Pessoas trans, travestis e direitos transumanos: o caso da liberdade morfológica

Murilo Vilaça Maria Clara Dias Fabio Alves Gomes de Oliveira Sobre os autores

RESUMO

Neste ensaio, aborda-se a interface entre gênero e direito por meio do recorte da inclusão social de pessoas trans e travestis e do caso da liberdade morfológica. Os objetivos são: i) apresentar um mapa conceitual e das lutas que configuram a questão trans no Brasil; ii) destacar a importância de propostas mais inclusivas de direitos, enfatizando a Perspectiva dos Funcionamentos (PdF); iii) inserir o debate em um campo de reflexão emergente, fomentando o interesse pelos estudos transumanistas, enfatizando a liberdade morfológica como um direito transumano. Após a apresentação de algumas das principais nuances da questão trans no Brasil, defende-se a necessidade de que o rol dos chamados concernidos morais seja ampliado, oferecendo uma perspectiva normativa a mais inclusiva possível. Com base na adoção da noção de sistemas funcionais, chama-se a atenção para o ganho de substituir a noção de direitos humanos pela de direitos básicos, apresentando a PdF. Finaliza-se apontando a concepção de direitos transumanos, que pode indicar uma ampliação tanto dos concernidos quanto das liberdades garantidas, destacando a liberdade morfológica, que parece fundamental para o exercício de uma incontornável dimensão da existência das pessoas trans e travestis.

PALAVRAS-CHAVES
Pessoas transgênero; Inclusão social; Liberdade

Introdução

As lutas sociopolíticas das pessoas trans e travestis revelam que direitos, liberdades e reconhecimento ainda não são desfrutados igualmente por todas as pessoas humanas, bem como que há necessidades específicas que demandam certos direitos e liberdades para grupos historicamente vitimados e perseguidos. Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) seja um importante manifesto contra discriminações e a favor da igualdade de direitos e liberdades, ela é parcialmente inclusiva, pois, além de não questionar o aspecto ontológico da própria definição de humanidade, não confronta a discriminação de gênero entre humanos e se restringe ao binômio homem-mulher ao se referir à discriminação de sexo. No preâmbulo da DUDH, lê-se, por exemplo, que a dignidade é reconhecida como inerente ‘aos membros da família humana’ e que ‘homens e mulheres’ são iguais em direitos11 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Brasília, DF: Unesco; 1998. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000139423.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
. Nota-se, portanto, o binarismo como um pressuposto inquestionável.

Inobstante a importância da DUDH, neste ensaio, partimos do postulado de que o campo das normas deve estar em constante aperfeiçoamento e defendemos a hipótese de que isso é possível tanto pela ampliação dos direitos e liberdades quanto pela ampliação dos concernidos morais. Isto é, pela sua transformação dos direitos humanos em direitos básicos ou em direitos transumanos.

No que diz respeito às pessoas trans e travestis, destacamos a necessidade de ampliar o escopo dos direitos e liberdades para além do sistema sexo-gênero, bem como do binarismo homem-mulher. Ou seja, apontando os impedimentos normativos e os constrangimentos sociais que dificultam e/ou negam o reconhecimento das pessoas trans e travestis como sujeitos de direitos, indicamos algumas alternativas.

Ao pressupor que a identidade trans e travesti revela a fluidez e a pluralidade que fazem parte da condição humana, postulamos que características dessa diversidade demandam direitos e liberdades imprevistos na DUDH, que seriam contemplados se fundamentados em outros paradigmas, como a Perspectiva dos Funcionamentos (PdF) – e a noção de direitos transumanos. Aqui, focalizaremos a liberdade morfológica, típico direito transumanista que atenderia às necessidades de algumas pessoas trans e travestis de realizar, quando desejável, alterações significativas da sua morfologia, adequando-a ao modo como pretendem expressar socialmente sua identidade de gênero.

Na primeira seção, abordaremos o problema conceitual em torno do tema e destacamos aspectos históricos da consolidação do movimento de pessoas trans e travestis relativos, sobretudo, ao contexto nacional. Na segunda, destacaremos as características de uma perspectiva teórica mais inclusiva (PdF), bem como seus ganhos no plano normativo (moral e político). Na terceira, apresentaremos as características prototípicas do transumanismo. Na última seção, abordaremos a noção de direitos transumanos, enfatizando o art. X da Declaração Transumanista de Direitos (DTD), que versa sobre a liberdade morfológica.

A questão trans no Brasil: conceitos básicos e movimentos sociais

Segundo Jesus22 Jesus JG. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. Goiânia: Sert-Tão/UFRG; 2012., o termo ‘cis’ é um prefixo utilizado para conceituar aquele ou aquela que se identifica com o gênero de nascimento, fazendo oposição ao prefixo ‘trans’. Quando nos referimos às pessoas cis-heterodiscordantes, destacamos a existência de pessoas cuja identidade é permeada pela não identificação ao gênero atribuído no nascimento, bem como ao destino e às expectativas sociais associadas a ele. O processo de não identificação (inconformidade) com o gênero ocorre de diferentes formas, mas há um ponto de convergência: o questionamento do corpo como resultado imediato de um eficiente investimento das tecnologias de gênero cis-heteronormativas. Nas palavras de Preciado33 Preciado PB. Testo junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: N-1 Edições; 2008.(262), o binarismo que configura homens e mulheres seriam “eficientes ficções performativas e somáticas convencidas de sua realidade natural”.

A não identificação com o gênero se estende ao âmbito político das normativas binárias hegemônicas que partem da cisgeneridade heteronormativa como organização dos corpos em sociedade. A exemplo disso, temos a dicotomia de pares oposicionais e supostamente complementares. Nesse caso, de acordo com o sistema cis-heteronormativo, homens e mulheres seriam definições biologicamente determinadas e excludentes entre si, em que um homem seria uma pessoa não mulher, e a mulher, um sujeito não homem. Consequentemente, os desejos atribuídos a esses ‘dois grupos’ seriam necessária e essencialmente heteronormativos. Ou seja, homens orientam seus desejos para mulheres, que, por sua vez, manifestam desejos por homens.

Para Jagose44 Jagose A. Queer theory: An introduction. New York: New York University Press; 1996., isso ocorre em razão de a heterossexualidade não se localizar como parte de um conjunto de expressões da sexualidade, mas como “um estado natural, puro e não problemático”44 Jagose A. Queer theory: An introduction. New York: New York University Press; 1996.(17). Consequentemente, a cis-heteronormatividade funda uma noção de normalidade biopolítica relativa a uma suposta condição e natureza humanas. Tais imbricamentos têm resultado em vários desafios para a comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis, Intersexos e outras dissidências sexuais e de gênero (LGBTI+). A título de esclarecimento, optamos pela utilização da sigla LGBTI+, entendendo que a inclusão da letra Q (Queer) tem sido tópico de alguns debates profundos e inconclusivos, tanto pela presença ou ausência de tradução ao referido termo quanto pela discussão teórica que posiciona o queer como uma não identidade. Nesse sentido, ao assumirmos os possíveis limites de nossa escolha pela sigla LGBTI+, deixamos aberta a discussão sem que ela, de modo algum, comprometa as ideias que desenvolvemos neste artigo.

A seguir, destacamos a composição de uma historiografia LGBTI+ enquanto um movimento social, especialmente das pessoas trans e travestis.

Segundo Green e colegas55 Green JN, Caetano M, Fernandes M, et al. 40 anos de movimento LGBT brasileiro. In: Green JN, Caetano, Fernandes M, et al., organizadores. História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Editora Alameda; 2018. p. 9-13., na apresentação da obra ‘História do movimento LGBT no Brasil’, o ano de 1978 representa um marco na história do movimento social LGBTI+. De acordo com os autores

É evidente e já bem documentado que houve, no Brasil, diversas outras iniciativas anteriores de associativismo, de meios de comunicação e de ação política de pessoas LGBT (antes mesmo da sigla existir). Aliás, pode-se afirmar, sem sombras de dúvidas, que a mera existência pública de corpos e de desejos contrários às normas-padrão de gênero e de sexualidade sempre foi um ato político de maior grandeza. Neste sentido, seria injusto politicamente e equivocado, do ponto de vista histórico, desconsiderar as diversas iniciativas pregressas de lutas e de resistência da comunidade LGBT. No entanto, nem toda forma de ação política coletiva é um movimento social em um sentido técnico. Tomando como referência o vasto campo da sociologia política, pode-se afirmar que movimento social consiste em um tipo específico de ação política coletiva, datada historicamente e com características próprias de repertório, mobilização de recursos e estrutura de oportunidades, variando os contornos mais precisos do conceito a depender das teorias e perspectivas adotadas pela análise55 Green JN, Caetano M, Fernandes M, et al. 40 anos de movimento LGBT brasileiro. In: Green JN, Caetano, Fernandes M, et al., organizadores. História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Editora Alameda; 2018. p. 9-13.(11).

Foi em 1978 que nasceu o Movimento Homossexual Brasileiro (MHB), por meio tanto da organização do jornal mensal ‘Lampião da Esquina’ como pela formalização do ‘Somos: Grupo de Afirmação Homossexual’ em São Paulo. O nascimento, considerado tardio, desses movimentos no Brasil é explicado pelos autores como uma entre tantas decorrências da repressão da ditadura militar, que, por sua vez, teria retardado a inspiração de 1968, que fez eclodir o espírito da contracultura em diferentes países da América Latina55 Green JN, Caetano M, Fernandes M, et al. 40 anos de movimento LGBT brasileiro. In: Green JN, Caetano, Fernandes M, et al., organizadores. História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Editora Alameda; 2018. p. 9-13.. Isso não quer dizer, entretanto, que não houvesse focos de enfrentamento LGBTI+ por parte de pessoas cis-heterodiscordantes no Brasil antes desse período; tampouco pretendemos defender uma espécie de genealogia do movimento LGBTI+ no Brasil. Afinal, como bem sinalizado por Colling66 Colling L. Impactos e/ou sintonias dos estudos queer no movimento LGBT do Brasil. In: Green JN, Caetano, Fernandes M, et al., organizadores. História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Editora Alameda; 2018. p. 515-531., o movimento de transexuais e travestis, antes mesmo de os estudos queer aterrassem no Brasil, já desenvolvia acertadas críticas à heteronormatividade e à cisgeneridade, evidenciando, portanto, momentos de embates e conciliações entre o movimento homossexual e o movimento de pessoas trans e travestis no País.

Na década de 1960, por exemplo, com bem apontam Carvalho e Carrara77 Carvalho M, Carrara S. Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. Sex., Salud Soc. 2013; 14(2):319-351., as terminologias utilizadas para se referir à comunidade LGBTI+ ainda se baseavam nas normas heterossexuais e binárias, em que a feminilidade estava associada à inferioridade: ‘terceiro sexo’, ‘bicha’, ‘bofe’, ‘pintosa’, ‘entendido’, bem como o uso do termo ‘travesti’ antecipado pelo pronome masculino77 Carvalho M, Carrara S. Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. Sex., Salud Soc. 2013; 14(2):319-351.. A hierarquização entre o sistema sexo-gênero, que já atribuía ao feminino um lugar de inferioridade, fez com que alguns homens homossexuais acabassem por buscar uma dissociação do que socialmente se estabelecia como feminino. O resultado desse esforço em determinar a separação entre homossexualidade e feminilidade e, mais especificamente, o distanciamento entre homossexualidade e transexualidade se consolidaram, segundo Carvalho e Carrara66 Colling L. Impactos e/ou sintonias dos estudos queer no movimento LGBT do Brasil. In: Green JN, Caetano, Fernandes M, et al., organizadores. História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Editora Alameda; 2018. p. 515-531., na luta e na escolha do termo ‘orientação sexual’ na Constituição de 1988. Assim, como afirmam os autores,

[...] ao pleitear a inclusão do termo ‘orientação sexual’ como direito e garantia individual relacionados à identidade homossexual, busca-se formalizar que a ‘diferença’ na experiência homossexual está unicamente relacionada a se desejar uma pessoa do ‘mesmo sexo’ e não a desejar ‘ser do sexo oposto’77 Carvalho M, Carrara S. Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. Sex., Salud Soc. 2013; 14(2):319-351.(323).

Eis, aqui, um marco não somente para a separação entre o desejo direcionado a outro corpo e o desejo de ser quem se é, mas, principalmente, entre o homossexual e a travesti77 Carvalho M, Carrara S. Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. Sex., Salud Soc. 2013; 14(2):319-351.. Os autores destacam que tal separação não visava única e exclusivamente à tentativa de compreender as dinâmicas e as especificidades de cada grupo e identidades, mas, sobretudo, à aspiração de homens gays em se distanciar da reputação social associada à travesti. É dessa forma que Carvalho e Carrara77 Carvalho M, Carrara S. Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. Sex., Salud Soc. 2013; 14(2):319-351. compreendem que a categoria identitária e política da travesti é mais moderna que a de homossexual e que o debate sobre a diferenciação entre ela e a transexual data de registros ainda mais recentes, do fim dos anos 1990 e início dos anos 2000.

Esse mapeamento inicial permite identificar algumas bases comuns da agenda de luta da população LGBTI+, as raízes sexistas da violência transfóbica88 Jesus JG, Oliveira FAG. As faces da opressão: sobre a natureza da violência transfóbica. In: Dias MC, Soares S, organizadoras. Mulheres: violências vividas. Rio de Janeiro: Editora Ape’Ku; 2019. p. 121-143., as formas e os tipos de violências contra as pessoas que não se conformam às normas de gênero cisnormativas, contra a população trans e travesti, em especial88 Jesus JG, Oliveira FAG. As faces da opressão: sobre a natureza da violência transfóbica. In: Dias MC, Soares S, organizadoras. Mulheres: violências vividas. Rio de Janeiro: Editora Ape’Ku; 2019. p. 121-143., 99 Oliveira FAG, Rodrigues L. Por uma educação TRANS-gressora e TRANSfeminista: possíveis enfrentamentos à produção das ausências através da disciplinarização e subjetivação. Aprender. 2018; 20:83-102., 1010 Oliveira FAG, Rodrigues L, Insfran FFN, et al. Grupos em Risco: a transfobia e a patologização das identidades trans como categorias de análise político-pedagógica. Inclu. 2021; 8(3):87-208., 1111 Oliveira FAG, Amantino RP. O discurso de ódio no Brasil do agora: analisando os ecos do negacionismo científico e a LGBTIfobia como política de Estado. Rev. Divers. Educ. 2022; 9(2):345-373..

No que tange à organização social das pessoas trans e travestis no Brasil, Carvalho e Carrara77 Carvalho M, Carrara S. Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. Sex., Salud Soc. 2013; 14(2):319-351. apontam para dois modelos: o primeiro, das ações vinculadas ao movimento homossexual; o segundo, associado à auto-organização diante da violência policial. O primeiro estaria historicamente associado à luta contra a aids (conjuntamente com homens gays), e o segundo, ao enfrentamento da violência contra as trabalhadoras do sexo em locais e pontos de prostituição.

Hoje, conforme Carvalho e Carrara77 Carvalho M, Carrara S. Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. Sex., Salud Soc. 2013; 14(2):319-351., embora as bandeiras erguidas e as reivindicações do movimento trans e travestis tenham se expandido, a questão da violência continua sendo um ponto crucial para essa população. Afinal, as violências verbal, social e letal ainda são uma realidade na vida dessas pessoas.

Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a expectativa de vida de uma travesti e/ou pessoa trans no Brasil é de 35 anos enquanto a média da população brasileira é de 76 anos1212 Benevides B. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021. Brasília, DF: Distrito Drag, Antra; 2022. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
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. De acordo com o mais recente dossiê de assassinatos e violências contra pessoas trans, publicado em 29 de janeiro de 20221212 Benevides B. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021. Brasília, DF: Distrito Drag, Antra; 2022. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
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, a média de assassinatos de pessoas trans e travestis no Brasil é de 123,8 ao ano, sendo São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro os três estados que maior incidência de casos em 2021. O dossiê produzido pela Antra também revela o perfil etário das pessoas trans e travestis vitimadas nos últimos anos: 5% das vítimas tinham entre 13 e 17 anos; 53%, entre 18 e 29 anos; 28%, entre 30 e 39 anos; 10%, entre 40 e 49 anos; 3%, entre 50 e 59 anos; e 1%, entre 60 e 69 anos1212 Benevides B. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021. Brasília, DF: Distrito Drag, Antra; 2022. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
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. Esses dados resultam na informação de que a idade média das vítimas é de 29,3 anos1212 Benevides B. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021. Brasília, DF: Distrito Drag, Antra; 2022. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
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.

Dentre os casos de violência mapeados pelo último dossiê produzido pela Antra1212 Benevides B. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021. Brasília, DF: Distrito Drag, Antra; 2022. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
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, destacamos os episódios de negligência médica, que evidenciam a constante ameaça aos direitos sexuais e reprodutivos das pessoas trans e travestis. Nesse dossiê, é mencionada a importância de pensar na construção de políticas públicas em saúde que considerem, por exemplo, que a pobreza menstrual afeta não somente mulheres cisgêneras, mas também homens trans, pessoas intersexo e não binárias com útero. O dossiê aponta para a necessidade de pensarmos em políticas de saúde e direitos que promovam a liberdade da população trans e travesti.

Consequentemente, torna-se premente estabelecer medidas que legitimem a reivindicação pelas transcorporalidades1313 Rego JX. Transcorporalidade: silicone industrial e processo transexualizador. [dissertação]. Curitiba: Universidade Tuiuti do Paraná; 2018. das pessoas que almejam o uso de hormônios e a realização de alterações e/ou modificações corporais cirúrgicas, minimizando os efeitos nocivos da cisnormatividade contra os corpos e as vidas trans. A título de observação, não estamos afirmando que toda e qualquer pessoa trans e travesti deseja realizar procedimentos como esses, mas apontando para a necessidade de uma plataforma que pense nas transcorporalidades como eixo de políticas públicas voltadas para as demandas do movimento social composto por pessoas trans e travestis.

Sobre esse aspecto, compensa destacar o protagonismo das travestis brasileiras na ‘cultura do corpo’, definida por Jesus1414 Jesus JG. Travessia: caminhos das pessoas trans na história. In: Green JN, Quinalha R, Caetano M, et al., organizadores. História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo, Editora Alameda; 2018. p. 379-392.(390) como sendo “fundamentada na linguagem falada, constituindo-se como uma ‘oralitura’”. Para Jesus, são justamente os diferentes modos de impedimento do acesso ao ensino formal que obrigam “a comunidade a se proteger e transmitir seus conhecidos fora dos métodos disponíveis a grupos sociais mais privilegiados”1313 Rego JX. Transcorporalidade: silicone industrial e processo transexualizador. [dissertação]. Curitiba: Universidade Tuiuti do Paraná; 2018.(390). A autora afirma que esses saberes têm sido tanto negligenciados quanto ‘assaltados’ por outros grupos, essencialmente motivados por dois fatores: transfobia e cissexismo. Dessa forma, torna-se premente tratar da questão sobre os direitos das pessoas trans e travestis, sem reproduzir os mesmos silenciamentos que fomentam toda sorte de exclusão desse grupo.

Diante desses breves registros, objetivamos evidenciar que as pautas trans e travestis fissuram, em um só instante, tanto as tecnologias de gênero que formam a regulação binária sexo-gênero, que visa estabelecer uma conexão imediata entre esses dois ‘pares’ a ponto de se tornar um ‘cistema’1515 Vergueiro VS. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2015., quanto colocam em xeque a crença na existência de uma natureza humana inata, capaz de inscrever em um corpo um destino essencialmente biológico.

Diante dos aspectos expostos até aqui, procuraremos recorrer a matrizes teóricas que oferecem caminhos disruptivos que nos permitem não somente desmantelar o sistema sexo-gênero e seus tentáculos cis-heteronormativos, mas também construir um terreno sólido para a reivindicação de direitos para pessoas trans e travestis.

Direitos básicos: ampliação dos concernidos morais a partir de uma perspectiva funcional

Um problema recorrente na filosofia tem sido a possibilidade de atribuir direitos a indivíduos que, por razões diversas, não comportam o perfil de potenciais integrantes de uma situação contratual ideal. Em outras palavras, costumamos atribuir direitos a indivíduos capazes de endossar um pacto social específico, garantidor do bom funcionamento da estrutura básica da sociedade. Essa atitude, contudo, parece excluir grande parte dos indivíduos que julgamos pertencer à nossa comunidade moral e ante os quais reconhecemos o dever de garantir-lhes condições mínimas de satisfação de suas necessidades básicas e algum nível de realização.

Para respaldar nossa convicção moral de que tais indivíduos importam e, por conseguinte, justificar a atribuição de direitos básicos a eles, a PdF1616 Dias MC. A perspectiva dos funcionamentos: em defesa de uma abordagem moral mais inclusiva. Rio de Janeiro: Editora Pirilampo; 2015., 1717 Dias MC. Sobre nós: expandindo as fronteiras da moralidade. Rio de Janeiro: Editora Pirilampo; 2016., 1818 Dias MC. Pessoas com deficiência: desconstruindo paradigmas. In: Barbosa-Fohrmann AP, organizadora. Autonomia, reconhecimento e dignidade. Rio de Janeiro: Gramma; 2017. p. 171-194. tem buscado fornecer uma nova matriz interpretativa do escopo da moralidade e, mais especificamente, dos chamados concernidos morais, ou seja, daqueles aos quais atribuímos direitos morais. Ao substituir o enfoque da compreensão de concernidos morais como agentes morais – indivíduos livres e racionais, capazes de deliberar moralmente – para uma compreensão ampliada de indivíduos como sistemas funcionais, a PdF passa a incluir no escopo da moralidade seres humanos, animais não humanos, o meio ambiente e muitos objetos inanimados, alguns deles caracterizados como sistemas acoplados.

Indivíduos entendidos como sistemas funcionais não podem ser identificados a partir de uma natureza física/biológica fixa. Um sistema funcional possui uma estrutura fluida, capaz de transformar sua própria base de constituição material, incluir ou excluir determinadas estruturas ao longo de sua existência, de forma a melhor promover os seus funcionamentos básicos. A pergunta acerca da identidade de cada indivíduo deverá ser agora respondida por referência a uma rede de processos que envolve a ‘performance’ de distintas funções, algumas das quais realizadas por artefatos ou outros sistemas funcionais localizados fora dos limites corporais biológico, do que convencionamos compreender por um ser humano. O modo como nossas mais complexas atividades cognitivas se utilizam de artefatos como livros, cadernos de anotações, computadores, calculadoras etc. para alcançar de forma satisfatória seus objetivos ilustra como a própria cognição incorpora, às funções cerebrais, elementos externos ao cérebro, convicção que vem sendo bastante explorada a partir do conceito de mente estendida.

Sob o ponto de vista da moralidade e do direito, a compreensão de indivíduo e concernido moral oferecida pela PdF possui o mérito de ampliar o escopo da moralidade e justificar a necessária atribuição de direitos básicos a indivíduos até então deixados à margem. Segundo Dias1818 Dias MC. Pessoas com deficiência: desconstruindo paradigmas. In: Barbosa-Fohrmann AP, organizadora. Autonomia, reconhecimento e dignidade. Rio de Janeiro: Gramma; 2017. p. 171-194., uma das principais vantagens dessa perspectiva é que ela retira o estigma que muitos indivíduos carregam de serem pessoas desviantes, disformes ou ‘pessoas com deficiência’, amplamente caracterizadas por necessitarem de um complemento dito artificial ou mecânico para realizar seus funcionamentos básicos e/ou por incorporarem à sua identidade pessoal elementos claramente desviantes dos padrões hegemônicos. O importante, aqui, é ressaltar que todos os seres humanos possuem sistemas acoplados. Pessoas trans, travestis, indivíduos com genitálias consideradas ambíguas, com padrões de conformação física ou comportamental vulgarmente interpretados como destoantes de sua conformação genética são apenas indivíduos singulares assim como todos os demais.

Enquanto teorias filosóficas – clássicas e/ou contemporâneas – dedicam-se a buscar por uma redefinição do sentido de liberdade para melhor aplicá-lo às condições materiais de existência de indivíduos oprimidos, a PdF renuncia ao conceito de liberdade e concentra sua abordagem moral nos próprios funcionamentos. Segundo Dias1616 Dias MC. A perspectiva dos funcionamentos: em defesa de uma abordagem moral mais inclusiva. Rio de Janeiro: Editora Pirilampo; 2015.(21), abdicando do lugar especial dado à liberdade na tradição filosófica, permitimo-nos “identificar um atributo comum a todos os seres que fazem parte da nossa comunidade moral ideal”. Dessa forma, embora aqui resida o componente diferenciador da PdF, quando comparada a outras correntes teóricas, tais como o transumanismo, verificaremos os pontos de convergência que possibilitam desvendar o modo como as violências contra pessoas trans e travestis impedem que elas desenvolvam seus próprios funcionamentos e usufruam de uma vida considerada digna e justa. Ou seja, trata-se de buscar elementos que permitam a defesa das condições de possibilidade para a autodeterminação morfológica.

A seguir, apresentaremos algumas características prototípicas do transumanismo, ressaltando os traços que revelam seu enfoque na ampliação dos direitos como base para o exercício da liberdade sobre o corpo, que é um dos nossos objetivos neste ensaio.

Transumanismo: uma breve apresentação

O chamado pensamento transumanista, embora, na sua versão moderna, seja quase multissecular, tem se desenvolvido, diversificado e espalhado pelo globo mais fortemente desde a década de 19901919 Bostrom N. A History of Transhumanist Thought. J. Evol. Technol. 2005; 14(1):1-25.. O que podemos denominar de transumanismo contemporâneo se beneficia dos estrondosos avanços científicos e tecnológicos, ampliando imensamente a margem para elucubrações e projeções (das minimamente realistas às absolutamente ficcionais) em torno das aplicações das novas tecnologias (ou tecnologias emergentes/convergentes) para além da fronteira da promoção da saúde. Despertando reações, por vezes, diametralmente opostas, o transumanismo é objeto de grande controvérsia e polêmica, mas também de significativa simplificação, uma vez que sua ‘face’ mais aparente ou midiaticamente revelada é, em regra, associada a bilionários futuristas, cujos objetivos mercantis e suas ‘profecias’ sistematicamente frustradas ‘acendem uma luz amarela’ em torno da expectativa de que a tecnociência pode melhorar a vida humana, promover a humanidade. Em outras palavras, tal como é, geralmente, apresentado, o transumanismo transita, por um lado, entre ser objeto de detrações bioconservadoras infundadas e, por outro, de adesões açodadas, inclusive no ambiente acadêmico.

Dados os limites do presente artigo, mas, sobretudo, seu enfoque, fugiria ao nosso escopo apresentar uma descrição detalhada ou uma análise crítica detida do transumanismo contemporâneo, bem como do debate acadêmico em torno dele. Apesar disso, tais importantes tarefas já foram cuidadosa e ponderadamente realizadas, sem acusações improcedentes nem defesas apaixonadas, tanto por autores estrangeiros quanto brasileiros2020 Hughes J. The Politics of Transhumanism. Version 2.0 (March 2002). Connecticut: Trinity College Hartford; 2001., 2121 Hughes J. Democratic Transhumanism 2.0. Hartford: Public Policy Studies; 2002., 2222 Hughes J. Contradictions from the Enlightenment Roots of Transhumanism. J. Med. Philos. 2010; 35(6):622-640., 2323 Vilaça MM, Dias MCM. Transumanismo e o futuro (pós-)humano. Physis. 2014; 24(2):341-362., 2424 Vilaça MM. Levando o transumanismo a sérios – isso não é uma apologia! In: Oliveira J, Lopes WES, organizadores. Transumanismo: o que é, quem vamos ser. Caxias do Sul: Educs; 2020. p. 135-160., 2525 Antonio KF. Transhumanismo e suas oscilações prometeico-fáusticas: tecnoapoteose na era da tecnociência demiúrgica. Joinville: Clube de Autores; 2019.. Tais confiáveis e acessíveis referências podem iluminar um debate, cujas longevidade e complexidade não poderiam ser devidamente contempladas neste artigo.

Dito isso, nossa abordagem sintética do transumanismo será baseada em Vilaça e Araujo2626 Vilaça MM, Araujo LBL. Transumanismo como religião? Uma abordagem crítica. Philósophos. 2021; 26(1):275-325.. Nosso objetivo é destacar apenas os traços gerais do transumanismo, tomando por base um autor-referência do debate – Nick Bostrom – e um documento-consenso subscrito por alguns dos mais relevantes pensadores transumanistas, a saber, a Declaração Transumanista.

O transumanismo é uma

[...] forma de pensar sobre o futuro que se baseia na premissa de que a forma atual da espécie humana não representa o fim do nosso desenvolvimento, mas uma fase inicial2727 Bostrom N. The Transhumanist FAQ. – A general introduction. Version 2.1. Oxford: Oxford University; 2003. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://www.nickbostrom.com/views/transhumanist.pdf.
https://www.nickbostrom.com/views/transh...
(4).

É um movimento intelectual e cultural que afirma ser possível e desejável melhorar a condição humana por meio de tecnologias amplamente disponíveis. Como um campo de estudos, caracteriza-se por uma abordagem interdisciplinar. Nele, as ramificações, as promessas e os perigos das tecnologias que, em tese, permitirão superar limitações humanas fundamentais são analisadas, abordagens que recobrem as questões éticas, sociais e estratégicas envolvidas, o que é feito de diversas perspectivas2626 Vilaça MM, Araujo LBL. Transumanismo como religião? Uma abordagem crítica. Philósophos. 2021; 26(1):275-325., 2727 Bostrom N. The Transhumanist FAQ. – A general introduction. Version 2.1. Oxford: Oxford University; 2003. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://www.nickbostrom.com/views/transhumanist.pdf.
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. Os transumanistas, prototipicamente, não adotam um otimismo tecnológico irrestrito, ingênuo ou acrítico. Em regra, eles reivindicam uma perspectiva crítica não conservadora sobre os potenciais tecnológicos, reconhecendo e se preocupando seriamente com os potenciais riscos que o desenvolvimento descontrolado e/ou desregulamentado geraria, sem descartar – muito pelo contrário, eles enfatizam – seus possíveis benefícios2828 Bostrom N. Transhumanist Values. J. Philos. Res. 2005 [acesso em 2022 nov 18]; 30(supl):3-14. Disponível em: https://www.nickbostrom.com/ethics/values.pdf.
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.

O transumanismo é tido como uma extensão do humanismo, mas, por outro lado, uma superação dele. Os transumanistas reconhecem o valor dos humanos, mas defendem que eles podem (ou mesmo devem) ser aprimorados em diversos aspectos ou dimensões, tanto individuais quanto coletivas2727 Bostrom N. The Transhumanist FAQ. – A general introduction. Version 2.1. Oxford: Oxford University; 2003. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://www.nickbostrom.com/views/transhumanist.pdf.
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. Ou seja, o horizonte humanista seria ampliado pela perspectiva transumanista, uma vez que a aplicação de meios racionais/tecnológicos sobre os humanos ultrapassaria limites até então estabelecidos (médico-terapêuticos por exemplo), alcançando o nível da alteração do organismo humano de formas profundas e extensas – quer por intervenções diretas nele, quer indiretas – para fins de transformação/melhoramento.

A seguir, destacaremos alguns tópicos da última versão da Declaração Transumanista, que nos parecem mais relevantes para nossos propósitos:

  1. 2. Acreditamos que o potencial da humanidade ainda não foi realizado. Existem cenários possíveis que levam a condições humanas melhoradas maravilhosas e extremamente valiosas.

  2. 6. A formulação de políticas deve ser orientada por uma visão moral responsável e inclusiva, levando a sério as oportunidades e os riscos, respeitando a autonomia e os direitos individuais, mostrando solidariedade e preocupação com os interesses e a dignidade de todas as pessoas ao redor do globo. Devemos também considerar nossas responsabilidades morais para com as gerações que existirão no futuro.

  3. 7. Defendemos o bem-estar de todas as senciências, incluindo humanos, animais não humanos e quaisquer intelectos artificiais futuros, formas de vida modificadas ou outras inteligências às quais o avanço tecnológico e científico possa dar origem.

  4. 8. Somos a favor de permitir aos indivíduos uma ampla escolha pessoal sobre como eles capacitam suas vidas. Isso inclui o uso de técnicas que podem ser desenvolvidas para auxiliar a memória, a concentração e a energia mental; terapias de extensão de vida; tecnologias de escolha reprodutiva; procedimentos criogênicos; e muitas outras modificações humanas possíveis e tecnologias de melhoramento2929 Baily D, Sandberg A, Alves G, et al. The Transhumanist Declaration. [local desconhecido]: Humanity+; 2009. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://www.humanityplus.org/the-transhumanist-declaration.
    https://www.humanityplus.org/the-transhu...
    .

Destacamos, também, os valores que orientariam o transumanismo, selecionando igualmente os mais diretamente relacionados ao nosso enfoque:

  1. - Valor central: ter a oportunidade de explorar os domínios transumano e pós-humano.

  2. - Condições básicas: segurança global; progresso tecnológico; amplo acesso.

  3. - Valores derivados: defesa da ideia de que a natureza humana pode ser modificada (rejeição da arrogância); garantia da escolha individual acerca do uso de tecnologias de melhoramento (liberdade morfológica); paz, cooperação internacional, antiproliferação de armas de destruição em massa; investimento no melhoramento da compreensão, incentivando o debate público, o pensamento crítico, a ‘mente aberta’, pesquisas científicas e a franca discussão sobre o futuro; ampliação da inteligência individual, coletiva e artificial; [...]; defesa da diversidade (espécies, raças, crenças religiosas, estilos de vida, etc.); cuidado do bem-estar de toda forma de vida senciente; compromisso de salvar e prologar vidas2727 Bostrom N. The Transhumanist FAQ. – A general introduction. Version 2.1. Oxford: Oxford University; 2003. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://www.nickbostrom.com/views/transhumanist.pdf.
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    (13).

Em síntese, o transumanismo é caracterizado – acusado e defendido – por apostar no potencial tecnológico para o melhoramento racional da vida humana, partindo de pressupostos evolucionários acerca da denominada natureza humana. Ou seja, contra uma noção tradicional, fixista e, por vezes, sagrada de natureza humana, os transumanistas compreendem que a artificialização da condição humana tem grande potencial benéfico, sem desconsiderar que este depende do controle do seu potencial maléfico, quer no plano empírico (da segurança e eficácia das intervenções), quer no plano normativo (ético, social e político). Como é possível ver acima, ainda que, por óbvio, o transumanismo seja criticável, muitas das críticas direcionadas a ele são absolutamente infundadas caso se considere sua versão acadêmica mais relevante e proeminente2424 Vilaça MM. Levando o transumanismo a sérios – isso não é uma apologia! In: Oliveira J, Lopes WES, organizadores. Transumanismo: o que é, quem vamos ser. Caxias do Sul: Educs; 2020. p. 135-160.. A título de ilustração, ao contrário do que alguns bioconservadores afirmam, os transumanistas não são ingênuos e acríticos tecnofílicos/tecnocratas, individualistas e mercantilistas empedernidos, alheios a preocupações de ordem social local e global. Talvez, como Vilaça2424 Vilaça MM. Levando o transumanismo a sérios – isso não é uma apologia! In: Oliveira J, Lopes WES, organizadores. Transumanismo: o que é, quem vamos ser. Caxias do Sul: Educs; 2020. p. 135-160. argumenta, um dos grandes desafios para o transumanismo é como viabilizar todos os benefícios razoavelmente projetados por meio do progresso tecnológico em sociedades que carecem claramente das condições básicas e dos valores derivados supracitados. Assim, a utopia transumanista pode ser mais plausivelmente criticada pela sua viabilidade prática (facticidade) do que pelos seus princípios, fundamentos e objetivos (validade).

Feita essa apresentação sintética, mas capaz de apresentar ao leitor alguns dos traços fundamentais do transumanismo, na seção a seguir, apresentaremos a noção de direitos transumanos, seu caráter amplificado e sua pertinência para uma demanda que caracteriza parte da população LGBTI+, a saber, a reivindicação de alteração significativa da sua morfologia, quando desejável, o que impõe intervenções sobre a própria integridade física, a fim de adequá-la ao modo como dada pessoa se autoidentifica em termos sexuais e/ou de gênero.

Direitos transumanos: enfatizando a liberdade morfológica

Nas seções anteriores, vimos que não ser contemplado por aparatos normativos pode expor grupos específicos a mais violências, as quais são reforçadas e/ou perpetuadas em razão do que podemos chamar de uma ‘cultura’ da exclusão de certos seres/sistemas funcionais, o que licencia ou ameniza, no plano sociocultural, uma série de opressões. Também destacamos que, em parte, no caso específico dos seres humanos, uma concepção essencialista, fixa e/ou binária pode produzir significativos danos a uma população que não se enquadra naquilo que, supostamente, seria a natureza humana.

Embora tal crítica, por si só, possa não ser suficiente para interromper um ciclo histórico de exclusões, violências e opressões, parece-nos que, em sociedades modernas e liberais, esse seria um passo importante para que identidades de gênero consideradas inconformes pudessem reivindicar direitos. Dito de outro modo, ser incluído como detentor de direitos básicos e/ou como concernido moral, independentemente da presentificação de características físicas e/ou biológicas que supostamente predominam entre os seres ditos humanos, é um passo importante para promover sua proteção e tentar garantir o atendimento de suas necessidades básicas.

Nesse sentido, para reforçar e concluir nossa abordagem, chamamos a atenção para a noção de direitos transumanos e, mais especificamente, focalizamos uma liberdade transumanista fundamental: a ‘liberdade morfológica’.

De saída, enfatizamos uma diferença fundamental entre a DUDH e a DTD. Ao passo que a DUDH se restringe à proteção da dignidade e dos direitos de uma espécie (ou família) específica e a concebe como binária (homem e mulher), na DTD, os ‘sujeitos de direitos’ são as ‘entidades sencientes’3030 Transhumanist Party. Transhumanist Bill of Rights – version 3.0. [local desconhecido]: Transhumanist Party; 2018. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://transhumanist-party.org/tbr-3/.
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. No art. I, lê-se que:

[...] Todas as entidades sencientes têm o direito de buscar todos e quaisquer direitos dentro deste documento na medida em que considerem desejável – incluindo nenhum. Todas as entidades sencientes têm direito, na medida de suas decisões individuais, a todos os direitos e liberdades estabelecidos nesta DECLARAÇÃO DE DIREITOS TRANSUMANISTA, sem distinção de qualquer espécie, como raça, cor, sexo, gênero, idioma, religião, ou outra opinião, origem nacional, social ou planetária, propriedade, nascimento (incluindo forma de nascimento), origens biológicas ou não biológicas ou outro status3030 Transhumanist Party. Transhumanist Bill of Rights – version 3.0. [local desconhecido]: Transhumanist Party; 2018. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://transhumanist-party.org/tbr-3/.
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.

Tendo destacado o teor mais inclusivo da DTD, focalizaremos a liberdade morfológica, que está disposta no seu art. X, em que se lê que

as entidades sencientes concordam em defender a liberdade morfológica – o direito de fazer com os atributos físicos ou a inteligência de alguém o que quiser, desde que não prejudique os outros3030 Transhumanist Party. Transhumanist Bill of Rights – version 3.0. [local desconhecido]: Transhumanist Party; 2018. [acesso em 2022 nov 18]. Disponível em: https://transhumanist-party.org/tbr-3/.
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.

Para Sandberg3131 Sandberg A. Morphological freedom – Why we not just want it, but need it. In: More M, Vita-More N, editors. The Transhumanist Reader. Chichester, UK: Wiley-Blackwell; 2013. p. 56-64.(5), a liberdade morfológica é “[...] uma extensão do direito de alguém ao seu corpo, não apenas à autopropriedade, mas também ao direito de se modificar conforme seus desejos”. Ou seja, não é apenas a integridade física que seria um direito, mas também a possibilidade de a alterar de acordo com certos desejos, necessidades ou propósitos.

Na perspectiva de Sandberg3131 Sandberg A. Morphological freedom – Why we not just want it, but need it. In: More M, Vita-More N, editors. The Transhumanist Reader. Chichester, UK: Wiley-Blackwell; 2013. p. 56-64., tal liberdade está incluída em um rol de outros direitos humanos tidos como fundamentais, tais como: à vida, à liberdade, à propriedade, ao uso do próprio corpo, de buscar a felicidade. Ao ressaltar que ela não é atômica, mas que se relaciona com vários outros direitos e deveres, bem como é dependente das interações humanas, de modo que não isentaria os humanos de suas obrigações mútuas, Sandberg3131 Sandberg A. Morphological freedom – Why we not just want it, but need it. In: More M, Vita-More N, editors. The Transhumanist Reader. Chichester, UK: Wiley-Blackwell; 2013. p. 56-64.(57) afirma que, “como um direito negativo, a liberdade morfológica implica que ninguém pode nos forçar a mudar de uma forma que não desejamos ou impedir nossa mudança. Isso maximiza a autonomia pessoal”, protegendo-nos do que denomina de ‘biomedicina coercitiva’.

Ainda segundo Sandberg3232 Sandberg A. Morphological Freedom: what are the limits to transforming the body. In: Lindenmeyer C, editor. L’humain et ses prothèses: Savoirs et pratiques du corps transforme. Paris: NRS Editions; 2015. [acesso em 2023 maio 4]. Disponível em: http://www.aleph.se/papers/MF2.pdf.
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,

A liberdade morfológica como direito pode ser vista como uma consequência do direito ao corpo combinado com o direito à liberdade (onde o direito ao corpo decorre do direito à vida). Para florescermos como seres humanos, precisamos que os outros respeitem os nossos corpos, mas também respeitem a nossa liberdade de ação. Algumas dessas ações, numa sociedade biotecnologicamente avançada, implicarão a modificação dos nossos corpos, e, portanto, os direitos mais fundamentais implicam a liberdade morfológica.

A liberdade morfológica também é considerada como algo que está intrinsicamente ligado à personalidade, afirma o autor. Ou seja, “não pode ser retirada de uma pessoa sem que se remova um aspecto importante do que significa ser uma pessoa”3232 Sandberg A. Morphological Freedom: what are the limits to transforming the body. In: Lindenmeyer C, editor. L’humain et ses prothèses: Savoirs et pratiques du corps transforme. Paris: NRS Editions; 2015. [acesso em 2023 maio 4]. Disponível em: http://www.aleph.se/papers/MF2.pdf.
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. Indo ao encontro do nosso objetivo neste artigo, Sandberg defende que, como seres biológicos, somos alterados por nossas ações pessoais deliberadas. Muitas dessas ações, afirma ele, têm vínculos profundos com nossa identidade e autodefinição. Entre os exemplos citados por ele, está justamente o que o autor chama de ‘mudança da aparência e redesignação de gênero’. Então, como um direito de liberdade e um direito de reivindicação, a liberdade morfológica, isto é, a liberdade que uma pessoa tem de fazer certas coisas com seu corpo e a garantia de que outros não interfiram nisso é, a nosso juízo, um tipo de liberdade sem o qual pessoas trans não poderiam florescer em aspectos absolutamente fundamentais, incontornáveis da sua identidade e personalidade.

A título de ressalva, reforçando algo que já destacamos acima – a saber, que toda liberdade tem limites, deve ser limitada, inclusive em face de outras liberdades, e não é exercida em abstrato, num vazio social e cultural –, Sandberg3232 Sandberg A. Morphological Freedom: what are the limits to transforming the body. In: Lindenmeyer C, editor. L’humain et ses prothèses: Savoirs et pratiques du corps transforme. Paris: NRS Editions; 2015. [acesso em 2023 maio 4]. Disponível em: http://www.aleph.se/papers/MF2.pdf.
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indica seis limites da liberdade morfológica: segurança; limites tecnológicos e biológicos; nossa própria vontade de mudar a identidade; maus usos (produção de danos); ética da autoexperimentação; direitos das pessoas com deficiência.

Em complemento à ressalva, embora a liberdade morfológica ocorra, de fato, há muito tempo, em vários domínios, por variadas razões e em nome de múltiplos propósitos, e esteja sendo radicalmente ampliada com novas tecnologias e suas utilizações, destacamos que, em conformidade com Vilaça e Dias3333 Vilaça MM, Dias MC. Biotransformação ou biomelhoramento: entre fatos e valores. Hybris. 2021; 12(1):61-82., nem toda biotransformação é (ou será) um biomelhoramento, contribuirá para o florescimento da pessoa modificada, em uma relação mais ou menos tensa com o contexto vivido. Dito de outra forma, para ser um melhoramento, uma mudança tem que implementar um valor ou um conjunto de valores endossado pelo indivíduo alterado, o que envolve preferências, desejos e expectativas relativas à boa vida que podem variar imensamente de indivíduo para indivíduo, sobretudo em sociedades em que vigora o chamado pluralismo ético. Segundo os autores,

[...] conquanto mudanças possam ser associadas a melhorias, e vice-versa, a direção de ajuste, no nosso entendimento, sempre será ‘mudanças → valores’. Escolhemos as mudanças que se ajustam aos nossos valores. Ou seja, a partir de uma ‘lista’ prévia de valores, os sujeitos ‘partem para o mundo’, selecionando que mudanças podem promovê-los. Biotransformações seriam formas que os humanos poderiam utilizar para se ajustar a uma concepção de bem viver, promovendo, assim, um biomelhoramento.

Considerando a biotransformação como uma tomada de decisão complexa baseada em juízos de valor, cabe-nos [...] destacar que, na prática, os indivíduos podem variar tanto em relação ao que valorizam quanto ao que podem decidir fazer3333 Vilaça MM, Dias MC. Biotransformação ou biomelhoramento: entre fatos e valores. Hybris. 2021; 12(1):61-82.(77).

Como o indivíduo modificado é parte de um contexto e, em parte, é constituído por ele, tais mudanças, ainda que atendam plenamente às suas demandas, podem gerar mais ou menos resistências da parte de outros indivíduos, efeito relativamente imprevisível e mutável com o qual terá de lidar de alguma forma. As resistências às mudanças podem se agravar, diminuir ou, até mesmo, desaparecer com o passar do tempo devido a variadas mudanças, mas, mais propriamente, em razão das mudanças axiológicas. Assim, o progresso tecnológico pode ampliar liberdades, que podem viabilizar mudanças afeitas a um indivíduo, que podem, no limite, gerar mudanças sociais amplas. É, portanto, na interseção entre tecnologias, demandas individuais e condições contextuais que se pode falar sobre o tema de modo mais realista.

Enfim, sem desconsiderar os limites da liberdade morfológica, para efeito do cumprimento do nosso objetivo neste artigo, pensamos que resta clara a sua importância em um conjunto mais amplo de liberdades. A liberdade morfológica, cuja legitimidade não dependeria da autorização médico-terapêutica (portanto, não seria necessário identificar uma anormalidade/patologia para que se permitisse uma intervenção), operaria, ao mesmo tempo, contra formas de coerção e dominação que poderiam decorrer da implementação autoritária das tecnologias de melhoramento humano e garantiria a todos o direito de, se quiserem, alterar parcial/pontual ou amplamente seu corpo, dando a ele a forma adequada ou necessária para que alguém seja ou se torne quem quer ser, e, com isso, realize um plano de boa vida compatível com outros planos de boa vida (‘desde que não prejudique os outros’ como afirmado acima).

Considerações finais

Nos limites deste texto, e caminhando para sua conclusão, em síntese, reafirmamos a necessidade moral de que as normas que regulam as sociedades e a existência dos seres que a compõem devem ser alvo de constante aperfeiçoamento, o que, em regra, inclui a ampliação de direitos. Tal necessidade não deve ocorrer sem uma frequente e necessária escuta dos grupos sociais e suas histórias, destacando que os registros de suas travessias, conforme Jesus1414 Jesus JG. Travessia: caminhos das pessoas trans na história. In: Green JN, Quinalha R, Caetano M, et al., organizadores. História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo, Editora Alameda; 2018. p. 379-392., nem sempre passam pela escrita. Dessa forma, torna-se premente que o entendimento acerca da liberdade morfológica passe, também, pela oralitura dos corpos trans e travestis em movimento.

A inclusão do direito à modificação do corpo, que é fundamental para algumas pessoas trans e travestis, não implica qualquer prejuízo ao direito de preservar a integridade física, conforme o oralitura das transcorporalidades nos informam. Quer dizer, a liberdade morfológica exprimiria uma ampliação do rol de direitos, não acarretaria conflito de normas e, portanto, serviria para incluir funcionamentos específicos que demandam reconhecimento legal. A DTD, que merece mais atenção analítica do que pudemos dedicar aqui, parece, no que se refere à autodeterminação corporal, ser mais adequada do que a DUDH, pois reconhece, protege e repara um grupo antes negligenciado, postulando o direito à identidade de gênero, o que passa, em alguns casos, pela alteração morfológica, a fim de viabilizar sua autoidentificação e autorrealização.

  • Suporte financeiro: Vilaça conta com financiamentos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj – JCNE: E-26/201.377/2021) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): APQ/PRÓ-HUMANIDADES (421523/2022-0); Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ2; 315804/2023-8); Chamada Universal (421419/2023-7). Dias é Cientista do Nosso Estado (Faperj – CNE) e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (PQ-SR)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Dez 2023

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2022
  • Aceito
    22 Maio 2023
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