RESUMO
Ao final do ano de 2019 o mundo foi surpreendido pela Covid-19, que chegou ao Brasil no início de 2020, fazendo com que o Sistema Único de Saúde (SUS) adotasse estratégias imediatas para atender as necessidades de saúde da população, colocando em evidência todos os obstáculos que o sistema de saúde vinha enfrentando nos últimos anos. O estado de São Paulo não foi diferente do restante do País em relação ao enfrentamento. Este estudo objetivou identificar as principais estratégias adotadas em 5 regiões de saúde de São Paulo, com foco na gestão regional, analisando os processos e práticas adotados para o enfrentamento à pandemia da Covid-19. Tratou-se de um estudo qualitativo, realizado através de estudo de casos múltiplos, com abordagem exploratória, a partir de pesquisa de campo e realização de oficinas regionais. As regiões de saúde deste estudo puderam comprovar a importância da intersetorialidade nas ações de saúde como um todo. Notou-se o grande papel dos municípios nestas ações e a união destes, fortalecendo o papel da regionalização e ampliando a importância da governança em saúde. Ademais, as regiões de saúde saíram fortalecidas porque exerceram seu papel de liderança e organizaram ações junto aos municípios.
PALAVRAS-CHAVES
Organização e administração; Regionalização da saúde; Covid-19; Pandemia; Regiões de saúde
Introdução
No final do ano de 2019 o mundo foi surpreendido por um novo vírus – Sars-CoV-2 (Covid-19). Em poucos meses, o vírus atingiu todos os continentes, criando importantes desafios aos sistemas de saúde, devido a sua rápida transmissão e a gravidade de seus sintomas11 Vasques JR, Peres AM, Straub M, et al. Organização dos sistemas de saúde no enfrentamento à covid-19: uma revisão de escopo. Rev. panam. salud pública. 2023 [acesso em 2023 maio 5]; 47(38). Disponível em: https://doi.org/10.26633/RPSP.2023.38.
https://doi.org/10.26633/RPSP.2023.38... .
Os sistemas de saúde tiveram que se reorganizar para dar uma rápida resposta à população, cada vez mais exposta ao novo vírus e com o número de hospitalizações e óbitos em crescimento. O primeiro caso da Covid-19 no Brasil aconteceu no final do mês de fevereiro de 2020. No entanto, somente no mês de março, quando se iniciou a transmissão comunitária, medidas e ações foram tomadas nos estados. Consequentemente, o Sistema Único de Saúde (SUS) adotou estratégias imediatas para atender as necessidades de saúde que surgiam e se avolumavam22 Salino AV, Ribeiro GMA. Análise da oferta de hospitais e leitos hospitalares no estado do Amazonas ante a pandemia da Covid-19. Saúde debate. 2023; 47(136):200-14. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-1104202313613.
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As primeiras medidas que foram adotadas no enfrentamento à pandemia estão listadas na Lei nº 13.97933 Brasil. Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Diário Oficial da União. 6 Fev 2020. [acesso em 2022 abr 24]. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.979-de-6-de-fevereiro-de-2020-242078735.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n... , sancionada em fevereiro de 2020. A lei elencou as Intervenções Não Farmacológicas Comunitárias (INF). Assim, os estados passaram a adotar as medidas a partir da segunda semana de março de 2020 e, posteriormente, lançaram seus próprios decretos, muitas vezes adotando medidas mais rigorosas com base em seus dados epidemiológicos44 Garcia LP, Duarte E. Intervenções não farmacológicas para o enfrentamento à epidemia da COVID-19 no Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde. 2020; 29(2):e2020222..
Nesse contexto, os estados e regiões de saúde, em seus diferentes modelos de organização, responderam de forma relativamente rápida e efetiva às necessidades de saúde. Estados e regiões ficaram em risco de esgotamento dos recursos disponíveis, tanto pelo aumento abrupto da demanda, como pela perda progressiva da autossuficiência de insumos e profissionais de saúde, ou por conflitos entre autoridades políticas e governamentais22 Salino AV, Ribeiro GMA. Análise da oferta de hospitais e leitos hospitalares no estado do Amazonas ante a pandemia da Covid-19. Saúde debate. 2023; 47(136):200-14. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-1104202313613.
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Ao atingir o Brasil, a pandemia da Covid-19 evidenciou todos os obstáculos que o sistema de saúde do País vinha enfrentando nos últimos anos. Desafios estes devidos às limitações políticas e econômicas, agravados pelo subfinanciamento histórico do sistema, além do contingenciamento de gastos públicos por meio da Emenda Constitucional 95 (EC 95) de 15 de dezembro de 201655 Servo LMS, Santos MAB, Vieira FS, et al. Financiamento do SUS e Covid-19: histórico, participações federativas e respostas à pandemia. Saúde debate. 2020 [acesso em 2022 jul 4]; 44(esp4):114-129. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/3WbqYLWqnc8MSJ7LpnBY5SK/?lang=pt&format=html.
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/3WbqYLWqn... . Como consequência, a pandemia salientou o afastamento do SUS do seu compromisso da garantia do acesso universal, igualitário e integral. Os entraves se agravaram devido ao cenário de barreiras na articulação intergovernamental, indefinição e sobreposição de atribuições e funções, e a desarticulação federal, que se impôs como um grande desafio66 Vieira FS Servo LMS. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde debate. 2020; 44(esp4):100-113., 77 Lima LD, Pereira AMM, Machado CV. Crise, condicionantes e desafios de coordenação do Estado federativo brasileiro no contexto da COVID-19. Cad. Saúde Pública. 2000; 36(7):e00185220..
Importante destacar ainda que, como aponta uma revisão sistemática sobre o processo de regionalização do SUS, a ausência do nível estadual é percebida no processo de resolução de demandas complexas88 Melo GA, Pereira APCM, Uchimura LYT, et al. O processo de regionalização do SUS: revisão sistemática. Ciênc. saúde coletiva. 2017 [acesso em 2022 maio 28]; 22(4):1291-1310. Disponível em: https://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2017/05/Governan--aX.pdf.
https://www.resbr.net.br/wp-content/uplo... e isso ficou evidente ao longo da pandemia. A esfera federal se mostrou distante dos estados e municípios, com ações contraditórias em relação ao enfrentamento à Covid-19, incluindo: a disseminação de fake news e o negacionismo em relação ao vírus99 Giovanella L, Medina MG, Aquino R, et al. Negacionismo, desdém e mortes: notas sobre a atuação criminosa do governo federal brasileiro no enfrentamento da Covid-19. Saúde debate. 2020; 44(126):895-901.. Fatos como esses, vistos antes e durante a pandemia, tornaram ainda mais desafiador o papel dos estados, regiões de saúde e, consequentemente, dos municípios, no enfrentamento à pandemia.
A pandemia da Covid-19 evidenciou importantes impasses para o sistema de saúde brasileiro, a maioria de natureza estrutural, que ganharam contornos mais graves frente ao tamanho da crise política e sanitária vigente. Em suma, a Covid-19 transformou as cidades e os serviços de saúde, agravando problemas complexos e persistentes, como as desigualdades sociais1010 Lucca SR. Iniquidades das mortes violentas e de COVID-19 negligenciadas pelo Estado brasileiro. Cad. Saúde Pública. 2023 [acesso 2023 maio 5]; 39(2):e00001923. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT001923.
https://doi.org/10.1590/0102-311XPT00192... . Assim, é preciso e essencial compreender o papel desses serviços, pois os usuários não podem prescindir da garantia do direito ao cuidado e a vida.
Em São Paulo, um estado de grandes dimensões e com algumas características bem diferenciadas entre as regiões, o governo estadual tomou a decisão de caracterizar as regiões de saúde por cores (sendo cinco fases: vermelha, laranja, amarela, verde e azul) de acordo com a gravidade e número de casos, contando também, com a ocupação hospitalar. A partir disto, foram estabelecidas as orientações e medidas a serem adotadas em cada fase, seja no sentido ampliar ou diminuir as medidas não farmacológicas previstas na época.
Além disto, para avaliação e classificação das regiões de saúde nas fases acima descritas, o Plano São Paulo estabeleceu 5 indicadores categorizados em dois eixos: Eixo 1 – Capacidade do Sistema de Saúde e Eixo 2 – Evolução da Epidemia1111 Campinas. Plano Municipal de Contingência para o enfrentamento da pandemia de infecção humana pelo novo vírus: Fase II – plano de ação para o en-frentamento da intensificação da 1ª onda de covid-19 em Campinas. Campinas: SSC; 2020..
As regiões de saúde, vivenciando o imprevisto, tiveram que se reorganizar e adotar medidas emergentes de saúde, buscando minimizar os casos da Covid-19 em seus municípios, seus agravamentos, óbitos e exposição da população. Além disso, os municípios precisaram enfrentar a consolidação da agenda da austeridade fiscal do governo federal, comprovando a resiliência dos municípios ao choque da pandemia no cenário do federalismo cooperativo1212 Rossi P, Dweck E. Impactos do novo regime fiscal na saúde e educação. Cad. Saúde Pública. 2016; 32(12):1-5., 1313 Costa NR. Resiliência das grandes cidades brasileiras e a pandemia da Covid-19. Saúde debate. 2021; 45(esp2):10-20..
Diante da diferença entre as regiões de saúde do estado de São Paulo que, certamente, se refletem nos indicadores de composição da capacidade instalada de enfrentamento à pandemia e na prestação de serviços e podem impactar em estratégias distintas para o fortalecimento das regiões e redes, este estudo objetivou identificar as principais estratégias adotadas nas 5 regiões estudadas, com foco na gestão regional, analisando os processos e práticas adotados para o enfrentamento à pandemia da Covid-19.
Material e métodos
O presente estudo objetivou identificar as principais estratégias adotadas em 5 regiões de saúde de São Paulo, a saber, Região Metropolitana de Campinas, o Vale do Ribeira, o Litoral Norte, Itapeva e o Vale do Jurumirim, frente à então situação pandêmica da Covid-19, analisando as respostas implementadas como objeto de intervenção realizada pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (SES-SP). Essa iniciativa foi desenhada e planejada para contribuir com a melhoria das condições de saúde da população, por meio da estruturação da assistência segundo o modelo de Redes Regionais de Atenção à Saúde (RRAS) e visando ainda ampliar o acesso de qualidade e a integralidade dos serviços, no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2021. Fez linha de base deste estudo o material produzido e publicado no livro ‘Gestão regional e redes: estratégias para a saúde em São Paulo’1414 Ibañez N, Viana ALD, Tardelli R, et al. Gestão regional e redes: estratégias para a saúde em São Paulo. Barueri: Manole; 2020..
O presente estudo apresenta uma abordagem qualitativa, para melhor entendimento dos dados, análise e interpretação da hipótese da pesquisa. Foi adotado o método de estudo de caso, abordado por Yin1515 Yin RK. Estudo de caso: planejamento e método. 3. ed. Porto Alegre: Bookman; 2005., que afirma que o estudo de caso permite uma investigação e compreensão de fenômenos organizacionais, sociais e políticos complexos, preservando as características holísticas e significativas dos eventos.
Para o desenvolvimento do estudo, foi feita coleta dos dados primários através de oficinas realizadas nas cinco regiões de saúde mencionadas, com gestores e profissionais da saúde que tiveram envolvimento nas ações e estratégias adotadas neste período. Ao todo, participaram das oficinas 131 pessoas, entre secretários de saúde, coordenadores regionais e municipais de setores de saúde, além de profissionais da assistência primária e hospitalar das regiões estudadas (o detalhamento dos participantes está apresentado no início do capítulo Resultados).
No questionário adotado constavam quatro perguntas norteadoras: 1. Quais as principais INICIATIVAS INTERSETORIAIS da esfera estadual/regional/municipal na Pandemia? 2. Quais as principais INICIATIVAS SETORIAIS da esfera estadual/regional/municipal na Pandemia? 3. Em sua opinião qual foi o maior EMPECILHO no formato de organização do SUS para o enfrentamento da pandemia? 4. Houve alguma grande lição (legado) a ser extraída no enfrentamento da Pandemia que possa ser utilizada para melhoria da Gestão da Regionalização do Sistema? Qual?
Para dar conta dessa tarefa, foram definidas três dimensões que poderiam explicar, se não o todo, pelo menos parte do processo de respostas ao enfrentamento da pandemia nas regiões estudadas: política, estrutura e organização. Na dimensão política, o processo político propriamente dito, as negociações, processos e fluxos decisórios. Na dimensão da estrutura, a disponibilidade e a suficiência de Recursos Humanos (RH) físicos e financeiros, formas de contratação de RH e de serviços. Na dimensão de organização, identificar os critérios de conformação das regiões, o planejamento, a gestão, regulação e acesso da população1414 Ibañez N, Viana ALD, Tardelli R, et al. Gestão regional e redes: estratégias para a saúde em São Paulo. Barueri: Manole; 2020., 1616 Viana ALD, Bousquat A, Ferreira MP, et al. Região e Redes: abordagem multidimensional e multinível para análise do processo de regionalização da saúde no Brasil. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2017; 17(supl1):S7-S16., 1717 Viana ALD, Ferreira MP, Cutrim MAB, et al. Política de regionalização do SUS em debate: avanços e impasses da implementação das regiões e redes no Brasil. Rio de Janeiro: [sem editora]; 2017. (Série novos caminhos15). [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2017/04/Novos_Caminhos_15.pdf.
https://www.resbr.net.br/wp-content/uplo... , 1818 Albuquerque MV, Viana ALD, Lima LD, et al. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc. saúde coletiva. 2017; 22(4):1055-1064..
Para a análise dos dados foi feita a construção de uma matriz analítica (quadro 1) com base no material publicado por Viana1919 Viana ALD, Ferreira MP, Cutrim MAB, et al. Índice de influência das dimensões Política, Estrutura e Organização no processo de regionalização da saúde e desempenho das regiões de saúde. In: Ibañez N, Viana ALD, Tardelli R, et al., organizadores. Gestão regional e redes: estratégias para a saúde em São Paulo. Barueri: Manole; 2020. p. 361-382.. A partir das três dimensões escolhidas, foram acrescidos componentes de análise do tipo temática com o objetivo de identificar núcleos de sentido para as respostas referentes objetivo do estudo, além da construção de um banco de dados coletado de modo primário1919 Viana ALD, Ferreira MP, Cutrim MAB, et al. Índice de influência das dimensões Política, Estrutura e Organização no processo de regionalização da saúde e desempenho das regiões de saúde. In: Ibañez N, Viana ALD, Tardelli R, et al., organizadores. Gestão regional e redes: estratégias para a saúde em São Paulo. Barueri: Manole; 2020. p. 361-382..
O estudo adotou as medidas éticas que envolvem pesquisas com seres humanos, de acordo com a Resolução nº 196/96, tendo sido submetido ao Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. CAAE: 56745422.0.0000.5421, parecer nº 5.424.957.
O campo da pesquisa se comportou de forma semelhante ao que este grupo de pesquisa fez em estudo anterior, realizado em 2016, a partir de um financiamento de projeto para se estudar as facilidades e desafios no processo de regionalização e redes de atenção, nestas mesmas cinco regiões de saúde do estado de São Paulo1616 Viana ALD, Bousquat A, Ferreira MP, et al. Região e Redes: abordagem multidimensional e multinível para análise do processo de regionalização da saúde no Brasil. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2017; 17(supl1):S7-S16..
Resultados
As oficinas nas cinco regiões de saúde no estado de São Paulo se deram entre os meses de janeiro a maio de 2022, tendo participação do nível regional, representado pelo Departamento Regional de Saúde (DRS), pelos municípios em avaliação no estudo e por representantes de hospitais e/ou unidades especializadas em saúde. Desta forma, foram estudados os municípios apresentados na tabela 1, que também descreve as características dos informantes-chave participantes da pesquisa.
A partir do quadro 2, podemos identificar os principais pontos levantados pelos entrevistados durante as oficinais regionais nas cinco regiões de saúde.
Política
No enfrentamento a pandemia houve a participação dos municípios nos espaços de governança e no desenvolvimento de movimentos políticos para disponibilização de vacinas e garantia da aplicação, além da disponibilização de Equipamentos de Proteção
Individual (EPI). Todas as cinco regionais de saúde entrevistadas citaram ações conjuntas entre os municípios da região e alguma ligação com o Departamento Regional de Saúde (DRS), exceto pelo Vale do Jurumirim (VJ).
As cinco regiões citaram a formação de comitê de enfrentamento à pandemia, tanto para tomada de decisões como para o planejamento de ações. A região de Itapeva citou que as reuniões da Comissão Intergestores Regional (CIR) se mantiveram durante a pandemia e isso foi importante para atuação do DRS junto aos municípios. O estado teve papel de apoio no fornecimento de EPI, insumos e medicamentos para enfrentamento à Covid-19. Sentiu-se uma ausência no papel do Ministério da Saúde (MS) junto aos municípios. O Vale do Ribeira citou que no espaço da CIR ocorreu a articulação de recursos físicos e força de trabalho entre os municípios e a DRS. Assim, DRS, municípios e prestadores permaneceram em diálogo constante.
Chama a atenção a atuação da justiça junto à Itapeva, onde as tensões com a Santa Casa em relação ao fornecimento de leitos exclusivamente para pacientes com Covid-19, levaram à judicialização desta instituição até que, por fim, fez cumprir a entrega dos leitos em oferta para a região.
O Litoral Norte (LN) citou fragilidade de governança, entre elas a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), articulação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), além da dificuldade de interlocução com a gestão federal. A Região Metropolitana de Campinas (RMC) citou a falta de comando por parte da União, além de informações desencontradas entre esferas de governo.
Houve também a fragilidade em relação ao financiamento, movimento de muito estresse do ponto de vista individual e institucional. A RMC citou a questão da Lei de Responsabilidade Fiscal e o impacto do teto dos gastos na saúde.
Estrutura
Os municípios das regiões estudadas citaram diversas estratégias para o enfrentamento da pandemia, desde a abertura de novos leitos e/ou reorganização dos já existentes, como também, utilização de unidades de saúde para atendimento à Covid-19, acordos e parcerias com instituições, organizações, comércio, justiça, rede hoteleira, entre outros.
O Hospital Regional do LN, construído através dos recursos do Programa Recurso-Ação, estava pronto no início da pandemia e seus leitos foram necessários para os municípios estudados e toda região do DRS XVII (abrindo 100 leitos, sendo 60 de enfermaria e 40 de Unidades de Terapia Intensiva – UTI).
Ilhabela transformou um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) em hospital para as demais enfermidades, enquanto o Hospital Municipal foi referência na atenção à Covid-19, com 22 leitos de enfermaria e 6 leitos de UTI. São Sebastião contou com ampliações em sua estrutura: (1) transformação de leitos pós-cirúrgicos em leitos de UTI; (2) treinamentos em parceria com o Núcleo de Educação Permanente Humanizado (NEPH); (3) contratação de profissionais. Neste município, duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e as unidades com Estratégia Saúde da Família (ESF) atendiam pacientes com coronavírus. Um hospital de campanha foi montado, mas não precisou ser utilizado.
O município de Caraguatatuba contou com uma UPA referência para casos de Covid-19 (com 20 leitos UTI e 80 de enfermaria) e um convênio com a Santa Casa para as demais necessidades. Também houve a ampliação do tempo de trabalho das vigilâncias e o município recebeu um tomógrafo.
A Região do LN, no papel do DRS, teve grandes dificuldades na obtenção de oxigênio e precisaram contar com auxílio das secretarias municipais e da Associação de Municípios do Vale do Paraíba (Codivap) para atendimento desta necessidade.
Na Região do VJ, o município de Avaré citou que fez muitos contratos temporários através de Organização Social (OS), para sanar as necessidades de profissionais. Os demais municípios também citaram as contratações em caráter emergencial.
Ainda nesta região, os municípios relataram ainda que houve repasse financeiro da União e do estado para os mesmos, como forma de suprir o custeio da assistência, incluindo a aquisição, manutenção ou uso de respiradores e concentradores de oxigênio. Já o recurso para aquisição de medicamentos foi estadual e municipal. Houve também a criação de novos leitos de UTI e de enfermaria para Covid-19 e, consequentemente, a reestruturação dos equipamentos médicos. Foi desenvolvida uma sistematização através de critérios para as transferências para os serviços de referências.
Os municípios do VJ citaram a dificuldades na compra de insumos, como: EPI, medicamentos e materiais de consumo. Relataram que o preço desses insumos estava muito acima do valor comum. Na regulação dos leitos via Cross (O Sistema Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde), havia leitos insuficientes. E, por fim, relataram barreiras na contratação de profissionais capacitados para atuar com a Covid-19, além da permanência desses trabalhadores. Este último fator foi também citado pela RMC, acrescido pelo teto de gastos com RH e a alternativa de terceirização desta mão-de-obra para atendimento à Covid-19.
No município de Avaré criou-se um setor específico para atendimento de suspeitos e confirmados da Covid-19. Os demais municípios também citaram que manejaram Unidades Básicas de Saúde (UBS) para atendimento exclusivo de pacientes suspeitos ou contaminados, como forma de separar os estes e proteger a população não infectada. Avaré, que é referência para as cidades circunvizinhas, teve suas maiores dificuldades em: adequar a transferência de pacientes das cidades ao redor para Avaré e conseguir atender a toda a demanda solicitada. Sendo assim, o VJ foi muito penalizado no processo de solicitação de vaga, região com poucos leitos hospitalares. O VJ recebia pacientes da macrorregião e penalizava os munícipes da região de Avaré.
O Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Itapeva foi transformado em Hospital de Campanha (HC). Com a transformação física na unidade, também foram instalados 10 leitos de UTI. Com o aumento do número de leitos, houve a necessidade de abrir um processo seletivo. Atualmente, o HC foi mantido como Hospital-Dia, o que vem gerando mais cirurgias e, também, ocorreu a implantação do serviço de tomografia.
A região de Itapeva citou que a ausência, o cansaço e a exaustão dos profissionais, levaram os trabalhadores e as estruturas físicas a trabalharem no seu limite operacional. Houve afastamento de profissionais por adoecimento e as UBS não possuíam estruturas suficientes para atender a demanda aumentada. Os profissionais que atuavam na linha de frente recebiam incentivo financeiro, além de alimentação para ações extras. Como forma de ampliar o atendimento, houve contratação de OS para suprir a demanda. O município de Itapeva cita esta contratação como um facilitador, por ser um processo mais rápido em relação à legislação, evitando abertura de processo seletivo e/ou concurso, sendo mais oneroso e mais demorado.
Os municípios das cinco regiões relataram valores abusivos nos processos de licitação em compras de insumos e medicamentos para o enfrentamento à pandemia, o que foi uma barreira na compra desses. Apesar dos processos seletivos, houve dificuldade na contratação de profissionais especializados, além do fato de que alguns profissionais médicos não queriam atender na linha de frente. Devido à urgência na contratação, muitos profissionais da saúde da linha de frente não tinham treinamento suficiente para os atendimentos.
A UBS construída pelo Projeto BID no município de Barra do Chapéu foi transformada em unidade para atendimento da Covid-19. O município de Itararé montou uma unidade sentinela para atendimento inicial da Covid-19, com quase 7 mil pessoas atendidas. O município de Apiaí criou uma central de atendimento à Covid-19, com atendimentos físicos e por telefone.
Cajati, na Região do Vale do Ribeira, não conta com unidades hospitalares somente com Pronto Atendimento. Logo, durante a pandemia, transformou a UBS em setor de Covid-19 com atendimento 24 horas. Nela realizou testes e atendimentos de casos leves e, quando o quadro do paciente se agravava, o enviavam para os hospitais de referência da região, via Cross. O município chegou a comprar leitos e adequar o Ginásio de Esporte para atendimento, mas este não precisou ser usado.
O único hospital porta aberta da Região do Vale do Ribeira era o Hospital Regional de Pariquera-Açú, que ficou responsável pela triagem, diagnóstico e regulação de todos os casos de Covid-19 da Região. Os casos, depois de avaliados, eram encaminhados para outras unidades via Cross. Este foi um pacto aprovado na CIR. Num segundo momento, os municípios conseguiram fazer os testes no próprio município, sendo a maioria dos testes comprados com recursos próprios.
A RMC citou a dificuldade com a estrutura física pequena de suas unidades de saúde para fluxos separados, déficit anterior de leitos de UTI e agravado durante a pandemia nos municípios com poucos recursos entrevistados, especialmente de alta complexidade (exceto por Campinas).
Em relação à vacinação, os municípios relataram a demora da aprovação da vacina pela Agência Nacional de Vigilância em Sanitária (Anvisa) e a resposta tardia do Programa Nacional de Imunização (PNI) para o início da vacinação. No início, a vacina disponibilizada era insuficiente para os grupos prioritários, pois a população queria se vacinar. A cobertura da terceira dose caiu bastante e para conseguir a cobertura da segunda dose foi necessário um esforço maior dos municípios.
Organização
Os municípios das cinco regiões estudadas citaram a criação de Comitês de Contingência da Covid-19, de onde saíam os decretos municipais sobre a restrição e sanção de casos positivos que não cumprissem as medidas de isolamento, e onde acontecia a discussão de todas as ações e necessidades para enfrentamento da pandemia. Também houve a criação das Salas de Situação Regional com o mesmo objetivo. Através de reuniões semanais do Comitê Regional Covid-19, a Vigilância Sanitária (Visa) passava orientações de segurança e fiscalização. Além disso, os municípios lançaram mão de diversas estratégias de en-frentamento, como a criação de uma sala de situação, integração de ações com as demais secretarias municipais e também o empréstimo de insumos e medicamentos entre os municípios.
Na formação desses comitês havia a tomada de decisões, que eram então informadas à população através da mídia. Eram lançados boletins diários nas redes sociais. Com a diminuição dos casos, estes boletins passaram a ser semanais. A Assistência Social auxiliou na busca pela população vulnerável com o objetivo de garantir seus direitos em relação à obtenção do auxílio emergencial e as necessidades básicas.
No início, houve grande espera para os resultados dos exames de Covid-19, falha na comunicação entre hospital e unidades básicas, sobrecarga dos serviços de urgência. Em todas as regiões foi citada a saturação da rede de apoio, rede de urgência e emergência incipiente, esgotamento dos trabalhadores da saúde e pedidos de licenças e atestados. Além do desinteresse por parte de alguns setores públicos com o enfrentamento à Covid-19.
Os municípios relataram a instabilidade dos sistemas de informação, do Vacivida (VacinaJá), e-SUS (Prontuário Eletrônico do SUS), Sivep-Gripe (Sistema para síndromes respiratórias), o que levou morosidade aos serviços e ações, além da lentidão para divulgação de dados estatísticos.
O enfrentamento à pandemia trouxe uma maior união e comunicação entre os municípios, e isso se mantém nos dias atuais. Lições importantes relatadas foram em relação ao papel da intersetorialidade e o resgate das vigilâncias epidemiológicas e sanitárias, que estavam desvalorizadas antes, e começaram a ter protagonismo, fortalecendo assim suas ações.
Faz-se pertinente citar o relato sobre a importância das ações de promoção e prevenção em saúde, a disseminação de informações científicas, a humanização, acolhimento e união dos profissionais.
Destaca-se entre os municípios o papel da Promotoria, principalmente em relação ao lançamento de leis e decretos. Além dessa parceria, o Sindicato do Comércio, Agências Bancárias, Rede Hoteleira e líderes religiosos também foram importantes no atendimento às medidas sanitárias.
Em alguns municípios, secretarias de educação e assistência social cederam seus prédios para a coleta de exames e para a vacinação. Nas campanhas de vacinação também ocorreu a arrecadação de alimentos e absorventes para a população em vulnerabilidade.
A Vigilância Epidemiológica e a Sanitária trabalharam durante a pandemia, em conjunto com os municípios, tanto a nível hospitalar como no apoio à Atenção Primária à Saúde (APS), criando protocolos não farmacológicos, orientação técnica em relação aos atendimentos, procedimentos em relação à infecção hospitalar e distribuição do remanescente de vacinas. Nas regiões, aplicativos de mensagem ajudaram muito como ferramenta de comunicação pessoal e também para reuniões online. Ganhou destaque como facilitador entre os municípios a criação de grupos em aplicativos de mensagens para conversas e tratativas, pois as respostas eram rápidas.
Discussão
No contexto da pandemia, os sistemas de saúde, em seus diferentes modelos de organização, responderam de forma mais ou menos rápida e efetiva às necessidades de saúde2020 Pecoraro F, Luzi D, Clemente F. Analysis of the Different Approaches Adopted in the Italian Regions to Care for Patients Affected by COVID-19. Int J Environ Res Public Health. 2021; 18(3):848., 2121 Nocci M, Dannaoui B, Corte FD, et al. Real-Time Coordination of the Regional Health System During the Pandemic. Disaster Med Public Health Prep. 2022; 16(4):1296-1299.. No caso de países emergentes, as respostas são mais difíceis, tanto pela imaturidade ou limitações de seus sistemas de proteção social – incluindo saúde – quanto pela debilidade de suas economias e pelas imensas desigualdades de renda e condições de vida entre seus habitantes – que são evidenciadas no contexto de crise, tanto no que tange a oferta de serviços, quanto no próprio espraiamento da doença2222 Dweck E, Moretti, B, Melo MFGC. Pandemia e desafios estruturais do CEIS: financiamento do SUS, federalismo da saúde e as relações público-privadas. Cad. Desenv. 2021; 16(28):239-265.. O caso brasileiro não foge à regra geral, mas, ao contrário da maioria desses países, apresenta um modelo universal de proteção social, instituído na Constituição Federal de 19882323 Viana ALD, Silva HP, Iozzi FL. Arranjos Institucionais na prestação de serviços de saúde, trabalho em saúde e tecnologias digitais em diferentes cenários prospectivos. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2021..
A intersetorialidade surgiu com um dos pontos citados pelas cinco regiões estudadas para a relação da saúde com outras secretarias, como educação, assistência social e cultura. Além dessas outras secretarias, também houve relação com o comércio, rede hoteleira e mídia. Isso facilitou a construção de Comitês Intersetoriais, onde as decisões para o enfrentamento à pandemia eram tomadas, bem como a elaboração de protocolos, decretos e medidas de isolamento social. Também foi citado o papel da Polícia Militar (PM), especialmente, nos trabalhos de fiscalização e garantia das decisões que eram impostas à sociedade civil e ao comércio. Situações semelhantes apresentadas em estudos de Conceição2424 Conceição MR, Freire RP, Macario FC, et al. Covid-19 – um exercício de coordenação e articulação municipal efetiva: a experiência de Niterói. Saúde debate. 2020; 44(esp4):281-292., que mostrou que o envolvimento das diferentes secretarias teve como principal objetivo o planejamento e a execução das ações de enfrentamento, considerando a complexidade do impacto sanitário, social e econômico e a diversidade das ações/medidas de mitigação da Covid-192424 Conceição MR, Freire RP, Macario FC, et al. Covid-19 – um exercício de coordenação e articulação municipal efetiva: a experiência de Niterói. Saúde debate. 2020; 44(esp4):281-292.. Além do estudo de Ferreira2525 Ferreira VES, Mesquita JMC, Parente PD, et al. O agir da vigilância sanitária frente à Covid-19 e o necessário exercício da intersetorialidade. SANARE (Sobral). 2021; 20(supl1):58-70. que mostrou a importância da intersetorialidade nas ações da vigilância sanitária no combate a pandemia no município de Sobral (CE)2525 Ferreira VES, Mesquita JMC, Parente PD, et al. O agir da vigilância sanitária frente à Covid-19 e o necessário exercício da intersetorialidade. SANARE (Sobral). 2021; 20(supl1):58-70..
Quando o estudo levanta a dimensão política, as regiões citam o estrangulamento dos gastos em saúde, agravado pelo seu teto e o apoio incipiente da União junto aos municípios, além da frágil governança encontrada entre Conselhos representativos das secretarias estaduais e municipais de saúde, sendo eles Conass e Conasems. Abrucio2626 Abrucio FL, Grin EJ, Franzese C, et al. Combate à Covid-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Rev. Adm. Pública. 2020; 54(4):663-677. em seu estudo mostrou que a prolongada crise política impediu a construção de um mínimo de convergência para enfrentar, entre outros, os problemas sanitários do País2626 Abrucio FL, Grin EJ, Franzese C, et al. Combate à Covid-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Rev. Adm. Pública. 2020; 54(4):663-677.. Ainda nesse contexto, Servo55 Servo LMS, Santos MAB, Vieira FS, et al. Financiamento do SUS e Covid-19: histórico, participações federativas e respostas à pandemia. Saúde debate. 2020 [acesso em 2022 jul 4]; 44(esp4):114-129. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/3WbqYLWqnc8MSJ7LpnBY5SK/?lang=pt&format=html.
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/3WbqYLWqn... mostrou em seu estudo que por mais que o País tivesse aprovado o orçamento emergencial de combate à pandemia, faltou efetividade na execução e alocação deste por parte do governo federal, prejudicando as ações de combate à pandemia nas três esferas de governo55 Servo LMS, Santos MAB, Vieira FS, et al. Financiamento do SUS e Covid-19: histórico, participações federativas e respostas à pandemia. Saúde debate. 2020 [acesso em 2022 jul 4]; 44(esp4):114-129. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/3WbqYLWqnc8MSJ7LpnBY5SK/?lang=pt&format=html.
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/3WbqYLWqn... .
Os municípios citaram um fortalecimento das regiões em relação à DRS, exceto pelo Vale do Jurumirim, onde eles podiam tomar decisões conjuntamente, adotando medidas e ações necessárias ao enfrentamento à pandemia. Enfrentar a pandemia evidenciou a distribuição desigual dos serviços de saúde e para isso se fez necessária a construção de redes assistenciais regionalizadas, além do fortalecimento das instâncias de decisões regionais, como a CIR, o que pode vir a ser um legado positivo para o SUS2727 Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, et al. A contribuição da Atenção Primária à Saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19. Saúde debate. 2020; 44(esp4):161-176..
Quando se tratou da estrutura, alguns fatores foram mais citados entre todos os municípios estudados. Dificuldade da oferta imediata de leitos hospitalares (especialmente, leitos de UTI), possibilitando o acesso à saúde, além da dificuldade em contratação de profissionais de saúde preparados para o en-frentamento à pandemia. Em estudo de Vieira e Servo2828 Vieira FS, Servo LMS. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde debate. 2020; 44(esp4):100-113., os autores apresentam que mesmo em estados com maior oferta de serviços de saúde, o acesso a eles é desigual e isso foi um dos fatores cruciais para o agravamento dos casos da Covid-192828 Vieira FS, Servo LMS. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde debate. 2020; 44(esp4):100-113..
Todas as regiões de saúde citaram reade-quação de serviços de saúde preexistentes para atendimento exclusivo à Covid-19, além da contratação de mão-de-obra através de OS. Não obstante, por muitas vezes insuficientes, muito devido às suas sobrecargas. Mesmo tendo ampliado a quantidade de profissionais desde a implementação do SUS, a sua má distribuição em relação às regiões de saúde provoca a insuficiência de profissionais especializados em várias áreas do sistema2929 Scheffer M, coordenador. Demografia médica no Brasil. São Paulo: FMUSP; CFM; 2018.. Em estudo realizado por Seixas et al, que analisou a circularidade médica nestas mesmas cinco regiões deste estudo, foi observado que a circularidade interregional é mais intensa nas regiões menos desenvolvidas, sinalizando sua relação com situações de menor oferta médica, sendo possível uma maior dinami-cidade dos não exclusivos entre regiões com menor desenvolvimento3030 Seixas P, Ibañez N, Silva JA, et al. A circularidade dos médicos em cinco regiões de São Paulo, Brasil: padrões e fatores intervenientes. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(supl2):e00135018..
Para além disso, a pandemia revelou uma precária preparação dos profissionais de saúde para atuar em emergências sanitárias3131 Massuda A, Malik AM, Vecina Neto G, et al. A resiliência do Sistema Único de Saúde frente à COVID-19. Cad. EBAPE.BR. 2021; 19(esp):735-744.. Massuda et al.3131 Massuda A, Malik AM, Vecina Neto G, et al. A resiliência do Sistema Único de Saúde frente à COVID-19. Cad. EBAPE.BR. 2021; 19(esp):735-744. afirmam que a pandemia expôs as fragilidades e desafios para o SUS, e isto reconhecido de uma maneira inédita no Brasil, reafirmando que sistemas de saúde resilientes são essenciais não só para efetivação do direito à saúde, mas também para a manutenção de atividades sociais e econômicas3131 Massuda A, Malik AM, Vecina Neto G, et al. A resiliência do Sistema Único de Saúde frente à COVID-19. Cad. EBAPE.BR. 2021; 19(esp):735-744..
Em síntese, os dados empíricos retratados mostram que, para além das diferenças em termos de vulnerabilidade social, a evolução da pandemia da Covid-19 pode ser determinada por um conjunto variado de fatores que incluem, mas não se limitam, a medidas relacionadas ao sistema de saúde, como a expansão da oferta de leitos, elaboração de ações e medidas sanitárias. Claramente, existem outras variáveis de contexto que interferem no processo e podem levar a distintos desfechos.
Um ponto que ficou claro neste estudo foi a ascensão da participação dos estados e municípios na organização do sistema de saúde, mostrando a importância de uma coordenação tripartite2828 Vieira FS, Servo LMS. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde debate. 2020; 44(esp4):100-113.. Porém, as insuficiências levantadas até aqui e o comprometimento da efetividade das ações de vigilância em saúde e de assistência à saúde podem resultar do desencontro interfe-derativo destas esferas com o governo federal, cobrando um alto preço à população brasileira e que pode ser, no extremo, um número intangível de vidas perdidas.
Considerações finais
O enfrentamento à pandemia trouxe diversos desafios aos sistemas de saúde, muitas estratégias e ações foram desenvolvidas para o controle do número de casos e de seus agravos. As regiões de saúde deste estudo puderam comprovar a importância da intersetorialidade nas ações de saúde como um todo. Notou-se o grande papel dos municípios nestas ações e a união destes, fortalecendo o papel da regionalização e ampliando a importância da governança em saúde. Além disso, foi notório o ganho na identidade regional que o combate à pandemia propiciou, visto que o investimento realizado nestas regiões em anos recentes antes da pandemia, colocou essas regiões com alguma vantagem nas ações de combate à Covid-19, pois foram contempladas com a construção de serviços de saúde (AME, Hospital, UBS), o que garantiu ações imediatas. Esse momento vivido reforçou, também, o ganho de legitimidade das direções regionais, isto é, saíram fortalecidas porque exerceram seu papel de liderança e organizaram ações junto aos municípios, exercendo a função de coordenação regional de fato.
Porém, não se pode deixar de citar que a Covid-19 desafiou e transformou as cidades, os serviços e os sistemas de saúde, estes últimos responsáveis por salvar vidas e produz inovações, mas que, ao mesmo tempo, tiveram expostas as fragilidades em sua organização, particularmente nos processos de articulação federativa e coordenação do SUS, que deveriam ter sido capazes de garantir um enfrenta-mento equânime de uma emergência de saúde pública como a que vivemos.
- *Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
- Suporte financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio da estratégia PPSuS. Processo Fapesp: 2020/12140-5
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
15 Set 2023 - Data do Fascículo
Jul-Sep 2023
Histórico
- Recebido
25 Jul 2022 - Aceito
08 Jun 2023