Índice de Dependência Regional e Macrorregional: uma contribuição ao processo de regionalização do SUS

Daniele Marie Guerra Marília Cristina Prado Louvison Arthur Chioro Ana Luiza D’Ávila Viana Sobre os autores

RESUMO

O estudo aborda a interdependência das regiões e macrorregiões de saúde no Brasil nas internações de média e alta complexidade, no ano de 2019. Foi realizada a análise dos fluxos estabelecidos, utilizando o Índice de Dependência Regional e Macrorregional, a partir de dados secundários do Sistema Único de Saúde (SUS) obtidos no Sistema de Informação Hospitalar. Os resultados demonstram que grande parte das regiões e macrorregiões de saúde absorvem em seus territórios as internações de média complexidade, com variações entre as especialidades. Nas internações de alta complexidade, a maioria das regiões de saúde apresenta grande dependência, sendo que a assistência está concentrada em 15% delas. Entre as macrorregiões de saúde, o cenário é significativamente heterogêneo, com dependência expressiva nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e alta resolutividade na região Sul. Em todas as análises, o porte populacional das regiões e macrorregiões de saúde apresenta relação inversa à dependência regional e macrorregional. O aprimoramento da regionalização pressupõe a organização de uma rede de atenção à saúde que considere as desigualdades e as diversidades territoriais, a interdependência e a autonomia entre os territórios e os atores implicados, e a coordenação entre as unidades federativas, de modo a garantir cuidado integral e equânime.

PALAVRAS-CHAVES
Sistema Único de Saúde; Regionalização da saúde; Assistência integral à saúde; Governança em saúde

Introdução

A Constituição Federal de 1988 assegurou a saúde como um direito universal e fundamental, definindo que as ações e os serviços de saúde compõem um sistema conformado em uma estrutura descentralizada e regionalizada, com o envolvimento e a corresponsabilidade de todas as esferas de governo no Sistema Único de Saúde (SUS)11 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Senado Federal; 1988..

No modelo federativo tripartite brasileiro, a complexidade da gestão das políticas públicas, em especial na área da saúde, traz a necessidade de conjugar a interdependência e a autonomia dos três entes federativos, de tal forma que a ação coletiva ganhe relevância na construção de condições que propiciem a cooperação e minimizem a competição entre as esferas de governo22 Abrucio FL. Os laços federativos brasileiros: avanços, obstáculos e dilemas no processo de coordenação intergovernamental. [tese]. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; 2000. 282 p., 33 Abrucio FL. Para além da descentralização: os desafios da coordenação federativa no Brasil. In: Fleury S, organizadora. Democracia, descentralização e desenvolvimento: Brasil e Espanha. Rio de Janeiro: FGV Editora; 2006. p. 77-125., 44 Dourado DA, Elias PEM. Regionalização e dinâmica política do federalismo sanitário brasileiro. São Paulo: Revista de Saúde Pública. 2011; 45(1):204-211., 55 Menicucci TMG, Marques AMF, Oliveira BR, et al. Regionalização da atenção à saúde em contexto federativo e suas implicações para a equidade de acesso e a integralidade da atenção. Relatório Final. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; 2008..

Os primeiros 20 anos da criação do SUS efetivaram avanços atribuídos ao processo de descentralização da assistência à saúde, que estabeleceu novas bases para o pacto federativo, transferindo responsabilidades e recursos da esfera federal para estados e municípios. Foi um processo rápido, induzido por recursos financeiros, e que trouxe inúmeros avanços relacionados à capacidade de gestão, à participação da sociedade civil na gestão do SUS, à criação dos colegiados intergestores, às mudanças nos critérios de financiamento e aos modelos e práticas de cuidado em saúde44 Dourado DA, Elias PEM. Regionalização e dinâmica política do federalismo sanitário brasileiro. São Paulo: Revista de Saúde Pública. 2011; 45(1):204-211., 66 Costa NRA. Descentralização do sistema público no Brasil: balanço e perspectiva. In Negri B, Giovanni G. Brasil: radiografia da saúde. Campinas: UNICAMP; 2001. p. 307-321., 77 Fleury S, Ouverney AM. Política de Saúde: uma política social. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, et al., organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012..

No entanto, o avanço na descentralização acentuou a fragmentação e o isolamento das ações e dos serviços de saúde, gerando ineficiência sistêmica, além de dificuldades na obtenção da integralidade do cuidado. Neste sentido, destacam-se problemas relacionados à desigualdade entre os municípios em aspectos populacionais, e de condições técnicas, políticas e financeiras. Além disso, a forte presença dos estados na assistência, e a insuficiência de instrumentos e mecanismos de coordenação federativa que pudessem fortalecê-los na organização de redes assistenciais, acentuaram ainda mais a competição entre os entes federados88 Guimarães L, Giovanella L. Entre a cooperação e a competição: percursos da descentralização no Brasil. Rev. Rev. Panam. Salud pública. 2004; 16(4):283-288., 99 Mendes EV. Os grandes dilemas do SUS. Salvador: Casa da Qualidade; 2001. (Tomo II)., 1010 Souza RR. A Regionalização no Contexto Atual das Políticas de Saúde. Ciênc. saúde coletiva. 2001; 6(2):451-455., 1111 Levcovitz E, Lima LD, Machado CV. Política de saúde nos anos 90: relações intergovernamentais e o papel das Normas Operacionais Básicas. Ciênc. saúde coletiva. 2001; 6(2):269-291..

Diante deste cenário, a regionalização ganhou destaque, tendo em vista a necessidade de construir um sistema baseado na cooperação e na solidariedade nas relações interfederativas, de modo a organizar redes regionalizadas que pudessem efetivar o cuidado integral à saúde, em tempo oportuno. A integralidade da atenção à saúde no Brasil pressupõe um sistema integrado de ações e serviços de saúde que envolve múltiplas dimensões, e arranjos de governança, considerando a interdependência dos atores e organizações implicados no cuidado que, isoladamente, não conseguem solucionar os problemas de saúde de uma população1212 Hartz ZMA, Contandriopoulos AP. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um “sistema sem muros”. Cad. Saúde Pública. 2004; 20(2):331-336..

A regionalização é um processo de pactuação política, como resultado da articulação entre distintos atores acerca da responsabilidade sanitária e da gestão do sistema e dos serviços no enfrentamento dos problemas de saúde da população, em um determinado território. É um processo que tem como objetivo a melhor disponibilidade de serviços e ações de saúde que inibam a desigualdade de acesso no atendimento integral, condicionado pela interrelação de diferentes atores sociais, distribuição de poder, capacidade de oferta e financiamento da atenção à saúde no território1313 Viana ALD, Lima LD, organizadoras. Regionalização e relações interfederativas na política de saúde do Brasil. Rio de Janeiro: Contracapa; 2011., 1414 Lima LD, Albuquerque MV, Scatena JHG. Quem governa e como se governam as regiões e redes de atenção à saúde no Brasil? Contribuições para o estudo da governança regional na saúde. Novos Caminhos, n. 8. Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. [acesso em 2023 jan 1]. Disponível em: https://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/02/Novos-Caminhos-8.pdf.
https://www.resbr.net.br/wp-content/uplo...
, 1515 Lima DL, Viana ALD, Machado CV, et al. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: dinâmica e condicionantes históricos e político institucionais. Ciênc. saúde coletiva. 2012; 17(11):1903-1914..

Embora haja nos estados experiências anteriores ao SUS, foi somente em 2001 que a regionalização no País ganhou uma estrutura centralizada, com a Norma Operacional da Assistência à Saúde (Noas) 2001/2002, que propôs a conformação de sistemas funcionais de saúde a partir de territórios sanitários, com centralização da oferta, em detrimento da necessidade de saúde1616 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde. Portaria MS/GM nº 373 de 28 de fevereiro de 2002. Norma Operacional da Assistência à Saúde: NOAS-SUS. Diário Oficial da União. 29 Fev 2002., 1717 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde. Portaria MS/GM nº 95, de 26 de janeiro de 2001. Regionalização da Assistência à Saúde: aprofundando a descentralização com equidade no acesso: Norma Operacional da Assistência à Saúde: NOASSUS 01/01. Diário Oficial da União. 27 Jan 2001..

A partir do Pacto pela Saúde, a regionalização afirmou a importância da garantia de acesso, resolutividade e qualidade às ações e serviços de saúde, e ampliou a definição das regiões de saúde, considerando as diversidades e realidades de cada região do País. Propôs também a definição de responsabilidades e compromissos entre os gestores da saúde, pactuados nos Colegiados de Gestão Regional como espaços permanentes de cogestão solidária e cooperativa entre os entes federativos1818 Brasil. Ministério da Saúde. Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão – Diretrizes Operacionais. Série Pactos pela Saúde. Brasília, DF: Secretaria Executiva; Departamento de Apoio à Descentralização; 2006.. Posteriormente, novas orientações foram formuladas com o estabelecimento de diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS), caracterizada pela relação horizontal dos pontos de atenção de um sistema de saúde, com centro de comunicação e coordenação do cuidado exercidos pela atenção primária à saúde, no sentido de promover a integração sistêmica das ações e dos serviços de saúde com provisão de atenção contínua, integração e de qualidade1919 Brasil. Ministério da Saúde, Gabinete do Ministro. Portaria nº 4279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 31 Dez 2010.. Em sistemas universais com centralidade na atenção primária em saúde, é fundamental que a atenção de média e alta complexidade estejam organizadas em rede de atenção, de modo a garantir a integralidade do sistema e o acesso equânime aos serviços de saúde.

Na busca pela integralidade da assistência, o Decreto nº 7.508/2011 orienta a constituição de redes regionalizadas, e define as regiões de saúde como espaços privilegiados para a integração dos serviços de saúde, orientada por um processo de planejamento regional integrado e pela definição das responsabilidades dos entes federados, e formalizada pelo Contrato Organizativo de Ação Pública (Coap). Define, ainda, as Comissões Intergestores Regionais (anteriormente denominadas Colegiados de Gestão Regional) como instâncias formais de cogestão no espaço regional2020 Brasil. Decreto nº 7508, de 26 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 27 Jun 2011., 2121 Albuquerque MV. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011): diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros. [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2013. 289 p..

Mais recentemente, as Deliberações da Tripartite nº 23/2017 e 37/2018, traduzidas na Resolução de Consolidação CIT nº 1, de 30 de março de 2021, detalham o processo de Planejamento Regional Integrado (PRI), a partir da identificação de necessidades de saúde e da rede assistencial em um espaço regional ampliado, definido a partir de uma ou mais regiões de saúde, sob a denominação de macrorregiões de saúde. Neste território ampliado, devem ser estabelecidas prioridades sanitárias, organização dos pontos de atenção à saúde, e responsabilidades sanitárias entre os entes federados, e um financiamento tripartite deve ser viabilizado. As Deliberações propõem também o estabelecimento de um Comitê Executivo de Governança da RAS, de caráter técnico e operacional, com o objetivo de monitorar, acompanhar, avaliar e propor soluções para o adequado funcionamento das RAS, contemplando a participação dos diversos atores envolvidos no seu funcionamento e nos resultados – incluindo os prestadores de serviços – e o controle social, trazendo subsídios para a tomada de decisões nas Comissões Intergestores Bipartite e Regional2222 Brasil. Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 37, de 22 de março de 2019. Dispõe sobre o processo de Planejamento Regional Integrado e a organização de macrorregiões de saúde. Diário Oficial da União. 22 Mar 2017. [acesso em 2023 jan 1]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2018/res0037_26_03_2018.html.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
, 2323 Brasil. Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 23, de 17 de agosto de 2017. Estabelece diretrizes para os processos de Regionalização, Planejamento Regional Integrado, elaborado de forma ascendente, e Governança das Redes de Atenção à Saúde no âmbito do SUS. Diário Oficial da União. 18 Ago 2017. [acesso em 2023 jan 1]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2017/res0023_18_08_2017.html.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
, 2424 Brasil. Ministério da Saúde. Resolução de Consolidação CIT Nº 1, DE 30 de Março de 2021.Consolida as Resoluções da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2 Abr 2021..

O SUS foi criado em um país com heterogeneidades na extensão e na diversidade dos territórios socioeconômicos, com desigualdades regionais, culturais e políticas, e diversidades nas necessidades epidemiológicas, na oferta de serviços e na disponibilidade de recursos humanos. A Constituição de 1988 define que cada ente federativo tem a responsabilidade de organizar seu sistema SUS de forma compartilhada, de modo a assegurar universalidade, integralidade e equidade na atenção à saúde1313 Viana ALD, Lima LD, organizadoras. Regionalização e relações interfederativas na política de saúde do Brasil. Rio de Janeiro: Contracapa; 2011..

A organização da RAS requer arranjos de integração sistêmica, com provisão de atenção contínua, integral e de qualidade, o que demanda a concentração de alguns serviços e a dispersão de outros para a organização da assistência especializada em redes regionalizadas de maneira eficiente e sustentável99 Mendes EV. Os grandes dilemas do SUS. Salvador: Casa da Qualidade; 2001. (Tomo II).. Neste sentido, a construção de indicadores que demonstrem os vazios assistenciais e a autos-suficiência regional e macrorregional permite a realização de planejamentos integrados e equânimes que respondam às necessidades dos territórios brasileiros.

O presente estudo tem como objetivo analisar a interdependência das regiões de saúde e macrorregiões de saúde nas grandes regiões do Brasil, em busca da integralidade da assistência, redirecionando o olhar para a suficiência de cada território, utilizando o Índice de Dependência Regional e Macrorregional (IDR/IDMR) nas internações de média e alta complexidade, no ano de 2019.

Material e métodos

O Índice de Dependência (ID) foi criado pela Organização Mundial da Saúde, vinculado ao Projeto de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde, no intuito de realizar estudos de áreas de influência2525 Organização Mundial da Saúde. Delineamentos metodológicos para realização de análises funcionais da rede de serviços de saúde. Organização e Gestão de Sistemas de Saúde. Washington: OMS; 1998. (Série 3)., traduzido pela “porcentagem de atendimentos da população em cada sistema, ou unidade, em relação ao total de atendimentos”2626 Rezende CAP, Peixoto MPB, organizadores. Metodologia para análises Funcionais da Gestão de Sistemas e Redes de Serviços de Saúde no Brasil. Série Técnica de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde (7). Brasília, DF: Organização Panamericana da Saúde; 2003. p. 33.(33). Em síntese, o ID é utilizado para ponderar a participação de distintos grupos populacionais no sistema de saúde, e auxiliar o processo de dimensionamento da oferta de serviços em relação às necessidades de saúde, especialmente na elaboração de planos de desenvolvimento regionais2626 Rezende CAP, Peixoto MPB, organizadores. Metodologia para análises Funcionais da Gestão de Sistemas e Redes de Serviços de Saúde no Brasil. Série Técnica de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde (7). Brasília, DF: Organização Panamericana da Saúde; 2003. p. 33.. Em investigações mais recentes, o ID foi utilizado para analisar a interdependência das regiões de saúde no estado de São Paulo2727 Guerra DM. Descentralização e regionalização da assistência no Estado de São Paulo: uma análise do índice de dependência. [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2015. 209 p., 2828 Guerra DM. Integração Regional e Extrarregional da saúde no Estado de São Paulo. In: Ibañez N, Tardelli R, Viana ALD’A, et al. Gestão regional e redes: estratégias para a saúde em São Paulo. Barueri: Editora Manole; 2020.. No presente estudo, busca-se medir a suficiência e a relação entre as regiões e macrorregiões de saúde, sendo denominado de Índice de Dependência Regional (IDR) e Índice de Dependência Macrorregional (IDMR). Nesse sentido, o IDR e IDMR foram calculados, respectivamente, pela porcentagem de internações de média e alta complexidade no atendimento à população residente nas 450 regiões de saúde e 116 macrorregiões de saúde do Brasil, realizadas fora de seus próprios territórios, em relação ao total de internações realizadas para a mesma população, no ano de 2019 (atualmente são 456 regiões e 117 macrorregiões). A análise do IDR e IDMR foi realizada conforme nível de complexidade, especialidade (clínica pediátrica, clínica obstétrica, clínica médica, clínica cirúrgica) e porte populacional. Os dados foram plotados em mapas para melhor visualização espacial. Os valores do IDR e IDMR foram agrupados em faixas: abaixo de 20%, entre 20,01% e 40%, entre 40,01% e 60%, entre 60,01 e 80%, e acima de 80%. Os mapas mostram todas as regiões e macrorregiões analisadas, mas a análise considerou Regiões BR, conforme tabela 1. Os dados foram extraídos do Sistema de Informação Hospitalar (SIH/SUS) do Ministério da Saúde.

Tabela 1
Número de regiões de saúde e macrorregiões de saúde, segundo Regiões BR, 2019

Resultados e discussão

Ao analisar as internações de média complexidade, grande parte das regiões de saúde (59%) apresentou IDR abaixo de 20%; em 32% das regiões de saúde, o IDR ficou entre 20% e 40%, e em apenas 43 regiões de saúde (10%) o IDR observado ficou acima de 60%. Considerando todo o território brasileiro, foram observadas diferenças importantes. Na região Nordeste, apenas 40% das regiões de saúde apresentaram IDR abaixo de 20% na média complexidade hospitalar, enquanto nas demais regiões o percentual de regiões de saúde com IDR abaixo de 20% varia entre 61%, na região Centro-Oeste, e 75%, na região Sul (figura 1). Este cenário reflete diretamente as desigualdades regionais no Brasil, revelando que, apesar dos avanços das políticas regionais nos últimos anos, a equidade territorial ainda é um importante desafio a ser enfrentado para a concretização da integralidade no SUS3030 Albuquerque MV, Viana ALD, Lima LD, et al. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc. saúde coletiva. 2017; 22(4):1055-1064., 3131 Louvison MCP. Regionalização dos sistemas de saúde como respostas às desigualdades territoriais: um debate necessário. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(2):e001160..

Figura 1
Índice de Dependência Regional (IDR) nas internações de média e alta complexidade. Regiões de saúde do Brasil, 2019

Nas internações de média complexidade, a especialidade de clínica cirúrgica foi a que apresentou maior percentual de regiões de saúde dependentes, sendo que somente 42% apresentaram IDR abaixo de 20%. Nas especialidades de clínica obstétrica, médica e pediátrica, mais de 70% das regiões de saúde apresentaram IDR acima de 20%. Em 2019, as internações de média complexidade representaram cerca de 92% do total das internações no SUS e, em grande parte, foram realizadas na região de saúde para seus próprios munícipes, o que demonstra a importância do espaço regional na organização e na governança da atenção à saúde.

O cenário das internações de alta complexidade (8% do total das internações) nas regiões de saúde é completamente o inverso. A maioria das regiões de saúde (62%) apresentou IDR acima de 80%, muitas delas chegando a 100% de dependência. Cerca de 24% das regiões de saúde registram IDR entre 40% e 80%, e, somente em 15% das regiões de saúde (67) essa dependência fica abaixo de 20%. São estas as regiões de saúde onde estão localizados os grandes polos tecnológicos e universitários da saúde, e onde se concentram os atendimentos de alta complexidade no País, em grande parte, nas regiões de saúde das regiões Sul e Sudeste, além das regiões de saúde nas quais se encontram as capitais de todos os estados (figura 1). As regiões com alto desenvolvimento socioeconômico e alta oferta de serviços compreendem as regiões metropolitanas e demais áreas de grande dinamismo econômico, e refletem o alto peso do setor privado, com crescimento desigual e significativamente concentrado nas regiões Sudeste e Sul3232 Viana ALD, Bousquat A, Pereira APCM, et al. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde e Sociedade. 2015; 24(2)..

O percentual de regiões de saúde com IDR acima de 60% variou nas especialidades da alta complexidade hospitalar, ficando entre 66%, nas internações de clínica cirúrgica, e 73%, na clínica pediátrica.

Aparentemente, o porte populacional das regiões de saúde tem relação direta com a dependência nas internações de média complexidade nas regiões de saúde, e relação inversa com o IDR, que diminui à medida que se eleva o porte populacional nessas regiões. Nas internações de média complexidade, o IDR das regiões de saúde com menos de 100 mil habitantes é cinco vezes mais alto que o IDR de regiões de saúde com mais de um milhão de habitantes, e oito vezes mais alto quando se avaliam as internações de alta complexidade (tabela 2).

Tabela 2
Índice de Dependência Regional, nas internações de média e alta complexidade, segundo porte populacional. Regiões de saúde do Brasil, 2019

No entanto, há que se considerar que algumas regiões de saúde talvez sejam mais dependentes do ponto de vista da oferta de serviços, e sendo estabelecidas a partir de características geográficas, culturais, econômicas, sociais e políticas, se justificam com base na dinâmica do território. Neste sentido, é inegável a premência de estabelecer pactuações institucionalizadas, além de um plano de investimentos, de modo a garantir o acesso integral a sua população.

Nas internações de média complexidade, a análise do IDMR nas macrorregiões do País revela um cenário nacional mais homogêneo: 92% delas apresentam IDMR abaixo de 20%, sendo que em apenas uma macrorregião esse índice ficou acima de 60%.

Nas internações de alta complexidade, apenas 41% das macrorregiões de saúde apresentam IDMR abaixo de 20%, e em cerca de 30% das macrorregiões de saúde esse índice ficou acima de 60%. A região Sul se destaca com 72% de suas macrorregiões com IDMR abaixo de 20%, enquanto a região Norte apresenta apenas 21% das macrorregiões nessa faixa percentual. Cenários ainda complexos estão na região Centro-Oeste e Nordeste, onde 67% e 39% das macrorregiões de saúde apresentaram, respectivamente, mais de 60% de dependência (figura 2).

Figura 2
Índice de Dependência Macrorregional (IDMR), nas internações de média e alta complexidade. Macrorregiões de saúde do Brasil, 2019

A concentração da alta complexidade ambulatorial e hospitalar em territórios onde se localizam as Capitais, especialmente nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, resulta em elevado grau de dependência, que pode ter impacto sobre as relações de poder, bem como sobre os arranjos regionais de governança no SUS3434 Lima LD, Scatena JHG, Albuquerque MV, et al. Arranjos de governança da assistência especializada nas regiões de saúde do Brasil. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2017; 17(1):107-119., 3535 Lima LD, Albuquerque MV, Scatena JHG, et al. Arranjos regionais de governança do Sistema Único de Saúde: diversidade de prestadores e desigualdade espacial na provisão de serviços. Cad. Saúde Pública. 2019; (35):1-17..

Na região Norte, há que se considerar ainda que alguns estados, como Roraima, Amapá e Acre, constituíram uma única macrorregião, e apresentam mais de 30% de dependência nas internações de alta complexidade. E a relação interestadual nem sempre é de contiguidade, uma vez que o deslocamento dos pacientes enfrenta grandes barreiras territoriais, muitas vezes por acesso fluvial e aéreo. Neste sentido, o uso dos serviços de saúde é facilitado por vias de transporte que, em geral, têm conexão com os grandes polos tecnológicos do País3636 Xavier DR, Oliveira RAD, Barcellos C, et al. As Regiões de Saúde no Brasil segundo internações: método para apoio na regionalização de saúde. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(2):e00076118.

Assim como observado nas internações de média e alta complexidade, o porte populacional das regiões de saúde também parece influenciar o IDMR, pois quanto maior o porte populacional, menor o IDMR observado. Nas internações de alta complexidade, nas macrorregiões com menos de 500 mil habitantes, o IDMR é 40 vezes mais alto do que nas macrorregiões com mais de quatro milhões de habitantes (tabela 3).

Tabela 3
Índice de Dependência Macrorregional, nas internações de média e alta complexidade, segundo porte populacional. Macrorregiões de saúde do Brasil,2019

Há que ponderar que as características geográficas e políticas, bem como a configuração da RAS, são determinantes na configuração do território macrorregional, e torna-se imprescindível entender sua dinâmica na provisão do acesso e no deslocamento dos pacientes até os serviços de saúde, para que possam garantir o cuidado integral.

O estabelecimento das macrorregiões no Brasil é recente, passando por algumas alterações ao longo do tempo e, em geral, essa configuração foi feita a partir de diferentes critérios estabelecidos pelas Comissões Intergestores Bipartites nos estados. Atualmente, alguns estados ainda se constituem em uma única macrorregião, como é caso de Rio de Janeiro, Sergipe, Roraima, Amapá e Acre.

Em territórios muito dependentes, o acesso oportuno e a continuidade do cuidado da saúde demandam pactuações institucionalizadas entre municípios, regiões e macrorregiões, além de investimentos em capacidade instalada e estruturas regulatórias e de governança, de modo a garantir a integralidade da atenção à saúde. Cabe salientar que, em territórios regionais e/ou macrorregionais, a dependência pode estar concentrada em um ou mais municípios e ou regiões de saúde; e em algumas especialidades, procedimentos ou mesmo nas internações que agregam diárias de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde a dependência pode ser ainda mais elevada. Além disso, a baixa dependência pode significar barreiras de acesso entre as regiões de saúde, sejam estas geográficas, financeiras ou de regulação do acesso, entre outras.

No provimento das ações e dos serviços de saúde à população, a organização do território pode estar articulada com a complexidade da rede urbana. Os determinantes da utilização dos serviços de saúde estão relacionados com a oferta e as necessidades de saúde, bem como a organização do sistema de saúde, e implicam padrões de fluxos de usuários nos territórios para acesso a uma rede integral3636 Xavier DR, Oliveira RAD, Barcellos C, et al. As Regiões de Saúde no Brasil segundo internações: método para apoio na regionalização de saúde. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(2):e00076118. As escalas espaciais definidas nos territórios sanitários trazem acordos técnico-políticos nem sempre institucionalizados e convergentes, e capacidades governativas desiguais entre os atores implicados3636 Xavier DR, Oliveira RAD, Barcellos C, et al. As Regiões de Saúde no Brasil segundo internações: método para apoio na regionalização de saúde. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(2):e00076118. A necessidade de negociação e acordos entre esferas de governo é tensionada não só pelo grande número de entes envolvidos, mas também pelas baixas condições institucionais de municípios e estados que são igualmente responsabilizados pela atenção à saúde1313 Viana ALD, Lima LD, organizadoras. Regionalização e relações interfederativas na política de saúde do Brasil. Rio de Janeiro: Contracapa; 2011..

Os deslocamentos pendulares onde que usuários são obrigados a deslocar-se periodicamente para trabalhar ou estudar em municípios diferentes de sua residência fazem parte da estratégia de sobrevivência de um contingente da população brasileira, e não se limitam às grandes aglomerações urbanas. A investigação de fluxos que não se destinam diretamente aos serviços de assistência à saúde pode contribuir para reflexões que contribuam para a identificação de territórios mais coerentes com a lógica social e econômica da região, contribuindo assim para a constituição de territórios com maior integração municipal na gestão das ações e serviços de saúde3636 Xavier DR, Oliveira RAD, Barcellos C, et al. As Regiões de Saúde no Brasil segundo internações: método para apoio na regionalização de saúde. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(2):e00076118, 3737 Mendes Á, Louvison MCP, Ianni AMZ, et al. O processo de construção regional da saúde no Estado de São Paulo: subsídios para análise. Saúde Soc. 2015; 24(2):423-437..

A regionalização é um processo complexo no Brasil, um país de dimensões continentais e grande população, com desigualdades e peculiaridades regionais. Esse processo envolve diversos agentes – governamentais e não-governamentais, públicos e privados –, incumbidos da condução e da prestação da atenção à saúde, porém nem sempre submetidos ao planejamento regional do sistema negociado nas Comissões Intergestores para a integração das redes de atenção. Muitas vezes, esses agentes ultrapassam os limites das regiões de saúde, e até de estados1313 Viana ALD, Lima LD, organizadoras. Regionalização e relações interfederativas na política de saúde do Brasil. Rio de Janeiro: Contracapa; 2011., 2121 Albuquerque MV. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011): diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros. [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2013. 289 p.. Essa regionalização pressupõe a existência de mecanismos institucionais que desestimulem a concorrência predatória e promovam o planejamento, a integração, a gestão e o financiamento de uma rede de ações e de serviços de saúde. Esses mecanismos envolvem um sistema de governança e mudanças na distribuição do poder, do modelo assistencial e do financiamento55 Menicucci TMG, Marques AMF, Oliveira BR, et al. Regionalização da atenção à saúde em contexto federativo e suas implicações para a equidade de acesso e a integralidade da atenção. Relatório Final. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; 2008., 1313 Viana ALD, Lima LD, organizadoras. Regionalização e relações interfederativas na política de saúde do Brasil. Rio de Janeiro: Contracapa; 2011., 1515 Lima DL, Viana ALD, Machado CV, et al. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: dinâmica e condicionantes históricos e político institucionais. Ciênc. saúde coletiva. 2012; 17(11):1903-1914., 3838 Viana ALD. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspectiva. 2008; 22(1):92-106., 3939 Mello GA, Demarzo M, Viana ALD. O conceito de regionalização do Sistema Único de Saúde e seu tempo histórico. Hist. Ciênc. Saúde. 2019; 26(4):1139-1150..

A governança na saúde é expressa nas relações de dependência, interação e acordos estabelecidos entre os agentes, que se relacionam nas questões de financiamento e na provisão de insumos e serviços, com protagonismo dos atores com maior capacidade de influência e atuação na condução e na organização do sistema de saúde1414 Lima LD, Albuquerque MV, Scatena JHG. Quem governa e como se governam as regiões e redes de atenção à saúde no Brasil? Contribuições para o estudo da governança regional na saúde. Novos Caminhos, n. 8. Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. [acesso em 2023 jan 1]. Disponível em: https://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/02/Novos-Caminhos-8.pdf.
https://www.resbr.net.br/wp-content/uplo...
. Neste sentido, a instauração de relações intergovernamentais solidárias no SUS requer medidas que aprofundem o controle e o disciplinamento do exercício dos poderes; e a concepção de pactos regionais pressupõe a integração entre os governantes, que muitas vezes atuam em posições assimétricas e sob interesses potencialmente conflitantes no contexto federativo4040 Machado JA. Pacto de gestão na saúde: até onde esperar uma ‘regionalização solidária e cooperativa’? In: Hochman G, Faria CAP, organizadores. Federalismo e Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2013. p. 279-300..

O processo de regionalização pode interferir de modo positivo na universalidade do acesso à saúde, pois permite o planejamento e a organização dos serviços de forma ampla, de acordo com as necessidades do território, estabelecendo uma integração racional e equitativa de ações e serviços, de acordo com a oferta e as necessidades encontradas em um determinado contexto sócio sanitário, otimizando recursos humanos e tecnológicos no complexo sistema regional de saúde, e catalisando compartilhamentos políticos e de responsabilidades entre os atores4141 Lima LD, Queiroz LFN, Machado CV, et al. Descentralização e regionalização: dinâmica e condicionantes da implantação do Pacto pela Saúde no Brasil. Ciênc. saúde coletiva. 2012; 17(7):2881-2892..

Considerações finais

A busca pela integralidade do cuidado requer o aprimoramento da organização de ações e serviços de saúde no território, centrados na atenção primária e no reordenamento do sistema de saúde, de modo a prover a atenção à saúde de forma contínua, equânime, tão próximo quanto possível da moradia da população, e em tempo oportuno.

Mais do apenas prover uma medida, o Índice de Dependência Regional e ou Macrorregional busca ampliar o olhar para a organização de um sistema de saúde voltado às necessidades de saúde da população, de seus elementos determinantes e condicionantes, e para a complexidade da continuidade do cuidado. Esse índice contribui para o mapeamento da oferta e da utilização dos serviços de saúde, com a reorganização da assistência, bem como para o aprimoramento das ferramentas institucionais necessárias à efetivação da regionalização no Brasil, em face da complexidade da autonomia e interdependência interfederativa, na provisão da atenção à saúde.

Nas regiões de saúde, a especialidade da clínica cirúrgica apresentou maiores índices de dependência nas internações de média complexidade, com atenção à maior dependência das regiões de saúde da região Nordeste. Em princípio, a organização em macrorregiões garante suficiência em todo o Brasil para a média complexidade. Por outro lado, nas internações de alta complexidade grandes dependências foram encontradas nas regiões e macrorregiões de saúde, com destaque para as internações na clínica pediátrica e cirúrgica. A concentração da alta complexidade nas regiões Sul e Sudeste reforça o desafio das desigualdades regionais no enfrentamento dos vazios assistenciais.

Como esperado, a dependência é inversamente proporcional ao porte populacional das regiões e macrorregiões de saúde, tanto nas internações de média, quanto de alta complexidade, o que reforça a importância de uma programação e uma pactuação assistencial contínua entre os territórios, de modo a estabelecer acesso à saúde em tempo oportuno em todas as localidades brasileiras. Nesse sentido, ressalta-se a importância de um olhar mais detalhado para regiões e/ou macrorregiões com áreas de grande abrangência territorial e menos populosas, como a região Norte do País, que demandam estratégias diferenciadas na organização da assistência para o enfrentamento dos problemas de saúde. Uma análise mais abrangente, a partir de fluxos e relações interestaduais na assistência à saúde, também pode contribuir para a construção de pactos interfederativos que dialoguem de forma mais sensível com a realidade local.

A diversidade de desenhos de rede, a partir de cada agravo e ou especialidade, remete a mapeamentos mais detalhados de fluxos temáticos que possam orientar o melhor planejamento das ações de saúde e dos mecanismos de governança em rede nos territórios do País. O aprofundamento das análises do ponto de vista de cada estado poderá ser de grande valia para estudos futuros, subsidiados pela presente análise. Mesmo as regiões e macrorregiões de saúde que apresentam baixa dependência podem apresentar desigualdades no acesso entre os municípios que as compõem, muitas vezes induzidas pela centralidade da assistência em municípios que exerçam o papel de polos regionais e macrorregionais, o que ressalta a necessidade de se estabelecer pactos institucionalizados, advindos de um processo de planejamento ascendente e contínuo entre os entes federados, além de arranjos regulatórios efetivos e cuidadores, integrados a um sistema de transporte eletivo e/ou de urgência, de modo a garantir o acesso integral e equânime.

A dinâmica expressa nas relações de interdependência na assistência à saúde coloca em evidência a relevância da configuração de territórios ampliados, no planejamento e organização de uma rede de cuidados integrais, sem, contudo, desconfigurar os territórios já consolidados das regiões de saúde, que absorvem grande parte da assistência ambulatorial e hospitalar, destinada à sua população. Esses territórios organizam-se em processo de cogestão nas Comissões Intergestores Regionais, como espaços de governança regional formalizados, inclusivos e, em grande parte, já institucionalizados no País. Neste sentido, há que se considerar a importância da concepção de arranjos de governança assistencial que possam incorporar a diversidade de atores implicados na organização do cuidado em saúde, reconhecendo as características e peculiaridades do País, Tais arranjos devem apoiar as instâncias deliberativas do SUS, superando a competição interfederativa, e muitas vezes partidária, sobretudo em cenários de restrição de recursos, em prol do desenvolvimento de uma cultura cooperativa e sustentável na atenção integral à saúde.

Apesar das limitações, particularmente no SIH, a utilização de dados secundários provenientes dos sistemas de informação de produção do SUS revela riqueza de detalhes, e a sistematização dessas informações é fundamental para que possamos produzir conhecimento e avançar na capacidade analítica de sistematizá-las.

A regionalização é primordial para a consolidação do SUS, pois os municípios, as regiões de saúde, as macrorregiões de saúde e até mesmo alguns estados não são autossuficientes para garantir a integralidade do cuidado em saúde. Diante de tantas heterogeneidades e desigualdades no território brasileiro, a identificação de cada necessidade é fundamental para orientar o planejamento e políticas de investimentos que possam produzir mais equidade na alocação de recursos, na distribuição da oferta e nos mecanismos institucionais necessários para uma atenção à saúde que seja de fato universal, integral e equânime, e com ampla participação social, de modo a concretizar os princípios delineados na Constituição Brasileira.

Agradecimentos

Agradecimentos especiais ao Professor Dr. Eurivaldo Sampaio de Almeida.

  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
  • Suporte financeiro: não houve

Referências

  • 1
    Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.
  • 2
    Abrucio FL. Os laços federativos brasileiros: avanços, obstáculos e dilemas no processo de coordenação intergovernamental. [tese]. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; 2000. 282 p.
  • 3
    Abrucio FL. Para além da descentralização: os desafios da coordenação federativa no Brasil. In: Fleury S, organizadora. Democracia, descentralização e desenvolvimento: Brasil e Espanha. Rio de Janeiro: FGV Editora; 2006. p. 77-125.
  • 4
    Dourado DA, Elias PEM. Regionalização e dinâmica política do federalismo sanitário brasileiro. São Paulo: Revista de Saúde Pública. 2011; 45(1):204-211.
  • 5
    Menicucci TMG, Marques AMF, Oliveira BR, et al. Regionalização da atenção à saúde em contexto federativo e suas implicações para a equidade de acesso e a integralidade da atenção. Relatório Final. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; 2008.
  • 6
    Costa NRA. Descentralização do sistema público no Brasil: balanço e perspectiva. In Negri B, Giovanni G. Brasil: radiografia da saúde. Campinas: UNICAMP; 2001. p. 307-321.
  • 7
    Fleury S, Ouverney AM. Política de Saúde: uma política social. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, et al., organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012.
  • 8
    Guimarães L, Giovanella L. Entre a cooperação e a competição: percursos da descentralização no Brasil. Rev. Rev. Panam. Salud pública. 2004; 16(4):283-288.
  • 9
    Mendes EV. Os grandes dilemas do SUS. Salvador: Casa da Qualidade; 2001. (Tomo II).
  • 10
    Souza RR. A Regionalização no Contexto Atual das Políticas de Saúde. Ciênc. saúde coletiva. 2001; 6(2):451-455.
  • 11
    Levcovitz E, Lima LD, Machado CV. Política de saúde nos anos 90: relações intergovernamentais e o papel das Normas Operacionais Básicas. Ciênc. saúde coletiva. 2001; 6(2):269-291.
  • 12
    Hartz ZMA, Contandriopoulos AP. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um “sistema sem muros”. Cad. Saúde Pública. 2004; 20(2):331-336.
  • 13
    Viana ALD, Lima LD, organizadoras. Regionalização e relações interfederativas na política de saúde do Brasil. Rio de Janeiro: Contracapa; 2011.
  • 14
    Lima LD, Albuquerque MV, Scatena JHG. Quem governa e como se governam as regiões e redes de atenção à saúde no Brasil? Contribuições para o estudo da governança regional na saúde. Novos Caminhos, n. 8. Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. [acesso em 2023 jan 1]. Disponível em: https://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/02/Novos-Caminhos-8.pdf
    » https://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/02/Novos-Caminhos-8.pdf
  • 15
    Lima DL, Viana ALD, Machado CV, et al. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: dinâmica e condicionantes históricos e político institucionais. Ciênc. saúde coletiva. 2012; 17(11):1903-1914.
  • 16
    Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde. Portaria MS/GM nº 373 de 28 de fevereiro de 2002. Norma Operacional da Assistência à Saúde: NOAS-SUS. Diário Oficial da União. 29 Fev 2002.
  • 17
    Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde. Portaria MS/GM nº 95, de 26 de janeiro de 2001. Regionalização da Assistência à Saúde: aprofundando a descentralização com equidade no acesso: Norma Operacional da Assistência à Saúde: NOASSUS 01/01. Diário Oficial da União. 27 Jan 2001.
  • 18
    Brasil. Ministério da Saúde. Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão – Diretrizes Operacionais. Série Pactos pela Saúde. Brasília, DF: Secretaria Executiva; Departamento de Apoio à Descentralização; 2006.
  • 19
    Brasil. Ministério da Saúde, Gabinete do Ministro. Portaria nº 4279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 31 Dez 2010.
  • 20
    Brasil. Decreto nº 7508, de 26 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 27 Jun 2011.
  • 21
    Albuquerque MV. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011): diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros. [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2013. 289 p.
  • 22
    Brasil. Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 37, de 22 de março de 2019. Dispõe sobre o processo de Planejamento Regional Integrado e a organização de macrorregiões de saúde. Diário Oficial da União. 22 Mar 2017. [acesso em 2023 jan 1]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2018/res0037_26_03_2018.html
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2018/res0037_26_03_2018.html
  • 23
    Brasil. Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 23, de 17 de agosto de 2017. Estabelece diretrizes para os processos de Regionalização, Planejamento Regional Integrado, elaborado de forma ascendente, e Governança das Redes de Atenção à Saúde no âmbito do SUS. Diário Oficial da União. 18 Ago 2017. [acesso em 2023 jan 1]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2017/res0023_18_08_2017.html
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2017/res0023_18_08_2017.html
  • 24
    Brasil. Ministério da Saúde. Resolução de Consolidação CIT Nº 1, DE 30 de Março de 2021.Consolida as Resoluções da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2 Abr 2021.
  • 25
    Organização Mundial da Saúde. Delineamentos metodológicos para realização de análises funcionais da rede de serviços de saúde. Organização e Gestão de Sistemas de Saúde. Washington: OMS; 1998. (Série 3).
  • 26
    Rezende CAP, Peixoto MPB, organizadores. Metodologia para análises Funcionais da Gestão de Sistemas e Redes de Serviços de Saúde no Brasil. Série Técnica de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde (7). Brasília, DF: Organização Panamericana da Saúde; 2003. p. 33.
  • 27
    Guerra DM. Descentralização e regionalização da assistência no Estado de São Paulo: uma análise do índice de dependência. [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2015. 209 p.
  • 28
    Guerra DM. Integração Regional e Extrarregional da saúde no Estado de São Paulo. In: Ibañez N, Tardelli R, Viana ALD’A, et al. Gestão regional e redes: estratégias para a saúde em São Paulo. Barueri: Editora Manole; 2020.
  • 29
    Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de Informática do SUS. Sistema de Informações Hospitalares. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2019. [acesso em 2022 fevereiro 19]. Disponível em: https://data-sus.saude.gov.br/acesso-a-informacao/producao--hospitalar-sih-sus/
    » https://data-sus.saude.gov.br/acesso-a-informacao/producao--hospitalar-sih-sus/
  • 30
    Albuquerque MV, Viana ALD, Lima LD, et al. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc. saúde coletiva. 2017; 22(4):1055-1064.
  • 31
    Louvison MCP. Regionalização dos sistemas de saúde como respostas às desigualdades territoriais: um debate necessário. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(2):e001160.
  • 32
    Viana ALD, Bousquat A, Pereira APCM, et al. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde e Sociedade. 2015; 24(2).
  • 33
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas da População; 2019. [acesso em 2022 fevereiro 15]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de--populacao.html
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de--populacao.html
  • 34
    Lima LD, Scatena JHG, Albuquerque MV, et al. Arranjos de governança da assistência especializada nas regiões de saúde do Brasil. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2017; 17(1):107-119.
  • 35
    Lima LD, Albuquerque MV, Scatena JHG, et al. Arranjos regionais de governança do Sistema Único de Saúde: diversidade de prestadores e desigualdade espacial na provisão de serviços. Cad. Saúde Pública. 2019; (35):1-17.
  • 36
    Xavier DR, Oliveira RAD, Barcellos C, et al. As Regiões de Saúde no Brasil segundo internações: método para apoio na regionalização de saúde. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(2):e00076118
  • 37
    Mendes Á, Louvison MCP, Ianni AMZ, et al. O processo de construção regional da saúde no Estado de São Paulo: subsídios para análise. Saúde Soc. 2015; 24(2):423-437.
  • 38
    Viana ALD. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspectiva. 2008; 22(1):92-106.
  • 39
    Mello GA, Demarzo M, Viana ALD. O conceito de regionalização do Sistema Único de Saúde e seu tempo histórico. Hist. Ciênc. Saúde. 2019; 26(4):1139-1150.
  • 40
    Machado JA. Pacto de gestão na saúde: até onde esperar uma ‘regionalização solidária e cooperativa’? In: Hochman G, Faria CAP, organizadores. Federalismo e Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2013. p. 279-300.
  • 41
    Lima LD, Queiroz LFN, Machado CV, et al. Descentralização e regionalização: dinâmica e condicionantes da implantação do Pacto pela Saúde no Brasil. Ciênc. saúde coletiva. 2012; 17(7):2881-2892.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2022
  • Aceito
    22 Maio 2023
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br