RESUMO
Este trabalho apresenta uma análise dos principais resultados do Prêmio APS Forte no Sistema Único de Saúde (SUS), em suas três edições, por meio de análise documental e de dados secundários. Nas edições realizadas em 2019, 2020 e 2021, foram aprovadas 3.861 experiências, e premiadas 26 iniciativas de todo o País. Na primeira edição, com foco no acesso universal, foram destacadas experiências de reorganização do processo de trabalho na Atenção Primária à Saúde (APS), de modo a superar barreiras de acesso organizacional e/ou assistencial. Na segunda edição, realizada no contexto da pandemia da Covid-19, evidenciou-se o papel protagonista da APS no enfrentamento da Covid-19, com ações de prevenção, atenção, vigilância e coordenação do cuidado. A terceira edição suscitou a necessidade de práticas de cuidado multiprofissional ampliado para o alcance da integralidade e resolubilidade da APS. O Prêmio tem se configurado como importante estratégia de mobilização dos territórios, de educação permanente, de reconhecimento e compartilhamento de boas práticas e de cooperação institucional entre a Opas/OMS e o Ministério da Saúde do Brasil. A manutenção e a ampliação do Prêmio se mostram fundamental para o fortalecimento da APS e como iniciativa para construção e consolidação de laboratórios de inovação da APS no sistema de saúde brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE
Atenção Primária à Saúde; Cooperação horizontal; Acesso universal aos serviços de saúde; Integralidade em saúde; Covid-19
ABSTRACT
This work presents an analysis of the main results of the ‘APS Forte’ Award in the Unified Health System (SUS), in its three editions, through document analysis and secondary data. In all editions, held in 2019, 2020, and 2021, 3,861 experiences were approved and 26 initiatives from all over the country were awarded. In the first edition, focusing on universal access, experiences of reorganization of the work process in Primary Health Care (PHC) were highlighted, in order to overcome barriers to organizational and/or care access. In the second edition, held in the context of the COVID-19 pandemic, the protagonist role of PHC in the fight against COVID-19 was highlighted, with actions of prevention, attention, surveillance and coordination of care. The third edition raised the need for expanded multiprofessional care practices to achieve PHC comprehensiveness and resolution. The Award has been configured as an important strategy for mobilizing territories, for continuing education, for recognizing and sharing good practices, and for institutional cooperation between PAHO/WHO and the Ministry of Health of Brazil. The maintenance and expansion of the Award is fundamental for the strengthening of PHC and as an initiative for the construction and consolidation of PHC innovation laboratories in the Brazilian health system.
KEYWORDS
Primary Health Care; Horizontal cooperation; Universal access to health care services; Integrality in health; COVID-19
Introdução
A Atenção Primária à Saúde (APS) foi eleita como a principal estratégia para atingir o objetivo maior de promoção e assistência à saúde para todos os seres humanos segundo a Declaração de Alma-Ata, aprovada pela 32ª Assembleia da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1979. A APS pode ser definida como um conjunto integrado de ações básicas, educativas, promocionais, preventivas e curativas, acessíveis e continuadas aos cidadãos, como primeiro contato de um sistema de assistência integral e universal à saúde, articulado a medidas gerais de proteção e promoção da saúde11 World Health Organization. Declaration of Alma-Ata. International Conference on Primary Health Care. Geneva: World Health Organization; 1978.,22 Aleixo JLM. Atenção Primária à Saúde e o Programa de Saúde da Família: perspectivas de desenvolvimento no início do terceiro milênio. Rev. min. saúde pública. 2002; 1(1):1-16..
Starfield33 Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: UNESCO; Ministério da Saúde; 2002. descreve como atributos essenciais da APS a atenção no primeiro contato, a longi-tudinalidade, a integralidade e a coordenação; e como atributos derivados, a orientação familiar e comunitária e a competência cultural. Além disso, define a APS como o primeiro nível de assistência dentro do sistema de saúde, caracterizando-se pela longitudinalidade e integralidade nas ações, acrescida da coordenação da assistência, da atenção centrada na pessoa e na família, da orientação comunitária das ações e da existência de recursos humanos com atitude cultural voltada para a APS. Entende-se a APS como uma forma de organizar e integrar os serviços de saúde, a partir de uma perspectiva da população. Um sistema de saúde com base na APS tem como objetivo garantir cobertura e acesso a cuidados de saúde abrangentes e aceitáveis pela população, enfatizando a atenção clínica, a prevenção de doenças e a promoção da saúde.
No Brasil, a APS é entendida como
O conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, desenvolvida por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com equipe multiprofissional e dirigida à população em território definido, sobre as quais as equipes assumem responsabilidade sanitária44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde, anexo XXII. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), com vistas à revisão da regulamentação de implantação e operacionalização vigentes, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente Atenção Básica, na Rede de Atenção à Saúde (RAS). (Origem: PRT MS/GM 2436/2017, Art. 1º). Diário Oficial da União. 28 Set 2017. [acesso em 2022 fev 23]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0002_03_10_2017.html.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi... .
Com ênfase na Estratégia Saúde da Família (ESF), a APS exerce um papel de protagonismo no enfrentamento da realidade sanitária brasileira, extremamente heterogênea e com históricas e persistentes desigualdades regionais. Ela atua na organização do fluxo de pacientes dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) e pode contribuir para a economia de recursos da saúde por meio da diminuição de internações hospitalares por condições sensíveis à APS; além de atuar na promoção da saúde em seu mais amplo sentido, incentivando o empoderamento da população e o apoio na redução das vulnerabilidades.
Além de ordenadora do cuidado, os serviços da APS devem ser resilientes, apresentando alternativas que reflitam soluções para a prestação de atendimento integral, principalmente em situações novas, como a pandemia da Covid-19. Tais situações requerem um esforço global nos dispositivos do sistema de saúde, englobando a governança e o financiamento, além de aspectos relacionados à força de trabalho, aos produtos e tecnologias médicas, à prestação de serviços de saúde e ao envolvimento da comunidade para prevenir e mitigar a propagação do agravo em evidência, especialmente nos grupos de maior risco e vulnerabilidade55 Burke S, Parker S, Fleming P, et al. Building health system resilience through policy development in response to COVID-19 in Ireland: From shock to reform. Lancet Europe. 2021; (9):100223..
A resiliência dos sistemas de saúde é um conceito central na redução do risco de desastres, porém, sua presença ligada aos sistemas de saúde é relativamente nova. Tem sido definida como a capacidade das instituições e dos atores de saúde em se preparar, recuperar e absorver choques, mantendo as funções centrais e atendendo às necessidades de cuidados integrais, contínuos e agudos de suas comunidades. Assim, quando ocorre uma crise, se o sistema de saúde for resiliente, é considerado capaz de se adaptar efetivamente em resposta a situações dinâmicas e reduzir a vulnerabilidade dentro e fora do sistema. Para que a resiliência do sistema de saúde aconteça efetivamente, é necessário um esforço de todos os atores, profissionais, gestores e comunidade. Todo esse envolvimento coletivo abre uma janela de novas oportunidades para buscar soluções inovadoras e manter a responsabilidade dos diversos atores da saúde global55 Burke S, Parker S, Fleming P, et al. Building health system resilience through policy development in response to COVID-19 in Ireland: From shock to reform. Lancet Europe. 2021; (9):100223..
Nesse contexto, entende-se que, para que a APS alcance o êxito do atendimento universal, integral e equitativo ao cidadão, é fundamental que os profissionais tenham espaços para troca de experiências, para compartilhamento de informações e ações realizadas por eles no cotidiano dos serviços. Assim, são de grande valia as diversas iniciativas que proporcionam tal compartilhamento, com destaque para o Prêmio APS Forte no SUS66 Organização Pan-Americana da Saúde. Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasília, DF: OPAS; 2018.,77 Tasca R, Massuda A, Carvalho WM, et al. Recomendações para o fortalecimento da atenção primária à saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2020; (44):e4.,88 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-americana da Saúde. APS Forte para o SUS: acesso universal. Brasília, DF: OPAS; 2019. (Série Técnica NavegadorSUS).,99 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-americana da Saúde. APS Forte para o SUS: no combate à pandemia. Brasília, DF: OPAS; 2021. (Série Técnica NavegadorSUS).,1010 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-americana da Saúde. APS Forte para o SUS: integralidade no cuidado. Brasília, DF: OPAS; 2022. (Série Técnica NavegadorSUS)..
O Prêmio surgiu em 2019, em celebração ao 25º aniversário da ESF, como uma iniciativa de cooperação institucional entre a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) e o Ministério da Saúde (MS), voltada à identificação e ao reconhecimento das iniciativas locais, municipais ou regionais que tenham como enfoque o fortalecimento da APS. O termo ‘APS Forte’ passou a ser utilizado pela representação da Opas no Brasil a partir de estudo sobre experiências significativas na APS no SUS, que apontou um conjunto de estratégias para o fortalecimento do SUS e forneceu subsídios para o relatório ‘30 anos de SUS, que SUS para 2030?’66 Organização Pan-Americana da Saúde. Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasília, DF: OPAS; 2018.,77 Tasca R, Massuda A, Carvalho WM, et al. Recomendações para o fortalecimento da atenção primária à saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2020; (44):e4..
Foram realizadas três edições do Prêmio até então, com as temáticas de Acesso Universal, em 2019; Combate à Pandemia de Covid-19, em 2020; e Integralidade no Cuidado, em 2021. O presente trabalho tem por objetivo descrever o desempenho do Brasil na produção de inovação e fortalecimento da APS a partir da análise dos resultados do Prêmio APS Forte no SUS, indicando os temas explorados em suas três edições, e sua relevância para a capacidade institucional e resiliência do SUS.
Material e métodos
Foi realizado estudo exploratório descritivo-analítico, com metodologia quantiqualitativa, dos principais resultados observados em cada uma das edições do Prêmio APS Forte no SUS.
Por meio de análise documental e análise de conteúdo, realizaram-se leitura flutuante e sistematização dos documentos provenientes das edições do Prêmio88 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-americana da Saúde. APS Forte para o SUS: acesso universal. Brasília, DF: OPAS; 2019. (Série Técnica NavegadorSUS).,99 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-americana da Saúde. APS Forte para o SUS: no combate à pandemia. Brasília, DF: OPAS; 2021. (Série Técnica NavegadorSUS).,1010 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-americana da Saúde. APS Forte para o SUS: integralidade no cuidado. Brasília, DF: OPAS; 2022. (Série Técnica NavegadorSUS)., a saber: relatórios parciais e finais, registros de reuniões e outros documentos técnicos produzidos pelas equipes técnicas da Opas e MS, alguns dos quais são autores deste manuscrito.
Adicionalmente, procedeu-se à análise quanti-qualitativa dos bancos de dados das experiências submetidas nas edições do Prêmio, de modo a identificar as seguintes variáveis analíticas:
tema central do Prêmio;
objetivo(s) do Prêmio;
linhas/eixos temáticos do Prêmio;
local da experiência;
perfil dos autores;
conteúdo/ideia principal das iniciativas.
Com base na matriz analítica produzida, realizou-se análise de frequência simples, de modo a auxiliar na descrição e análise da trajetória do Prêmio e principais achados/resultados.
Buscou-se observar a ampliação ou redução, ao longo das três edições, do quantitativo de experiências submetidas, do número de estados e municípios e autores participantes, e da quantidade de trabalhos submetidos por região do País. Tais informações permitem observar o alcance e abrangência do Prêmio, bem como analisar o perfil de participação das diferentes regiões brasileiras.
Outra análise se concentrou na identificação dos autores dos trabalhos, a fim de identificar o perfil de participação de gestores, profissionais e pesquisadores que compõem o cenário da APS no País.
Por fim, por meio da análise do conteúdo e linhas/eixos temáticos dos trabalhos aprovados, foi possível observar as principais ações desenvolvidas pelos gestores e profissionais da APS relacionadas com as temáticas centrais das três edições do Prêmio (acesso, enfrentamento da Covid-19 e integralidade do cuidado), identificando inovações ou agendas/práticas habituais de organização e/ou cuidado ofertado na APS.
O estudo seguiu todos os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. No entanto, considerando que as variáveis foram obtidas por meio de acesso a dados secundários e públicos, dispensou-se a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados e discussão
Panorama geral e principais resultados das edições do Prêmio APS Forte no SUS
Foram realizadas três edições do Prêmio APS Forte no SUS, no período de 2019 a 2022. Os temas, os objetivos e o quantitativo de experiências aprovadas e premiadas em cada edição estão dispostos na tabela 1.
Temas, objetivos, experiências aprovadas e premiadas nas edições do Prêmio APS Forte no SUS. Brasil, 2022
Ao comparar o quantitativo de experiências submetidas em cada edição, chama atenção o fato de o maior quantitativo ser observado na Edição 2020 – ‘No Combate à Pandemia’. Tal fato reforça o compromisso de gestores e profissionais de saúde com a agenda de fortalecimento da APS em que pesem as dificuldades vivenciadas por eles durante a pandemia da Covid-19. Mesmo sob forte pressão e demanda elevada, várias experiências de organização da gestão e da assistência foram submetidas ao Prêmio, o que permitiu não apenas conhecer tais ações, mas também fornecer subsídios às instituições envolvidas com o Prêmio para elaboração, revisão e/ou aperfeiçoamento das estratégias instituídas para enfrentamento da Covid-19 na APS, com uma mobilização de todo o País para acolher pessoas acometidas por essa doença.
Tais resultados merecem destaque, ainda, pelo fato de que, no Brasil, o início da pandemia foi marcado pela concentração do manejo da Covid-19 e dos investimentos para a gestão da pandemia nos serviços de média e alta complexidade, restando um vazio de financiamento, orientações e diretrizes aos serviços de APS não obstante o fato de a ESF ser o modelo mais apropriado para apoiar as medidas de contenção da disseminação da Covid-19, por seus atributos de primeiro contato, de responsabilidade territorial e orientação comunitária1111 Medina M, Giovanella L, Bousquat A, et al. Atenção Primária à Saúde em tempos de Covid-19: O que fazer? Cad. Saúde Pública. 2020; 36(8):e00149720.,1212 Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, et al. A contribuição da atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19. Saúde debate. 2020; 44(esp4):161-76.,1313 Teixeira MG, Medina MG, Costa MCN, et al. Reorganização da atenção primária à saúde para vigilância universal e contenção da COVID-19. Epidemiol. Serv. Saude. 2020; 29(4):e2020494..
Ao longo das três edições do Prêmio APS Forte para o SUS, foram recebidas diversas experiências oriundas de profissionais e de gestores da APS de todo o Brasil. Observou-se a participação de todas as Unidades Federativas na primeira edição e de 26 nas edições subsequentes, apesar da baixa proporção de municípios participantes nas três edições, cujo percentual não atingiu 10% do total de municípios brasileiros. A tabela 2 ilustra o cenário de experiências aprovadas em cada edição do Prêmio, em que se pode observar que as regiões Sudeste, Nordeste e Sul concentram a maior parte das experiências em todas as edições.
Panorama de experiências submetidas e aprovadas nas edições do Prêmio APS Forte no SUS. Brasil, regiões e Unidades Federativas, 2022
No que tange ao perfil dos autores, nas três edições do Prêmio, prevaleceram experiências desenvolvidas por profissionais que atuam em equipes de APS/Unidades Básicas de Saúde, seguidas por experiências submetidas por gestores das secretarias municipais de saúde (tabela 3). Tal cenário reforçou ainda mais a importância do Prêmio por oportunizar o conhecimento de ações e estratégias inovadoras desenvolvidas no âmbito da assistência e da organização do cuidado pelos profissionais que atuam na APS, de modo a contribuir para o compartilhamento de experiências e cooperação horizontal, uma das responsabilidades comuns a todas as esferas de governo, de acordo com a Política Nacional de Atenção Básica44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde, anexo XXII. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), com vistas à revisão da regulamentação de implantação e operacionalização vigentes, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente Atenção Básica, na Rede de Atenção à Saúde (RAS). (Origem: PRT MS/GM 2436/2017, Art. 1º). Diário Oficial da União. 28 Set 2017. [acesso em 2022 fev 23]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0002_03_10_2017.html.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi... .
Ranzi e colaboradores1414 Ranzi DVM, Nachif MCA, Soranz DR, et al. Laboratório de inovação na Atenção Primária à Saúde: implementação e desdobramentos. Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(6):1999-2011., ao realizarem estudo exploratório sobre a implementação do Laboratório de Inovação na Atenção Primária à Saúde (Inovaaps) no município de Campo Grande-MS, identificaram ações inovadoras organizacionais, processuais e de produto, com potencial transformador e reorientador das práticas em saúde. Esses autores analisaram que as iniciativas desenvolvidas fortalecem a expansão, a consolidação e a ampliação de acesso à APS; a provisão e a formação profissionais adequados; a alocação de tecnologias resolutivas; o aprimoramento da regulação; e a efetivação do papel mediador da APS.
A análise dos achados do Prêmio chamou atenção, ainda, para um expressivo volume de experiências submetidas por equipes dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (Nasf) (n=148; 12%), mesmo em um cenário de desfinanciamento destas equipes a partir do Previne Brasil em 20191515 De Seta MH, Ocké-Reis CO, Ramos ALP. Programa Previne Brasil: o ápice das ameaças à Atenção Primária à Saúde? Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(supl2):3781-6.. É importante destacar que muitas das experiências de cuidado na pandemia, inscritas na segunda edição do Prêmio, tiveram protagonismo dessas equipes, reforçando a importância e a necessidade da atuação multiprofissional ampliada para a consecução da integralidade do cuidado e resolutividade na APS, iniciada no Brasil em 2008, quando da instituição dos Nasf.
Diversos estudos1616 Coelho OCS, Ferreira ATM, Mendonça RD. Pandemia COVID-19 e Ações do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica na Rede SUS. APS em Revista. 2021; 3(3):156-67.,1717 Costa AFR, Lopes CA, Gonçalves FS, et al. Reorganização do trabalho do NASF-AB no enfrentamento da pandemia COVID-19: um relato de experiência. Com. Ciênc. Saúde. 2020; 31(3):33-39.,1818 Oliveira MAB, Monteiro LS, Oliveira RC, et al. A prática do núcleo de apoio à saúde da família do Recife no enfrentamento à pandemia COVID-19. APS em Revista. 2020; 2(2):142-150.,1919 Silva AS, Goebel ROR. A função do Núcleo Ampliado de Saúde da Família - Nasf AB frente o novo cenário de pandemia: teleatendimento de pacientes suspeitos de covid-19. Rev Cient Fac Educ e Meio Ambient. 2022; 13(edespmulti).,2020 Oliveira EF, Bibiano AMB, Souza RIS. Atuação intersetorial da equipe do NASF-AB na pandemia de Covid-19: relato de Jaboatão dos Guararapes/PE. Rede APS. 2020. [acesso em 2022 set 25]. Disponível em: https://apsredes.org/atuacao-intersetorial-da-equi-pe-do-nasf-ab-na-pandemia-de-covid-19-relato-de--jaboatao-dos-guararapes-pe/.
https://apsredes.org/atuacao-intersetori... ,2121 Monteiro CMO, Silva ASO, Lima ACS, et al. Desafios e possibilidades na reorientação do processo de trabalho dos terapeutas ocupacionais nos núcleos ampliados de saúde da família e atenção básica em meio à pandemia da Covid-19. Rev. Interinst. Bras. Ter. Ocup. 2021; 2(5):244-251. destacam o papel das equipes multiprofissionais, especialmente o Nasf, no enfrentamento da pandemia. Tais trabalhos reforçam a atuação dessas equipes na manutenção da agenda habitual da APS; na continuidade do cuidado aos pacientes com condições crônicas; no uso de tecnologias de informação e comunicação para o cuidado (teleatendimento), para o monitoramento de casos confirmados e/ou suspeitos (telemonitoramento) e para aconselhamento/orientação aos usuários (tele-educação); matriciamento; saúde do trabalhador; e manejo das condições pós-Covid-19.
Por fim, ao observar o conteúdo das experiências aprovadas no Prêmio e a relação destas com os objetivos e linhas/eixos temáticos das edições, analisa-se que houve boa aderência aos três editais do Prêmio (quadro 1).
Na primeira edição, cujo objetivo foi identificar iniciativas voltadas à ampliação do acesso na APS, de modo a reforçar o atributo essencial do acesso/atenção no primeiro contato, 707 experiências (57,1%) apresentavam iniciativas de ampliação do acesso da população às ações e/ou às atividades de promoção da saúde, e 239 experiências (19,3%) abordavam adequação das estruturas e processos dos serviços de saúde, com vistas à ampliação do acesso. Os trabalhos versavam, em sua maioria, sobre rearranjos e/ou reorganização de fluxos assistenciais e processos de trabalho, no intuito de eliminar ou reduzir barreiras de acesso (organizacionais ou assistenciais) aos usuários na APS.
Estudos1414 Ranzi DVM, Nachif MCA, Soranz DR, et al. Laboratório de inovação na Atenção Primária à Saúde: implementação e desdobramentos. Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(6):1999-2011.,2222 Nodari CH, Camargo ME, Olea PM, et al. The framework of the practice of innovation in primary healthcare: a case study. Ciênc. saúde coletiva. 2015; 20(10):3073-3086. destacam que as análises relacionadas com a inovação organizacional são potentes em produzir benefícios diferenciados e que reconhecer a APS nesse contexto é estratégico para a superação dos desafios e a implementação de mudanças em prol da ampliação da resolubilidade desse nível de atenção prioritário para o SUS e nos diversos países com sistemas de saúde públicos e universais. Além disso, a inovação deve ser vista como uma resposta das organizações às pressões do ambiente no qual elas atuam2222 Nodari CH, Camargo ME, Olea PM, et al. The framework of the practice of innovation in primary healthcare: a case study. Ciênc. saúde coletiva. 2015; 20(10):3073-3086..
Tasca e colaboradores2323 Tasca R, Carvalho W, Gomes R, et al. Acesso aos serviços de atenção primária à saúde no Sistema Único de Saúde: Fortalezas e desafios emergentes das experiências apresentadas ao Prêmio “APS Forte para o SUS”. APS em Revista. 2020; 2(3):198-212. destacaram as lições aprendidas e reflexões sobre a primeira edição do Prêmio, enfatizando a sua importância para estimular o registro e o compartilhamento de boas práticas na APS, o que permite a disseminação do conhecimento e a valorização do trabalho das equipes.
Já na segunda edição, que objetivou identificar experiências desenvolvidas pelos serviços de APS para o enfrentamento da pandemia da Covid-19, entre as oito linhas temáticas da edição, a maioria das iniciativas compartilhadas (n=367; 25%) versava sobre o uso de tecnologias de informação e comunicação – como telefone, teleatendimento, WhatsApp, teleconsulta, telemonitoramento etc. –, para ações de comunicação, atendimento, monitoramento e prevenção a partir das equipes da APS, uma adequação realizada rapidamente por essas equipes no Brasil.
Tal cenário reforçou a aderência das equipes às diretrizes recomendadas pelos organismos sanitários nacionais e internacionais no que se refere ao atendimento presencial/remoto durante a pandemia, de modo a evitar aglomerações nos serviços, enfocando os atendimentos presenciais aos sintomáticos respiratórios, casos suspeitos ou confirmados de Covid-19.
Vários estudos1616 Coelho OCS, Ferreira ATM, Mendonça RD. Pandemia COVID-19 e Ações do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica na Rede SUS. APS em Revista. 2021; 3(3):156-67.,1717 Costa AFR, Lopes CA, Gonçalves FS, et al. Reorganização do trabalho do NASF-AB no enfrentamento da pandemia COVID-19: um relato de experiência. Com. Ciênc. Saúde. 2020; 31(3):33-39.,1818 Oliveira MAB, Monteiro LS, Oliveira RC, et al. A prática do núcleo de apoio à saúde da família do Recife no enfrentamento à pandemia COVID-19. APS em Revista. 2020; 2(2):142-150.,1919 Silva AS, Goebel ROR. A função do Núcleo Ampliado de Saúde da Família - Nasf AB frente o novo cenário de pandemia: teleatendimento de pacientes suspeitos de covid-19. Rev Cient Fac Educ e Meio Ambient. 2022; 13(edespmulti).,2020 Oliveira EF, Bibiano AMB, Souza RIS. Atuação intersetorial da equipe do NASF-AB na pandemia de Covid-19: relato de Jaboatão dos Guararapes/PE. Rede APS. 2020. [acesso em 2022 set 25]. Disponível em: https://apsredes.org/atuacao-intersetorial-da-equi-pe-do-nasf-ab-na-pandemia-de-covid-19-relato-de--jaboatao-dos-guararapes-pe/.
https://apsredes.org/atuacao-intersetori... ,2121 Monteiro CMO, Silva ASO, Lima ACS, et al. Desafios e possibilidades na reorientação do processo de trabalho dos terapeutas ocupacionais nos núcleos ampliados de saúde da família e atenção básica em meio à pandemia da Covid-19. Rev. Interinst. Bras. Ter. Ocup. 2021; 2(5):244-251.,2424 Caetano R, Silva AB, Guedes ACCM, et al. Desafios e oportunidades para telessaúde em tempos da pandemia pela COVID-19: uma reflexão sobre os espaços e iniciativas no contexto brasileiro. Cad. Saúde Pública. 2020; 36(5):e00088920.,2525 Souza KAO, Pinto Junior EP, Barros RD, et al. O uso da telessaúde em tempos de pandemia. In: Barreto ML, Pinto Junior EP, Aragão E, et al., organizadores. Construção de conhecimento no curso da pandemia de COVID-19: aspectos biomédicos, clínico-assistenciais, epidemiológicos e sociais. Salvador: Edufba; 2020. (v. 2).,2626 Silva RS, Schmtiz CAA, Harzheim E, et al. O Papel da Telessaúde na Pandemia Covid-19: Uma Experiência Brasileira. Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(6):2149-57.,2727 Mélo CB, Farias GD, Ramalho HVB, et al. Teleconsulta no SUS durante a pandemia da COVID-19 no Brasil. Research. Soc. Develop. 2021; 10(8):e54010817675. têm reconhecido a reconfiguração assistencial da APS a partir da pandemia, com importante contribuição das estratégias de assistência remota/telessaúde para o enfrentamento da Covid-19, que têm se mostrado como oportunidades para a consolidação da telessaúde e aperfeiçoamento do SUS. Por meio das tecnologias de cuidado remoto, tem sido possível oportunizar aos usuários da APS ações de triagem, cuidado e tratamento remotos, apoiando o monitoramento, a vigilância, a detecção e a prevenção, além da mitigação dos impactos aos cuidados de saúde relacionados com a Covid-19.
Fernandez e colaboradores2828 Fernandez M, Carvalho W, Borges V, et al. A Atenção Primária à Saúde e o enfrentamento à pandemia da COVID-19: um mapeamento das experiências brasileiras por meio da Iniciativa APS Forte. APS em Revista. 2021; 3(3):224-34. apresentaram um retrato dos achados qualitativos da Edição 2020 do Prêmio, e observaram que muitos relatos destacaram um momento inicial de incertezas e a necessidade de readequação de processos e serviços realizados pelas equipes de saúde, como reestruturação física para acolher sintomáticos e não sintomáticos, e a introdução de novas tecnologias de cuidado, sobretudo remoto, a fim de conter a transmissão comunitária e de preservar os atendimentos à população. Os autores reconheceram, ainda, a pouca institucionalidade da maioria das experiências apresentadas, como um reflexo da ausência de normativas, políticas e programas voltados ao enfrentamento da Covid-19, necessárias para conferir maior autonomia e segurança na resposta da APS à pandemia.
Na terceira edição, que visou reconhecer práticas desenvolvidas na APS voltadas à integralidade do cuidado, a maior parte das experiências (n=562; 48,8%) abordava a organização dos serviços de APS para o atendimento integral aos usuários do SUS, com iniciativas de enfrentamento da pandemia da Covid-19, de ampliação do acesso aos serviços de APS, de organização da rede de atenção à saúde bucal e de uso das Práticas Integrativas e Complementares na APS. Tais experiências reforçam que a integralidade do cuidado se inicia no acesso do usuário aos serviços e ações de saúde e se complementa por meio de práticas de cuidado ampliado, multiprofissionais e resolutivas.
Lições aprendidas a partir das edições do Prêmio APS Forte no SUS
A partir da realização das três edições do Prêmio APS Forte no SUS, reconhece-se a importância de espaços de compartilhamento e cooperação horizontal de experiências e ações entre profissionais e gestores do SUS. Para além desse espaço de troca, o Prêmio também se mostrou como estratégia de mobilização das equipes da APS e como impulsionadora para o desenvolvimento de inovações nas práticas assistenciais e organizacionais, capazes de produzir efeitos na forma de cuidado à população, bem como na forma de trabalho nos territórios por gestores e trabalhadores da APS de todo o Brasil.
O panorama de estados e municípios participantes, bem como de experiências submetidas nas três edições, suscita duas lições importantes: a necessidade de maior divulgação e mobilização dos entes, sobretudo com apoio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, como representantes legítimos de secretarias estaduais e municipais; e a importância de traçar estratégias específicas para as regiões e os estados brasileiros com participação menos expressiva (Norte e Centro-Oeste), de modo que o Prêmio se fortaleça ainda mais enquanto iniciativa de captação, identificação e reconhecimento das experiências que refletem as diversidades e as especificidades locorregionais da APS em todo o Brasil.
No tocante ao conteúdo das experiências submetidas ao Prêmio, chamou atenção o expressivo volume de iniciativas de qualificação da prática clínica na APS, de reorganização dos processos de trabalho e do uso de tecnologias de informação e comunicação no cuidado em saúde na APS, corroborando diversos achados da literatura1616 Coelho OCS, Ferreira ATM, Mendonça RD. Pandemia COVID-19 e Ações do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica na Rede SUS. APS em Revista. 2021; 3(3):156-67.,1717 Costa AFR, Lopes CA, Gonçalves FS, et al. Reorganização do trabalho do NASF-AB no enfrentamento da pandemia COVID-19: um relato de experiência. Com. Ciênc. Saúde. 2020; 31(3):33-39.,1818 Oliveira MAB, Monteiro LS, Oliveira RC, et al. A prática do núcleo de apoio à saúde da família do Recife no enfrentamento à pandemia COVID-19. APS em Revista. 2020; 2(2):142-150.,1919 Silva AS, Goebel ROR. A função do Núcleo Ampliado de Saúde da Família - Nasf AB frente o novo cenário de pandemia: teleatendimento de pacientes suspeitos de covid-19. Rev Cient Fac Educ e Meio Ambient. 2022; 13(edespmulti).,2020 Oliveira EF, Bibiano AMB, Souza RIS. Atuação intersetorial da equipe do NASF-AB na pandemia de Covid-19: relato de Jaboatão dos Guararapes/PE. Rede APS. 2020. [acesso em 2022 set 25]. Disponível em: https://apsredes.org/atuacao-intersetorial-da-equi-pe-do-nasf-ab-na-pandemia-de-covid-19-relato-de--jaboatao-dos-guararapes-pe/.
https://apsredes.org/atuacao-intersetori... ,2121 Monteiro CMO, Silva ASO, Lima ACS, et al. Desafios e possibilidades na reorientação do processo de trabalho dos terapeutas ocupacionais nos núcleos ampliados de saúde da família e atenção básica em meio à pandemia da Covid-19. Rev. Interinst. Bras. Ter. Ocup. 2021; 2(5):244-251.,2424 Caetano R, Silva AB, Guedes ACCM, et al. Desafios e oportunidades para telessaúde em tempos da pandemia pela COVID-19: uma reflexão sobre os espaços e iniciativas no contexto brasileiro. Cad. Saúde Pública. 2020; 36(5):e00088920.,2525 Souza KAO, Pinto Junior EP, Barros RD, et al. O uso da telessaúde em tempos de pandemia. In: Barreto ML, Pinto Junior EP, Aragão E, et al., organizadores. Construção de conhecimento no curso da pandemia de COVID-19: aspectos biomédicos, clínico-assistenciais, epidemiológicos e sociais. Salvador: Edufba; 2020. (v. 2).,2626 Silva RS, Schmtiz CAA, Harzheim E, et al. O Papel da Telessaúde na Pandemia Covid-19: Uma Experiência Brasileira. Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(6):2149-57.,2727 Mélo CB, Farias GD, Ramalho HVB, et al. Teleconsulta no SUS durante a pandemia da COVID-19 no Brasil. Research. Soc. Develop. 2021; 10(8):e54010817675..
As experiências reconhecidas nas edições do Prêmio também reforçaram o modelo da ESF como modelo a ser priorizado para a organização dos serviços de APS, com potencialidade para o cumprimento de todos os atributos da APS e princípios do SUS, o que reitera a necessidade de ampliação dos investimentos e financiamento para esse modelo em detrimento de outros modelos alternativos.
Na primeira edição, que evidenciou o acesso universal, o Prêmio contribuiu para visibilizar experiências (inovadoras ou não) voltadas à melhoria e/ou ampliação do acesso aos serviços e cuidados na APS. Apesar da ampla cobertura e da capilaridade da APS brasileira, ainda persistem fragilidades e barreiras de acesso aos usuários no SUS. Tais barreiras impactam negativamente no uso, na apropriação e na legitimidade do sistema de saúde por parte da população brasileira e reforçam a necessidade de novas políticas de governo nos níveis federal, estadual e municipal voltadas ao fortalecimento da APS2929 Bizinelli BM, Poli Neto P, Albuquerque GSC, et al. Acesso à Atenção Primária à Saúde em Curitiba: a percepção dos usuários que frequentam uma unidade de pronto atendimento (UPA). APS em Revista. 2019; 1(3):198-205.,3030 Tesser CD, Norman AH, Vidal TB. Acesso ao cuidado na Atenção Primária à Saúde brasileira: situação, problemas e estratégias de superação. Saúde debate. 2018; 42(esp1):361-378..
Dar luz a experiências que buscaram superar tais barreiras – e, assim, contribuir para a consecução do atributo de primeiro contato – foi fundamental para a constituição de um laboratório da APS forte, a qual tem no acesso seu ponto de partida. As experiências submetidas ao Prêmio reforçaram, ainda, a necessidade de políticas públicas voltadas à superação dos desafios relacionados com a ampliação do acesso, para além da cobertura, a exemplo do Programa Saúde na Hora (horário de funcionamento estendido das unidades de APS) e iniciativas de informatização das Unidades Básicas de Saúde.
A segunda edição do Prêmio, criada em um cenário em que o foco da assistência (e dos investimentos) estava na média e alta complexidade, especialmente em virtude do desconhecimento sobre o curso e o manejo da Covid-19 à época, representou uma estratégia de enfrentamento da redução do papel e da importância da APS. A partir das experiências reconhecidas nessa edição, retomou-se o debate da APS para a superação dos desafios impostos pela pandemia, sobretudo para o sucesso das medidas de contenção da transmissão do vírus e de prevenção da Covid-19, fundamental para o êxito das demais ações inerentes ao enfrentamento da pandemia.
Ao avaliar o desempenho de 28 países, a OMS forneceu diversos subsídios aos formuladores de políticas e ao público geral no que se refere à relação entre sistemas de saúde, economias domésticas e governança3131 World Health Organization. Building health systems resilience for universal health coverage and health security during the COVID-19 pandemic and beyond: WHO position paper. Geneva: World Health Organization; 2021.. Tal estudo reforçou que decisões governamentais determinam infraestruturas, regulamentos e diretrizes de saúde, bem como definem o acesso a medicamentos e a tratamentos, a oferta de cobertura de saúde e o financiamento destes. Respostas imediatas (ou não) dos governos ao enfrentamento da Covid-19 significaram a diferença entre bloqueio ou negócios como habitual e corroeram ou aumentaram a confiança do público nos sistemas de saúde.
O relatório do referido estudo divulgou um documento de posição sobre a construção da resiliência dos sistemas de saúde em relação à cobertura universal de saúde e segurança sanitária durante a pandemia da Covid-19. Reforçouse a necessidade urgente de um compromisso nacional e global para tornar os países mais bem preparados e os sistemas de saúde resilientes a todas as formas de ameaça à saúde pública, os quais devem ter uma APS forte3131 World Health Organization. Building health systems resilience for universal health coverage and health security during the COVID-19 pandemic and beyond: WHO position paper. Geneva: World Health Organization; 2021..
As experiências do Prêmio no Brasil foram primordiais para reconhecer o protagonismo da APS nas ações de prevenção, diagnóstico precoce, monitoramento e rastreamento de casos e contatos, bem como para as ações de cuidado na APS, encaminhamento dos casos moderados a graves aos serviços de referência (reforçando seu papel de ordenação da rede e coordenação do cuidado) e do sucesso da vacinação contra a Covid-19, os quais foram cruciais para o recrudescimento da pandemia no Brasil.
Na terceira edição, a principal lição aprendida foi o reconhecimento de que, a partir de uma atuação multiprofissional ampliada, de um amplo escopo de ações e práticas e da qualificação dos profissionais por meio de ações de educação permanente, é possível a oferta de cuidados integrais e resolutivos à população.
Em síntese, são fundamentais a ampliação e a realização de edições regulares do Prêmio APS Forte, que tem se firmado como ferramenta potente de mobilização dos territórios e de produção de conhecimento necessário à constituição de laboratórios de inovação da APS brasileira, essenciais para o compartilhamento de boas práticas, inovações no cuidado realizados na diversidade de culturas brasileiras e no fazer na gestão do SUS. O Prêmio é potente, ainda, para estimular a busca de ideias inovadoras na APS, por vezes necessárias para provocar a evolução, a sustentabilidade e o fortalecimento do SUS.
- Suporte financeiro: não houve
Referências
- 1World Health Organization. Declaration of Alma-Ata. International Conference on Primary Health Care. Geneva: World Health Organization; 1978.
- 2Aleixo JLM. Atenção Primária à Saúde e o Programa de Saúde da Família: perspectivas de desenvolvimento no início do terceiro milênio. Rev. min. saúde pública. 2002; 1(1):1-16.
- 3Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: UNESCO; Ministério da Saúde; 2002.
- 4Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde, anexo XXII. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), com vistas à revisão da regulamentação de implantação e operacionalização vigentes, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente Atenção Básica, na Rede de Atenção à Saúde (RAS). (Origem: PRT MS/GM 2436/2017, Art. 1º). Diário Oficial da União. 28 Set 2017. [acesso em 2022 fev 23]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0002_03_10_2017.html
» https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0002_03_10_2017.html - 5Burke S, Parker S, Fleming P, et al. Building health system resilience through policy development in response to COVID-19 in Ireland: From shock to reform. Lancet Europe. 2021; (9):100223.
- 6Organização Pan-Americana da Saúde. Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasília, DF: OPAS; 2018.
- 7Tasca R, Massuda A, Carvalho WM, et al. Recomendações para o fortalecimento da atenção primária à saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2020; (44):e4.
- 8Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-americana da Saúde. APS Forte para o SUS: acesso universal. Brasília, DF: OPAS; 2019. (Série Técnica NavegadorSUS).
- 9Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-americana da Saúde. APS Forte para o SUS: no combate à pandemia. Brasília, DF: OPAS; 2021. (Série Técnica NavegadorSUS).
- 10Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-americana da Saúde. APS Forte para o SUS: integralidade no cuidado. Brasília, DF: OPAS; 2022. (Série Técnica NavegadorSUS).
- 11Medina M, Giovanella L, Bousquat A, et al. Atenção Primária à Saúde em tempos de Covid-19: O que fazer? Cad. Saúde Pública. 2020; 36(8):e00149720.
- 12Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, et al. A contribuição da atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19. Saúde debate. 2020; 44(esp4):161-76.
- 13Teixeira MG, Medina MG, Costa MCN, et al. Reorganização da atenção primária à saúde para vigilância universal e contenção da COVID-19. Epidemiol. Serv. Saude. 2020; 29(4):e2020494.
- 14Ranzi DVM, Nachif MCA, Soranz DR, et al. Laboratório de inovação na Atenção Primária à Saúde: implementação e desdobramentos. Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(6):1999-2011.
- 15De Seta MH, Ocké-Reis CO, Ramos ALP. Programa Previne Brasil: o ápice das ameaças à Atenção Primária à Saúde? Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(supl2):3781-6.
- 16Coelho OCS, Ferreira ATM, Mendonça RD. Pandemia COVID-19 e Ações do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica na Rede SUS. APS em Revista. 2021; 3(3):156-67.
- 17Costa AFR, Lopes CA, Gonçalves FS, et al. Reorganização do trabalho do NASF-AB no enfrentamento da pandemia COVID-19: um relato de experiência. Com. Ciênc. Saúde. 2020; 31(3):33-39.
- 18Oliveira MAB, Monteiro LS, Oliveira RC, et al. A prática do núcleo de apoio à saúde da família do Recife no enfrentamento à pandemia COVID-19. APS em Revista. 2020; 2(2):142-150.
- 19Silva AS, Goebel ROR. A função do Núcleo Ampliado de Saúde da Família - Nasf AB frente o novo cenário de pandemia: teleatendimento de pacientes suspeitos de covid-19. Rev Cient Fac Educ e Meio Ambient. 2022; 13(edespmulti).
- 20Oliveira EF, Bibiano AMB, Souza RIS. Atuação intersetorial da equipe do NASF-AB na pandemia de Covid-19: relato de Jaboatão dos Guararapes/PE. Rede APS. 2020. [acesso em 2022 set 25]. Disponível em: https://apsredes.org/atuacao-intersetorial-da-equi-pe-do-nasf-ab-na-pandemia-de-covid-19-relato-de--jaboatao-dos-guararapes-pe/
» https://apsredes.org/atuacao-intersetorial-da-equi-pe-do-nasf-ab-na-pandemia-de-covid-19-relato-de--jaboatao-dos-guararapes-pe/ - 21Monteiro CMO, Silva ASO, Lima ACS, et al. Desafios e possibilidades na reorientação do processo de trabalho dos terapeutas ocupacionais nos núcleos ampliados de saúde da família e atenção básica em meio à pandemia da Covid-19. Rev. Interinst. Bras. Ter. Ocup. 2021; 2(5):244-251.
- 22Nodari CH, Camargo ME, Olea PM, et al. The framework of the practice of innovation in primary healthcare: a case study. Ciênc. saúde coletiva. 2015; 20(10):3073-3086.
- 23Tasca R, Carvalho W, Gomes R, et al. Acesso aos serviços de atenção primária à saúde no Sistema Único de Saúde: Fortalezas e desafios emergentes das experiências apresentadas ao Prêmio “APS Forte para o SUS”. APS em Revista. 2020; 2(3):198-212.
- 24Caetano R, Silva AB, Guedes ACCM, et al. Desafios e oportunidades para telessaúde em tempos da pandemia pela COVID-19: uma reflexão sobre os espaços e iniciativas no contexto brasileiro. Cad. Saúde Pública. 2020; 36(5):e00088920.
- 25Souza KAO, Pinto Junior EP, Barros RD, et al. O uso da telessaúde em tempos de pandemia. In: Barreto ML, Pinto Junior EP, Aragão E, et al., organizadores. Construção de conhecimento no curso da pandemia de COVID-19: aspectos biomédicos, clínico-assistenciais, epidemiológicos e sociais. Salvador: Edufba; 2020. (v. 2).
- 26Silva RS, Schmtiz CAA, Harzheim E, et al. O Papel da Telessaúde na Pandemia Covid-19: Uma Experiência Brasileira. Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(6):2149-57.
- 27Mélo CB, Farias GD, Ramalho HVB, et al. Teleconsulta no SUS durante a pandemia da COVID-19 no Brasil. Research. Soc. Develop. 2021; 10(8):e54010817675.
- 28Fernandez M, Carvalho W, Borges V, et al. A Atenção Primária à Saúde e o enfrentamento à pandemia da COVID-19: um mapeamento das experiências brasileiras por meio da Iniciativa APS Forte. APS em Revista. 2021; 3(3):224-34.
- 29Bizinelli BM, Poli Neto P, Albuquerque GSC, et al. Acesso à Atenção Primária à Saúde em Curitiba: a percepção dos usuários que frequentam uma unidade de pronto atendimento (UPA). APS em Revista. 2019; 1(3):198-205.
- 30Tesser CD, Norman AH, Vidal TB. Acesso ao cuidado na Atenção Primária à Saúde brasileira: situação, problemas e estratégias de superação. Saúde debate. 2018; 42(esp1):361-378.
- 31World Health Organization. Building health systems resilience for universal health coverage and health security during the COVID-19 pandemic and beyond: WHO position paper. Geneva: World Health Organization; 2021.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
31 Mar 2023 - Data do Fascículo
Dez 2022
Histórico
- Recebido
05 Jul 2022 - Aceito
03 Out 2022