O potencial da mediação de conflitos para o controle dos vetores das arboviroses nas favelas brasileiras

The conflict mediation potential to control arboviruses vectors in Brazilian slums

Eduardo Dias Wermelinger Inês Cristina Mare Salles Aldo Pacheco Ferreira Sobre os autores

RESUMO

Este ensaio parte da premissa de que a melhor estratégia para controlar os mosquitos vetores das arboviroses, e alcançar efetivos resultados profiláticos no complexo ambiente urbano das favelas brasileiras, é promover rotineiras ações de manejo ambiental inseridas em uma orientação integrada e interdisciplinar. Essa premissa se sustenta na complexa realidade social e urbana das favelas, no histórico de insucessos das ações de controle dos vetores em obter eficazes resultados profiláticos e nos exemplos bem-sucedidos de manejo ambiental no País. O método profilático alternativo utilizado no Brasil com base na liberação de mosquitos, em particular infectados com Wolbachia é comentado, mas ainda não possui resultado profilático nas favelas brasileiras. A partir dessa premissa, argumentamos que existe um grande potencial de utilizar habilidades na mediação de conflitos para buscar efetivas e factíveis ações de manejo ambiental na eliminação dos criadouros urbanos dos vetores das arboviroses nas favelas onde residem muitas comunidades socialmente vulneráveis.

PALAVRAS-CHAVES
Controle de vetores de doenças; Participação da comunidade; Prevenção de doenças; Vulnerabilidade social; Saúde ambiental

ABSTRACT

This essay starts from the premise that the best strategy to control mosquito vectors of arboviruses and achieve effective prophylactic results in the complex urban environment of Brazilian slums is to promote routine environmental management actions within an integrated and interdisciplinary approach. This premise is based on the complex social and urban reality of the slums, on the history of failures of vector control actions to obtain effective prophylactic results, and on the successful examples of environmental management in the country. The alternative prophylactic method used in Brazil based on the release of mosquitoes, in particular, infected with Wolbachia, is commented on, but still lacks prophylactic results in Brazilian slums. From this premise, we argue that there is great potential for using conflict mediation skills to pursue effective and feasible environmental management actions to eliminate urban breeding sites for arboviruses vectors in the slums where many socially vulnerable communities reside.

KEYWORDS
Vector control of diseases; Community participation; Disease prevention; Social vulnerability; Environmental health

Introdução

A profilaxia das arboviroses urbanas como dengue, Zika e chikungunya ainda é um desafio para a saúde pública, particularmente, nos amplos, densamente populosos e complexos territórios urbanos das cidades brasileiras. Esses territórios favorecem a proliferação dos vetores, em especial o Aedes aegypti, e a circulação de diferentes arbovírus simultaneamente com real risco de introdução de outros vírus como os vírus Oropouche, Nilo Ocidental, Mayaro11 Nunes MRT, Martins LC, Rodrigues SG, et al. Oropouche virus isolation, Southeast Brazil. Emerg. Infect. Dis. 2005 [acesso em 2022 nov 4]; (11):1610-3. Disponível em: https://doi.org/10.3201/eid1110.050464.
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,22 Castro-Jorge LA, Siconelli MJL, Ribeiro BS, et al. West Nile virus infections are here! Are we prepared to face another flavivirus epidemic? Rev. Soc. Bras. Med. Trop. 2019 [acesso em 2022 nov 4]; (52):e20190089. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0037-8682-0089-2018.
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,33 Ganjian N, Cinnamond AR. Mayaro virus in Latin America and the Caribbean. Rev. Panam. Salud Pública. 2020 [acesso em 2022 nov 4]; (44):e14. Disponível em: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.14.
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e mesmo outros vetores como Aedes vitttatus44 Alarcón-Elbal PM, Rodrigues-Rosa MA, Newman BC, et al. The first record of Aedes vittatus (Diptera: Culicidae) in the Dominican Republic: Public health implications of a potential invasive mosquito species in the Americas. J. Med. Entomol. 2020 [acesso em 2022 nov 4]; (57):2016-2021. Disponível em: https://doi.org/10.1093/jme/tjaa128.
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,55 Pagac BB, Spring AR, Stawicki JR, et al. Incursion and establishment of the old world arbovirus vector Aedes (Fredwardsius) vittatus (Bigot, 1861) in the Americas. Acta Trop. 2021 [acesso em 2022 nov 4]; (213):105739. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2020.105739.
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, podendo aumentar a complexidade epidemiológica das arboviroses urbanas. Na ausência de vacinas para quase todos os arbovírus circulantes, a profilaxia depende do controle dos mosquitos vetores.

Com base em um desenvolvimento econômico socialmente excludente, a partir do início do século passado, boa parte dos espaços urbanos das cidades brasileiras e latino-americanas se expandiu de forma desordenada, não regulamentada com o Estado negligente, ausente ou incapaz de oferecer serviços e infraestrutura às novas ocupações. Esse processo de expansão produziu amplos territórios socialmente vulneráveis, com frequência, densamente populosos e com histórico de violações de direitos; territórios popularmente denominados favelas.

O Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) define favelas como um ‘aglomerado subnormal’ com três condições: i) um conjunto de pelo menos cinquenta unidades habitacionais; ii) ocupação ilegal de terra; e iii) urbanização em padrão desordenado e/ou a falta de serviços públicos básicos, como saneamento básico ou energia elétrica. Segundo Nadalin & Mation66 Nadalin VG, Mation L. Localização intraurbana das favelas brasileiras: o papel dos fatores geográficos. Texto para Discussão n. 2390. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2018. [acesso em 2022 nov 4]. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8483/1/TD_2390.pdf.
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, a expressão ‘aglomeração subnormal’, utilizada pelo IBGE corresponde suficientemente às favelas.

Segundo o Censo do IBGE de 2010, o número de brasileiros vivendo nessas condições passou de 6,5 milhões, no ano 2000, para 11,4 milhões, em 2010, distribuídos em 6.329 aglomerados subnormais situados em 323 municípios. E 88% desses domicílios estão concentrados em 20 grandes cidades77 Pasternak S, D’Ottaviano C. Favelas no Brasil e em São Paulo: avanços nas análises a partir da leitura territorial do Censo de 2010. Cad. Metrop. 2016 [acesso em 2022 nov 4]; (18):75-99. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3504.
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, mas há suspeitas de que esses números de habitantes residentes poderiam ter sido ainda maiores99 Meirelles R, Athayde C. Um país chamado favela: A maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira. São Paulo: Ed Gente; 2014.. Importante observar que, apesar das conhecidas precariedades e vulnerabilidades, as favelas apresentam vigoroso potencial econômico e de desenvolvimento88 Silva LD. As favelas: sua grandeza e seu potencial econômico. Rev PET Econ. 2020 [acesso em 2022 nov 4]; (2):53-9. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/peteconomia/article/view/33793/22492.
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,99 Meirelles R, Athayde C. Um país chamado favela: A maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira. São Paulo: Ed Gente; 2014..

Os dados de 2010 mostram a relevância das favelas nas principais cidades brasileiras e qualquer estratégia de controle de vetores, para obter êxito, precisa ser eficaz também nesses espaços. A ineficiência do controle nesses territórios pode manter a circulação dos arbovírus nas cidades e inviabilizar os objetivos profiláticos. No entanto, muitos desses territórios oferecem grandes e intransponíveis obstáculos para a execução das hegemônicas ações de controle de vetores1010 Brasil. Ministério da Saúde. Dengue: Instruções para pessoal de combate ao vetor – manual de normas técnicas. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001. [acesso em 2022 nov 4]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/funasa/man_dengue.pdf.
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,1111 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009. [acesso em 2022 nov 4]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_prevencao_controle_dengue.pdf.
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,1212 Brasil. Ministério da Saúde. Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti – LIRAa – para vigilância entomológica do Aedes aegypti no Brasil. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013. [acesso em 2022 nov 4]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_liraa_2013.pdf.
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. Desses obstáculos, destacam-se os imóveis fechados ou inacessíveis, espaços complexos muitas vezes difíceis de alcançar, saneamento precário ou ausente e um cotidiano de violência, com frequência, promovida por grupos civis armados que exploram atividades comerciais ilícitas e que, com ‘leis’ próprias, dominam esses territórios, muitas vezes, comprometendo a entrada dos serviços públicos. Adicionalmente, a elevada densidade demográfica em um contexto de saneamento precário favorece a proliferação dos vetores e a rápida transmissão dos arbovírus, sobretudo nos verões tropicais.

Premissa

O presente ensaio parte da premissa de que a melhor estratégia para o controle de vetores, capaz de oferecer efetivos resultados profiláticos no complexo cenário urbano das favelas brasileiras, sobretudo nos territórios socialmente vulneráveis, é promover rotineiras e contínuas ações de manejo ambiental inseridas em uma orientação integrada, interdisciplinar1313 Carvalho MS, Honorio NA, Garcia LMT, et al. Aedes aegypti control in urban áreas: A systemic approach to a complex dynamic. Plos. Negl. Trop. Dis. 2017 [acesso em 2022 nov 4]; (11):e0005632. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0005632.
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,1414 Wermelinger ED. Interdisciplinarity in the control strategy for urban vectors of arbovirus infections: a necessary dimension for Brazil. Cad. Saúde Pública. 2022 [acesso em 2022 nov 4]; (38):e00243321. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00243321.
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, em um contexto de pensamento sistêmico1515 Vasconcelos MJV. Systems Thinking: The New Pardigm of Science. Porto Alegre: Simplíssimo; 2021..

Essa premissa se sustenta nos obstáculos presentes na complexa realidade social e urbana das favelas e no histórico de insucessos das ações de controle dos vetores em obter eficazes e suficientes resultados profiláticos1616 Maciel-de-Freitas R, Valle D. Challenges encountered using standard vector control measures for dengue in Boa Vista, Brazil. Bull. WHO. 2014; 92(9):685-689.,1717 Fernandes-Salas I, Lozano RD, Martinez MS, et al. Historical inability to control Aedes aegypti as a main contributor of fast dispersal of chikungunya outbreaks in Latin America. Antivir. Res. 2015; (124):30-42.,1818 Castellanos JE. Zika, evidencia de la derrota en la batalla contra Aedes aegypti. Biomédica. 2016 [acesso em 2023 abr 4]; 36(1). Disponível em: https://revistabiomedica.org/index.php/biomedica/article/view/3268/3019.
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. Os métodos hegemônicos com base em periódicas e rápidas visitas nos imóveis urbanos por agentes públicos responsáveis pelo controle de vetores, na prática, não são exequíveis nas favelas, e, quando praticados, eliminam alguns poucos criadouros possíveis de fácil acesso e priorizam a utilização de inseticidas que possuem eficácia efêmera. O efeito biocida efêmero aumenta com os elevados índices pluviométricos dos verões tropicais quando os inseticidas são rapidamente diluídos ou ‘lavados’ nas superfícies e em grande parte dos criadouros tratados. Importante observar que as elevadas pluviosidades e temperaturas dos verões criam fartas opções de criadouros e favorecem a rápida proliferação dos mosquitos vetores quando o ciclo de ovo a adulto pode durar pouco mais de uma semana1919 Nelson MJ. Aedes aegypti: biology and ecology. Whashington, DC: PAHO; 1986.,2020 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Consensus document on the biology of mosquito Aedes aegypti. Paris: Environment Directorate Organization for Economic Co-operation and Development; 2018. [acesso em 2023 abr 4]. Disponível em: https://www.oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?cote=env/jm/mono(2018)23&doclanguage=en.
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. Nesse cenário, a única estratégia capaz de suprimir satisfatoriamente e de forma sustentável a população dos mosquitos é eliminar seus criadouros. Contudo, diante da ineficácia ou impotência das estratégias de controle, a aposta recai em promover o envolvimento da população para eliminar os criadouros através de maciças campanhas publicitárias, o que nunca provocou resultado profilático satisfatório ou duradouro, provavelmente, por ignorar as limitações dos cidadãos para alcançar e eliminar esses criadouros2121 Wermelinger ED, Salles ICM. O sujeito preventivo das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti nas campanhas publicitárias: obrigação, culpabilização e álibi para a responsabilidade do poder público. Physis. 2018 [acesso em 2022 nov 4]; 28(4):e280401. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73312018280401.
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.

Métodos alternativos com liberações de mosquitos geneticamente modificados ou infectados pela bactéria Wolbachia têm sido utilizados no Brasil com animadoras expectativas na literatura. Mas ainda não existem resultados profiláticos suficientes no complexo meio urbano das cidades brasileiras, em especial, nas favelas.

Resultados profiláticos com a liberação de mosquitos infectados com a Wolbachia foram obtidos em robusto experimento na cidade de Niterói2222 Pinto SB, Riback TIS, Sylvestre G, et al. Effectiveness of Wolbachia-infected mosquito deployments in reducing the incidence of dengue and other Aedes-borne diseases in Niterói, Brazil: A quase-experimental study. PLoS Negl. Trop. Dis. 2021 [acesso em 2022 nov 4]; 15(7):e0009556. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0009556.
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, mas as reduções obtidas dos casos de dengue (69%), chikungunya (56%) e Zika (37%), apesar de relevantes, mostram que permaneceu a circulação viral. É possível supor que a eficácia profilática nas liberações com Aedes aegypti pode ser limitada, pelo menos em parte, pela participação de outras espécies de vetores secundários na transmissão dos arbovírus circulantes, como o Aedes albopictus2323 Veja-Rúa A, Zouache K, Girod R, et al. High level of vector competence of Aedes aegypti and Aedes albopictus from ten american countries as a crucial factor in the Spread of chikungunya virus. J. Virol. 2014; 88(11):6294-306.,2424 Ferreira-de-Lima VH, Lima-Camara TN. Natural vertical transmission of dengue virus in Aedes aegypti and Aedes albopictus: a systematic review. Parasit. Vectors. 2018; 11(1):77.,2525 MacKenzie BA, Wilson AE, Zohdy S. Aedes albopictus is a competente vector of Zika vírus: A meta-analysis. PLos ONE. 2019; 14(5):e0216794.. As reduções parciais de casos obtidas em Niterói não foram suficientes para eliminar o risco de transmissão e evitar aumentos de casos ou surtos epidêmicos, quando poderá ser necessário utilizar os usuais métodos de controle como, por exemplo, os tratamentos focais com inseticidas para suprimir a população de mosquitos atingindo também os infectados com Wolbachia. O estudo também não apresenta eficácia específica em áreas de favelas. A convincente eficácia dessas liberações nas amplas áreas endêmicas das cidades brasileiras, sobretudo nos territórios socialmente vulneráveis das favelas, precisa ser demonstrada em uma perspectiva temporal. Mesmo considerando a extensa e entusiasta literatura dedicada a essa estratégia2626 Ritchie AS, Hurk AFV, Smout MJ, et al. Mission Accomplished? We Need a Guide to the ‘Post Release’ World of Wolbachia for Aedes-borne Disease Control. Trends Parasitol. 2018; (34):217-226.,2727 Araújo NJS, Macêdo MJF, Morais LP, et al. Control of arboviruses vectors using biological control by Wolbachia pipientis: a short review. Arch. Microbiol. 2022 [acesso em 2023 abr 4]; 204(376). Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00203-022-02983-x.
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, é importante considerar que o método de liberar mosquitos é incompatível com os outros tradicionais métodos supressores populacionais, em particular, o controle químico, que, apesar de paliativo, é útil e não deve ser descartado, contrariando o princípio da ação integrada e gerando embaraçoso conflito ético e metodológico2828 Wermelinger ED, Ferreira AP, Horta MA. The use of modifies mosquitoes in Brazil for the control of Aedes aegypti: methodological and ethical constraints. Cad. Saúde Pública. 2014 [acesso em 2022 nov 4]; 30(11):2259-2261. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311XPE021114.
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Por outro lado, a eficiência do manejo ambiental como estratégia de controle de vetores é bem relatada na literatura2929 Herms WB, Gray HF. Mosquito Control: practical methods for abatement of disease vectors and pests. New York: Commonwealth fund; 1944.,3030 World Health Organization. Manual on environmental management for mosquito control. Geneva: World Health Organization; 1982.,3131 Ault SK. Environmental manegement: a re-emerging vector control strategy. Am. J. Trop. Med. Hyg. 1994 [acesso em 2022 nov 4]; 50(supl6):35-49. Disponível em: https://doi.org/10.1136/bmj.319.7211.651.
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,3232 Rosendall JÁ. Vector Control: methods for use by individuals and communitires. Geneva: WHO; 1997.,3333 Prüss-Üstün A, Corvalán C. Preventing disease through healthy environments. Geneva: OMS; 2006.,3434 Toledo ME, Dodrigues A, Valdés L, et al. Evidence on impact of community-based environmental management on dengue transmission in Santiago de Cuba. Trop. Med. Inter. Health. 2011 [acesso em 2022 nov 4]; 16(6):744-747. Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1365-3156.2011.02762.x.
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,3535 Buhler C, Winkler V, Ranzinger SR, et al. Environmental methods for dengue vector control – A systematic review and meta-analysis. PloS Negl Trop Dis. 2019 [acesso em 2022 nov 4]; 13(7):e0007420. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0007420.
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. Relatos da eficiência profilática priorizando ações de manejo ambiental foram evidentes nas primeiras décadas do século XX, antes do advento dos inseticidas organossintéticos inaugurados com o DDT na década de 1940. Contudo, com a popularização, o desenvolvimento e a larga produção desses inseticidas, as ações de manejo ambiental foram, com o tempo, negligenciadas ou seu potencial profilático esquecido. Sobretudo, as espetaculares erradicações do A. aegypti obtidas com esses inseticidas nas décadas de 1950 e 1960, sob a égide profilática da vacina da febre amarela, produzida a partir de 19373636 Franco O. História da Febre Amarela no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 1969.,3737 Löwy I. Vírus, mosquitos e modernidade: a febre amarela no Brasil entre ciência e política. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006., ajudaram a ofuscar a eficácia do manejo ambiental.

O manejo ambiental como ação criteriosa na eliminação dos criadouros urbanos dos mosquitos, quando efetivamente realizado, proporcionou excelentes êxitos profiláticos no Brasil nas primeiras décadas do século XX3636 Franco O. História da Febre Amarela no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 1969.,3737 Löwy I. Vírus, mosquitos e modernidade: a febre amarela no Brasil entre ciência e política. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.,3838 Kerr A. Buiding the health bridge: selections from the works of Fred L. Soper. Bloomington: Indiana University Press; 1970.,3939 Wermelinger ED, Carvalho RW. Methods and procedures used in Aedes aegypti control in the successful campaign for yellow fever prophylaxis in Rio de Janeiro, Brazil, in 1928 and 1929. Epidemiol. Serv. Saúde. 2016 [acesso em 2022 nov 4]; 25(4):837-844. Disponível em: https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400017.
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. Um exemplo bem relatado da eficiência profilática do manejo ambiental em uma grande cidade brasileira foi a campanha de combate à epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro em, 1928/19293939 Wermelinger ED, Carvalho RW. Methods and procedures used in Aedes aegypti control in the successful campaign for yellow fever prophylaxis in Rio de Janeiro, Brazil, in 1928 and 1929. Epidemiol. Serv. Saúde. 2016 [acesso em 2022 nov 4]; 25(4):837-844. Disponível em: https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400017.
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Obviamente, não é prudente fazer comparações entre métodos e realidades muito diferentes, mas é pertinente refletir o contraste entre os resultados profiláticos obtidos no recente experimento de Niterói utilizando mosquitos infectados com Wolbachia com os alcançados na campanha do Rio de Janeiro de 1928/1929 com base nas antigas práticas de manejo ambiental. Os percentuais de reduções em Niterói nos casos de dengue, chikungunya e Zika (69%, 56% e 27%) foram alcançados após 1 a 3 anos liberando mais de 34 milhões de mosquitos infectados com Wolbachia em um espaço urbano com população estimada de 373 mil habitantes (somadas as populações das 4 zonas onde houve liberação)2222 Pinto SB, Riback TIS, Sylvestre G, et al. Effectiveness of Wolbachia-infected mosquito deployments in reducing the incidence of dengue and other Aedes-borne diseases in Niterói, Brazil: A quase-experimental study. PLoS Negl. Trop. Dis. 2021 [acesso em 2022 nov 4]; 15(7):e0009556. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0009556.
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. Em 1928 a então Capital Federal tinha 1,7 milhão de habitantes, já com favelas, e a epidemia de Febre Amarela foi totalmente debelada, reduzindo em 100% o número de casos após 16 meses de intenso trabalho, priorizando ações de manejo ambiental e baixando os índices de infestação do A. aegypti a menos de 1% ou mesmo zero3939 Wermelinger ED, Carvalho RW. Methods and procedures used in Aedes aegypti control in the successful campaign for yellow fever prophylaxis in Rio de Janeiro, Brazil, in 1928 and 1929. Epidemiol. Serv. Saúde. 2016 [acesso em 2022 nov 4]; 25(4):837-844. Disponível em: https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400017.
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Nesse sentido, é pertinente uma reflexão final. As dramáticas desigualdade e vulnerabilidade sociais brasileiras, muito presentes nas favelas, exigem políticas públicas sensíveis e comprometidas com a transformação dessa realidade, muito associada aos precários espaços urbanos historicamente construídos. As ações de manejo ambiental atendem a essa exigência, diferentemente da opção pela estratégia das liberações.

A eficiência do manejo ambiental pode ser explicada porque todo problema de proliferação de vetores tem origem em um meio ambiente propício, e o manejo ambiental é a única estratégia de controle que objetiva transformar o meio ambiente, tornando-o desfavorável a essa proliferação. É pertinente observar que, na maioria dos focos urbanos dos vetores das arboviroses, as ações de manejo ambiental para a eliminação duradoura ou definitiva dos criadouros são tecnicamente factíveis e economicamente viáveis, não raro, podendo mitigar simultaneamente a proliferação de outros vetores urbanos como ratos, baratas, moscas e outros mosquitos.

A partir da premissa acima, argumenta-se o potencial das habilidades em mediar conflitos na busca de efetivas e factíveis ações de manejo ambiental para a eliminação de criadouros dos mosquitos vetores de arboviroses nas favelas brasileiras, em especial, nos territórios socialmente vulneráveis.

O potencial da mediação de conflitos nas ações de manejo ambiental

O manejo ambiental como estratégia de controle dos vetores urbanos tem como objetivo fundamental alterar ou transformar o meio urbano para que se torne impróprio à proliferação desses vetores. Para isso, é preciso eliminar da forma mais duradoura possível os criadouros urbanos e principalmente eliminar os fatores ambientais de risco para sua ocorrência. Exemplos: eliminar os acúmulos de lixo, promover limpeza de terrenos e encostas, prover reservatórios d’água capazes de proteger a água do acesso das fêmeas, promover acessos às lajes, caixas d’água e cisternas, limpar e desobstruir galerias ou espaços subterrâneos, prover drenagem das águas pluviais, telar ralos etc.

Porém, a execução das medidas de manejo ambiental nos imóveis e espaços urbanos coletivos, com frequência, enfrenta como obstáculos conflitos entre vizinhos, famílias ou dentro das comunidades, além das usuais limitações dos cidadãos (financeiras, físicas, de habilidades etc.).

Exemplos de conflitos: em territórios socialmente vulneráveis, é comum o hábito de acumular materiais (restos de obras, eletroeletrônicos usados, peças automotivas, pneus, recipientes, tonéis etc.) nas áreas externas das casas comumente expostos a chuvas favorecendo o acúmulo de água, servindo de potenciais criadouros e provocando desconfianças ou acusações entre vizinhos. As ações de manejo recomendadas para esses materiais é arrumar, proteger ou descartar. Mas essas ações precisam ser cuidadosamente negociadas porque esses materiais podem representar algum valor ou utilidade futura aos seus proprietários. Conflitos também existem para manter limpos terrenos e espaços públicos onde, com frequência, moradores descartam carcaças ou peças de automóveis, móveis, eletrodomésticos, caixas d’água, recipientes e outros materiais que podem acumular água das chuvas. Adicionalmente, nos territórios dominados por grupos de civis armados os conflitos do cotidiano podem assumir significados ou importâncias específicas.

A simples permissão para entrar nos imóveis também pode gerar conflitos, desconfianças ou constrangimentos. Muitos imóveis estão permanentemente ou usualmente fechados ou não se consegue permissão de acesso na maior parte do tempo. Nos imóveis visitados, é comum não conseguir acesso com facilidade a todos os espaços da edificação (em particular, às caixas d’água, cisternas, lajes, calhas e telhados), que não foram planejados para uma periódica vistoria4040 Forattini OP, Brito M. Reservatórios domiciliares de água e controle do Aedes aegypti. Rev Saúde Pública. 2003; 37(5):676-677.,4141 Wermelinger ED, Cohen SC, Thaumaturgo C, et al. Avaliação do acesso aos criadouros do Aedes aegypti por agentes de saúde do programa saúde da família no município do Rio de Janeiro. Rev Baiana Saúde Pública. 2008; 32(2):151-158.. É importante observar, ainda, nos territórios vulneráveis, a elevada presença de famílias chefiadas por mulheres, sem companheiros, em um fenômeno denominado feminização da pobreza4242 Souza V, Penteado C, Nascimento R, et al. A feminização da pobreza no Brasil e seus determinantes. IGepec. 2020 [acesso em 2022 nov 4]; 24(1):53-72. Disponível em: https://doi.org/10.48075/igepec.v24i1.22710.
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,4343 Garrucho MEG, Cabrera LC, Calderelli CE. Pobreza feminiza no Brasil: os domicílios pobres chefiados por mulheres. Rev. Orbis Latina. 2021 [acesso em 2022 nov 4]; 11(1):142-159. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/349959636.
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. Souza e colaboradores4444 Souza HP, Oliveira WTGH, Santos JPC, et al. Doenças infecciosas e parasitárias no Brasil de 2010 a 2017: aspectos para vigilância em saúde. Rev. Panam. Salud Publica. 2020 [acesso em 2022 nov 4]; (44):e10. Disponível em: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.10.
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identificaram positividade no indicador ‘famílias chefiadas por mulheres’ para doenças infectoparasitárias no Brasil.

Os conflitos possuem diferentes níveis de importância, mas muitos podem ser mediados, negociados ou suspensos, ainda que temporariamente, em favor de benefícios comuns, possibilitando pactuar estratégias de manejo ambiental para a eliminação dos criadouros dos mosquitos vetores. Contudo, para que ações negociadas e mediações sejam possíveis e bem-sucedidas, são necessárias cuidadosa aproximação do profissional responsável pelo controle de vetores e paciente familiarização das realidades locais. Uma adequada compreensão e sensibilidade da realidade, dos conflitos, assim como da cultura local, permitem criar o ambiente propício para promover ações de manejo possíveis e dialógicas. Nesse contexto, é importante adotar escutas pacientes, empáticas e solidárias, legitimando sentimentos como medos, receios, aflições, desconfianças, reclamações, desalentos, frustrações e raivas. As limitações e vulnerabilidades das mulheres sem companheiros responsáveis pelo sustento da família requerem escutas e compreensões especiais. Essas escutas podem gerar empatias, buscar acordos, abrir caminhos e propor ações de manejo factíveis para cada realidade local. Importante ponderar que muitos problemas vão exigir a participação coletiva, como mutirões, e, nesse ponto, é imenso o potencial das ações colaborativas e cooperativas2121 Wermelinger ED, Salles ICM. O sujeito preventivo das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti nas campanhas publicitárias: obrigação, culpabilização e álibi para a responsabilidade do poder público. Physis. 2018 [acesso em 2022 nov 4]; 28(4):e280401. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73312018280401.
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. Há relatos de que em condições adequadas, a cooperação baseada na reciprocidade pode ocorrer mesmo entre adversários4545 Axelrod R. A Evolução da Cooperação. São Paulo: Leopardo; 2010.. Segundo Kahame4646 Kahame A. Trabalhando com o Inimigo: como colaborar com pessoas das quais você discorda, não gosta ou desconfia. São Paulo: Senac; 2019., é um desafio colaborar com pessoas que não se gostam, discordam ou desconfiam, mas é possível. Contudo, há narrativas positivas e estimulantes sobre as favelas brasileiras. Segundo Meireles e Athayde99 Meirelles R, Athayde C. Um país chamado favela: A maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira. São Paulo: Ed Gente; 2014.(s.p.):

A favela é, desde sempre, responsável e solidária. Ali, o cidadão tem quase sempre com quem contar. Há alguém que pode lhe emprestar algum dinheiro ou o cartão de crédito na hora do aperto. Há outro que pode tomar conta de seus filhos enquanto ele trabalha. E há sempre aquele que pode ouvir suas confissões, no ‘divã’ improvisado no boteco ou no salão de beleza. Quem recebe, evidentemente, acaba por retribuir. ‘A lei da reciprocidade impera na favela’; ‘o senso aguçado de responsabilidade comunitária é traço distintivo das favelas brasileiras, definido por uma cultura de comprometimento e não pela imposição da lei. É o que conta nas sagas da favela’; ‘as pessoas erguem suas moradias para a melhor convivência possível. [...] A favela, na sabedoria solidária do povo, constrói acordos possíveis, ergue-se numa arquitetura de simbiose e cooperações’ [...] ‘as edificações compactadas revelam que uma família se apóia na outra. Assim se supera a vulnerabilidade. A arquitetura revela uma estratégia de cooperação e solidariedade’.

Esse sentimento solidário e colaborativo, historicamente construído nas comunidades, pode facilitar bastante as mediações dos conflitos e gerar ambiente favorável às propostas de cooperação na busca de benefícios coletivos.

Em síntese, nas favelas, as melhores soluções para um efetivo controle dos vetores através de ações de manejo ambiental muitas vezes dependem de mediar conflitos. Essas considerações permitem colocar a habilidade de mediar conflitos como estratégica para promover a efetiva execução de ações de manejo ambiental no âmbito da eficaz profilaxia das arboviroses nas favelas brasileiras, em especial, nos contextos das comunidades socialmente vulneráveis.

A mediação de conflitos

A mediação tem seu berço no oriente, nas culturas chinesa, japonesa e, no ocidente, na africana4747 Busnello SJS, Santos EO. A função social da mediação. Rev Eletr. Direit. e Política UNIVALI. 2015 [acesso em 2022 nov 4]; (10):1558-1582. Disponível em: https://doi.org/10.14210/rdp.v10n3.p1558-1582.
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. Suas raízes podem ser identificadas nas três grandes religiões monoteístas ocidentais e em comunidades aborígenes da África, das Américas e da Oceania, mas cresceu de forma exponencial a partir dos anos 1960. No Brasil, assim como na América Latina, a difusão da mediação ganhou força nos anos 19904848 Maia A, Andrea B, Andrade A, et al. Origens e Norteadores da Mediação de Conflitos. In: Almeida TP, Pelajo S, Jonathan E, editores. Mediação de Conflitos para iniciantes, praticantes e docentes, 2. ed. Salvador: Podivm; 2019. p. 45-54..

Existem várias publicações abordando a mediação de conflitos em sintonia com a realidade brasileira, em especial, no campo jurídico, demonstrando haver bom escopo prático, teórico e metodológico4747 Busnello SJS, Santos EO. A função social da mediação. Rev Eletr. Direit. e Política UNIVALI. 2015 [acesso em 2022 nov 4]; (10):1558-1582. Disponível em: https://doi.org/10.14210/rdp.v10n3.p1558-1582.
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,4949 Vasconcelos CE. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. São Paulo: Método; 2008.,5050 Spengler FM. A mediação comunitária como meio de tratamento de conflitos. Pensar. 2009 [acesso em 2022 nov 4]; (14):271-285. Disponível em: https://ojs.unifor.br/rpen/article/view/1705/1554.
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,5151 Martins JR. Os Conflitos sociais e mediação na modernidade: e a compreensão dos atores sociais envolvidos. Rev. Ibero-Amer. Human., Ciênc. Educ. 2020 [acesso em 2022 nov 4]; (6):26573-3375. Disponível em: doi.org/10.29327/217514.6.12-2.
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,5252 Almeida T, Pelajo S, Jonathan E. Mediação de Conflitos para iniciantes, praticantes e docentes, 3. ed. Salvador: Podivm; 2021.,5353 Ghisleni AC, Spengler FM. Mediação de Conflitos a partir do Direito Fraterno. Santa Cruz do Sul: EDUNISC; 2001.. Nas complexas realidades dos territórios vulneráveis e negligenciados pelo Estado, é conveniente que as mediações devam receber uma orientação multidisciplinar, e, talvez, os conflitos mereçam ser refletidos dentro de uma perspectiva de transformação5454 Laderach JP. The Little Book of Conflict Transformation. New York: Good Books; 2014.,5555 Laderach JP. Transformação de Conflitos, 3. ed. São Paulo: Palas Athenas; 2021.ou tratamento5050 Spengler FM. A mediação comunitária como meio de tratamento de conflitos. Pensar. 2009 [acesso em 2022 nov 4]; (14):271-285. Disponível em: https://ojs.unifor.br/rpen/article/view/1705/1554.
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.

Talvez, a maior contribuição e o melhor potencial das habilidades de mediação de conflitos nesses territórios estejam no exercício de práticas dialógicas e escutas empáticas principalmente junto a comunidades com histórico de exclusão e violações de direitos. São diversas camadas de violações que impactam negativamente a saúde e mantêm esses territórios em situação de exclusão, e um dos princípios das práticas de transformação de conflitos e diálogos é a consideração da humanidade e da dignidade entre todas as pessoas, especialmente dos grupos à margem da sociedade5656 Rosenberg M. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora; 2006.. A partir dessas práticas de escuta e diálogos, é possível transformar situações que reproduzem uma cultura de medo, posturas profissionais que carregam olhares e falas preconceituosas, muitas vezes, até marcados por uma série de violências interseccionais5757 Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Caneiro; Pólen; 2019., como abordagens que desqualificam a população preta, favelada, feminina, além dos diversos níveis etários que são desqualificados como idosos e crianças ou passam por situações abusivas pelas violências armadas nesses territórios em que as adolescentes sofrem com as violências sexuais e os adolescentes com a cultura do uso das armas5858 Mattos CS. ‘Parado na esquina’: Performances masculinas e identificações entre ‘bondes’ juvenis na Nova Holanda, Maré, RJ. DILEMAS: Rev de Estudos de Conflito e Controle Social. 2014; (7):643-663.,59,6060 Simões GL. “Isso não pode ser normal”: A vida em favela sob olhar de um corpo em desalinho. [tese]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2021. [acesso em 2023 abr 6]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/55595.
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.

Nesse contexto, abre-se um amplo espaço de estudos e reflexões não somente da pertinência e dos grandes desafios de inserir as habilidades e técnicas de mediação na ação do Estado junto a comunidades socialmente vulneráveis para o controle das arboviroses, mas, também, e sobretudo, de um direcionamento ou alinhamento com políticas públicas inclusivas, cidadãs e comprometidas com a transformação desses territórios em espaços urbanos saudáveis6161 World Health Organization. Global report of urban health: equitable, healthier cities for sustainable development. Geneva: WHO; 2016..

Considerações finais

Partindo da premissa de que o controle de vetores das arboviroses nas cidades brasileiras deve priorizar permanentes ações de manejo ambiental, é possível dizer que existe imenso potencial das habilidades na mediação de conflitos para conseguir efetivas e factíveis ações de manejo ambiental visando à profilaxia das arboviroses urbanas nas favelas, em especial, nos territórios vulneráveis. Nesse contexto, é importante perceber que o sucesso dessa estratégia depende de inserir novas e inéditas habilidades na capacitação das equipes de saúde e de controle dos vetores, em especial, para os profissionais de campo em uma perspectiva de formação multidisciplinar, pensamento sistêmico e escuta empática. O sucesso dependerá, ainda, do trabalho contínuo e paciente das equipes de campo que precisam ser especialmente bem capacitadas, valorizadas e aumentadas.

No entanto, essa estratégia depende de profunda reflexão das políticas e estratégias públicas para o controle de vetores, precisando repensar as crenças e os conceitos que formularam as hegemônicas diretrizes técnicas de controle de vetores com base em rápidas visitas periódicas e apostas tecnicistas1414 Wermelinger ED. Interdisciplinarity in the control strategy for urban vectors of arbovirus infections: a necessary dimension for Brazil. Cad. Saúde Pública. 2022 [acesso em 2022 nov 4]; (38):e00243321. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00243321.
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. Provavelmente, essa mudança será ainda mais difícil nos territórios historicamente negligenciados pelos serviços públicos, e talvez esse seja o principal desafio. Contudo, as vantagens e os ganhos sociais com essa nova compreensão podem ser imensos, ultrapassando os benefícios com a profilaxia das arboviroses. Numa perspectiva ampliada, a prática de promover ações contínuas de manejo ambiental vai de encontro aos atuais anseios de territórios e ambientes saudáveis, podendo prevenir ou mitigar vários outros riscos à saúde relacionados ao meio ambiente e ainda promover maior conforto e harmonia no espaço urbano.

É pertinente observar que essa estratégia foi pensada para contornar os sérios obstáculos sociais e ambientais nas complexas realidades urbanas das favelas brasileiras e, provavelmente, pode ser útil em outros territórios vulneráveis na América Latina. Portanto, não deve ser entendida como padrão para o controle de vetores urbanos das arboviroses, embora a premissa delineada mereça ser considerada para todas as realidades urbanas.

  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2022
  • Aceito
    19 Abr 2023
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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