado ou não terem sido utilizados22 Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, et al. O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Revista Brasileira de Epidemiologia. 2015; 18(1):43-62., sendo uma oportunidade para a produção de cuidados para prevenção do HIV de forma singularizada. É um momento potente para troca de saberes entre os profissionais e usuários sobre os diversos métodos de prevenção e suas possibilidades de combinação11 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Prevenção Combinada do HIV: Bases conceituais para profissionais, trabalhadores(as) e gestores de saúde. Brasília, DF: MS, 2017., favorecendo uma escolha esclarecida dos sujeitos a respeito das medidas preventivas viáveis. A atenção aos aspectos subjetivos envolvidos nessas situações reivindica um cuidado integral, que valoriza a relação dialógica, a intersubjetividade nas práticas de saúde e as necessidades das pessoas e seu contexto.

Em consonância com essas observações, o protocolo do MS para PEP sexual destaca a necessidade de um cuidado integral e que “cada momento com o usuário é uma oportunidade de conhecer suas motivações para a prevenção e construir estratégias para sua manutenção”33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010.(8).

A disponibilização da PEP sexual no SUS integra a política de prevenção do HIV centrada na redução de vulnerabilidades e risco, no combate ao estigma e ao preconceito, na adoção de medidas preventivas seguras e no emprego da Terapia Antirretroviral (Tarv)11 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Prevenção Combinada do HIV: Bases conceituais para profissionais, trabalhadores(as) e gestores de saúde. Brasília, DF: MS, 2017.,33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010.. A política destaca ainda a vantagem dessa estratégia para organizar o ingresso de pessoas expostas a situações de risco sexual à rede de serviços, promovendo acesso a: testagem, aconselhamento e demais medidas preventivas33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010..

Os serviços e os profissionais de saúde têm um papel fundamental no processo de implantação das novas tecnologias biomédicas no SUS44 Zucchi EM, Grangeiro A, Ferraz D, et al. Da evidência à ação: desafios do Sistema Único de Saúde para ofertar a profilaxia pré-exposição sexual (PrEP) ao HIV às pessoas em maior vulnerabilidade. Cad. Saúde Pública. 2018; 34(7):e00206617.,55 Ferraz DAS. Experiências de mulheres usuárias da profilaxia pós-exposição sexual ao HIV (PEP sexual): cenários pessoais e programáticos para a prevenção da aids. [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2018. 201 p. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://prceu.usp.br/wp-content/uploads/2021/05/DulceAureliadeSouzaFerrazVersaoCorrigida.pdf.
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. É no plano do cuidado que essas políticas podem ser ajustadas à vida das pessoas, de modo que a busca da PEP sexual se torne uma oportunidade para o “diálogo sobre sexualidade e prevenção e para o fortalecimento das pessoas como sujeitos sexuais e de sua saúde”55 Ferraz DAS. Experiências de mulheres usuárias da profilaxia pós-exposição sexual ao HIV (PEP sexual): cenários pessoais e programáticos para a prevenção da aids. [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2018. 201 p. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://prceu.usp.br/wp-content/uploads/2021/05/DulceAureliadeSouzaFerrazVersaoCorrigida.pdf.
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(159).

Assim, dependendo da qualidade da atenção, o encontro entre profissionais de saúde e pessoas que buscam a PEP sexual pode se constituir em um importante dispositivo de cuidado para prevenção do HIV.

A partir dessas considerações, atendo-se à dimensão das práticas de saúde na implementação da PEP sexual no SUS, o artigo pretende discutir os modos de realização dessas práticas e seus contextos de intersubjetividade a partir das narrativas de profissionais e usuários/as da profilaxia.

Metodologia

Foi realizado um estudo de caso em um hospital geral do SUS, referência na atenção em Aids, cuja estrutura organizativa contempla um ambulatório para o cuidado de pessoas que vivem com HIV/Aids e um serviço de emergência 24 horas, localizado no estado do Rio de Janeiro66 Filgueiras SL. HIV/AIDS e Profilaxia Pós-exposição Sexual: Estudo de Caso de uma Estratégia de Saúde. [dissertação]. [Niterói]: Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal Fluminense; 2015. 159 p. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/4875.
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Os dados foram produzidos a partir de conversas informais, observação participante e entrevistas semiestruturadas77 Becker HS. Observação Social e Estudos de Caso Sociais. In: Becker HS. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. Ed. Hucitec, 1997. p. 180. com usuários/ as da PEP sexual e médicos/as infectologistas do serviço estudado.

O princípio da integralidade, assim como a reflexão e a produção de diferentes autores que discutem temáticas relacionadas com o cuidado integral, foi utilizado como parâmetro para análise.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense – parecer número 733.047.

Profissionais entrevistados

Cinco médicos infectologistas

Graça, Bernardo, Elaine e Ivo atuavam como plantonistas da enfermaria de Aids e eram responsáveis pelo primeiro atendimento das pessoas com demandas de PEP sexual. Suas atribuições incluíam o atendimento de intercorrências do plantão, atendimento de pacientes da enfermaria de infectologia, acompanhamento de pacientes em exames externos, busca de pacientes da emergência em condições de ir para a enfermaria, internação de paciente novo, pareceres de pacientes com HIV que estão fora da enfermaria, PEP para pessoas em situação de acidente ocupacional. Além disso, incorporaram na rotina o atendimento de pessoas em situação de exposição sexual ao HIV para o uso da profilaxia.

A infectologista Laura era diarista do ambulatório de HIV, responsável pelo seguimento das pessoas usuárias da PEP.

Os nomes de todos entrevistados mencionados no texto são fictícios.

Quadro 1
Perfil dos usuários

Resultados e discussão

Políticas, protocolos e realidade dos serviços

A PEP é considerada uma urgência pela necessidade de ser iniciada o mais precocemente possível, idealmente nas primeiras duas horas após a exposição de risco, tendo como limite as 72 horas subsequentes. Tem duração de 28 dias, e a pessoa exposta deve ser acompanhada em um serviço de saúde33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010..

O fluxo no serviço pesquisado tinha como porta de entrada a emergência; e, após o preenchimento do Boletim de Atendimento Médico, os usuários eram encaminhados à enfermaria de Aids, onde eram atendidos pelo infectologista de plantão, que avaliava o risco vivenciado, prescrevia a profilaxia quando indicada e solicitava exames laboratoriais de HIV, hepatites B e C, sífilis e os demais previstos no protocolo do MS33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010.. Em seguida, o usuário era encaminhado à farmácia onde tomava a primeira dose e recebia os ARV para 28 dias. A coleta de sangue para os exames era realizada na sequência, no laboratório do próprio hospital. Por último, os usuários deveriam agendar a consulta de seguimento no prazo de 30 dias.

Diferentemente do que preconiza o protocolo do MS33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010., o fluxo para o atendimento da PEP sexual no serviço não incluía o Teste Rápido para Diagnóstico (TRD) de HIV na pessoa que viveu a exposição de risco. O TRD era realizado apenas no paciente fonte, quando este estava presente. A pessoa que viveu a exposição ao risco era submetida a exames tradicionais de laboratório, cujo resultado levava em torno de 30 dias.

Foi o que aconteceu com o usuário Zeca, conhecido no dia de sua primeira consulta de seguimento, quando receberia o resultado do teste anti-HIV. Estava extremamente ansioso, dizendo estar com muito medo de ter se infectado. Quando foi chamado pela Dra. Laura, a pesquisadora ficou aguardando em outro consultório.

De repente, a médica entrou e disse que o resultado do exame não havia chegado conforme previsto e que ele estava chorando muito, temendo estar com HIV. Disse ainda que tentaria conseguir um kit de TRD para logo poder tranquilizá-lo. Ao mesmo tempo, questionou: ‘mas e se dá positivo?’. O resultado do teste foi negativo.

Observou-se que, embora o protocolo do serviço não indicasse TRD para o paciente exposto, a condução dessa situação pela médica demonstrou que usar o protocolo não como um limitador, mas como uma ferramenta pode funcionar como uma via para construção de relações intercessoras produtoras de cuidado88 Merhy EE. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: Merhy EE, Onocko RT, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec; 1997. p. 71-112.,99 Merhy EE. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde - Uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: Campos CR, Rodrigues C, Malta DC, et al. Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte - reescrevendo o público. Belo Horizonte: Xamã/VM Ed.; 1998. p. 103-120. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/33023409_A_per-da_da_dimensao_cuidadora_na_producao_da_saude_uma_discussao_do_modelo_assistencial_e_da_inter-vencao_no_seu_modo_de_trabalhar_a_assistencia.
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,1010 Merhy EE. Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: contribuições para compreender as reestruturações produtivas do setor saúde. Interface (Botucatu). 2000 [acesso em 2021 jan 21]; 4(6):109-116. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/hWjdyMG9J4YhwPLLXdY3kfD/?format=pdf&lang=pt.
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Essa conduta da profissional remeteu às discussões de Campos1111 Campos GWS. A mediação entre conhecimento e práticas sociais: a racionalidade da tecnologia leve, da práxis e da arte. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(7):3033-3040. sobre as racionalidades da tecnologia, da práxis e da arte para compreender a relação entre conhecimento e prática. O autor destaca que as práticas relacionais presentes na área da saúde, além de requerer o conhecimento da técnica, das normas e do saber instituído, devem atender à singularidade de cada caso, o que implica modificações no padrão e na aplicação das leis para a criação de ‘novos procedimentos em ato’, capazes de gerar respostas pertinentes às realidades dos indivíduos e grupos, característica da racionalidade da práxis1111 Campos GWS. A mediação entre conhecimento e práticas sociais: a racionalidade da tecnologia leve, da práxis e da arte. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(7):3033-3040.. Orientada por essa racionalidade, a Dra. Laura se pautou pelo objetivo do seu trabalho na saúde, acolheu o sofrimento de Zeca; e, criando ‘novos procedimentos em ato’1111 Campos GWS. A mediação entre conhecimento e práticas sociais: a racionalidade da tecnologia leve, da práxis e da arte. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(7):3033-3040., conduziu a situação.

Sobre as práticas de cuidado em saúde, compartilha-se com Mattos que “devem estar fortemente voltadas para dar respostas ao sofrimento das pessoas ou para evitar esse sofrimento”1212 Mattos RA. Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e a humanização das práticas de saúde. Interface. Comum. Saúde Educ. 2009; 13(1):771-80.(779).

Restringindo-se à efetividade da profilaxia utilizada por Zeca nesse momento da sua vida, avalia-se que a atitude da médica pode contribuir para construção de vínculo e favorecer a permanência do usuário no serviço, para completar as consultas de seguimento previstas no protocolo da PEP. Além disso, pode potencializar esses encontros com Zeca para singularizar o diálogo sobre estratégias de prevenção combinada e, considerando seus contextos de vulnerabilidade e risco, ajudá-lo a identificar alternativas de prevenção viáveis para si.

Nessa direção, em um estudo sobre PEP sexual com jovens, Massa et al. destacam a importância de os profissionais estarem atentos à necessidade de estabelecer relações de confiança e acolhimento, para efetivar o trabalho preventivo e favorecer o retorno do usuário ao serviço1313 Massa VC, Grangeiro A, Couto MT. Profissionais de saúde frente a homens jovens que buscam profilaxia pós-exposição sexual ao HIV (PEPSexual): desafios para o cuidado. Interface (Botucatu). 2021 [acesso em 2021 jan 21]; 25:e200727. Disponível em: https://doi.org/10.1590/interface.200727.
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. A utilização da PEP sexual como estratégia de prevenção foi considerada por alguns profissionais de saúde um benefício para ajudar as pessoas a evitarem a infecção, outros veem perigo de que esta possa levar a um aumento de exposições de risco (compensação de risco). Demonstraram ainda resistência à aplicação da tecnologia, especialmente nos casos em que houve prática sexual consentida sem o uso de preservativo (caracterizado pelos entrevistados como “exposição”), e não falha ou rompimento do preservativo no ato sexual (caracterizado pelos entrevistados como “acidente sexual”).

Eu acho que esta profilaxia tem o lado bom porque efetivamente pode prevenir a infecção, mas por outro lado pode criar esta cultura de que ‘qualquer coisa eu vou lá no hospital pego o remédio’ e acaba criando uma situação de maior exposição. Por exemplo, algumas garotas de programa relatam que recebem o triplo do valor do programa de parceiros que não querem usar camisinha. Elas aceitam o programa e depois vêm aqui pegar o remédio pra HIV. (Bernardo, médico infectologista).

Eu acho que é válido sim, mas que tem o outro lado da moeda – as pessoas não estão se protegendo, cada vez mais recorrendo a PEP ao invés de usar o preservativo e se proteger de forma adequada. (Elaine, médica infectologista).

Os relatos acima fazem questionar o alcance dos benefícios almejados com a implantação dessa política de prevenção no SUS. Afinal, além de prevenir a infecção daqueles que, durante o ato sexual, experimentaram falha ou rompimento do preservativo, a política prevê a inclusão justamente daqueles que, por diferentes razões, não conseguem, não querem ou têm algum ganho em não usar o preservativo11 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Prevenção Combinada do HIV: Bases conceituais para profissionais, trabalhadores(as) e gestores de saúde. Brasília, DF: MS, 2017.,33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010., como referiu o médico Bernardo. Prevê ainda que o cuidado integral33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010. desenvolvido pelos profissionais promova um olhar mais atento, uma ‘ausculta mais ampliada’1414 Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2004; 20(5):1411-1416. e a construção de uma relação dialógica, buscando aproximar o conhecimento científico à vida das pessoas.

Essa reflexão remete aos três sentidos da integralidade defendidos por Mattos1414 Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2004; 20(5):1411-1416.. O primeiro, voltado às políticas de saúde, em que as respostas governamentais articulam, sobretudo, ações preventivas e assistenciais. O segundo, relacionado com a organização do trabalho pelas equipes de saúde, buscando que o “arranjo seja amistoso para o usuário e responda adequadamente às suas necessidades de saúde”1414 Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2004; 20(5):1411-1416.(1411). O terceiro diz respeito às qualidades das práticas de saúde, “onde a integralidade implica em uma ausculta ampliada das necessidades do paciente, incluindo o respeito aos seus direitos”1414 Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2004; 20(5):1411-1416.(1411),1515 Mattos RA. Integralidade e a Formulação de Políticas Específicas de Saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. A Construção da Integralidade: cotidiano, saberes e práticas. Rio de Janeiro: IMS-UERJ; 2003. p. 45-59.(56).

A percepção dos profissionais trazida nestes relatos – de que se infectar pelo HIV depende, sobretudo, de as pessoas “usarem o preservativo e se proteger de forma adequada”, segundo a médica Elaine – chama atenção para a fragilização da perspectiva da integralidade nas práticas de saúde. Em especial, no que diz respeito à perspectiva do direito à saúde, ao acesso às tecnologias preventivas, ao exercício da sexualidade1515 Mattos RA. Integralidade e a Formulação de Políticas Específicas de Saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. A Construção da Integralidade: cotidiano, saberes e práticas. Rio de Janeiro: IMS-UERJ; 2003. p. 45-59.,1616 Ayres JR, Paiva V, Buchalla MC. Direitos Humanos e Vulnerabilidade na Prevenção e Promoção da Saúde: Uma Introdução. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla MC, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos Humanos – Prevenção e Promoção da Saúde: da doença à cidadania. Livro I. Curitiba: Ed. Juruá; 2012. p. 9-22. e à compreensão das vulnerabilidades sociais, programáticas e individuais na condução das ações de cuidado1616 Ayres JR, Paiva V, Buchalla MC. Direitos Humanos e Vulnerabilidade na Prevenção e Promoção da Saúde: Uma Introdução. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla MC, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos Humanos – Prevenção e Promoção da Saúde: da doença à cidadania. Livro I. Curitiba: Ed. Juruá; 2012. p. 9-22..

Os relatos demonstram ainda que a atenção realizada nesse contexto vai na contramão do que é recomendado sobre o cuidado oportuno para dialogar sobre vulnerabilidades, riscos e medidas preventivas possíveis, segundo as experiências sexuais e contextos de vida dos usuários. Por exemplo, no caso das profissionais do sexo que buscam a PEP repetidamente, faria sentido esclarecer sobre alternativas, como a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP).

Esse cenário pode inviabilizar a realização de uma atenção integral à saúde sexual, além de comprometer a adesão aos ARV prescritos para profilaxia e o vínculo dessas pessoas com o serviço1313 Massa VC, Grangeiro A, Couto MT. Profissionais de saúde frente a homens jovens que buscam profilaxia pós-exposição sexual ao HIV (PEPSexual): desafios para o cuidado. Interface (Botucatu). 2021 [acesso em 2021 jan 21]; 25:e200727. Disponível em: https://doi.org/10.1590/interface.200727.
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. Demonstra ainda uma preocupação com a compensação de risco, especialmente quando a profilaxia é disponibilizada em situações de exposição sexual consentida, sendo mais bem aceita quando indicada em casos de ‘acidente sexual’, induzindo a condutas profissionais que não consideram como direitos1717 Filgueiras SL, Maksud I. Da política à prática da profilaxia pós-exposição sexual ao HIV no SUS: sobre risco, comportamentos e vulnerabilidades. Sex Salud Soc. 2018 [acesso em 2021 jan 21]; (30):282-304. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sess/a/wr7r-88qvqxkXBQsnnrZMqtj/abstract/?lang=pt.
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o livre exercício da sexualidade e o acesso à PEP em situações de exposição sexual consentida.

Diferentes estudos sobre a implantação da PEP sexual em serviços de saúde evidenciaram a preocupação com a compensação de risco e com a reincidência no uso da profilaxia1818 Cohen SE, Liu AY, Bernstein KT, et al. Preparing for HIV Pre-Exposure Prophylaxis: Lessons Learned from Post-Exposure Prophylaxis. Am J Prev Med. 2013 [acesso em 2021 jan 21]; 44(1S2):S80-S85. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3733170/.
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,1919 Kauss BS. A implementação da profilaxia pós-exposição na perspectiva dos trabalhadores da linha de frente. In: Leite V, Terto VJ, Parker R, organizadores. Dimensões sociais e políticas da prevenção. Rio de Janeiro: ABIA; 2018. p. 75-80..

Ferraz e Paiva2020 Ferraz D, Paiva V. Sexo, direitos humanos e aids: uma análise das novas tecnologias de prevenção do HIV no contexto brasileiro. Rev Bras Epidem. 2015; 18(1):89-103. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepid/a/TRFLXnFqfpVFzj3xdBKPDLg/?lang=pt&format=pdf.
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(100), todavia, chamam atenção para a existência de dados que mostram que a compensação de risco não justifica a limitação da oferta de novas tecnologias biomédicas na rede. Por outro lado, mesmo em condições sociais de extrema vulnerabilidade, em alguma medida, cada indivíduo é sujeito de sua sexualidade e, assim,

manejará e reinventará/adaptará os discursos preventivos, se tiver acesso a eles e aos insumos para realizá-los. Não cabe, portanto, buscar estratégias para controlar a experiência sexual.

Os (des)encontros na aplicação da PEP sexual e as barreiras institucionais

Sobre a relação profissional-usuário, os entrevistados evidenciaram aspectos relevantes a respeito dos caminhos construídos no ‘trabalho vivo em ato’88 Merhy EE. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: Merhy EE, Onocko RT, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec; 1997. p. 71-112. e da reflexão sobre suas potencialidades na produção de saúde.

Durante a entrevista, o infectologista Ivo manifestou-se criticamente sobre a conduta de seus colegas médicos. Comentou que havia presenciado usuários que buscam a profilaxia sendo “destratados” pelos profissionais, tanto na enfermaria quanto na emergência,

Depende muito da pessoa que atende. [...] o pessoal vai sempre chegar aqui e falar que a camisinha estourou. Depois de todos esses bloqueios, o cara vai falar ‘a gente estava transando sem camisinha?’ [...] ajusta o discurso pra levar um esporro menor.

Os comentários de Ivo sinalizam a existência de barreiras ao estabelecimento de uma relação dialógica profissional-usuário implicada na construção compartilhada de um cuidado singularizado e contextualizado à vida dos usuários. Sugere a possibilidade de efeitos danosos provenientes de atravessamentos de ordem pessoal/moral na prática médica. De forma similar sugere a médica Helena sobre o atendimento de um rapaz, formado em psicologia, que trabalhava em um programa de redução de danos:

[...] ele teve um relacionamento com um paciente e veio pra cá alegando que o preservativo tinha se rompido. [...] no meio da conversa com o rapaz eu disse pra ele: ‘olha só [...] eu acho que você não está bem preparado pra trabalhar neste programa porque você esqueceu a primeira regra – que médico, psicólogo, psiquiatra não devem manter um relacionamento íntimo com o seu paciente. Se você vem buscar a PEP pra tentar evitar a contaminação, você deveria estar informado desse quesito que ele [referindo-se ao paciente fonte] deveria estar aqui com você pra fazer um teste anti-HIV’.

Esta situação evidenciou um (des)encontro atravessado por valores e preconceitos da profissional, impedindo-a de empreender algum ato produtor de saúde.

Destaca-se que o cuidado integral previsto nas diretrizes da política de prevenção do HIV pressupõe a intersubjetividade entre interlocutores e um encontro dialógico entre o profissional e o usuário, em que suas necessidades podem ser compreendidas e apreendidas definindo-se as ações e os serviços a serem desenvolvidos2121 Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca dos valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: IMS-UERJ; 2001. p. 39-64..

Os relatos acima indicam também a existência de práticas profissionais contrárias ao princípio da integralidade e capazes de se tornar obstáculos para a garantia do direito aos cuidados de saúde e acesso às tecnologias de prevenção do HIV.

Demonstram ainda que a perspectiva dos usuários (o que eles sabem, pensam e sentem a respeito da sua saúde) era desconsiderada nos atendimentos, que pareciam se caracterizar mais como uma intervenção sobre um objeto, ao contrário da reflexão estimulada por Ayres sobre o cuidado em saúde. Para o autor, esse é construído por meio do diálogo entre o profissional e o usuário, “onde os objetos da intervenção, os meios para realizá-la e as finalidades visadas são definidos com saberes e experiências, científicos e não científicos”1616 Ayres JR, Paiva V, Buchalla MC. Direitos Humanos e Vulnerabilidade na Prevenção e Promoção da Saúde: Uma Introdução. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla MC, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos Humanos – Prevenção e Promoção da Saúde: da doença à cidadania. Livro I. Curitiba: Ed. Juruá; 2012. p. 9-22.(15) de ambos os interlocutores. Implica posturas, atitudes e ações que são regidas por um tipo de saber “que não cria objetos, mas realiza sujeitos diante dos objetos criados no e para seu mundo”2222 Ayres JRCM. Cuidado: tecnologia ou sabedoria prática? Interface (Botucatu). 2000 [acesso em 2021 jan 21]; 4(6):117-120. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/vgXszGgZ7jRJQS9v5xmJh6G/?format=pdf&lang=pt.
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(119), o que denomina ‘sabedoria prática’2222 Ayres JRCM. Cuidado: tecnologia ou sabedoria prática? Interface (Botucatu). 2000 [acesso em 2021 jan 21]; 4(6):117-120. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/vgXszGgZ7jRJQS9v5xmJh6G/?format=pdf&lang=pt.
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, a qual depende, sobretudo, de um encontro entre sujeitos de direito.

O usuário Marcos é casado e fez a profilaxia por duas vezes em menos de seis meses. Conforme relatou, seu risco foi o rompimento do preservativo durante o sexo vaginal com mulheres “normais”, ou seja, que não eram profissionais do sexo. Ele comenta:

Eu cheguei, expliquei como é que tudo aconteceu, qual a situação que eu me encontrava e na mesma hora ela fez a receita, eu fui na farmácia, peguei e fui embora.

Caso os médicos do serviço tivessem seguido a recomendação técnica do MS: “sexo vaginal insertivo com parceria de sorologia desconhecida e de população de baixa prevalência – não recomendar”33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010.(62), Marcos não teria indicação para a profilaxia. No entanto, essa já era a segunda vez que ele estava fazendo a PEP sexual.

Pensando na articulação assistência e prevenção necessária à construção da integralidade no contexto das práticas de saúde1515 Mattos RA. Integralidade e a Formulação de Políticas Específicas de Saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. A Construção da Integralidade: cotidiano, saberes e práticas. Rio de Janeiro: IMS-UERJ; 2003. p. 45-59., a conduta profissional restringiu-se à oferta da profilaxia, o que poderia ter sido suficiente para produção de saúde, inclusive respondendo à demanda apresentada pelo usuário. No entanto, verifica-se que não houve nenhuma tentativa do profissional em direção a uma ‘ausculta mais ampliada’1414 Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2004; 20(5):1411-1416. do usuário, criando condições para que ele pudesse refletir sobre sua percepção de risco, sobre outras possibilidades de prevenção como a PrEP, ou o uso do preservativo com parcerias eventuais e, por fim, ter uma decisão mais esclarecida sobre a utilização da PEP.

Merhy88 Merhy EE. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: Merhy EE, Onocko RT, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec; 1997. p. 71-112.,99 Merhy EE. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde - Uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: Campos CR, Rodrigues C, Malta DC, et al. Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte - reescrevendo o público. Belo Horizonte: Xamã/VM Ed.; 1998. p. 103-120. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/33023409_A_per-da_da_dimensao_cuidadora_na_producao_da_saude_uma_discussao_do_modelo_assistencial_e_da_inter-vencao_no_seu_modo_de_trabalhar_a_assistencia.
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,1010 Merhy EE. Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: contribuições para compreender as reestruturações produtivas do setor saúde. Interface (Botucatu). 2000 [acesso em 2021 jan 21]; 4(6):109-116. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/hWjdyMG9J4YhwPLLXdY3kfD/?format=pdf&lang=pt.
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, atento aos modos de realizar as ações de saúde, reflete sobre o ‘trabalho vivo em ato’ e a configuração tecnológica do trabalho em saúde (tecnologia dura, tecnologia leve-dura e tecnologia leve). O autor conceitua tecnologia leve como aquilo que se produz nas ‘relações intercessoras’ entre os profissionais de saúde e os usuários, e é fruto do trabalho humano quando está sendo executado: o ‘trabalho vivo em ato’. Dependendo de como se organiza, o arranjo tecnológico no momento assistencial pode gerar relações burocráticas e prescritivas. Quando organizado segundo as necessidades dos usuários, a partir de tecnologias leves e pautado por resultados gerados em benefícios para seus usuários, o arranjo tecnológico pode produzir relações de confiança, vínculo, aceitação e responsabilização pelo problema do usuário1010 Merhy EE. Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: contribuições para compreender as reestruturações produtivas do setor saúde. Interface (Botucatu). 2000 [acesso em 2021 jan 21]; 4(6):109-116. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/hWjdyMG9J4YhwPLLXdY3kfD/?format=pdf&lang=pt.
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.

A partir dessa perspectiva conceitual, é possível questionar se o atendimento de Marcos foi sumário e burocrático, se sua condução careceu de ‘tecnologia leve’ e do diálogo essencial para formação de vínculo e desenvolvimento de cuidado integral.

A situação relatada pela usuária Denise ilustra outra natureza de relação profissionalusuário, na qual a médica demonstrou uma postura aberta ao diálogo, capaz de potencializar a ação de cuidado.

Eu já estava fazendo um acompanhamento de acidente perfurocortante com a doutora. E por ela ser muito acessível a pessoa se sente mais à vontade e comentei com ela que havia transado com uma pessoa que depois que eu fui ver que era bem galinha. Já havia passado o tempo de fazer a profilaxia, ela fez os exames só pra me deixar mais tranquila. Eu falei com a doutora isso, porque me sinto à vontade com ela.

Denise desconhecia a possibilidade de realizar a profilaxia para situações de exposição sexual consentida. Esse encontro com a médica demonstrou que a atenção recebida estava assentada em uma relação dialógica entre sujeitos. Denise teve oportunidade de refletir sobre seus riscos, conhecer diferentes medidas de prevenção e abrir caminhos para refletir sobre estratégias preventivas viáveis para si. A médica lançou mão de outros dispositivos de prevenção (no caso o exame de HIV) e potencializou ainda mais o cuidado em curso.

Sobre aspectos relativos à relação profissional-usuário, Denise chama atenção mais uma vez:

O profissional precisa deixar o paciente mais à vontade, porque às vezes eles se limitam a fazer perguntas e você a responder. Às vezes fez sexo vaginal, sexo oral e sexo anal, a pessoa vai se limitar a falar que fez o sexo vaginal que é a forma mais normal do sexo. Informações que podem ser importantes para o tratamento, ela não vai falar.

Essa situação remeteu às reflexões de Ayres sobre a importância do ‘êxito técnico’ e a necessidade do ‘sucesso prático’ para a produção de saúde. O primeiro refere-se à “capacidade de identificar e executar possibilidades de intervenção instrumental para a prevenção, tratamento ou recuperação de agravos à saúde”2323 Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Soc. São Paulo. 2009 [acesso em 2021 jan 21]; 18(2):11-23. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/QZX9gH7KmdD-vBpfDBSdRVFP/abstract/?lang=pt
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(18), e só se concretiza na vida do usuário se estiver configurado ao seu modo de entender como devem ser a vida e a saúde no cotidiano, gerando, dessa forma, o ‘sucesso prático’2323 Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Soc. São Paulo. 2009 [acesso em 2021 jan 21]; 18(2):11-23. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/QZX9gH7KmdD-vBpfDBSdRVFP/abstract/?lang=pt
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. O autor enfatiza que o ‘sucesso prático’2323 Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Soc. São Paulo. 2009 [acesso em 2021 jan 21]; 18(2):11-23. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/QZX9gH7KmdD-vBpfDBSdRVFP/abstract/?lang=pt
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não prescinde da competência técnica, mas conclama a sabedoria que nasce no encontro, no diálogo, na relação humana entre profissional-usuário2323 Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Soc. São Paulo. 2009 [acesso em 2021 jan 21]; 18(2):11-23. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/QZX9gH7KmdD-vBpfDBSdRVFP/abstract/?lang=pt
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A partir das concepções de Ayres, compreende-se que o reconhecimento e a inclusão das vivências do usuário no processo de cuidado podem contribuir para o alcance de seu ‘sucesso prático’2323 Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Soc. São Paulo. 2009 [acesso em 2021 jan 21]; 18(2):11-23. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/QZX9gH7KmdD-vBpfDBSdRVFP/abstract/?lang=pt
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– como sugere Denise ao destacar a importância de se sentir à vontade para falar com o profissional sobre suas práticas sexuais, trazendo “informações que podem ser importantes para o tratamento”, viabilizando assim uma construção compartilhada do cuidado.

Outra questão que chamou atenção diz respeito à definição do fluxo para PEP sexual no âmbito do serviço e a não realização do TRD para o HIV no ‘paciente exposto’. Os entrevistados comentam:

Eu acho que não tem que fazer teste rápido no acidentado. O objetivo do teste rápido é a gente saber se a fonte é portadora de HIV pra gente decidir se tem que fazer a profilaxia. Pro acidentado a gente não pede porque se der positivo eu vou ter que contar a ele e aí já virou mais uma consulta diagnóstica de HIV. O objetivo no atendimento é definir se vai fazer uma profilaxia. (Elaine, médica infectologista).

Peço a sorologia, mas não com o teste rápido. O problema é que o resultado nunca sai na hora. Vai demorar algumas horas e eu pelo menos não fico mandando a pessoa ficar aí esperando horas para liberar o ARV. Isso serve como ferramenta de bloqueio. (Ivo, médico infectologista).

Remetendo novamente aos sentidos da integralidade sublinhados por Mattos1414 Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2004; 20(5):1411-1416., o relato da profissional Elaine indica uma conduta profissional centrada especificamente no protocolo instituído no serviço. Para ela, essa era a forma adequada de conduzir essas situações. Atenta ao ‘êxito técnico’2323 Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Soc. São Paulo. 2009 [acesso em 2021 jan 21]; 18(2):11-23. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/QZX9gH7KmdD-vBpfDBSdRVFP/abstract/?lang=pt
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e considerando apenas que o “objetivo no atendimento é se vai fazer a profilaxia”, não reconhece a importância de uma ‘ausculta mais ampliada’1414 Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2004; 20(5):1411-1416. e de aproveitar a oportunidade desse encontro para potencializar ações de prevenção combinada.

O relato de Elaine sugere a presença de práticas profissionais que podem se constituir em barreiras para o cuidado, conforme apontam Massa et al.1313 Massa VC, Grangeiro A, Couto MT. Profissionais de saúde frente a homens jovens que buscam profilaxia pós-exposição sexual ao HIV (PEPSexual): desafios para o cuidado. Interface (Botucatu). 2021 [acesso em 2021 jan 21]; 25:e200727. Disponível em: https://doi.org/10.1590/interface.200727.
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(13), quando

a relação profissional-usuário se pauta na falta de empatia e em ações assistenciais que não favorecem o estabelecimento de vínculo e a retenção dos usuários da PEP sexual [no serviço].

Já o de Ivo indica que, se realizassem o TRD no serviço, não estariam beneficiando o usuário nem agilizando o trabalho como o esperado. Essa situação aponta uma fragilidade importante na organização do fluxo para incorporação da oferta de PEP sexual no cotidiano do serviço – do mesmo modo que os atendimentos das demandas de PEP sexual são centrados no médico mesmo como toda sobrecarga de trabalho que há na rotina da enfermaria. Essas fragilidades no processo de implantação da tecnologia no serviço revelam a ausência do princípio da integralidade tanto na organização do serviço quanto nas práticas de saúde1414 Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2004; 20(5):1411-1416., evidenciando barreiras institucionais para a efetividade da PEP sexual como um dispositivo de cuidado na prevenção do HIV.

A inclusão da PEP sexual na rotina do serviço e vulnerabilidades programáticas

As políticas brasileiras para o enfrentamento da Aids têm se pautado pela integralidade, e sua legitimidade se fortalece à medida que tanto a organização dos serviços e processos de trabalho como as práticas de saúde também se orientem por esse princípio, incluindo o respeito aos direitos das pessoas1515 Mattos RA. Integralidade e a Formulação de Políticas Específicas de Saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. A Construção da Integralidade: cotidiano, saberes e práticas. Rio de Janeiro: IMS-UERJ; 2003. p. 45-59.(56).

Reforça-se com Kauss1919 Kauss BS. A implementação da profilaxia pós-exposição na perspectiva dos trabalhadores da linha de frente. In: Leite V, Terto VJ, Parker R, organizadores. Dimensões sociais e políticas da prevenção. Rio de Janeiro: ABIA; 2018. p. 75-80.(70) que

[...] por mais elaborado que seja o plano normativo, os profissionais de linha de frente agem, interagem, modificam as estratégias pensadas, para além da execução simbólica envolvendo conflitos, percepções e valores.

Ressalta-se, assim, a importância de ações programáticas que incluam a capacitação ou outro tipo de ação pedagógica aos profissionais de saúde, que viabilizem uma discussão coletiva para organização do serviço e dos processos de trabalho para implantação da PEP sexual; contribuindo, assim, para que a diretriz da integralidade esteja presente em suas três dimensões – das políticas, da organização dos serviços e das práticas de saúde1414 Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2004; 20(5):1411-1416..

No serviço pesquisado, a implantação da PEP sexual não se deu nessa perspectiva. Alguns profissionais tinham essa atribuição desde que foram contratados, outros absorveram esta nova tarefa – “acho que foi meio passando a informação que era para atender de plantão em plantão e a gente foi incorporando”. Alguns deles sentiam-se sobrecarregados e contrariados, conforme demonstram os relatos abaixo:

Eu tenho que atender os pacientes internados, graves ou não [...] e no meio dessa história toda quando chegam os acidentes perfuro cortantes, acidente sexual [...] eu tenho que interromper tudo que eu estou fazendo para atender.

Eu não me sinto muito confortável de fazer a PEP sexual aqui não. Acho que é um procedimento que não precisa de um médico infectologista para fazer.

Os profissionais não receberam nenhum treinamento oficial sobre PEP sexual. Foram, por conta própria, lendo os manuais do MS sobre o assunto e buscando trocar informações entre si. Todo o processo de inclusão da PEP sexual na rotina do serviço, inclusive o fluxo, não foi algo discutido e organizado com as equipes. O atendimento das demandas de PEP nesse serviço era centrado no médico; e, mesmo estes sentindo-se sobrecarregados, nenhuma outra categoria profissional foi envolvida, com exceção dos procedimentos da coleta de sangue e a dispensação dos ARV66 Filgueiras SL. HIV/AIDS e Profilaxia Pós-exposição Sexual: Estudo de Caso de uma Estratégia de Saúde. [dissertação]. [Niterói]: Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal Fluminense; 2015. 159 p. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/4875.
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.

A ampliação do acesso aos métodos preventivos baseados no uso dos ARV depende da ação dos serviços de saúde, em sua maioria sobrecarregados e sem perspectiva de melhoria, considerando o subfinanciamento do SUS55 Ferraz DAS. Experiências de mulheres usuárias da profilaxia pós-exposição sexual ao HIV (PEP sexual): cenários pessoais e programáticos para a prevenção da aids. [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2018. 201 p. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://prceu.usp.br/wp-content/uploads/2021/05/DulceAureliadeSouzaFerrazVersaoCorrigida.pdf.
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. Todavia, essa realidade não deve servir de pretexto para prejudicar a ampliação da oferta dos métodos na rede, mas sim para compreender que é “da preservação e do fortalecimento do SUS que depende o potencial que terão essas tecnologias no controle da epidemia no país”55 Ferraz DAS. Experiências de mulheres usuárias da profilaxia pós-exposição sexual ao HIV (PEP sexual): cenários pessoais e programáticos para a prevenção da aids. [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2018. 201 p. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://prceu.usp.br/wp-content/uploads/2021/05/DulceAureliadeSouzaFerrazVersaoCorrigida.pdf.
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(160).

Em consonância com a política de prevenção preconizada no Brasil11 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Prevenção Combinada do HIV: Bases conceituais para profissionais, trabalhadores(as) e gestores de saúde. Brasília, DF: MS, 2017.,33 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV- Suplemento III - Tratamento e Prevenção. Brasília, DF: MS; 2010., Cohen1818 Cohen SE, Liu AY, Bernstein KT, et al. Preparing for HIV Pre-Exposure Prophylaxis: Lessons Learned from Post-Exposure Prophylaxis. Am J Prev Med. 2013 [acesso em 2021 jan 21]; 44(1S2):S80-S85. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3733170/.
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destaca a necessidade de reforçar a divulgação da PEP sexual entre segmentos da população de vulnerabilidade acentuada para o HIV. Sem dúvida, a divulgação contínua dessa tecnologia preventiva, assim como do conjunto de métodos que compõem a prevenção combinada, é fundamental e deve compor o rol de ações programáticas para sua expansão na rede de saúde.

Entretanto, além de investimentos em divulgação, a expansão qualificada da oferta dos métodos preventivos no SUS exige um olhar atento para o papel dos serviços de saúde nesse processo. Considera-se que a consolidação da integralidade como diretriz do cuidado e da organização dos serviços, assim como o fortalecimento do debate sobre direitos sexuais e de acesso às tecnologias de prevenção, pode trazer aproximação à qualidade almejada na expansão da PEP sexual e dos demais dispositivos da prevenção combinada na rede de saúde.

A oferta de métodos preventivos do HIV no SUS e o uso eficaz destes são dependentes da possibilidade de diálogo sobre sexo e sexualidade, não apenas com informações técnicas, mas incluindo o respeito à diversidade e o enfrentamento da estigmatização, que cria maiores vulnerabilidades para o HIV2020 Ferraz D, Paiva V. Sexo, direitos humanos e aids: uma análise das novas tecnologias de prevenção do HIV no contexto brasileiro. Rev Bras Epidem. 2015; 18(1):89-103. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepid/a/TRFLXnFqfpVFzj3xdBKPDLg/?lang=pt&format=pdf.
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.

Nesse sentido, reforça-se a necessidade de investimento programático na formação profissional22 Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, et al. O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Revista Brasileira de Epidemiologia. 2015; 18(1):43-62.,44 Zucchi EM, Grangeiro A, Ferraz D, et al. Da evidência à ação: desafios do Sistema Único de Saúde para ofertar a profilaxia pré-exposição sexual (PrEP) ao HIV às pessoas em maior vulnerabilidade. Cad. Saúde Pública. 2018; 34(7):e00206617.,55 Ferraz DAS. Experiências de mulheres usuárias da profilaxia pós-exposição sexual ao HIV (PEP sexual): cenários pessoais e programáticos para a prevenção da aids. [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2018. 201 p. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://prceu.usp.br/wp-content/uploads/2021/05/DulceAureliadeSouzaFerrazVersaoCorrigida.pdf.
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,2424 Monteiro S, Brigeiro M. Prevenção do HIV/Aids em municípios da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil: hiatos entre a política global atual e as respostas locais. Interface (Botucatu). 2019 [acesso em 2021 jan 21]; (23):e180410 Disponível em: https://doi.org/10.1590/Interface.180410.
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,2525 Mendanha JVE, Chagas JMA, Cavalcante JÁ, et al. Adesão às profilaxias pré e pós-exposição ao HIV no Brasil. Rev. Educ. Saúde. 2021. [acesso em 2021 jan 21]; 9(2):97-104. Disponível em: http://periodicos.unievangelica.edu.br/index.php/educacaoem-saude/article/view/5958.
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para redução da lacuna existente entre as políticas e as práticas cotidianas nos serviços de saúde.

Reconhece-se a educação permanente como uma estratégia potente nessa direção à medida que coloca o trabalho e as práticas cotidianas em análise, promovendo mudanças no cotidiano do serviço e buscando maior resolutividade2626 Ceccim RB, Ferla AA. Educação permanente em saúde. In: Pereira IB, Lima JCF, organizadores. Dicionário da Educação Profissional em Saúde. Todos os direitos reservados. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz; 2009. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edu-persau.html.
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. Nessa perspectiva, Melo e Mattos2727 Melo E, Mattos RA. Gestão do cuidado e atenção básica: controle ou defesa da vida? In: Mendonça MHM, Matta GC, et al., organizadores. Atenção primária à saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018. p. 95-116.(107) destacam o

Trabalho como um lugar de aprendizado, utilizando os desafios e desconfortos sentidos pelos profissionais (espontaneamente ou sob provocação) como matéria prima para mudança do processo de trabalho.

A reflexão das equipes de saúde sobre seus fazeres profissionais pode ser um instrumento potente para o desenvolvimento de práticas orientadas pelos princípios do SUS – integralidade, equidade e universalidade.

Fortalecido em seus princípios, o SUS potencializa a articulação entre saúde e cidadania, propiciando encontros dialógicos entre sujeitos de direito (profissionais e usuários), em que a ‘sabedoria prática’99 Merhy EE. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde - Uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: Campos CR, Rodrigues C, Malta DC, et al. Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte - reescrevendo o público. Belo Horizonte: Xamã/VM Ed.; 1998. p. 103-120. [acesso em 2021 jan 21]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/33023409_A_per-da_da_dimensao_cuidadora_na_producao_da_saude_uma_discussao_do_modelo_assistencial_e_da_inter-vencao_no_seu_modo_de_trabalhar_a_assistencia.
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,2323 Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Soc. São Paulo. 2009 [acesso em 2021 jan 21]; 18(2):11-23. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/QZX9gH7KmdD-vBpfDBSdRVFP/abstract/?lang=pt
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possa se afirmar. Somados à competência técnica, esses encontros podem germinar “escolhas mais adequadas sobre o que saber e o que fazer em cada situação de cuidado”2323 Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Soc. São Paulo. 2009 [acesso em 2021 jan 21]; 18(2):11-23. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/QZX9gH7KmdD-vBpfDBSdRVFP/abstract/?lang=pt
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(20), viabilizando um acesso qualificado às tecnologias de prevenção.

Considerações finais

A oferta da PEP sexual e dos demais dispositivos da prevenção combinada no SUS é essencial para garantir o direito das pessoas se prevenirem do HIV. A qualidade dessa oferta depende de como são realizadas as práticas de saúde e como os serviços são organizados.

Os profissionais de saúde são fundamentais nesse processo, porque lhes cabe a mediação entre o cidadão e as tecnologias preventivas1919 Kauss BS. A implementação da profilaxia pós-exposição na perspectiva dos trabalhadores da linha de frente. In: Leite V, Terto VJ, Parker R, organizadores. Dimensões sociais e políticas da prevenção. Rio de Janeiro: ABIA; 2018. p. 75-80., entre o conhecimento científico e a vida das pessoas. O diálogo é matéria-prima para construção de um cuidado singularizado e atento a como as pessoas vivem sua sexualidade, para que a reflexão sobre o uso da PEP sexual e das demais medidas preventivas tenha sentido em suas vidas2020 Ferraz D, Paiva V. Sexo, direitos humanos e aids: uma análise das novas tecnologias de prevenção do HIV no contexto brasileiro. Rev Bras Epidem. 2015; 18(1):89-103. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepid/a/TRFLXnFqfpVFzj3xdBKPDLg/?lang=pt&format=pdf.
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.

Os dados do estudo evidenciaram práticas ‘médico e procedimento’ centradas, atravessadas por padrões morais discriminatórios, revelando uma lacuna entre a política e o cotidiano dos serviços. Por outro lado, também foram observadas condutas profissionais orientadas pela racionalidade da práxis1111 Campos GWS. A mediação entre conhecimento e práticas sociais: a racionalidade da tecnologia leve, da práxis e da arte. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(7):3033-3040., sinalizando aberturas para que o momento da procura pela PEP sexual possa se constituir em um dispositivo de cuidado integral para prevenção do HIV.

A expansão e a qualificação do acesso das tecnologias baseadas em ARV requerem o fortalecimento do SUS, a consolidação de seus princípios, o enfrentamento do estigma e a luta política por direitos2424 Monteiro S, Brigeiro M. Prevenção do HIV/Aids em municípios da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil: hiatos entre a política global atual e as respostas locais. Interface (Botucatu). 2019 [acesso em 2021 jan 21]; (23):e180410 Disponível em: https://doi.org/10.1590/Interface.180410.
https://doi.org/10.1590/Interface.180410...
. Salienta-se, ainda, a necessidade de investimento em uma formação profissional que produza reflexões e interrogações sobre as práticas de saúde e os modos de organização dos processos de trabalho.

Aponta-se que a realização de novos estudos sobre a implantação de tecnologias biomédicas baseadas em ARV na rede pública de saúde pode contribuir para o aprimoramento desse processo e para a efetividade das ações preventivas.

Desafios importantes ainda precisam ser enfrentados para que a oportunidade da busca pela PEP sexual no SUS seja um espaço de cuidado, em que os usuários, como sujeitos de direitos, conheçam e se beneficiem das medidas de prevenção do HIV a partir de escolhas esclarecidas e de acordo com suas necessidades em diferentes momentos e contextos de suas vidas.

Concluindo, enfatiza-se que o ‘trabalho vivo em ato’ produzido a cada encontro profissional-usuário no dia a dia dos serviços de saúde é um lócus potente para o exercício da cidadania e para a construção compartilhada de cuidados possíveis para prevenção do HIV na vida das pessoas.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2022
  • Aceito
    14 Set 2022
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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