RESUMO
O artigo teve como objetivo mapear inquéritos populacionais que identificam dados sobre violências domésticas, intrafamiliares, por parceiro íntimo e sexual, incluindo abordagens sobre comportamento sexual e diversidade sexual e de gênero. Realizou-se uma revisão de escopo conforme as diretrizes do JBI e do checklist PRISMA-ScR. A busca foi conduzida de dezembro de 2021 a abril de 2022 nas bases de dados Lilacs e Medline, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações para a literatura cinzenta, e extensiva a 18 fontes, dentre sites e instituições pertinentes ao tema. Das 1.191 publicações recuperadas, 57 fizeram parte da amostra final. A maior parte dos inquéritos foi conduzida no Brasil, Portugal e Estados Unidos. Os estudos focaram, principalmente, na violência doméstica ou sexual, sendo seus dados obtidos por entrevista presencial. Percebe-se que variáveis como fatores de risco e proteção, preditores e determinantes sociais de violência ainda são pouco exploradas nos inquéritos, limitando a compreensão do fenômeno. A revisão aqui relatada pode subsidiar o planejamento de novas pesquisas e subsequentes ações de prevenção, avaliação de serviços e de intervenções em saúde, bem como a implantação de políticas públicas de manejo da carga social e individual impostas às vítimas de violência.
PALAVRAS-CHAVES
Inquéritos epidemiológicos; Questionários; Violência; Exposição à violência
Introdução
A violência é um fenômeno que permeia variados contextos, histórias, culturas, gêneros, sexos e pode ser experienciada pelas pessoas em diferentes fases do desenvolvimento. O relatório mundial sobre violência, proposto e realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2002, foi o primeiro a abordar o tema de maneira global e mostrou que mais de 1,6 milhão de pessoas perdiam a vida anualmente em decorrência de uma situação de violência coletiva, interpessoal ou auto infligida. Identificou que o impacto dessas perdas pode trazer prejuízos de forma indireta a um número imensurável de pessoas e evidenciou que onde as situações de violências persistem, há um sério comprometimento à saúde de forma coletiva11 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, et al. Relatório mundial sobre violência e saúde [Internet]. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2002 [acesso em 2022 jan 7]. Disponível em: https://opas.org.br/wp-content/uploads/2015/09/relatorio-mundial-violencia-saude-1.pdf
https://opas.org.br/wp-content/uploads/2... .
Ao fazer um recorte quanto a questão de gênero, é possível identificar que a violência contra as mulheres está presente em todos os países e culturas, causando danos a milhões de vítimas e suas famílias. O relatório da OMS, que estimou a prevalência de violência contra a mulher, encontrou que, em 2018, cerca de 641 milhões de mulheres sofreram violência e somente 6% delas, em todo o mundo, relataram terem sido violentadas sexualmente por alguém que não seja seu marido ou parceiro íntimo. Pela subnotificação, pode-se afirmar que, provavelmente, o número real seja significativamente mais alto, tendo sido agravado pela pandemia de covid-1922 World Health Organization. Violence against women prevalence estimates, 2018: global, regional and national prevalence estimates for intimate partner violence against women and global and regional prevalence estimates for non-partner sexual violence against women [Internet]. World Health Organization. Geneva: WHO; 2021 [acesso em 2022 jan 7]. Disponível em: https://iris.who.int/handle/10665/341337
https://iris.who.int/handle/10665/341337... , 33 Pan American Health Organization. Addressing violence against women in health policies and protocols in the Americas: A regional status report [Internet]. Washington, D.C.: PAHO; 2022 [acesso em 2022 jan 12]. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/56750/9789275126387_eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1... .
Estima-se que 37% das mulheres que vivem nos países mais pobres sofreram violência física ou sexual por parte de seu parceiro ao longo da vida; alguns desses países atingem taxas de prevalência de até uma em cada duas mulheres. Mulheres mais jovens estão em maior risco de violência recente. Entre aquelas que já estiveram em um relacionamento íntimo, as maiores taxas (16%) de violência praticada pelo parceiro íntimo nos últimos doze meses foram observadas entre 15 e 24 anos22 World Health Organization. Violence against women prevalence estimates, 2018: global, regional and national prevalence estimates for intimate partner violence against women and global and regional prevalence estimates for non-partner sexual violence against women [Internet]. World Health Organization. Geneva: WHO; 2021 [acesso em 2022 jan 7]. Disponível em: https://iris.who.int/handle/10665/341337
https://iris.who.int/handle/10665/341337... .
A violência por parte de parceiros íntimos é a forma mais comum de violência contra as mulheres. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a violência contra as mulheres é um problema generalizado de saúde pública e de direitos humanos. Na região das Américas, uma em cada três mulheres sofre violência física ou sexual durante sua vida, e os fatores de risco são encontrados nos níveis individual, familiar, comunitário e social33 Pan American Health Organization. Addressing violence against women in health policies and protocols in the Americas: A regional status report [Internet]. Washington, D.C.: PAHO; 2022 [acesso em 2022 jan 12]. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/56750/9789275126387_eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1... .
A Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), em seu décimo sexto objetivo, prevê paz, justiça e instituições eficazes, e a meta de reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade, o que destaca a importância de pesquisas sobre essa temática44 United Nations. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development [Internet]. [New York]: UN; 2021 [acesso em 2022 fev 4]. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld/publication
https://sustainabledevelopment.un.org/po... .
A prevenção da violência exige o enfrentamento das desigualdades econômicas e sociais estruturais para garantir acesso à educação, moradia e trabalho seguro e transformar as normas e instituições discriminatórias de gênero22 World Health Organization. Violence against women prevalence estimates, 2018: global, regional and national prevalence estimates for intimate partner violence against women and global and regional prevalence estimates for non-partner sexual violence against women [Internet]. World Health Organization. Geneva: WHO; 2021 [acesso em 2022 jan 7]. Disponível em: https://iris.who.int/handle/10665/341337
https://iris.who.int/handle/10665/341337... . As intervenções bem-sucedidas também incluem estratégias que garantam que os serviços essenciais estejam disponíveis e acessíveis às sobreviventes, que apoiem as organizações de mulheres, desafiem as normas sociais injustas, reformem as leis discriminatórias e fortaleçam as respostas legais e de cuidado22 World Health Organization. Violence against women prevalence estimates, 2018: global, regional and national prevalence estimates for intimate partner violence against women and global and regional prevalence estimates for non-partner sexual violence against women [Internet]. World Health Organization. Geneva: WHO; 2021 [acesso em 2022 jan 7]. Disponível em: https://iris.who.int/handle/10665/341337
https://iris.who.int/handle/10665/341337... . Para tanto, faz-se necessário que instituições governamentais, de ensino e de pesquisa elaborem investigações pautadas no delineamento de inquéritos populacionais para mapear e monitorar dados que contribuam na definição de prioridades, investimentos e possam subsidiar políticas públicas e práticas intersetoriais de enfrentamento à violência55 Victora CG. Por que precisamos de inquéritos populacionais sobre saúde? Cad Saúde Pública. 2022;38(supl1):e00010222. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT010222
https://doi.org/10.1590/0102-311XPT01022... .
Analisar conjuntamente dados de inquéritos e dados secundários de rotina do Sistema Único de Saúde (SUS), complementam e ampliam a compreensão sobre a saúde da população de um país. Ademais, os inquéritos permitem interseccionar os indicadores estudados para subgrupos populacionais, evidenciando e monitorando desigualdades sociais em saúde55 Victora CG. Por que precisamos de inquéritos populacionais sobre saúde? Cad Saúde Pública. 2022;38(supl1):e00010222. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT010222
https://doi.org/10.1590/0102-311XPT01022... .
Inquéritos realizados em diferentes países66 Medina-Ariza J, Barberet R. Intimate partner violence in spain findings from a national survey. VAW. 2003;9(3):302-322. DOI: https://psycnet.apa.org/doi/10.1177/1077801202250073
https://psycnet.apa.org/doi/10.1177/1077... , 77 Briceño-León R, Perdomo G. Violence against indigenous children and adolescents in Venezuela. Cad Saúde Pública. 2019;35(supl3). DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00084718
https://doi.org/10.1590/0102-311X0008471... , 88 Ariyo T, Jiang Q. Violência por parceiro íntimo e amamentação exclusiva de bebês: análise da pesquisa demográfica e de saúde da Nigéria de 2013. Int Amamentar J. 2021;16(15). DOI: https://doi.org/10.1186/s13006-021-00361-9
https://doi.org/10.1186/s13006-021-00361... colocam em foco as questões relacionadas à violência. A partir deles, é possível verificar a conformidade dos discursos de proteção com a realidade de cada local, além de garantir dados para a elaboração de políticas voltadas para o enfrentamento dessa questão. No Brasil, os inquéritos existentes, mesmo o Atlas da Violência99 Cerqueira D, Bueno S, Alves PP, et al. Atlas da Violência 2022 [Internet]. Brasília, DF: Ipea, FBSP; 2020 [acesso em 2022 jan 23]. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10214/1/Atlas-Violencia2020.pdf
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream... , não são suficientes para abranger os vários contextos e cenários de violência existentes no país. Muitos precisam ser revisados e aperfeiçoados1010 Waldman EA, Novaes HMD, Albuquerque MFM, et al. Inquéritos populacionais: aspectos metodológicos, operacionais e éticos. Rev Bras Epidemiol. 2008;11:168-179. DOI: https://doi.org/10.1590/S1415-790X2008000500018
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200800... , o que traz relevância para esta revisão.
As revisões de escopo permitem mapear, sintetizar e analisar amplas e variadas evidências sobre determinado tema, além de subsidiar a construção de novas investigações1111 Munn Z, Peters MDJ, Stern C, et al. Systematic review or scoping review? Guidance for authors when choosing between a systematic or scoping review approach. BMC Med Res Methodol. 2018;18(1):143. DOI: https://doi.org/10.1186/s12874-018-0611-x
https://doi.org/10.1186/s12874-018-0611-... . Para a construção, portanto, de inquéritos e estudos sobre violência, é útil mapear as evidências disponíveis sobre como são conduzidas as pesquisas e inquéritos sobre violência, quais os meios utilizados para abordar os participantes, quais as variáveis coletadas, quais as barreiras e facilitadores para a pesquisa, qual a orientação metodológica, dentre outros.
O objetivo da revisão de escopo não é apresentar resultados sobre os desfechos dos estudos de violência, como, por exemplo, uma revisão sistemática tradicional sobre o tema, mas orientar, com base nas evidências da literatura, as melhores práticas sobre como realizar inquéritos e estudos sobre violência com a população e subsidiar censos, estudos populacionais, inquéritos e estudos epidemiológicos que sejam, por sua vez, ferramentas para o planejamento de políticas públicas para o manejo da violência e suas consequências.
Diante do exposto, este estudo teve por objetivo desenvolver uma revisão de escopo para mapear inquéritos populacionais cuja finalidade é identificar dados sobre violências domésticas, intrafamiliares, por parceiro íntimo e sexual, incluindo abordagens sobre comportamento sexual e diversidade sexual e de gênero. Espera-se que os achados subsidiem o delineamento de estratégias de coleta e análise de dados sobre violência a serem utilizadas em inquéritos populacionais.
Material e métodos
Trata-se de uma revisão de escopo que se caracteriza como estudo descritivo, exploratório e bibliográfico. Foi conduzida de acordo com a metodologia JBI para revisões de escopo1212 Peters MDJ, Godfrey C, McInerney P, et al. Chapter 11: Scoping Reviews. In: Aromataris E, Munn Z, editores. Joanna Briggs Institute Reviewer’s Manual. [local desconhecido]: The Joanna Briggs Institute; 2017 [acesso em 2022 jan 23]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/319713049_2017_Guidance_for_the_Conduct_of_JBI_Scoping_Reviews
https://www.researchgate.net/publication... , 1313 Peters MDJ, Marnie C, Tricco AC, et al. Updated methodological guidance for the conduct of scoping reviews. JBI Evid Synth. 2020;18(10):2119-2126. DOI: https://doi.org/10.11124/JBIES-20-00167
https://doi.org/10.11124/JBIES-20-00167... e com o checklist PRISMA-ScR1414 Tricco AC, Lillie E, Zarin W, et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Ann Intern Med. 2018;169(7):467-473. DOI: https://doi.org/10.7326/M18-0850
https://doi.org/10.7326/M18-0850... . O protocolo desta revisão foi registrado na plataforma Open Science Framework (OSF) sob o DOI: 10.17605/OSF.IO/AJ6GC. As revisões de escopo possuem uma pergunta de pesquisa e critérios mais amplos do que as revisões sistemáticas tradicionais, embora também façam uso de métodos sistemáticos e transparentes para sua elaboração. É um delineamento de estudo utilizado para mapear, de forma ampla, as evidências disponíveis sobre um determinado assunto1414 Tricco AC, Lillie E, Zarin W, et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Ann Intern Med. 2018;169(7):467-473. DOI: https://doi.org/10.7326/M18-0850
https://doi.org/10.7326/M18-0850... . Foi utilizada a estratégia do acrônimo PCC para a elaboração da pergunta de pesquisa sendo: P para problema - inquéritos de base populacional; C para conceito - violências domésticas, intrafamiliares, por parceiro íntimo e sexual, incluindo abordagens sobre comportamento sexual e diversidade sexual e de gênero e relacionadas às políticas de equidade; e C para contexto - global. A questão da revisão foi conhecer os inquéritos e base populacional que abordaram dados sobre violências
Incluíram-se documentos que apresentaram dados cujos participantes foram pessoas que sofreram algum tipo de violência tal como o uso intencional da força ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, contra um grupo ou uma comunidade, que resultou ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação1515 Silva VSTM, Pinto LF. Inquéritos domiciliares nacionais de base populacional em saúde: uma revisão narrativa. Ciênc saúde coletiva. 2020;26(9):4045-4058. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.28792020
https://doi.org/10.1590/1413-81232021269... . Consideraram-se elegíveis os documentos que abordaram inquéritos sobre levantamento de dados envolvendo violência doméstica, intrafamiliar, por parceiro íntimo e sexual, incluindo abordagens sobre comportamento sexual e diversidade sexual e de gênero, independentemente das instituições responsáveis, dos aspectos culturais ou geográficos. Entende-se por inquérito as metodologias de pesquisa que utilizam estratégias de coleta de dados sistemáticas a partir de entrevistas aplicadas a uma amostra significativa da população analisada com o objetivo de subsidiar a formulação e avaliação de políticas públicas1616 World Health Organization, Global Consultation on Violence and Health. Violence: a public health priority [Internet]. Geneva: WHO; 1996 [acesso em 2022 jan 11]. Disponível em: https://iris.who.int/handle/10665/179463
https://iris.who.int/handle/10665/179463... .
Esquema de busca
Realizaram-se pesquisas preliminares em bases de dados que publicam protocolos tais como OSF, Cochrane, Figshare, JBI e PROSPERO, não sendo identificadas revisões de escopo ou sistemáticas sobre o tema. As buscas nas bases de dados foram realizadas no período de dezembro de 2021 a abril de 2022 e priorizaram localizar inquéritos de base populacional publicados em formato de relatório. Na ausência desse material, optou-se por considerar estudos publicados em formato de artigo científico.
Uma pesquisa inicial limitada às bases de dados nacionais e internacionais, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a National Institute of Justice (EUA), foi realizada para identificar documentos sobre o tema. As palavras relevantes do texto, títulos, resumos e os termos de índice usados para descrever os documentos acessados foram usados para o desenvolvimento de um esquema completo de busca.
O esquema de busca incluiu os descritores “violência”, “exposição à violência”, “inquérito demográfico”, “demografia” e suas variações, conforme os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e o Medical Subject Headings (MeSH), sendo adaptados para cada fonte de informação, assim como a combinação dos operadores booleanos AND e OR. Dada a característica não clássica das bases de dados pesquisadas, o esquema em cada uma delas teve que ser adaptado aos recursos disponíveis em seus endereços eletrônicos. Utilizamos estratégias tais como buscas manuais nos ícones dos sites, busca simples com termos como “violência” e “levantamento”, “violence and survey”, “violência”, entre outros, em caixas de buscas dos endereços eletrônicos. O quadro 1 resume as estratégias, datas e resultados das buscas realizadas em cada fonte. Não houve restrição de idioma ou período de publicação.
Descrição dos esquemas de buscas, datas e resultados das buscas para cada uma das fontes de dados
Fontes de dados
As buscas foram realizadas nas bases e websites de instituições mais comumente envolvidas com essas temáticas. As bases de dados inicialmente pesquisadas foram Lilacs e Medline, além dos portais Ipea, Observatório da Violência Contra a Mulher Santa Catarina, Observatório da Violência Contra a Mulher do Rio Grande do Sul, Observatório Judicial da
Violência contra a Mulher do Rio de Janeiro, Observatório Nacional de Violência de Género – Lisboa, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fundação Oswaldo Cruz e Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad).
Outras bases foram identificadas e acrescentadas no decorrer do processo de seleção ou na fase de leitura das publicações na íntegra: Laboratório de Análise da Violência, Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, Instituto Marielle Franco, Instituto Maria da Penha, Instituto Patrícia Galvão, Instituto sou da Paz, Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude (Asbrad), Associação de Apoio à Vítima (Apav), Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Núcleo de Informação e Documentação (NID/Claves), além das que haviam sido propostas no protocolo de revisão. A busca por estudos não publicados e literatura cinzenta foi realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
Seleção dos documentos
Todas as citações identificadas foram coletadas e inseridas em uma planilha Excel. Títulos e resumos foram avaliados por duplas de revisores independentes quanto aos critérios de inclusão da revisão. Um teste piloto foi conduzido para ajustar o nível de concordância entre os revisores. Todos os documentos potencialmente relevantes foram recuperados na íntegra. Duplas de revisores independentes avaliaram detalhadamente o texto completo das citações selecionadas e as razões para sua exclusão dos estudos foram registradas e relatadas. Qualquer desacordo entre revisores em cada fase do processo de seleção foi resolvido com o apoio de um terceiro revisor. Os resultados da pesquisa foram apresentados por meio do fluxograma PRISMA1414 Tricco AC, Lillie E, Zarin W, et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Ann Intern Med. 2018;169(7):467-473. DOI: https://doi.org/10.7326/M18-0850
https://doi.org/10.7326/M18-0850... .
Extração dos dados
Na primeira etapa, duplas de revisores extraíram os dados de forma independente, usando um formulário de extração elaborado e previamente testado pelos revisores. Os dados extraídos incluíram detalhes bibliográficos e informações específicas para esta revisão, nos seguintes tópicos: i) detalhes bibliográficos: título do estudo, autor(es), data de publicação, localização geográfica e tipo de publicação; ii) detalhes do estudo: objetivo(s), desenho do estudo, população estudada (sexo/gênero, idade, escolaridade, região geográfica, renda, raça/cor, estado civil, ocupação, religião e se tem filhos), amostra, instrumentos de rastreio e escalas de violência; iii) informações específicas para esta revisão do escopo: tipos de violência, variáveis utilizadas para descrever as situações de violências domésticas, intrafamiliares, por parceiro íntimo e sexual, incluindo abordagens sobre comportamento sexual e diversidade sexual e de gênero e relacionadas às políticas de equidade, formas de investigação; e iv) principais dificuldades.
Não foi necessário contatar os autores dos documentos incluídos para a obtenção de dados ausentes ou informações adicionais.
Síntese dos dados
Com base nas diretrizes de revisão de escopo do JBI1212 Peters MDJ, Godfrey C, McInerney P, et al. Chapter 11: Scoping Reviews. In: Aromataris E, Munn Z, editores. Joanna Briggs Institute Reviewer’s Manual. [local desconhecido]: The Joanna Briggs Institute; 2017 [acesso em 2022 jan 23]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/319713049_2017_Guidance_for_the_Conduct_of_JBI_Scoping_Reviews
https://www.researchgate.net/publication... , 1313 Peters MDJ, Marnie C, Tricco AC, et al. Updated methodological guidance for the conduct of scoping reviews. JBI Evid Synth. 2020;18(10):2119-2126. DOI: https://doi.org/10.11124/JBIES-20-00167
https://doi.org/10.11124/JBIES-20-00167... para ilustrar e resumir as principais descobertas, os dados foram apresentados separadamente em forma tabular e gráfica para cada abordagem.
Um resumo narrativo acompanhou os resultados. Todos os achados foram combinados e classificados de acordo com as principais categorias obtidas durante o processo de extração de dados. Subcategorias específicas foram relacionadas às questões de revisão no intuito de identificar e esclarecer como a literatura abordou: i) população; ii) conceito, ou seja, descrição, metodologia ou métodos; iv) contexto, v) instrumentos de rastreio e escala, v) delineamento da pesquisa, vi) tipos de inquéritos populacionais.
Resultados
A busca resultou em 1.191 publicações, das quais 571717 Carvalho JR, Oliveira VH. Pesquisa de condições socioeconômicas e violência doméstica e familiar contra a mulher – Relatório Executivo III – Primeira Onda – 2016. Prevalência da Violência Doméstica e o Impacto nas Novas Gerações [Internet]. [local desconhecido]: Instituto Maria da Penha; 2016 [acesso em 2022 jan 11]. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/assets/downloads/relatorio_I.pdf
https://www.institutomariadapenha.org.br... , 1818 Bueno S, Martins J, Pimentel A. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil [Internet]. 3. ed. [local desconhecido]: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021 [acesso em 2022 mar 11]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/relatorio-visivel-e-invisivel-3ed-2021-v3.pdf
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https://run.unl.pt/bitstream/10362/56714... foram incluídas na revisão de escopo, como está apresentado na figura 1.
O quadro 2 informa que os estudos incluídos foram, em sua maioria, publicados de 2011 a 2020 e que houve apenas três publicações sobre a temática antes do ano 2000. Ressalta-se que, somente em 2021 e 2022, já foram publicados quatro estudos sobre o tema. O Brasil liderou em número de publicações nessa amostra, fazendo com que a América do Sul fosse o continente com maior número de publicações sobre o tema (n = 30), seguido por Estados Unidos (n = 8), Portugal (n = 3) e Bangladesh (n = 2) e Espanha (n = 2). África (n = 6) e Ásia (n = 4) tiveram representatividade na amostra. Quanto à amostra desta revisão, a maioria do material selecionado foi publicados em artigos científicos.
Caracterização dos estudos incluídos na amostra da revisão quanto à autoria, ano, tipo de publicação, país de origem e abrangência territorial. Organizados segundo seleção na amostra
Os estudos, em sua maioria, desejaram saber a opinião de mais de um entrevistado. A opinião mais encontrada foi de mulheres, mesmo quando o assunto não foi diretamente a violência de gênero. Idosos e adolescentes também foram bastante avaliados nas pesquisas. Salienta-se a baixa quantidade de estudos questionando a opinião ou experiência de crianças e populações vulneráveis. Acerca do método de coleta, 49 estudos utilizaram entrevistas1717 Carvalho JR, Oliveira VH. Pesquisa de condições socioeconômicas e violência doméstica e familiar contra a mulher – Relatório Executivo III – Primeira Onda – 2016. Prevalência da Violência Doméstica e o Impacto nas Novas Gerações [Internet]. [local desconhecido]: Instituto Maria da Penha; 2016 [acesso em 2022 jan 11]. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/assets/downloads/relatorio_I.pdf
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https://run.unl.pt/bitstream/10362/56714... , assim como os questionários presenciais também foram maioria, utilizados em quatro estudos2020 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (BR). Sistema de Indicadores de Percepção Social – Tolerância social à violência contra as mulheres [Internet]. [local desconhecido]: Ipea; 2014 [acesso em 2022 mar 7]. Disponível em: https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2014/04/IPEA_sips_violenciamulheres04042014.pdf
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https://doi.org/10.1371/journal.pone.013... . Questionários on-line foram utilizados em três estudos1919 Instituto Patrícia Galvão (BR). Violência doméstica contra a mulher na pandemia [Internet]. [local desconhecido]: Instituto Patrícia Galvão; 2020 [acesso em 2022 fev 18]. Disponível em: https://assets-institucional-ipg.sfo2.cdn.digitaloceanspaces.com/2020/11/LocomotivaIPG_ViolenciaDomesticanaPandemiaFinal.pdf
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https://files.mutualcdn.com/tfg/assets/f... e entrevistas on-line em apenas um estudo7171 Taylor BG, Mumford EA, Liu W. The National Survey of Teen Relationships and Intimate Violence [Internet]. Washington, DC: Department of Justice; 2016 [acesso em 2022 mar 2]. Disponível em: https://nij.ojp.gov/library/publications/national-survey-teen-relationships-and-intimate-violence-striv
https://nij.ojp.gov/library/publications... . Os objetivos dos estudos incluídos na amostra desta revisão estão resumidos no quadro 3.
Quadro de caracterização dos estudos incluídos na amostra da revisão quanto a objetivos, população estudada e método de coleta
Somente dois dos estudos1717 Carvalho JR, Oliveira VH. Pesquisa de condições socioeconômicas e violência doméstica e familiar contra a mulher – Relatório Executivo III – Primeira Onda – 2016. Prevalência da Violência Doméstica e o Impacto nas Novas Gerações [Internet]. [local desconhecido]: Instituto Maria da Penha; 2016 [acesso em 2022 jan 11]. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/assets/downloads/relatorio_I.pdf
https://www.institutomariadapenha.org.br... , 6464 Navaratne KV, Fonseka P, Rajapakshe L, et al. Population-based estimates of injuries in Sri Lanka. Inj Prev. 2009;15(3):170-175. DOI: https://doi.org/10.1136/ip.2008.019943
https://doi.org/10.1136/ip.2008.019943... não apresentaram dados sociodemográficos sobre a população pesquisada. Dentre as informações coletadas pelo instrumento de extração de dados, o status de maternidade ou paternidade foi o menos investigado. O dado mais investigado foi a idade da pessoa entrevistada. O interesse pela raça/cor da pessoa entrevistada apareceu em menos da metade dos estudos. O quadro 4 apresenta as variáveis sociodemográficas questionadas nos estudos da amostra.
Dos 57 estudos, 26 pesquisaram sobre violência doméstica1717 Carvalho JR, Oliveira VH. Pesquisa de condições socioeconômicas e violência doméstica e familiar contra a mulher – Relatório Executivo III – Primeira Onda – 2016. Prevalência da Violência Doméstica e o Impacto nas Novas Gerações [Internet]. [local desconhecido]: Instituto Maria da Penha; 2016 [acesso em 2022 jan 11]. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/assets/downloads/relatorio_I.pdf
https://www.institutomariadapenha.org.br... , 1818 Bueno S, Martins J, Pimentel A. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil [Internet]. 3. ed. [local desconhecido]: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021 [acesso em 2022 mar 11]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/relatorio-visivel-e-invisivel-3ed-2021-v3.pdf
https://forumseguranca.org.br/wp-content... , 1919 Instituto Patrícia Galvão (BR). Violência doméstica contra a mulher na pandemia [Internet]. [local desconhecido]: Instituto Patrícia Galvão; 2020 [acesso em 2022 fev 18]. Disponível em: https://assets-institucional-ipg.sfo2.cdn.digitaloceanspaces.com/2020/11/LocomotivaIPG_ViolenciaDomesticanaPandemiaFinal.pdf
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https://doi.org/10.1371/journal.pone.003... pesquisou sobre as formas de violência, três estudos investigaram o local de ocorrência da violência1818 Bueno S, Martins J, Pimentel A. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil [Internet]. 3. ed. [local desconhecido]: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021 [acesso em 2022 mar 11]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/relatorio-visivel-e-invisivel-3ed-2021-v3.pdf
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https://doi.org/10.1590/0102-311X0006881... e outros três, a relação da vítima com o agressor5454 Halpern SC, Scherer JN, Roglio V, et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico em seis capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2017;33(6):e00037517. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00037517
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https://doi.org/10.1590/0102-311X0007851... ; um estudo perguntou sobre a experiência da violência1919 Instituto Patrícia Galvão (BR). Violência doméstica contra a mulher na pandemia [Internet]. [local desconhecido]: Instituto Patrícia Galvão; 2020 [acesso em 2022 fev 18]. Disponível em: https://assets-institucional-ipg.sfo2.cdn.digitaloceanspaces.com/2020/11/LocomotivaIPG_ViolenciaDomesticanaPandemiaFinal.pdf
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https://doi.org/10.1186/s12905-015-0276-... ; e outro desejou conhecer a atitude dos pais sobre a violência doméstica7171 Taylor BG, Mumford EA, Liu W. The National Survey of Teen Relationships and Intimate Violence [Internet]. Washington, DC: Department of Justice; 2016 [acesso em 2022 mar 2]. Disponível em: https://nij.ojp.gov/library/publications/national-survey-teen-relationships-and-intimate-violence-striv
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As pesquisas sobre as situações de violência intrafamiliares apareceram em 10 es tudos1717 Carvalho JR, Oliveira VH. Pesquisa de condições socioeconômicas e violência doméstica e familiar contra a mulher – Relatório Executivo III – Primeira Onda – 2016. Prevalência da Violência Doméstica e o Impacto nas Novas Gerações [Internet]. [local desconhecido]: Instituto Maria da Penha; 2016 [acesso em 2022 jan 11]. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/assets/downloads/relatorio_I.pdf
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https://apav.pt/apav_v3/images/press/Rel... e outro questionou sobre violência na primeira experiência sexual6868 Instituto Nacional de Saúde (MZ), Ministry of Health, Ministry of Gender Child and Social Action, Instituto Nacional de Estatística; U.S. Centers for Control Disease. Mozambique Violence against children and youth survey (VACS 2019) [Internet]. Maputo, Mozambique; 2022 [acesso em 2022 mar 18]. Disponível em: https://files.mutualcdn.com/tfg/assets/files/Mozambique-VACS-report.pdf
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Somente seis estudos contemplaram variáveis sobre diversidade sexual e identidade de gênero2020 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (BR). Sistema de Indicadores de Percepção Social – Tolerância social à violência contra as mulheres [Internet]. [local desconhecido]: Ipea; 2014 [acesso em 2022 mar 7]. Disponível em: https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2014/04/IPEA_sips_violenciamulheres04042014.pdf
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https://run.unl.pt/bitstream/10362/56714... , dos quais três investigaram sobre a violência relacionada ao estereótipo de gênero3232 Zembe YZ, Townsend L, Thorson A, et al. Intimate partner violence, relationship power inequity and the role of sexual and social risk factors in the production of violence among young women who have multiple sexual partners in a peri-urban setting in South Africa. PLoS One. 2015;10(11):e0139430. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0139430
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https://run.unl.pt/bitstream/10362/56714... , como o estereótipo de que a mulher não conseguiria ocupar cargos de liderança, e os outros três, sobre discriminação sexual e de gênero2020 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (BR). Sistema de Indicadores de Percepção Social – Tolerância social à violência contra as mulheres [Internet]. [local desconhecido]: Ipea; 2014 [acesso em 2022 mar 7]. Disponível em: https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2014/04/IPEA_sips_violenciamulheres04042014.pdf
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https://files.mutualcdn.com/tfg/assets/f... , questionando se casais homoafetivos devem ter os mesmos direitos que casais heteroafetivos.
Mais especificamente sobre as questões de violência sexual, os inquéritos fizeram o levantamento de variáveis para mensurar a magnitude do problema relacionado à violência sexual, identificação de fatores de risco e proteção, identificação de possíveis consequências da violência sexual, orientação de cuidados, estratégias e políticas públicas para manejo das consequências da violência e monitoramento e avaliação de serviços, intervenções ou tratamentos recebidos pelas vítimas de violência.
Discussão
A discussão dos dados considera que o objetivo desta revisão de escopo é o de mapear inquéritos populacionais que identificam dados sobre violências domésticas, intrafamiliares, por parceiro íntimo e sexual. Inclui abordagens sobre comportamento sexual e diversidade sexual e de gênero e orienta o delineamento de esquemas de coleta e análise de dados sobre violência a serem utilizados em inquéritos populacionais.
O primeiro passo para o planejamento de um inquérito sobre violência é a determinação do objetivo central do estudo. Os inquéritos aqui incluídos tiveram como objetivo de destaque estimar a prevalência da violência na população, seja ela sexual, doméstica, urbana, interpessoal, dentre outras, fornecendo uma visão epidemiológica e peculiaridades e particularidades regionais7474 Borges KMO, Macena RHM, Sousa JEP, et al. Violências e privação de liberdade: uma discussão em saúde coletiva. Maringá: Booknando Livros; 2019. 160 p..
A maior parte dos estudos teve como foco a violência doméstica ou sexual em comparação a outros tipos de violências. Segundo a literatura, a justificativa está no aumento do número de estudos sobre violência doméstica nos últimos anos7575 Ali P, Allmark P, Booth A, et al. How accurate and useful are published UK prevalence rates of intimate partner violence (IPV)? Rapid review and methodological commentary. J Crim Psychol. 2021;11(2):129-140. DOI: https://doi.org/10.1108/jcp-11-2020-0048
https://doi.org/10.1108/jcp-11-2020-0048... , o que pode ser atribuído ao crescimento do interesse público na violência doméstica, impulsionado por campanhas de conscientização, movimentos sociais e mudanças culturais7676 Kelly J, Payton E. A Content analysis of local media framing of intimate partner violence. Violence Gend. 2019;6(1)47-52. DOI: https://doi.org/10.1089/vio.2018.001
https://doi.org/10.1089/vio.2018.001... .
Como resultado, a violência doméstica tornou-se um tema mais visível e importante na sociedade, levando a um aumento da demanda por pesquisas e estudos sobre o tema. Entretanto, o interesse público em dados sobre outros tipos de violências, como as direcionadas às crianças, por exemplo, se reduziu nos últimos anos. A literatura relaciona esse resultado ao estresse, insatisfação e sentimentos negativos relacionados à veiculação de informações sobre violência contra a criança e o adolescente7676 Kelly J, Payton E. A Content analysis of local media framing of intimate partner violence. Violence Gend. 2019;6(1)47-52. DOI: https://doi.org/10.1089/vio.2018.001
https://doi.org/10.1089/vio.2018.001... , 7777 Hartwell M, Hendrix-Dicken AD, Sajjadi NB, et al. Trends in public interest in child abuse in the United States: An infodemiology study of Google Trends from 2004 to 2022. Child Abuse Negl. 2022;134:105868. DOI: https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2022.105868
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2022.10... .
Muitos estudos pretenderam identificar fatores de risco e proteção relacionados à violência. Pelo que se encontra em outras pesquisas, este tipo de estudo é útil para verificar se há uma correlação entre o tipo de violência e a idade, gênero, raça, status socioeconômico ou outros fatores, que podem subsidiar ações e planejamento locais de prevenção, cuidado e manejo relacionados à violência7474 Borges KMO, Macena RHM, Sousa JEP, et al. Violências e privação de liberdade: uma discussão em saúde coletiva. Maringá: Booknando Livros; 2019. 160 p., 7878 Nobre CS. Violência interpessoal entre escolares de Fortaleza: análise situacional de vítimas, agressores e observadores [tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2019., 7979 Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2012..
Além disso, observamos que variáveis e questões de estudo – se a vítima recebeu a ajuda de que precisava, que tipos de recursos recebeu dos serviços após a violência, onde procurou ajuda, quem lhe deu apoio, por exemplo – ajudam a identificar as consequências da violência, tanto para as vítimas, por meio de repercussões na saúde emocional, física, impactos familiares e sociais, como para a sociedade em geral, uma vez que o planejamento de ações de prevenção e cuidado é um investimento na redução do custo e carga sociais da violência sexual.
Para conhecer as consequências da violência, os estudos avaliaram a presença de problemas de saúde mental, comportamentos de risco, impacto na produtividade e custos associados à assistência de saúde, social e de direitos às vítimas7474 Borges KMO, Macena RHM, Sousa JEP, et al. Violências e privação de liberdade: uma discussão em saúde coletiva. Maringá: Booknando Livros; 2019. 160 p., 7878 Nobre CS. Violência interpessoal entre escolares de Fortaleza: análise situacional de vítimas, agressores e observadores [tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2019., 7979 Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2012..
Entende-se que os inquéritos aqui estudados têm potencial de orientação de políticas públicas, uma vez que fornecem informações importantes para o planejamento de estratégias de prevenção e intervenção na área de violência7979 Carnassale VD. Notificação de violência contra a mulher: conhecer para intervir na realidade [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2012., 8080 Santana IO. Violência urbana e suas implicações na qualidade de vida de pessoas idosas [tese]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2015., 8181 Nascimento AF, Deslandes SF. A construção da agenda pública brasileira de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Physis. 2016;26(4):1171-1191. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312016000400006
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201600... . Um exemplo é que há preocupação grande com o risco para violência sexual contra a mulher e população LGBTQIA+. Logo, serviços que atendem a mulheres são, por meio desses estudos, incentivados a encontrar indícios de violência nas mulheres lá assistidas, e explicitar ajuda a direcionar recursos e esforços para onde são mais necessários e eficazes, de forma custo-efetiva8282 Moleiro C, Pinto N, Oliveira JM, et al. Violência doméstica: boas práticas no apoio a vítimas LGBT: guia de boas práticas para profissionais de estruturas de apoio a vítimas. Lisboa: Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género; 2016..
Alguns inquéritos também objetivaram monitorar e avaliar intervenções para o manejo das consequências da violência. Quando um estudo verifica resultados positivos de uma prática ou intervenção, esse dado subsidia a disseminação de boas práticas ou intervenções baseadas em evidências8383 Vasconcelos NM, Alves FTA, Andrade GN, et al. Violência contra pessoas LGB+ no Brasil: análise da Pesquisa Nacional de Saúde 2019. Rev Bras Epidemiol. 2023;26(supl1):e230005. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-549720230005.supl.1.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972023000... . Quando levantam fragilidades ou desafios no manejo das situações de violência, os resultados dos inquéritos descobrem áreas que precisam de melhorias, melhor planejamento ou adaptações locais ou culturais.
Observou-se que os formulários on-line como ferramentas de pesquisa para os inquéritos foram pouco utilizados nos inquéritos de violência aqui estudados.
Os formulários de pesquisa on-line podem ser ferramentas valiosas para pesquisas sobre violência, pois permitem a coleta de dados de forma confidencial e anônima, sem necessidade de deslocamento ou abordagem presencial de entrevistador, o que pode incentivar as pessoas a fornecer informações mais sensíveis detalhadamente sobre experiências de violência podem ser difíceis de relatar pessoalmente. Além disso, os formulários on-line podem ser rapidamente disseminados com capilaridade8484 Rasmussen V, Steel Z, Spangaro J, et al. Investigating the prevalence of intimate partner violence victimisation in women presenting to the emergency department in suicidal crisis. Emerg Med Australas. 2021;33(4):703-710. DOI: https://doi.org/10.1111/1742-6723.13714
https://doi.org/10.1111/1742-6723.13714... , aumentando a possibilidade de resposta vinda de pessoas em regiões mais remotas.
Entretanto, estudos revelam que o uso de ferramentas on-line para estudos sobre violência tende a aumentar a representação de pessoas mais jovens em detrimento às mais idosas, o que pode causar viés nos resultados encontrados8585 Peraud W, Quintard B, Constant A. Factors associated with violence against women following the COVID-19 lockdown in France: Results from a prospective online survey. PLoS One. 2021;16(9):e0257193. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0257193
https://doi.org/10.1371/journal.pone.025... . Uma das indicações da literatura especializada em inquéritos de forma remota é que sejam realizados por meio de perguntas curtas e simples, de fácil entendimento pela população, utilizando ferramentas potentes capazes de garantir a total segurança dos dados8686 Reis AP, Góes EF, Pilecco FB, et al. Desigualdades de gênero e raça na pandemia de Covid-19: implicações para o controle no Brasil. Saúde debate. 2020;44(esp4):324-340. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E423
https://doi.org/10.1590/0103-11042020E42... , 8787 Seff I, Vahedi L, McNelly S, et al. Remote evaluations of violence against women and girls interventions: a rapid scoping review of tools, ethics and safety. BMJ Glob Health. 2021;6(9):e006780. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-006780
https://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-00678... .
Os inquéritos e estudos de base populacional são ferramentas fundamentais para compreender as violências. Quando bem conduzidos, empregando variáveis abrangentes, sensíveis e cuidadosas, ajudam a identificar a prevalência e os padrões da violência, bem como os fatores de risco e proteção associados à violência. Assim, subsidiam a identificação de preditores, determinantes sociais, fatores de risco e proteção, bem como permitem avaliar a eficácia das intervenções existentes e orientar a formulação de novas políticas e estratégias para prevenção e atendimento às vítimas55 Victora CG. Por que precisamos de inquéritos populacionais sobre saúde? Cad Saúde Pública. 2022;38(supl1):e00010222. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT010222
https://doi.org/10.1590/0102-311XPT01022... , 1515 Silva VSTM, Pinto LF. Inquéritos domiciliares nacionais de base populacional em saúde: uma revisão narrativa. Ciênc saúde coletiva. 2020;26(9):4045-4058. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.28792020
https://doi.org/10.1590/1413-81232021269... .
Limitações da revisão
A principal limitação deste estudo foi a falta da descrição das variáveis estudadas por alguns inquéritos e a não disponibilização dos formulários e instrumentos de coleta de dados no formato aberto. A falta dos instrumentos de coleta na íntegra impossibilitou listar e analisar profundamente as variáveis estudadas por todos os inquéritos incluídos.
Conclusões
As principais variáveis e questões investigadas pelos inquéritos incluídos nesta revisão de escopo tiveram por objetivo identificar os fatores de risco e proteção relacionados à violência e avaliar os programas, intervenções e políticas existentes para o manejo de seus desdobramentos e orientação na formulação de novas políticas públicas, estratégias e intervenções custo-efetivas para boas práticas no atendimento às vítimas dessas violências. Recomenda-se que sejam realizados inquéritos com populações vulnerabilizadas a partir do recorte de faixa etária, condição socioeconômica ou gênero ou raça/cor, que permitam uma análise mais aprofundada e interseccional dos tipos de violência. É importante que os dados sobre violência possam ser relacionados a diversas variáveis e determinantes sociais de saúde para que se possa traçar um perfil e elaborar políticas públicas para o enfrentamento dos tipos de violência que acontecem em diversas esferas da sociedade.
- Suporte financeiro: CNPq 401933/2021-0
Agradecimentos
À Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Enfermagem (FEnf Unicamp) e ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA USP) pelo apoio institucional para o desenvolvimento deste estudo. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamento desta revisão.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
21 Out 2024 - Data do Fascículo
Jul-Sep 2024
Histórico
- Recebido
15 Jan 2024 - Aceito
10 Jun 2024