RESUMO
O presente ensaio trabalha nas dobras do tempo, acionando as noções de experiência, memória e perturbação, a partir da perspectiva socioantropológica, para discorrer acerca da cronicidade do viver com HIV/Aids na infância, adolescência e juventude. Seguindo as definições de ensaio, propôs-se um artesanato conceitual que ofereça outro arranjo de olhar sobre estigma, precariedade, vulnerabilidade e cronicidade. Apostou-se em um olhar que enfrente as barreiras do viver produzidas pelo estigma, discutindo em que medida a cronicidade pode acentuar a precariedade que constitui os humanos, mas que, para muitos, em virtude de sua localização social, pode significar maior precarização e vulnerabilização; considerando que, quando se é criança, adolescente e jovem, essa precarização pode levar a uma impossibilidade na circulação dos afetos, nas trocas cotidianas fundamentais dentro dos grupos, e a uma sensação constante de inadequação.
PALAVRAS-CHAVE
Doença crônica; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Adolescente; História
Introdução
Neste ensaio de tripla autoria, de pesquisadores/as que trabalham juntos há mais de 20 anos, reside a constatação de que, na passagem dos anos 1990 para os anos 2000, especialmente na última década, presenciamos uma transformação de base clínica e tecnológica, e de concepções teóricas e metodológicas, que deslocou a Aids de seu aspecto fatalista, de final de vida quase que imediato para um lugar de cronicidade e manejo cotidiano da infecção pelo HIV11 Bastos FI, Szwarcwald CL. AIDS e Pauperização: principais conceitos e evidências empíricas. Cad. Saúde Pública. 2000 [acesso em 2022 dez 11]; 16(supl1):65-76. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/pNbQN84KF6Hhb3bkPLBSF8H/abstract/?lang=pt.
https://www.scielo.br/j/csp/a/pNbQN84KF6... ,22 Parker R. 2015. O Fim da AIDS? In: Anais do 8º Encontro Estadual de ONGs/AIDS; ago 2015. Rio de Janeiro: [s.n.]; 2015..
O presente ensaio nasce dessa constatação conjunta. Nele, as noções de experiência e memória sustentam as reflexões. Segundo Meneghetti33 Meneghetti FK. O que é um ensaio-teórico? Rev Admin Contemporânea. 2001 [acesso m 2022 dez 11]; 15(2):320-332. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rac/a/4mNCY5D6rmRDPWXtrQQMyGN/?lang=pt.
https://www.scielo.br/j/rac/a/4mNCY5D6rm... , o ensaio se apoia nas perguntas geradoras de reflexões densas; ou ainda, como orienta Bondia44 Bondia JL. A Operação Ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. Rev Educ Realidade. 2004 [acesso em 2022 dez 11]; 29(1):27-43. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/25417.
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacao... , ele comparece como um gênero híbrido, sustentado por um tempo e um espaço claramente subjetivos. O autor defende o ensaio como um pensamento no presente e para o presente, um lugar da autoria do pensamento na primeira pessoa, fundamentado pelo distanciamento crítico e condicionado na sua existência ao ofício da escrita.
Como ensaio teórico, ele não se ausenta de evocar os acervos de pesquisas por nós realizadas, nas quais determinados extratos de narrativas que nos contam sobre um certo fio de história no recorte da saúde da criança, do adolescente e do jovem vivendo com HIV/Aids – ‘personagens’ construídos na ‘luta’ contra a doença e no conjunto de respostas políticas e sociais a ela dirigidas55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p.. Esta tessitura nos permite acionar memórias pessoais, coletivas e arquivos, interpelando-os a partir de um tempo presente de nossas inquietações, em diálogo com outros tempos da ‘história da Aids’, observando transformações e permanências no decorrer de mais de 20 anos de estudo nesse campo.
Ao mesmo tempo, seguindo as definições de ensaio, precisamos de um artesanato conceitual que, ao ser (re)visitado, ofereça-nos outro arranjo de olhar sobre estigma, precariedade, vulnerabilidade e cronicidade. Isto é, olhamos para o HIV/Aids na interface com a cronicidade, buscando outras chaves interpretativas, perspectivando-o a partir de uma trama de relações, sejam aquelas travadas no curso de nossas pesquisas, sejam aquelas produzidas pelo entrelaçamento interdisciplinar entre diferentes referenciais teóricos.
Nosso argumento neste texto se fundamenta na ideia de que a afirmação da vida na experiência da cronicidade se dá em um mapa complexo de ao menos dois tempos da epidemia: no ‘antes’ e no ‘agora’. Nesses tempos, permanece como fio comum uma ‘perturbação’ na condição de viver com HIV/Aids, instigando a revisitar esse campo, interrogando-o enquanto experiência e dramaticidade, no universo do cuidado e pesquisa com crianças, adolescentes e jovens vivendo.
A construção do jovem vivendo, nessa expressão que suprime ‘com HIV/Aids’, é forjada em um momento de positivação daqueles que outrora eram ‘condenados à morte’. Sujeitos estes que, ‘para existir’, precisam livrar-se de alguns embaraços em um campo que: passa a defender a sexualidade como direito e saúde; esconde o adoecimento e a morte; omite a reprodução e ‘previne a sexualidade’; expressa-se em um contexto de escassez e precariedade material e simbólica, revestidas, paradoxalmente, como responsabilidades e expressões de vida individuais55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p..
Tal recorte, portanto, é analisado em suas dobras, no não imediatamente perceptível, buscando captar a dimensão vibrátil66 Rolnik S. Uma insólita viagem à subjetividade: fronteiras com a ética e a cultura. In: Lins DS, organizador. Cultura e subjetividade: saberes nômades. Campinas: Papirus; 1997. p. 25-35. das experiências, memórias e encontros com esse público – o qual, marcado pela responsabilidade parcial e autonomia reduzida pela idade, é interpretado como ‘descontrolados’ no exercício da sexualidade, ‘portadores de’ um vírus ligado ao desvio e letalidade, e ganham o atributo de promessa de futuro55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p.. A partir daí, interrogamo-nos: o que, apesar de todos os avanços sociais e tecnológicos, ainda remete no viver com HIV/Aids ao ‘drama da condição humana correndo nas próprias veias’?77 Ferreira C. Uma Experiência Pessoal. In: Paiva V, organizadora. Em Tempos de AIDS. São Paulo: Summus Editorial; 1992. p. 85-90.. O que se coloca como próprio da infância, adolescência e juventude nesse terreno arenoso estigmatizado e de muitas dúvidas e incertezas? O que se caracterizaria como desistência do viver ou como ‘potência da vida’ – que permite fazer da própria desterritorialização um território subjetivo?88 Pelbart PP. Políticas da vida, produção do comum e a vida em jogo. Saúde Soc. 2015 [acesso em 2022 fev 10]; 24(supl1):19-26. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/SBMnsjPgx7Q5mzDWdnhL-Q6D/abstract/?lang=pt.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/SBMnsjP... .
A experiência da cronicidade com o HIV/ Aids se dá por meio desse mapa complexo de experiências ditadas pelo convívio com a ‘doença’ e os vários tempos da epidemia. Nesse quadro de múltiplas subjetividades em construção, marcadas por dimensões biopolíticas e tecnologias de si99 Cruz EF. Espelhos d’AIDS: infâncias e Adolescências nas tessituras da AIDS. [tese]. Campinas: UNICAMP; 2005. 257 f., observamos resistências e linhas de fuga relacionadas com: os corpos que permanecem (re)agindo ao/no mundo a despeito da infecção e das possibilidades terapêuticas; o manejo do segredo do diagnóstico e do estigma; os apoios e os suportes proporcionados pelas ações associativas, organizações não governamentais, redes ativistas e movimentos sociais; as novas tecnologias medicamentosas e de prevenção; o aprimoramento no esquema terapêutico com a redução na quantidade de comprimidos e de efeitos colaterais.
Todas essas experiências, por vezes contraditórias, oscilantes entre retóricas de sucesso, esperança e fracasso, conjugam-se nas ‘várias Aids’; no que chamamos tipologicamente de ‘Aids de antes’ e ‘Aids de agora’ e seus diferentes tempos do ‘viver com’ e das respostas sociais e políticas constituídas nesse campo55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p..
Entendemos que, na base da cronicidade, reside a temporalidade do cuidado como interdependência e reconhecimento da precariedade humana, que se acentua no gerenciamento do adoecimento. Para essa definição, acionamos Kittay1010 Kittay Eva F. Love’s Labor: Essays on Women, Equality and Dependency. New York: Routledge; 1999., Butler1111 Butler J. Corpos em Aliança e a Política das Ruas: notas para uma teoria performativa da assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018. e Honneth1212 Honneth A. O eu no nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologias. 2013 [acesso em 2022 fev 10]; 33:56-80. Disponível em: https://www.scielo.br/j/soc/a/8KhnhHgJWbTRBYgmvYpMQ3H/?lang=pt&format=pdf.
https://www.scielo.br/j/soc/a/8KhnhHgJWb... . Como a experiência de adoecimento remete às relações estendidas de cuidado, faz-se necessário retomar de forma radical as interdependências e as precariedades como algo que remete à condição humana1111 Butler J. Corpos em Aliança e a Política das Ruas: notas para uma teoria performativa da assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.. Estas se interceptam com a luta por reconhecimento que vão se configurando desde a infância. Essa estrutura depende de um ambiente seguro e da convicção de que se é reconhecido, em um movimento intersubjetivo, em interação. Além disso, ser reconhecido e motivado, na realização de experiências positivas, passa por confiar em si próprio, passa por se sentir valorizado, respeitado e acolhido. Kittay1010 Kittay Eva F. Love’s Labor: Essays on Women, Equality and Dependency. New York: Routledge; 1999. alcança a crítica à ideia de independência pelas vias de uma perspectiva feminista da deficiência. Para tanto, ela reafirma a dependência como um valor que nos humaniza, e que refere o ambiente relacional do cuidado. Ser interdependente é parte da condição humana. Neste ensaio, no qual acionamos a cronicidade no diálogo com uma temporalidade para o HIV/Aids, é importante destacar que a deficiência, ainda que não seja tratada aqui em sua especificidade – acionada na base da formulação de uma Ética do Cuidado por Kittay1010 Kittay Eva F. Love’s Labor: Essays on Women, Equality and Dependency. New York: Routledge; 1999. –, pode vir a se tornar uma presença em função das emergências geradas por epidemias e pandemias, em que a epidemia HIV/Aids se coloca1313 Edmundo K, Meresman S. Caminhos da inclusão: sexualidade, HIV/AIDS e deficiências. In: Boletim ABIA: A reinvenção da prevenção no século XXI. Rio de Janeiro: ABIA; 2016. p. 3-6..
Vejam que, nessa definição, devemos provocar o campo das práticas de cuidado e seus praticantes sobre como interpretamos crianças, adolescentes e jovens nessa tipologia dos ‘tempos da Aids’. Esse acionamento justifica este ensaio, na sua provisoriedade, como um disparador de reflexões sobre um cuidado, cujas interdependências tensionam com a mediação do estigma1414 Goffman E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar; 1982..
Assim, as questões que transversalizam este trabalho são: em que medida a experiência da cronicidade, e não mais da letalidade do viver com HIV/Aids, fica efetivamente incorporada (no sentido de produzir corpos e novas subjetividades) a ponto de diluir o estigma que historicamente constitui esse campo? Quais as metamorfoses pelas quais passam os sentidos de ‘perigo’ e de ‘risco’ a partir da existência e da disponibilização de tecnologias de prevenção pré e pós-exposição ao HIV? Como o reconhecimento do cuidado como constitutivo de uma política afirmativa de nossas precariedades pode auxiliar no enfrentamento dos estigmas ligados à vivência da cronicidade?
Estamos interessados na análise do lugar de criação de existências possíveis em meio à cronicidade da doença, tomando como cenário analítico dois tempos históricos da epidemia de HIV/Aids, que têm como inflexão o surgimento da Terapia Antirretroviral (Tarv) de Alta-Potência, o coquetel, como é conhecido. Este imprime uma diferença radical entre morrer e viver. Tal mudança não só permite um giro radical nas experiências nos modos de andar a vida, mas também passa a ditar as políticas e as práticas de cuidado no campo da infância, adolescência e juventude vivendo com HIV/Aids, construídas em meio a memórias e vivências encarnadas de nossos interlocutores e de nós mesmos, profissionais de saúde e pesquisadores, entre muitos êxitos, fracassos e embaraços.
As configurações da Aids na infância, adolescência e juventude: a ‘Aids de antes’ e a ‘Aids de agora’
A ideia de ‘duas Aids’, de antes e de agora, nasce em outro contexto de estudo55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p., sendo agora retomada a partir de novos elementos. Como categorias êmicas, transformadas em categorias analíticas, pretendem interrogar mudanças ensejadas no curso da epidemia, notadamente após a introdução da Tarv, permitindo passar de uma Aids em que se morria para outra em que se vive. Tais categorias, relativas às diferentes temporalidades da epidemia, aglutinam um conjunto de modificações materiais e simbólicas que permitiram construir, na ‘história da Aids’, uma ‘Aids de antes’, como uma ‘narrativa catastrófica’ que compila falhas, frustração e sofrimento, e uma ‘Aids de agora’, como representante de uma ‘história heroica’, das conquistas do saber que se foram acumulando e permitindo crescentes níveis de intervenção sobre a realidade clínica e epidemiológica1515 Bastos C. Ciência, poder, ação: as respostas à Sida. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais; Universidade de Lisboa; 2002.(21).
Assim, propomos uma nova camada à ‘Aids de agora’. Ao retomar essas tipologias, percebemos que a ‘Aids de antes’ é marcada pela ideia de ‘ausências’: de respostas, de medicamentos e da possibilidade de continuidade da vida. Já a ‘Aids de agora’ faz uma virada no sentido de ressignificar toda uma experiência com a doença, que passou a ser pautada pela possibilidade de vida e com qualidade, trazendo como emblemas o ‘futuro’ e o ‘potencial’ de uma geração até então vista como inviável e marcada pela morte e pela invisibilidade.
A nova camada da ‘Aids de agora’ refere-se às recentes transformações nas diretrizes e políticas de tratamento e prevenção, forjando corpos ainda mais biomedicalizados no interior da epidemia – e, de certa forma, vistos como ‘universais’, isto é, supostamente desentranhados de seus grupos e marcas sociais de gênero, classe, cor/raça e geração. Paradoxalmente, em alguns casos, eles surgem aparentemente colados a determinados marcadores sociais da diferença, com um visível predomínio da noção de risco epidemiológico nessa compreensão e no redirecionamento das respostas à epidemia. Isso consubstanciado na expressão ‘população-chave’ – alguns segmentos populacionais tidos como ‘mais vulneráveis ao HIV/Aids’, uma vez que apresentariam ‘prevalência superior à média nacional’: travestis, transexuais, gays, homens que fazem sexo com homens, pessoas que usam álcool e outras drogas; pessoas privadas de liberdade e trabalhadoras(es) sexuais.
Para compor nossas histórias e memórias e incorporar as duas ‘Aids’, as construiremos como ‘cenas’, compostas a partir de passagens de campo que consideramos exemplares, no sentido de que encerram densidades temáticas e emocionais no âmbito das interações, capazes de elucidar o cerne das questões em jogo e de trazer a intensidade necessária a ponto de representar muitas outras observações realizadas no âmbito da pesquisa. Nas cenas, valorizamos o ‘corte’ que encerra uma para dar início à outra. Seguimos, portanto, as pistas de Deleuze e Guattari1616 Deleuze G, Guattari F. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34; 1992.(27) – “É um todo, porque totaliza seus componentes, mas um todo fragmentário” – para afirmar que o conceito remete à questão de articulação, corte e superposição.
Primeira cena: ‘a Aids de antes’
A nossa primeira experiência de pesquisa remonta ao ano de 1999, quando começamos um trabalho de assistência psicológica e estudo com as então denominadas ‘crianças e adolescentes vivendo com HIV/Aids’, e suas famílias, na internação em um hospital de referência para o tratamento de doenças crônicas e infecciosas graves. A investigação reuniu um acervo qualitativo com observações e entrevistas com o corpo de profissionais de saúde e com pacientes internados e seus acompanhantes, frequentemente mães e avós1717 Cunha CC. A Função do Brincar na Clínica Integral com a Criança e Adolescente Vivendo com HIV / AIDS. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2001. (relatório de pesquisa Pibic/Cnpq)..
A situação de saúde das crianças e dos adolescentes era quase sempre muito grave. Eram frequentes os casos de descoberta da infecção pelo HIV após a abertura de um quadro sério e penoso de adoecimento, resultante da manifestação da doença. A maioria das crianças e adolescentes encontrava-se em estágios avançados da Aids, por problemas de ‘adesão’ ao tratamento, em razão dos diagnósticos tardios e da má evolução da doença.
Não raramente ouvimos queixas dos pacientes e familiares acerca dos fortes efeitos colaterais das medicações, como diarreias, vômitos, irrupções cutâneas, tonteiras, entre outros, que os faziam interromper a medicação, além de aspectos como ter de lidar com dificuldades na administração das medicações de ‘sabor ruim’ e com situações de preconceito e discriminação decorrentes do estigma da doença.
Nosso contato com essas crianças e adolescentes dava-se em situações sempre muito delicadas e desgastantes emocionalmente. Muitos deles haviam perdido pais e irmãos, e a orfandade e a morte os avizinhavam. Inúmeras vezes, os encontrávamos calados, inapetentes, esmorecidos e cansados das intervenções médicas e do convívio com o adoecimento, queixando-se da invasão que os procedimentos técnicos causavam em seus corpos.
Uma cena que traduz esse quadro foi protagonizada por Tim, um menino de 6 anos, no contexto de uma intervenção do brincar como instrumento terapêutico1717 Cunha CC. A Função do Brincar na Clínica Integral com a Criança e Adolescente Vivendo com HIV / AIDS. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2001. (relatório de pesquisa Pibic/Cnpq).. Nosso encontro com ele se deu em uma das inúmeras internações que marcavam a sua tenra história de vida. Naquele dia, Tim estava sem acompanhante, seu desalento era visível, e seus braços, arroxeados de tantos acessos às veias. Por sugestão dele, fomos para o corredor que dava para as enfermarias para passear com uma boneca em um carrinho de bebê de brinquedo. Ficávamos andando de um extremo ao outro, brincando de sinal fechado e sinal aberto. Nesse percurso, o menino sugeriu que tirássemos a boneca do carrinho para que ela ficasse sobre uma linha divisória no chão, como se estivesse atravessando uma rua. Nessa segunda proposição, Tim vinha correndo e com toda força atropelava a boneca com o carrinho, e, em seguida, exclamava: “ela está toda arrebentada!”. Após os sucessivos atropelamentos, o menino entrava na enfermaria e, com os materiais da enfermagem, fazia os ‘curativos’. Esse jogo foi repetido por diversas vezes, e, posteriormente, os papéis invertidos; ele segurava a boneca para que fosse atropelada pela terapeuta, e ambos faziam os curativos.
O caso do Tim compôs a nossa discussão sobre a função do brincar no contexto de hospitalização, mas esse não é o nosso foco agora. O que gostaríamos de destacar aqui é o quanto essas crianças estavam ‘arrebentadas’ física e emocionalmente, e que, no corpo a corpo com elas – como profissionais de saúde e pesquisadores –, não nos mantínhamos distantes das imagens do ‘contágio da Aids’,
uma das imagens mais fortes do outro como fonte de ameaça e perigo, suscitando um medo genérico em que o contato é percebido como possibilidade de agressão1818 Czeresnia D. Do Contágio à Transmissão: Ciência e cultura na gênese do conhecimento epidemiológico. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1997.(98).
Era árduo para nós, a despeito do pleno conhecimento das formas de transmissão do HIV, reconhecer-se com medo ou receio do contato pele-pele e com secreções como saliva, suor e lágrimas dessas crianças e adolescentes. Esse era um campo em que, arduamente, ‘pesquisávamos a dor’ de infâncias e adolescências que pareciam viver sob o signo da vida invertido: mais prevalecia a dor, o sofrimento, do que a pujança da vida nas representações comuns da infância.
Nesse cenário, faziam parte as ‘metáforas de guerra’ nos momentos de ‘revelação do diagnóstico’: histórias sobre soldadinhos maus (os vírus) e bons (os anticorpos). No entanto, estávamos cientes de que “guerra não é uma inocente e casual metáfora”1515 Bastos C. Ciência, poder, ação: as respostas à Sida. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais; Universidade de Lisboa; 2002.(17), pois constrói representações e dita o próprio curso da compreensão da doença e das respostas sociais e políticas a ela dirigidas.
Nessa conjuntura em que profissionais de saúde ‘combatiam a doença’, comparecia forte otimismo, ainda com fortes efeitos colaterais das medicações. O coquetel estava no auge. Sua disponibilização nos serviços de saúde públicos, de modo universal e gratuito, era recente. A lembrança de terapias pouco eficazes e de difícil acesso para a população geral ainda era muito vívida. Bastava, portanto, muito pouco para se salvar mais e mais vidas; e o principal critério era a ‘adesão’ ao tratamento, o que dependia essencialmente do modo como os pacientes iriam enfrentar essa questão.
Entretanto, a Aids não deixou de ser vista e sentida como uma doença grave e fatal. A letalidade da doença ainda era muito enfatizada pelos profissionais de saúde. Dessa forma, a morte era um horizonte, e doença ainda matava e muito.
Da parte das mães e avós cuidadoras de seus filhos e netos, a adesão ao tratamento assumia contornos diversos daqueles significados pela equipe de saúde, permeada por estigmas e representações negativas da Aids. Presentificavase, ainda, um sentimento avassalador de culpa por parte das mães em razão da transmissão vertical (da mãe para o bebê), e de vergonha por parte das avós em ter de gerir uma doença ligada ao sexo e à promiscuidade. Assim, aderir ou não ao tratamento parecia ser menos uma ‘escolha’ para essas pessoas do que o resultado de uma luta de forças as mais diversas em face da vergonha, do medo, da discriminação, da pobreza e das crenças familiares e religiosas provocadas e postas à prova pela doença.
Nesse contexto, o caso dos adolescentes era particularmente emblemático. Por serem considerados pelos profissionais como essencialmente ‘problemáticos’, em razão da fase da vida em que se encontravam, ‘cheia de hormônios, dúvidas e incertezas’, e por terem algum ‘nível de consciência’ da soropositividade e do estigma que lhes pesava, estes eram vistos como ‘rebeldes e revoltados’, inviabilizando um tratamento satisfatório1919 Moreira MCN, Cunha CC. Repensando as práticas e dilemas no cotidiano de atenção à saúde de crianças e jovens vivendo com HIV/AIDS. Divulg. saúde debate. 2003 [acesso em 2022 fev 10]; 29:73-92. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-402853.
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A relação entre ‘revelação do diagnóstico’ e ‘adesão’ era estreita. O conhecimento da sorologia era a condição e o pressuposto de não ‘exposição de outros’, isto é, não transmitir o vírus por via sexual. Todavia, é interessante que, mesmo fortemente cogitada, essa possibilidade ainda não era propriamente concebida naquele momento como ‘uma realidade’, mas sim projetada como um ‘futuro próximo’, ainda que já demandasse reflexões e preparos.
Os ‘problemas de adesão ao tratamento, revelação do diagnóstico e prevenção’ apareciam interligados no campo, e construíam os próprios sujeitos morais55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p.. A revelação do diagnóstico, por um lado, tinha como meta uma ‘consciência’ do adolescente quanto à sua compreensão, da extensa e intensa experiência de tratamento e internação hospitalar – aspecto quase sempre negligenciado para a criança, no que se refere à ‘causa’, a Aids, configurando o segredo mantido pelas famílias e conduzido pela equipe de saúde. Por outro lado, tida como um pressuposto para a futura prevenção, ganha outros contornos da adolescência e da sexualização da vida, como se antes disso não o fosse.
Fecham-se as cortinas.
Segunda cena: ‘a Aids de agora’
“Vocês são o futuro!”. Conclamava com entusiasmo uma ativista aos Jovens Vivendo com HIV/Aids (JVHA) no bojo do Seminário Prevenção Posithiva: estado da arte, realizado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), no final de outubro de 2007, no Rio de Janeiro. Foi a partir dessa primeira impressão, no nosso retorno ao campo dos estudos em HIV/Aids, que pudemos depreender que parte da construção da categoria êmica jovem vivendo era tributária de um movimento de positivação desses jovens55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p..
A ‘saúde’ aparecia como um bem a ser cultivado e preservado, com o surgimento de uma certa ‘obrigação de ser (soro)positivo feliz’, por isso a expressão que cunhamos ‘Aids feliz e de um nível educado de dor’. Ser saudável era uma espécie de dever, uma ética e uma estética que inviabilizariam o aparecimento da feiura, da dor, do adoecimento e da morte55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p..
Foi neste sentido que os jovens vivendo foram possíveis como um novo personagem na epidemia. Um sujeito que, ao mesmo tempo que deve ser responsável, autônomo, autodeterminado e consciente, precisa ser e mostrar-se (con)formado, o que pressupõe a crença mais profunda e íntima de que ele representa um ‘perigo’ para a sociedade. É como um ‘perigo’, no sentido de poder disseminar o vírus por meio de uma sexualidade vista como ‘exacerbada’ e ‘descontrolada’ pela idade, que se supõe que eles precisam construir uma excelência no ‘controle de si’55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p..
Toda essa construção na primeira década do século XXI se deu em um contexto em que a marca subversiva da epidemia se foi; o modelo político, quanto ao tratamento ser um direito universal, não se traduziu em ‘modelo de assistência’; as consequências do uso prolongado do coquetel se tornaram graves; a discussão sobre ‘os direitos’ e a ‘inserção social’ das pessoas vivendo com HIV/Aids assumiram a pauta do ativismo; o número de jovens infectados por via sexual aumentou; as crianças infectadas por transmissão vertical cresceram e geraram outras crianças; e a reprodução assistida despontou em meio à forte recriminação da ‘gravidez soropositiva’, sobretudo na ‘adolescência’ e na ‘pobreza’55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p..
Assim, nesse período, o que se percebe é uma exigência de desenvolvimento de uma capacidade de gestão de si por parte dos JVHA, com ênfase na sexualidade e no uso do preservativo. Pesa sobre esses indivíduos uma cobrança no sentido da construção de uma exemplaridade na apresentação de si2020 Goffman E. A Representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes; 1975.; e no bojo do ativismo ou das ações engajadas, na transformação de suas histórias e experiências de dor e sofrimento em atividades ou produtos pedagógicos de caráter utilitário, em uma política cotidiana de vitrinização da exemplaridade55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p..
Paradoxalmente, nesse contexto de forte controle, apostava-se veementemente que os JVHA seriam criativos e autônomos a ponto de renovar o ativismo em Aids, superando seus percalços e dificuldades. A intenção dos velhos ativistas de passar o bastão para os novos ativistas do movimento de Aids estava plenamente estabelecida2121 Cunha CC. Configurações e reconfigurações do movimento de jovens vivendo com HIV/AIDS no Brasil: Identidades e prevenções em jogo. Sexualidad, Salud Sociedad. 2018 [acesso em 2022 fev 10] 29:294-312. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sess/a/Tpnb96KTMRpLrJZ9sD88jng/?lang=pt.
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Destaca-se, nesse primeiro momento da ‘Aids de agora’, um chamado para a visibilização dos JVHA, com uma convocação constante a se revelar, mostrar a cara e dizer abertamente que se vive com HIV/Aids – aspecto esse tensionado com o estigma da doença. O ‘se mostrar’ nesse momento era o pressuposto para ‘existir’ e ‘positivamente’, compondo um rol de expectativas sociais e retóricas em torno dos JVHA, a afirmação da vida, a busca pela alegria de viver, a intensidade de experiências da fase juvenil a despeito do HIV/Aids, a satisfação afetiva e sexual55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p..
É interessante notar que o protagonismo dos JVHA, ou do nascente Movimento de JVHA surgido por dentro das ações de ONG-Aids de peso histórico, como o Grupo de Incentivo à Vida (GIV) de São Paulo, foi, desde o início, forte e paralelamente investido pelo governo. O então denominado Programa Nacional de DST/Aids (PN-DST/Aids/MS) tomou para si essa gestão, sobretudo de corpos que não morreram e começaram a transar, a se reproduzir, os jovens de transmissão vertical55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p..
Já na segunda década do século XXI, o Movimento de JVHA refletia a presença pregnante das ideias do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) e suas metas 90/90/90 (90% de todas as pessoas vivendo com HIV/Aids saibam que tem o vírus; 90% das pessoas diagnosticadas com HIV recebam terapia antirretroviral; e 90% das pessoas recebendo tratamento possuam carga viral indetectável e não mais possam transmitir o vírus), e dos princípios, nessa mesma direção, que desde o final de 2013 vinham ditando as ações do governo brasileiro (testagem e tratamento precoce, e uso do tratamento antirretroviral como prevenção). Dessa maneira, os corpos juvenis e infectados pareciam não mais precisar mostrar exemplaridade na prevenção com discursos em torno do uso do preservativo. A exemplaridade evocava o ‘jovem protagonista’ que cumpre seu tratamento, logo a prevenção, se mantém com a carga viral indetectável (número de cópias do vírus circulando no sangue) e ainda conquista novos jovens aos postos de testagem e tratamento2121 Cunha CC. Configurações e reconfigurações do movimento de jovens vivendo com HIV/AIDS no Brasil: Identidades e prevenções em jogo. Sexualidad, Salud Sociedad. 2018 [acesso em 2022 fev 10] 29:294-312. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sess/a/Tpnb96KTMRpLrJZ9sD88jng/?lang=pt.
https://www.scielo.br/j/sess/a/Tpnb96KTM... .
Foi nesse contexto que os JVHA passaram a se constituir como ‘detectáveis’ e ‘indetectáveis’. As transformações das tecnologias voltadas para a vida estruturadas nos novos medicamentos antiaids, cuja centralidade passou a orientar a testagem, o diagnóstico e a prevenção – tais como o Tratamento como Prevenção; a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), que é o uso de Antirretrovirais (ARV) por uma pessoa soronegativa para reduzir o risco de se infectar pelo HIV; e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), que previne a infecção pelo HIV, com a ingestão de ARV após uma provável exposição ao vírus –, além da equação Indetectável = Intransmissível (I=I), casos em que a pessoa vivendo com HIV/Aids está com carga viral do vírus indetectável há pelo menos seis meses, passaram a referendar, aos sujeitos e subjetividades que geram, a mais nova e recente camada da ‘Aids de agora’.
Contudo, os JVHA ainda enfrentam o estigma da doença, o que provoca, muitas vezes, a necessidade de manejo de um segredo nos grupos sociais de pertença, somada às dificuldades próprias do uso de ARV, implicando uma readequação da rotina, de estudo e/ou trabalho, mudança de hábitos alimentares e de sono, cuidados com o corpo e com a sexualidade, entre outros. Esses fatores são agravados nas experiências sociais dos JVHA pela sinergia da condição sorológica com determinados marcadores sociais da diferença, impactando a adesão ao tratamento e promovendo quadros de adoecimento psíquico: abandono de tratamento com ansiedade e depressão, associados à rejeição familiar e/ou de parceiros sexuais pela sorodiferença. Isso alavanca a busca por apoio em redes sociais, sobretudo virtuais, e tratamento psicológico e/ou psiquiátrico2222 Cunha CC. Tecnologias de cuidado de Jovens Vivendo com HIV/AIDS: estratégias inovadoras de promoção da saúde mental e adesão ao tratamento antirretroviral. [projeto de pesquisa]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020. (Edital Programa: E_26/2021 – Auxílio básico à pesquisa (APQ1) em ICTS Estaduais)..
Na atualidade, observa-se que os JVHA transitam entre ‘dois mundos da Aids’: um tecnológico, que contempla a existência de grupos e redes virtuais de suporte, apoio e encontros nas redes sociais, com ampla difusão de tecnologias de comunicação, prevenção e tratamento de cunho biomédico, capazes de intermediar os cuidados à saúde, o exercício da sexualidade, a reprodução e forjar identidades e coletivos; e outro que, apesar da existência dessa novas tecnologias, permanece mergulhado em questões básicas relacionadas com diagnóstico, tratamento e prevenção, resultado das profundas desigualdades sociais, com desfechos indesejáveis, como adoecimento e até mesmo a morte prematura2222 Cunha CC. Tecnologias de cuidado de Jovens Vivendo com HIV/AIDS: estratégias inovadoras de promoção da saúde mental e adesão ao tratamento antirretroviral. [projeto de pesquisa]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020. (Edital Programa: E_26/2021 – Auxílio básico à pesquisa (APQ1) em ICTS Estaduais)..
Fim de cena, corte.
Da relação nós e eles, para a relação nós com eles: a cronicidade como perturbação e o lugar da experiência no ensaio teórico
Aqui, entendemos a experiência como algo que não se confunde com percepção nem muito menos com vivência. Há na experiência a marca do que é reflexividade sobre o que se passa conosco na relação como o que se passa com muitos, como o que nos passa, o que nos acontece, o que nos liga e nos atravessa2323 Bondia JL. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev Bras Educ. 2022 [acesso em 2022 fev 10]; 19:20-28. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/Ycc5QDzZKcYVspCNspZVDxC/?format=pdf&lang=pt.
https://www.scielo.br/j/rbedu/a/Ycc5QDzZ... . A experiência é o acontecimento encarnado na memória de uma construção intersubjetivamente compartilhada. O autor reafirma a necessidade de compreender a experiência como algo que nos ‘co-move’, e, portanto, passa a nos constituir.
Esse é um fio de argumento para o resgate das experiências e memórias das políticas e práticas de cuidado de crianças, adolescentes e jovens vivendo com HIV/Aids depois de passados 23 anos de estudos nesse campo. Nessa linha de uma história revisitada, nossa com eles, justifica-se, depois de tantos anos, o argumento de que ‘se antes não vivia, hoje vive’. Portanto, como pensar essas práticas em uma certa historicização, para crianças, adolescentes e jovens, do que era ‘positivo para morrer’ e hoje é ‘indetectável para viver’?
A definição de experiência que evocamos nos permite entender a relação do HIV/Aids na infância e na juventude como um evento que nos coloca no centro para pensar que a doença não possui um funcionamento interno, próprio, que a define em si mesma. Saflate2424 Saflate V. O que é uma normatividade vital? Saúde e doença a partir de Georges Canguilhem. Scientia Studia. 2011 [acesso em 2022 fev 10]; 9(1):11-27. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ss/a/VfqSSxvQ7WBQyrKKbJwjpWx/?lang=pt.
https://www.scielo.br/j/ss/a/VfqSSxvQ7WB... (12), retomando Foucault e Canguilhem, nos dirá que a expressão de uma doença “depende da maneira com que organizamos o que há a ser visto e ouvido”. Assim sendo, olhar para a história do HIV/Aids hoje e para sua presença no campo infantojuvenil passa por perguntar como nos colocamos nessa cena enquanto cuidadores, profissionais de saúde e pesquisadores envolvidos nessa luta. Como falamos desses sujeitos sem reificar imagens produzidas pela epidemia?
Pierret2525 Pierret J. Vivre avec la contamination par le VIH: contexte et conditions de la recherche dans le annés quatre-vingt-dix. Sciences Sociales Santé. 2001 [acesso em 2022 fev 10]; 19(3):5-34. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/sosan_0294-0337_2001_num_19_3_1525.
https://www.persee.fr/doc/sosan_0294-033... destaca que a doença é única para cada indivíduo e que tem sentido pela sua própria história, interpretada em referência aos valores e às normas essencialmente sociais. Por esse motivo, cabe perguntar: de que maneira as situações suscitadas em função do HIV/Aids e suas representações colocam em questão as considerações de tempo e espaço? A autora sublinha que a doença é uma experiência que trata da duração, uma vez que ela leva a pensar o tempo passado e o tempo futuro. Ademais, em função de seu desenvolvimento e de suas diferentes fases, ela provoca incessantemente uma série de ajustamentos nos diversos lugares da vida social, o que, por sua vez, coloca em questão os problemas da identidade e da reconstrução de si. Há um entendimento da dimensão temporal enquanto uma dimensão individual que, no entanto, inscreve-se em uma experiência coletiva. Acrescentamos ainda – dialogando com a categoria de cronicidade – que ela nos faz retomar a necessidade de um olhar sobre interdependências e precariedade que nos constitui.
O’Brien et al.2626 O’Brien KK, Bayoumi AM, Strike C, et al. Exploring disability from the perspective of adults living with HIV/AIDS: Development of a conceptual framework. Health and Quality of Life Outcomes. 2008 [acesso em 2022 fev 10]; 6(76):1-10. Disponível em: http://www.hqlo.com/content/6/1/76.
http://www.hqlo.com/content/6/1/76.... mostram que, com a Tarv, em países desenvolvidos, o HIV/Aids é assumido como uma experiência de longa duração. Os autores iluminam as interfaces entre políticas inclusivas no encontro do HIV/Aids e as deficiências. Segundo eles2626 O’Brien KK, Bayoumi AM, Strike C, et al. Exploring disability from the perspective of adults living with HIV/AIDS: Development of a conceptual framework. Health and Quality of Life Outcomes. 2008 [acesso em 2022 fev 10]; 6(76):1-10. Disponível em: http://www.hqlo.com/content/6/1/76.
http://www.hqlo.com/content/6/1/76.... (3):
[n]os dois campos, os modelos biomédicos se sobrepõem e reforçam as dimensões ‘patológicas’ das vivências pessoais, baseiam-se em intervenções medicamentosas e deixam de lado os fatores sociais, políticos, ambientais e culturais que determinam a experiência das pessoas vivendo com deficiências e com HIV e AIDS.
A produção de corpos abjetos foi uma marca da história da Aids. No início da epidemia, recortou-se o que de mais estigmatizante havia em cada um dos grupos inicialmente mais afetados, os intitulados ‘grupos de risco’.
[O]s ‘utilizadores de drogas injetáveis’ já eram percebidos como espécies de párias urbanos, donde tão merecedores da sua doença como o eram os ‘pervertidos’ dos homossexuais; os ‘haitianos’ eram o escalão mais baixo da pobreza; os ‘hemofílicos’ já tinham o estigma vitalício da própria doença1515 Bastos C. Ciência, poder, ação: as respostas à Sida. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais; Universidade de Lisboa; 2002.(43).
As prostitutas carregavam o peso (histórico) de transmissoras de infecções sexualmente transmissíveis. Os julgamentos morais foram frequentes em diversos espaços de comunicação, com desdobramentos na busca constante por distinguir ‘inocentes’ e ‘culpados’ em novas configurações da epidemia e das ‘categorias de risco’, produzidas ao longo da história da doença.
Esse movimento de classificar vítimas e algozes no curso da epidemia – e de exponenciar marcas aos corpos já acionados pelo estigma da infecção, e seus desdobramentos físicos – acompanhou a passagem dos cuidados com a infância e a adolescência vivendo com HIV/Aids para a ‘juventude’, nascente em meados dos anos 200055 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p.. O tipo de transmissão (via sexual versus transmissão vertical) acionou moralidades diferenciadas, já que os jovens infectados por transmissão sexual seriam considerados ‘culpados’, como se houvessem ‘procurado’ a infecção, e os jovens infectados por transmissão vertical, ‘vítimas’ das circunstâncias99 Cruz EF. Espelhos d’AIDS: infâncias e Adolescências nas tessituras da AIDS. [tese]. Campinas: UNICAMP; 2005. 257 f.. Esse tipo de processo de classificação social possui efeitos biopolíticos2727 Foucault M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes; 1999., de controle dos corpos individuais e do coletivo55 Cunha CC. Jovens Vivendo com HIV/AIDS: (Con) formação de Sujeitos em meio a um embaraço. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2011. 282 p., e organizam nas chaves modelares da passagem da ‘Aids de antes’ para a ‘Aids de agora’ a virada da condição daqueles que não morreram e passaram a viver.
Como já mencionamos, as transformações das tecnologias voltadas para a vida estruturadas nos novos medicamentos antiaids, cuja centralidade passou a orientar a testagem, o diagnóstico e a prevenção, começam a nortear os movimentos ativistas e a percepção de si dos JVHA, com uma transição já claramente definida de uma infância e uma adolescência outrora condenadas à morte1919 Moreira MCN, Cunha CC. Repensando as práticas e dilemas no cotidiano de atenção à saúde de crianças e jovens vivendo com HIV/AIDS. Divulg. saúde debate. 2003 [acesso em 2022 fev 10]; 29:73-92. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-402853.
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso... para uma que vivencia uma bioidentidade e biossociabilidade2828 Rabinow P. Artificialidade e iluminismo: da sociobiologia à biossocialidade. In: Rabinow P, organizador. Antropologia da razão: ensaios de Paul Rabinow. Rio de Janeiro: Relume Dumará; 1999. p. 135-157. em nome de uma vida ‘saudável’, com qualidade, a partir do convívio com um vírus ‘indetectável’.
Nesse caminho, as transformações na forma de nomeação e reconhecimento do viver com HIV/Aids passam pela instauração de outras identidades individuais e coletivas, no caso de assumirem-se indetectáveis, como uma moeda simbólica para viver a vida dentro de uma ‘normalidade’, atribuindo-lhe outros sentidos. Entretanto, cabe ainda perguntar: o que permanece como dramático entre a lógica da doença e aqueles que vivem com o HIV/Aids e seus efeitos no campo das relações interpessoais e dos cuidados com a saúde atualmente?
Essa questão é fundamental ao reconfigurar não só com relação ao HIV, mas também com uma série de condições crônicas e complexas de saúde das quais hoje ‘não se morre mais’, mas se vive na adversidade das lutas, e com estigmas2929 Moreira MCN. Trajetórias e experiências morais de adoecimento raro e crônico em biografias: um ensaio teórico. Ciênc. Saúde Colet. 2019 [acesso em 2022 fev 10]; 24(10):3651-3661. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/K9WNThrxsHY7nMkRpSdPbnz/abstract/?lang=pt.
https://www.scielo.br/j/csc/a/K9WNThrxsH... . Ou seja: o que fazer quando há a possibilidade real de a vida prevalecer? Para a ‘obviedade’ da morte que se impunha, havia o luto, o desespero, o sofrimento; mas, e para a vida que emerge e se instala esperançosamente? Podemos extrapolar o campo da Aids e convergir com o que se constrói em torno de outras condições de saúde raras, crônicas e complexas. O que é ser jovem/adulto vivendo com essas condições de saúde? Essa é uma questão que atravessou muitos personagens da história com o HIV/Aids, pois muitos daqueles que acompanharam a morte de pais, amigos, familiares e companheiros, mas que ficaram vivos devido a outras condições, passaram a se interrogar sobre como prosseguir a partir dali, tendo outros desafios pela frente. Acionando Canguilhem3030 Canguilhem G. O normal e o patológico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2011., afirmamos que se a vida não conhece reversibilidade, ela possibilita estados de inovações, reparações, fundamentais quando pensamos na cronicidade como interdependência, reconhecimento e precariedade.
Nesses marcos, falar de cronicidade significa perguntar sobre as lógicas sanitárias, políticas, éticas e tecnológicas e os acontecimentos na vida das pessoas que vivem gerenciando suas interdependências e precariedades. Isso porque, nesse campo, alguns vão passar por processos ativos de precarização da vida – que, conforme nos inspira Butler1111 Butler J. Corpos em Aliança e a Política das Ruas: notas para uma teoria performativa da assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018., não se confunde com precariedade –, mas desumaniza, elege quais humanos merecem ser ‘mais humanos’ e atenção. As estruturas do patriarcado, do racismo, do sexismo, do etarismo e do capacitismo produzem precarizações ativas e não operam para algo fundamental que é o reconhecimento.
É nesse sentido que convocamos a ‘Aids de antes’ e a ‘Aids de agora’ para pensar a cronicidade nos marcos da precariedade como condição humana, produzindo reconhecimento para esses sujeitos políticos e a possibilidade para (re)invenção da vida.
Considerações finais
Neste ensaio, procuramos mostrar deslocamentos e transformações no curso da Aids, tanto nos seus aspectos tecnológicos quanto na forma como fomos convocados a enfrentar e viver essas mudanças, principalmente na população de crianças, adolescentes e jovens. Todo esse cenário que se altera não aponta somente para as transições ocorridas na forma como lidamos com o HIV/Aids e seu enfrentamento clínico. Fala-nos também, e, principalmente, de uma mudança na posição subjetiva, já que saímos do jogo positividade/ negatividade e entramos no panorama detectável/indetectável no que diz respeito à carga viral e suas mudanças nos modos de ‘contágio’, no sentido dos dramas que ele carrega.
Isso tudo que aparenta ser apenas uma alteração no ‘bios’ da doença revela uma condição de mudança muito mais complexa, já que nos lança na questão de pensar o próprio status da vida. Se antes esses grupos que trazemos aqui morriam de forma rápida e fatalista, hoje, o que se apresenta é uma possibilidade de estabelecer laços de prolongamento com a vida, seus desdobramentos e ressignificações. Assim, o ensaio, ao se comprometer em falar de uma Aids ‘de Antes’ e outra de ‘Agora’, aponta que questões ligadas à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento ainda permanecem no sentido de precisarmos abarcar outras categorias ligadas à cronicidade – interdependência, precariedade e reconhecimento – para pensar esta cena com a qual lidamos agora. Falamos então de acesso, desigualdades sociais e cuidado integral relacionados com uma cronicidade específica que o HIV/Aids nos exige em seu enfrentamento. Ou seja, se crianças e jovens permanecem vivos hoje em dia, não se encerrando de forma abrupta o ciclo da vida, cabe afirmar uma outra forma de luta e entendimento do que é essa nova condição de viver e estabelecer relações com o mundo.
Foi a partir desse entendimento que este ensaio trouxe o campo das cenas e memórias para mostrar que, se foi importante termos construído uma forma tecnológica de enfrentar o HIV/Aids, precisamos ainda fabricar outros laços de permanência com esse público, afirmando ‘projetos de felicidade’3131 Ayres JRCM. Sujeito, intersubjetividade e práticas de saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2001 [acesso em 2022 fev 10]; 6(1):63-72. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/rJ5dYsWzDHmR8TFcwjmsrZP/abstract/?lang=pt.
https://www.scielo.br/j/csc/a/rJ5dYsWzDH... , mas também abrindo espaço para a experiência de dores e sofrimentos que se colocam legítimos e necessários. Ou seja, nossos enfrentamentos do HIV/Aids devem se situar na própria lógica das mudanças contemporâneas e cotidianas, pois isso potencializará sempre estarmos atentos a estabelecer e a pensar em uma ética de cuidados que seja afirmativa para crianças, jovens e adolescentes.
- Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
20 Mar 2023 - Data do Fascículo
Dez 2022
Histórico
- Recebido
29 Abr 2022 - Aceito
14 Set 2022