Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde em uma capital do nordeste brasileiro

Integrative and Complementary Practices in Primary Health Care in a northeastern Brazilian capital

Bruno Wesley Ramalho Cirilo Ferreira Franklin Delano Soares Forte Antônio Rodrigues Ferreira Júnior Felipe Proenço de Oliveira Sobre os autores

RESUMO

O objetivo do estudo foi descrever a oferta, o trabalho e a educação permanente em torno das Práticas Integrativas e Complementares (PIC), na perspectiva dos profissionais de saúde. Trata-se de estudo transversal, com análise dos módulos I e II do 3º Ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Identificaram-se o perfil dos 186 profissionais, dados sobre PIC, processo de trabalho e educação permanente. Desses, 88,7% ofertavam alguma prática, sendo os enfermeiros os que mais ofereciam (96,2%). A auriculoterapia (83,3%), o uso de plantas medicinais e fitoterápicos (77,9%) e a terapia comunitária (48,9%) foram as práticas mais ofertadas. 86,5% dos entrevistados relataram receber apoio gerencial, no entanto, observou-se escassez de insumos. 82,2% dos entrevistados participaram de momentos de educação permanente relacionados às práticas ofertados pela gestão municipal (93%), na própria unidade de saúde (90,8%). Observou-se que há um processo de educação permanente, no entanto, o principal entrave à consolidação desse modelo de cuidado na Atenção Primária à Saúde está relacionado à disponibilização de insumos. Dessa forma, necessita-se de incentivos para melhoria do processo de trabalho em saúde com vistas à ampliação e à qualificação da oferta das diferentes PIC.

PALAVRAS-CHAVES
Terapias complementares; Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde

ABSTRACT

The study aimed to describe the provision, work and continuing education of Integrative and Complementary Practices (ICP) as perceived by healthcare professionals. This is a cross-sectional study, analyzing modules I and II of the 3rd Cycle within the Brazilian National Program for Improving Primary Care Access and Quality. The investigation included profiling 186 participating professionals, gathering data on ICP, work processes and continuing education. Of these, 88.7% offered some kind ofpractice, with nurses offering the most (96.2%). Auriculotherapy (83.3%), the use of medicinal plants and herbal medicines (77.9%) and community therapy (48.9%) were the most commonly offered practices. While 86.5% of respondents reported receiving managerial support, a shortage of essential resources was observed. 82.2% of respondents participated in continuing education activities related to practices facilitated by municipal management (93%) and conducted within the health unit itself (90.8%). The findings underscore the existence of an ongoing education process, yet the primary barrier to consolidating this care model in Primary Healthcare is linked to the insufficient availability of resources. Consequently, there is a pressing need for incentives to enhance the health work process, fostering the expansion and enhancement of diverse ICP offerings.

KEYWORDS
Complementary therapies; Primary Health Care; Unified Health System

Introdução

As Práticas Integrativas e Complementares (PIC) constituem-se como um conjunto de práticas terapêuticas ancoradas na compreensão do processo saúde-doença-cuidado em uma perspectiva ampliada, baseado na escuta e no vínculo e na compreensão do sujeito inserido no mundo11 Barros LCN, Oliveira ESF, Hallais JAS, et al. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde: Percepções dos Gestores dos Serviços. Esc Anna Nery. 2020;24(2):e20190081. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0081
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, 22 Ministério da Saúde (BR), Gabinete do Ministro. Portaria nº 971, de 3 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2006 maio 3; Edição 84; Seção I:20-25.. Dessa forma, as PIC surgem como uma proposta de produção de cuidado centrado no sujeito, cujo objetivo principal direciona-se ao estímulo dos mecanismos naturais e intrínsecos do organismo, de forma articulada e humanizada; abrangem o reequilíbrio e a estimulação dos potenciais endógenos de forma integral33 Barros NF, Francisco PMSB, Sousa LA. Desapoio dos gestores e desinstitucionalização das Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2020;36(6):e00062320. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00062320
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, 44 Barbosa FES, Guimarães MBL, Santos CR, et al. Oferta de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde na Estratégia Saúde da Família no Brasil. Cad Saúde Pública. 2020;36(1):e00208818. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00208818
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, 55 Oliveira IM, Pasche DF. Entre legitimação científica e legitimação cultural: transformações no campo das Práticas Integrativas e Complementares. Ciênc saúde coletiva. 2022;27(9):3777-8377. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232022279.04462022
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.

As PIC encontram-se muito difundidas, e, cada vez mais, diversos países as implantam em seus sistemas de saúde, oportunizando uma proposta de cuidado singular e integral. Segundo levantamentos realizados pela World Health Organization (WHO), divulgados em seu relatório ‘Who Global Report On Traditional And Complementary Medicine’, 88% de todos os países membros da organização reconhecem o uso de medicina tradicional e complementar em seu território, apoiados pela presença de políticas, leis, regulamentos, programas nacionais66 World Health Organization. Who global report on traditional and complementary medicine 2019. Geneva: WHO; 2019..

O mesmo relatório mostrou que as PIC mais comumente ofertadas pelos países membros eram a acupuntura (113), uso de medicamentos fitoterápicos (110), seguidos pela homeopatia e pela Medicina Tradicional Chinesa – MTC (100), enquanto outros 90 países referiram uso da quiropraxia, osteopatia e medicina ayurvédica66 World Health Organization. Who global report on traditional and complementary medicine 2019. Geneva: WHO; 2019..

Ainda que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha incentivado mundialmente a implantação e utilização da MTC desde a década de 1970, no Brasil, as PIC ganharam força após a publicação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que inseriu no Sistema Único de Saúde (SUS) saberes e práticas de saúde não convencionais. Atendendo às propostas trazidas pelas Portarias nº 145/2017, nº 849/2017 e nº 702/2018, a pluralidade de saberes e práticas de saúde com viabilidade de oferta no SUS foi expandida, e, atualmente, 29 práticas integrativas são disponibilizadas em todo o País33 Barros NF, Francisco PMSB, Sousa LA. Desapoio dos gestores e desinstitucionalização das Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2020;36(6):e00062320. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00062320
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, 77 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política nacional de práticas integrativas e complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015., 88 Assis WC, Britto FR, Vieira LO, et al. Novas formas de cuidado através das práticas integrativas no sistema único de saúde. Rev Bras Promoc Saúde. 2018;31(2):1-6. DOI: https://doi.org/10.5020/18061230.2018.7575
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, 99 Tesser CD, Sousa IMC, Nascimento MC. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde brasileira. Saúde debate. 2018;42(esp1):174-188. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S112
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, 1010 Rocha IR, Senna MIB, Oliveira JS, et al. Práticas Integrativas em Complementares em Saúde: a construção (in)completa da política em um município de grande porte. Saúde debate. 2023;47(136):110-125. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202313607
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, embora o Brasil ainda não tenha feito o devido reconhecimento de práticas de cuidado próprias aos repertórios culturais, como recomenda a OMS.

É importante destacar que as PIC apresentam uma forte ligação com a Atenção Primária à Saúde (APS)1010 Rocha IR, Senna MIB, Oliveira JS, et al. Práticas Integrativas em Complementares em Saúde: a construção (in)completa da política em um município de grande porte. Saúde debate. 2023;47(136):110-125. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202313607
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. Dados do ‘Relatório de Monitoramento Nacional das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde’ mostram que, com relação ao nível de atenção à saúde, 90% dos estabelecimentos que ofertam as PIC encontram-se na APS. O relatório ainda divulgou que, no ano de 2019, 77% dos municípios ofertavam PIC, que estavam presentes em todas as capitais brasileiras, principalmente nas regiões Sul e Nordeste do País, fazendo parte da rotina de 37% das Unidades Básicas de Saúde (UBS) em atividade no SUS1111 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Departamento de Saúde da Família. Relatório de Monitoramento Nacional das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde nos Sistemas de Informação em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020..

No último registro da Coordenação Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, as PIC foram responsáveis por mais de 628.239 procedimentos ao ano na APS, um aumento de 324%, quando se comparam aos números de 2017, em que foram registrados 148.152 atendimentos1111 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Departamento de Saúde da Família. Relatório de Monitoramento Nacional das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde nos Sistemas de Informação em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020..

Os estudos disponíveis dedicaram-se a investigar a implantação das diversas práticas na APS, bem como a sua importância no processo de cuidado. E, apesar de todo crescimento e revalorização das PIC ao longo dos anos, diversos obstáculos foram relatados. Entre esses, destacam-se as limitações na oferta e na qualidade dos serviços, espaço físico inadequado nas unidades de saúde, preferência pelo modelo biomédico, falta de apoio da gestão, falta de valorização profissional, falta de educação permanente e insumos para realização da prática99 Tesser CD, Sousa IMC, Nascimento MC. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde brasileira. Saúde debate. 2018;42(esp1):174-188. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S112
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,1212 Barbosa FES, Guimarães MBL, Santos CR, et al. Oferta de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde na Estratégia Saúde da Família no Brasil. Cad Saúde Pública. 2020;36(1):e00208818. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00208818
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.

Ainda que se tenha dimensão das limitações encontradas na oferta das PIC, os dados disponíveis mostram-se insuficientes, em virtude da escassez de pesquisas que abordem tais práticas1313 Aguiar J, Kanan LA, Masiero AV. Práticas Integrativas e Complementares na atenção básica em saúde: um estudo bibliométrico da produção brasileira. Saúde debate. 2019;43(123):1205-1218. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912318
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. Nessa direção, o objetivo do presente estudo foi descrever a oferta, o trabalho e a educação permanente em torno das PIC, na perspectiva dos profissionais de saúde que participaram do 3º Ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB).

Material e métodos

Este artigo é um recorte de um estudo mais abrangente, intitulado ‘Práticas integrativas e complementares na APS em João Pessoa-PB’, fruto do trabalho de conclusão do Programa de Pós-Graduação Profissional em Saúde da Família. Foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, por meio do Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 53100321.7.0000.5188, sob Parecer nº 5.309.862, observando as Resoluções CNS nº 466/20121414 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e revoga as Resoluções CNS nos. 196/96, 303/2000 e 404/2008. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2013 jun 13; Seção I:549. e nº 510/20161515 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2016 maio 24; Seção I:44..

Trata-se de estudo de caráter transversal e descritivo, com utilização de dados nacionais dos Módulos I e II, do 3º Ciclo do PMAQ-AB. A coleta dos dados foi realizada em 2017-2018 e conduzida pelo Ministério da Saúde. Participaram mais de 42 mil equipes de saúde presentes em 5.324 municípios (95,6%) dos 27 estados, buscando averiguar o processo de trabalho por meio de perguntas respondidas por um membro da Equipe da Estratégia Saúde da Família/AB1616 Facchini LA, Tomasi E, Thumé E. Acesso e qualidade na atenção básica brasileira: análise comparativa dos três ciclos da avaliação externa do PMAQ-AB, 2012-2018. São Leopoldo: Oikos; 2021..

O primeiro módulo do 3º ciclo do PMAQ-AB visa à observação da Unidade Básica de Saúde. Objetiva avaliar as condições de infraestrutura, de materiais, insumos e medicamentos. Já o segundo módulo corresponde à fase de análise documental e entrevista com os profissionais da APS. Essa interlocução teve o intuito de analisar o processo de trabalho da equipe de saúde, bem como a organização do serviço e o cuidado prestado aos usuários.

A capital cenário do estudo é dividida em cinco Distritos Sanitários (DS), possuindo 100 UBS, 201 equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e 2.004 Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que compõem a APS. Atualmente, o município apresenta uma cobertura da atenção básica de 91,57%, com uma estimativa da cobertura populacional pelas equipes da ESF de 85,72%1111 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Departamento de Saúde da Família. Relatório de Monitoramento Nacional das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde nos Sistemas de Informação em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020..

Foram consideradas questões referentes ao primeiro e ao segundo módulos do 3º Ciclo do PMAQ-AB, e foram extraídos, a fim de possibilitar a identificação do perfil dos profissionais entrevistados, questões referentes às PIC, dados sobre Educação Permanente em Saúde (EPS), territorialização, planejamento, acolhimento, promoção à saúde, participação social, buscando agregar maior conhecimento sobre o processo de trabalho da equipe.

A coleta de dados do PMAQ-AB foi realizada por pesquisadores integrantes de diversas universidades e centros de pesquisa brasileiros, em conjunto com o Ministério da Saúde. A equipe responsável pela coleta de dados passou por treinamento, com a utilização de ferramentas validadas com base nas experiências adquiridas com a realização dos ciclos anteriores do PMAQ-AB1717 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Instrumento de avaliação externa da saúde mais perto de você – acesso e qualidade. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) – Terceiro ciclo. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017..

As equipes foram inscritas pela gestão municipal para participar do PMAQ-AB. Previamente, a equipe de coleta fez contato com os gestores, que organizaram a agenda no melhor dia e horário. De acordo com as orientações do Instrumento de Avaliação Externa do Saúde Mais Perto de Você – Acesso e Qualidade, os profissionais médicos ou enfermeiros foram as categorias escolhidas para participar da entrevista. No entanto, caso, no momento da avaliação, esses profissionais não estivessem presentes, outro profissional de nível superior poderia ser entrevistado. Os dados foram digitados em tablets com o instrumento de coleta de dados.

Os dados quantitativos foram utilizados para identificar as potencialidades e dificuldades apresentadas pelos profissionais de saúde que desenvolvem as PIC na APS da capital. Esses indicadores foram obtidos no site do Ministério da Saúde, em um banco público, no seguinte percurso: acessando o site do Ministério da Saúde e, em seguida, acessando os microdados da Avaliação Externa – 3° Ciclo. Os dados estão anonimados para garantir o sigilo dos participantes.

Todos os dados foram trabalhados no Microsoft Office Excel®. Inicialmente, foi feita análise descritiva dos dados, para investigar inconsistências e compreender melhor as variáveis do estudo. Foi realizada análise descritiva das variáveis recorrendo aos valores absolutos e relativos, a fim de coletar informações mais específicas e detalhadas considerando a organização sanitária por DS do município investigado.

Resultados

Participaram da entrevista 186 profissionais de saúde que integravam as equipes da APS. Com relação à oferta das PIC, constatou-se que 88,7% dos entrevistados relataram fornecer as PIC para os usuários do território, sendo o DS II o que mais oferta (97,5%) (tabela 1). Constatou-se que, dos profissionais entrevistados, os enfermeiros (96,2%) e 3,6% dos médicos ofertaram alguma PIC.

Tabela 1
Caracterização dos Profissionais das equipes da APS que ofertam PIC. PMAQ 3° Ciclo, João Pessoa, 2017/2018

Verificou-se que as práticas mais ofertadas foram a auriculoterapia (83,3%), o uso de plantas medicinais e fitoterápicos (77,9%) e a terapia comunitária (48,9%), práticas amplamente distribuídas nos cinco DS (tabela 2).

Tabela 2
Oferta de práticas integrativas. PMAQ 3º Ciclo, João Pessoa, 2017/2018

Observou-se que 98,9% dos entrevistados informaram ter definição da área de abrangência da equipe, e, entre os DS, apenas o DS I não tem a sua área de abrangência definida por todos os profissionais de saúde. Outro ponto analisado estava relacionado a processos organizativos, com a realização de reuniões pela equipe. Entre os profissionais entrevistados, 99,4% realizavam reuniões de equipes de forma semanal (93,5%), o que pode ser útil como uma ferramenta de qualidade para o serviço.

Uma vez que as necessidades e os objetivos são apresentados, faz-se necessário planejar e estabelecer as ações de saúde que serão realizadas pela equipe de saúde. Dessa forma, verificou-se que apenas 1% dos profissionais entrevistados não realizava planejamento das suas ações. Dos profissionais que realizavam planejamento de ações juntamente com a equipe de saúde da APS, observou-se que os encontros eram realizados, em sua maioria, semanalmente (55,9%), seguidos pelos planejamentos mensais (40,8%) e quinzenais (8%) (tabela 3).

Tabela 3
Caracterização do processo de trabalho da equipe da APS. PMAQ 3° Ciclo, João Pessoa, 2017/2018

A interpretação dos indicadores pela equipe de saúde da APS é de grande relevância para possibilitar aos profissionais profunda reflexão sobre a conjuntura atual da comunidade na qual estão inseridos. Tal ação foi realizada por 99,4% dos entrevistados.

Com o intuito de ofertar escuta e atenção qualificadas ao usuário, o acolhimento à demanda espontânea foi realizado por 98,3% dos entrevistados, ampliando o acesso e a ordenação das vulnerabilidades, sendo que apenas os DS I e V não apresentaram adesão da totalidade dos profissionais entrevistados (tabela 3).

Dos profissionais de saúde da APS que realizavam o acolhimento à demanda espontânea nas unidades de saúde, 97,4% foram orientados por meio dos protocolos e das condutas referentes aos casos atendidos.

A utilização de protocolos de acolhimento à demanda espontânea apresenta grande impacto sobre a qualidade do acesso ao serviço de saúde, assim como também ao cuidado, por meio das PIC. Diante disso, 76,8% dos entrevistados relataram utilizar protocolos para acolher as demandas espontâneas, no entanto, o DS IV foi o único distrito em que todos os profissionais faziam uso dessa ferramenta.

Um dos aspectos principais da APS é a realização de ações que visam à promoção da saúde da população, de modo que ocorra a articulação de conhecimentos interdisciplinares na prestação do cuidado, tanto individual quanto coletivo. Diante disso, observou-se, na tabela 3, que 99,4% dos entrevistados desenvolviam ações para a promoção da saúde dos usuários. Apenas o DS I não apresentou a totalidade dos seus integrantes no desenvolvimento dessas ações.

Uma das principais ações de saúde apresentadas na APS relaciona-se às atividades voltadas à educação em saúde, uma vez que essa prática promove a construção de conhecimento e autonomia do usuário no seu processo de cuidado. Percebeu-se, conforme tabela 3, que apenas 0,5% dos entrevistados relataram não realizar atividades de educação em saúde.

A fim de garantir os princípios do SUS, como integralidade do acesso e equidade no atendimento, as redes de serviços de saúde têm como base de organização serviços para garantir atendimento a todos, incluindo as comunidades tradicionais. Acerca desse assunto, observou-se que 66,6% dos entrevistados relataram não apresentar integrantes da população rural, indígena ou comunidades tradicionais em seu território, 25,8% não realiza atendimentos a essa população, e apenas 7,5% relatam prestar atendimento (tabela 3).

Quanto ao levantamento da percepção da satisfação dos usuários com o serviço, 79,5% dos entrevistados relatam realizar pesquisa de satisfação do usuário. No entanto, apenas os DS II e IV realizavam essa avaliação pela totalidade dos seus profissionais (tabela 3).

O apoio da gestão é um dos principais pilares para a implantação e implementação das PIC na APS. Dessa forma, verificou-se que 86,55% dos entrevistados relatam receber apoio da gestão, como incentivo ao espaço na agenda, divulgação dos serviços e pactuação com a unidade para oferta e realização das práticas. Constatou-se que todos os profissionais entrevistados passaram por EPS no último ano, apoiados pela gestão e ofertados, em sua maior parte, pela gestão municipal (98,38%), pela própria unidade de saúde (90,86%) e pela universidade (78,49%) (tabela 4).

Tabela 4
Apoio da gestão na realização das PIC. PMAQ 3° Ciclo, João Pessoa, 2017/2018

Observou-se que 82,2% dos entrevistados relataram que a gestão municipal ofertava cursos voltados para a capacitação em PIC aos profissionais da APS (tabela 4).

A implantação das PIC na APS promove uma reorganização que reflete no processo de trabalho. Diante disso, pôde-se perceber que, apesar de as práticas serem implantadas em todos os DS de João Pessoa, informações relativas à carência de recursos humanos e insumos (tabela 4) foram constatadas, o que pode dificultar os processos produtivos e as assistências.

Ainda que a auriculoterapia seja a prática mais ofertada pelos profissionais da APS do município analisado, apenas 13,9% dos profissionais entrevistados relatam ter agulhas filiformes descartáveis, 56,4% tinham sementes ou cristais e 44% informam ter mapas de pontos de acupuntura sempre disponíveis para o desenvolvimento dessa prática. A escassez de insumos básicos foi observada em alternativas terapêuticas, em que somente 3,88% relataram ter Moxa (carvão e/ou artemísia) e 16,11% tinham copos de ventosa sempre disponíveis. Apenas 38,7% dos estabelecimentos de saúde tinham plantas medicinais e fitoterápicos em quantidades suficientes para atender à demanda dos seus usuários.

O desprovimento de recursos culminou na disponibilização de quantidades insuficientes para acolher as necessidades dos usuários que frequentam as unidades de saúde na APS. Assim, foi observado que apenas 36,5% das unidades possuíam planta in natura, 5,9% droga vegetal (planta seca), 4,8% fitoterápico manipulado e 1,6% medicamento fitoterápico industrializado em quantidade suficiente (tabela 5).

Tabela 5
Oferta de educação permanente em PIC pela gestão e disponibilidade de insumos para o desenvolvimento das PIC. PMAQ 3º Ciclo, João Pessoa, 2017/2018

Já com relação aos medicamentos fitoterápicos industrializados, apenas o DS IV ofertava esses insumos, no entanto, somente 1,6% ofertava Espinheira-santa, Guaco, Hortelã, Salgueiro, Babosa, Alcachofra, Cáscara sagrada e Aroeira, 1% ofertava Plantago, e apenas 0,5% disponibilizava Garra-do-diabo e Unha-de-gato em quantidade suficiente. Quando se trata da dispensação de medicamentos homeopáticos, somente os profissionais do DS V relataram dispor desse insumo, no entanto, 0,5% dos profissionais da unidade ofertava essa alternativa terapêutica.

Discussão

Entre os profissionais de saúde, a categoria da enfermagem apresentou protagonismo na oferta das PIC. A enfermagem faz parte da composição mínima das equipes da ESF, e seu processo de trabalho pode estar vinculado ao cuidado em saúde numa perspectiva mais holística e integral1818 Dalmolin IS, Heidemann ITSB. Integrative and complementary practices in Primary Care: unveiling health promotion. Rev Latino-Am Enfermagem. 2020;28:e3277. DOI: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3162.3277
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3162.3...
, 1919 Mildemberg R, Paes MR, Santos BA, et al. Práticas Integrativas e Complementares na atuação dos enfermeiros da Atenção Primária à Saúde. Esc Anna Nery. 2023;27:e2022 0 074. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2022-0074pt
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
. O modelo de cuidado em saúde por meio das PIC favorece a expansão do acesso do usuário ao cuidado integral, humanizado, resolutivo e centrado no indivíduo, o que está alinhado aos princípios do SUS e da APS2020 Contatore OA, Malfitano APS, Barros NF. Por uma sociologia do cuidado: reflexões para além do campo da saúde. Trab Educ Saúde. 2019;17(1):e0017507. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00175
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, 2121 Muricy AL, Cortes HM, Antonacci MH, et al. Implementação do cuidado em saúde mental com a abordagem das PIC na Atenção Primária. Rev APS. 2022;25(1):70-89. DOI: https://doi.org/10.34019/1809-8363.2022.v25.35392
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.

Observou-se neste estudo a elevada oferta da MTC e/ou auriculoterapia, o que também foi evidenciado em outro estudo utilizando dados secundários do PMAQ-AB2222 Tesser CD, Sousa IMC, Nascimento MC. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde brasileira. Saúde debate. 2018;42(esp1):174-188. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S112
https://doi.org/10.1590/0103-11042018S11...
. A disponibilidade da auriculoterapia pode estar relacionada aos incentivos promovidos pelo Ministério da Saúde, pactuados com a Universidade Federal de Santa Catarina, na promoção de um curso semipresencial de formação em auriculoterapia para profissionais integrantes da APS, com polos espalhados em 21 estados do Brasil, entre eles, o município cenário desta pesquisa, proporcionando a capacitação de mais de quatro mil profissionais de saúde, como os deste cenário de estudo2323 Tesser CD, Moré AOO, Santos MC, et al. Auriculotherapy in primary health care: A large-scale educational experience in Brazil. J Integr Med. 2019;17(4):302-309. DOI: https://doi.org/10.1016/jooim.2019.03.007
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.

Do mesmo modo, a realização de um curso semipresencial de formação em terapia comunitária e integrativa foi ofertada a um número similar de profissionais da APS em todas as regiões do País2222 Tesser CD, Sousa IMC, Nascimento MC. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde brasileira. Saúde debate. 2018;42(esp1):174-188. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S112
https://doi.org/10.1590/0103-11042018S11...
. A elevada oferta dessa prática na capital estudada pode estar associada ao quantitativo de profissionais capacitados e à aceitabilidade dos usuários, uma vez que, baseada na condução de grupos, busca promover a autoajuda comunitária por meio da divisão de sentimentos, experiências e sofrimentos psíquicos.

Também se observaram a oferta da fitoterapia e o uso de plantas medicinais. Existe uma tradição e raízes históricas e sociais na região estudada. O uso de plantas medicinais aumentou e evoluiu junto com a humanidade, sendo difundido entre as gerações por meio do conhecimento de comunidades tradicionais, em especial, indígena e quilombola. Barros et al.11 Barros LCN, Oliveira ESF, Hallais JAS, et al. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde: Percepções dos Gestores dos Serviços. Esc Anna Nery. 2020;24(2):e20190081. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0081
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evidenciaram que cerca de 82% da população brasileira é adepta ao uso de plantas medicinais e seus medicamentos tecnicamente elaborados nos cuidados em saúde. Estudos1212 Barbosa FES, Guimarães MBL, Santos CR, et al. Oferta de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde na Estratégia Saúde da Família no Brasil. Cad Saúde Pública. 2020;36(1):e00208818. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00208818
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,2424 Silva PHB, Barros LCN, Barros NF, et al. Formação profissional em Práticas Integrativas e Complementares: o sentido atribuído por trabalhadores da Atenção Primária à Saúde. Ciênc saúde coletiva. 2021;26(2):399-408. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232021262.40732020
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têm relatado a importância que os profissionais de saúde, em especial, os inseridos na ESF, possuem na ampliação e implementação das PIC no SUS.

Ainda que as PIC busquem promover o protagonismo dos usuários, colocando-os no centro do processo de cuidado2525 Pereira LF, Rech CR, Morini S. Autonomia e Práticas Integrativas e Complementares: significados e relações para usuários e profissionais da Atenção Primária à Saúde. Interface Comun Saúde Educ. 2021;25:e200079. DOI: https://doi.org/10.1590/interface.200079
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, deve-se levar em consideração que a implantação e a oferta dessas práticas na APS promovem uma reorganização do processo de trabalho das equipes. Barros, Spadacio e Costa2626 Barros NF, Spadacio C, Costa MV. Trabalho interprofissional e as Práticas Integrativas e Complementares no contexto da Atenção Primária à Saúde: potenciais e desafios. Saúde debate. 2018;42(esp1):163-173. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S111
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constataram que a inserção das PIC no processo de trabalho dos profissionais da APS promoveu transformações consideráveis na qualidade do trabalho, favorecendo o desenvolvimento de atividades com maior deleite, melhor organização das rotinas, além do fortalecimento da integração e do vínculo entre os profissionais, bem como dos usuários.

Apesar disso, o presente estudo observou inconsistência na oferta dessas práticas. A não implantação e a não implementação das PIC no plano de cuidado por uma parcela dos profissionais de saúde podem estar relacionadas a questões inerentes à formação acadêmica, ao excesso de atribuições no dia a dia de trabalho, à falta de apoio, à escassez de insumos, além da preferência pelo modelo hegemônico. Tais características foram evidenciadas por Dalmolin e Heidemann1818 Dalmolin IS, Heidemann ITSB. Integrative and complementary practices in Primary Care: unveiling health promotion. Rev Latino-Am Enfermagem. 2020;28:e3277. DOI: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3162.3277
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, que observaram a sobrecarga de trabalho, as resistências encontradas no ambiente de trabalho, a consolidação do modelo biomédico e a educação em saúde centrada nos aspectos patológicos. Esses foram os aspectos relacionados ao não estabelecimento de uma nova forma de cuidado em saúde associada às práticas alternativas.

Perspectivas negativas relacionadas às PIC também foram identificadas, sendo as mais presentes: divergências com as demais atividades desempenhadas, sobrecarga de trabalho, escassez de profissionais e estrutura inadequada para realização das práticas, o que propicia o surgimento de conflitos entre os profissionais que compõem a equipe da APS2424 Silva PHB, Barros LCN, Barros NF, et al. Formação profissional em Práticas Integrativas e Complementares: o sentido atribuído por trabalhadores da Atenção Primária à Saúde. Ciênc saúde coletiva. 2021;26(2):399-408. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232021262.40732020
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, 2626 Barros NF, Spadacio C, Costa MV. Trabalho interprofissional e as Práticas Integrativas e Complementares no contexto da Atenção Primária à Saúde: potenciais e desafios. Saúde debate. 2018;42(esp1):163-173. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S111
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, 2727 Ribeiro FSN, Afonso FM. PICS como suporte à Saúde do Trabalhador: uma proposta extensionista. Revise. 2021;5:80-94..

Ainda que as PIC sejam reconhecidas como um importante meio de integração entre os profissionais da APS, os aspectos negativos observados retratam a existência de conflitos na equipe que pouco são considerados, estudados e reconhecidos nas relações interprofissionais.

Outro fator importante para consolidação das PIC na APS é o apoio por parte dos gestores1313 Aguiar J, Kanan LA, Masiero AV. Práticas Integrativas e Complementares na atenção básica em saúde: um estudo bibliométrico da produção brasileira. Saúde debate. 2019;43(123):1205-1218. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912318
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. Ainda que os resultados encontrados por esta pesquisa apresentem apoio gerencial, tais dados divergem de outros estudos nacionais, em que a falta de apoio pelos gestores implica uma invisibilidade dessas práticas na APS, promovendo sua desvalorização e não institucionalização11 Barros LCN, Oliveira ESF, Hallais JAS, et al. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde: Percepções dos Gestores dos Serviços. Esc Anna Nery. 2020;24(2):e20190081. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0081
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, 33 Barros NF, Francisco PMSB, Sousa LA. Desapoio dos gestores e desinstitucionalização das Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2020;36(6):e00062320. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00062320
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, 1010 Rocha IR, Senna MIB, Oliveira JS, et al. Práticas Integrativas em Complementares em Saúde: a construção (in)completa da política em um município de grande porte. Saúde debate. 2023;47(136):110-125. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202313607
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.

Estudo realizado no Acre2525 Pereira LF, Rech CR, Morini S. Autonomia e Práticas Integrativas e Complementares: significados e relações para usuários e profissionais da Atenção Primária à Saúde. Interface Comun Saúde Educ. 2021;25:e200079. DOI: https://doi.org/10.1590/interface.200079
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evidenciou que 67% dos gestores entrevistados não tinham conhecimento sobre as PIC, mesmo estando na gestão do serviço da APS entre 1 e 3 anos (62,5%). Barros et al.11 Barros LCN, Oliveira ESF, Hallais JAS, et al. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde: Percepções dos Gestores dos Serviços. Esc Anna Nery. 2020;24(2):e20190081. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0081
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também constataram uma falta de conhecimento e inseguranças por parte dos gestores ao dialogarem sobre as PIC, confundindo-as facilmente com práticas biomédicas.

O desconhecimento das PIC já tem sido relatado no processo formativo, em especial, na formação acadêmica, referenciada pelo modelo biomédico, centrado nas doenças, e das racionalidades médicas2828 Gurgel LGD, Jessé ARB, Silva DMA, et al. Integrative and complementary practices: interest of the academic community and challenges of medical education. Rev Bras Educ Med. 2021;45(4):e235. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.4-20210233.ING
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, 2929 Nascimento MC, Romano VF, Chazan ACS, et al. Formação em práticas integrativas e complementares em saúde: desafios para as universidades públicas. Trab Educ Saúde. 2018;16(2):751-772. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00130
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, 3030 Barros NF, Siegel P, Otani MAP. O Ensino das Práticas Integrativas e Complementares: experiências e percepções. São Paulo: Hucitec; 2011., 3131 Medeiros NT, Catrib AMF, Barros NF, et al. Complementary and Integrative Medicine in academic health education. Complement Ther Med. 2021;63;102785. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ctim.2021.102785
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. Medeiros et al.3131 Medeiros NT, Catrib AMF, Barros NF, et al. Complementary and Integrative Medicine in academic health education. Complement Ther Med. 2021;63;102785. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ctim.2021.102785
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evidenciaram que apenas 26% dos cursos de enfermagem apresentavam alguma disciplina sobre as PIC em sua grade curricular. Já com relação às escolas médicas, das 252 escolas, somente 57 citaram as PIC em seus currículos.

Como fruto da incompreensão acerca das PIC por parte dos gestores, manifestam-se vulnerabilidades na institucionalização e no monitoramento das práticas, invisibilidade, desregulamentação, disputa entre os modelos assistenciais, desvalorização profissional, sobrecarga de trabalho, contribuindo para a fragmentação do processo de cuidado, bem como para o enfraquecimento das práticas no SUS3232 Silva PHB, Barros LCN, Zambelli JC, et al. (In) compreensões de gestores sobre as práticas integrativas e complementares na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Promoc Saúde. 2021;34:9. DOI: https://doi.org/10.5020/18061230.2021.13434
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.

Pode-se considerar que um dos indicadores de apoio gerencial às PIC está relacionado à disponibilização de insumos básicos para o seu desenvolvimento. Os resultados deste estudo evidenciam a necessidade de organização desse apoio gerencial, na previsão e na oferta de insumos para a realização das PIC nos territórios.

Em virtude do desprovimento de recursos, o acolhimento das demandas apresentadas pelos usuários é afetado, limitando o acesso às PIC. Diante disso, o autofinanciamento torna-se uma prática comum por diversos profissionais da APS, e tal sensibilidade visa a tornar as práticas operantes na rede de saúde11 Barros LCN, Oliveira ESF, Hallais JAS, et al. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde: Percepções dos Gestores dos Serviços. Esc Anna Nery. 2020;24(2):e20190081. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0081
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,33 Barros NF, Francisco PMSB, Sousa LA. Desapoio dos gestores e desinstitucionalização das Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2020;36(6):e00062320. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00062320
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, na medida em que a oferta dessas práticas é assegurada por um querer inerente aos profissionais de saúde, e não fomentada por um apoio gerencial3232 Silva PHB, Barros LCN, Zambelli JC, et al. (In) compreensões de gestores sobre as práticas integrativas e complementares na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Promoc Saúde. 2021;34:9. DOI: https://doi.org/10.5020/18061230.2021.13434
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, 3333 Ribeiro LG, Marcondes D. A interface entre a atenção primária à saúde e práticas integrativas e complementares no sistema único de saúde: formas de promover as práticas na APS. Rev APS. 2021;3(2):102-109. DOI: https://doi.org/10.14295/aps.v3i2.185
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, 3434 Silva PHB, Barros LCN, Zambelli JC, et al. Understandings and Misunderstandings about the Offer and Absence of Complementary Therapies by Managers in Primary Health Care. NTQR. 2021;8:245-253. DOI: https://doi.org/10.36367/ntqr.8.2021.245-253
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.

Desse modo, observa-se a necessidade de promover ações que possibilitem melhor perepção das PIC pelos gestores, uma vez que, à medida que se potencializa a visibilidade dessas práticas, obstáculos como baixa institucionalização, fragilidade e a instabilidade das PIC nos serviços serão superados, valorizando, assim, a sua oferta11 Barros LCN, Oliveira ESF, Hallais JAS, et al. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde: Percepções dos Gestores dos Serviços. Esc Anna Nery. 2020;24(2):e20190081. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0081
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, 3535 Ignatti C, Nakamura E. Monitoring the implementation of a Municipal Policy on Complementary and Integrative Practices: the main challenges. Physis (Rio J). 2021;31(1):e310107. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310107
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Outro ponto de fundamental importância no que diz respeito à ampliação das PIC na APS está relacionado à EPS. Apesar de a formação em PIC dos profissionais da saúde estar contida na PNPIC, os cursos associados à perspectiva da EPS ainda são escassos, e a maior parte é da rede privada de educação, custeada pelos próprios profissionais de saúde.

Atualmente, no Brasil, a formação em PIC é considerada difusa e escassa, trazendo consigo limitações na oferta e na qualidade. Tal indicador encontra-se entre os principais desafios para ampliação e implementação das PIC no SUS, visto que a educação permanente, de forma eficiente e de qualidade, promove a criação de uma visão integral no processo de trabalho e no cuidado em saúde, enriquecendo a prática profissional99 Tesser CD, Sousa IMC, Nascimento MC. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde brasileira. Saúde debate. 2018;42(esp1):174-188. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S112
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, 3535 Ignatti C, Nakamura E. Monitoring the implementation of a Municipal Policy on Complementary and Integrative Practices: the main challenges. Physis (Rio J). 2021;31(1):e310107. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310107
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, 3636 Ruela LO, Moura CC, Gradim CVC, et al. Implementação, acesso e uso das práticas integrativas e complementares no Sistema Único de Saúde: revisão da literatura. Ciênc saúde coletiva. 2019;24(11):4239-4250. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.06132018
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As informações trazidas por este estudo podem colaborar para o planejamento e o desenvolvimento de tomadas de decisão por parte dos gestores, para que se consiga superar as fragilidades identificadas, visando à ampliação e à qualificação do processo de trabalho alicerçado na oferta das PIC.

Entretanto, limitações inerentes a este estudo podem ser observadas em virtude da utilização de dados secundários obtidos da participação voluntária dos profissionais das unidades de saúde, que conheciam previamente o instrumento de coleta, atribuindo um viés de seleção, já que pode haver um direcionamento à acentuação da positividade nas respostas apresentadas pelas equipes estudadas.

Diante disso, os resultados do estudo avançaram em um diagnóstico das PIC no município e podem servir para análise de gestores para subsidiar caminhos na perspectiva do fortalecimento das PIC. Necessita-se de melhorias de infraestrutura e insumos nos cenários que ofertam as PIC, como as USF, estímulo de EPS, visando às PIC e ao processo de trabalho na APS, e o incentivo e apoio das gestões nos DS e nas USF.

Além disso, espera-se que os resultados deste estudo contribuam para a reflexão e o debate sobre as PIC na APS, incluindo, além dos profissionais de saúde, gestores e usuários dos serviços que as utilizam, de forma a contribuir para o surgimento de estratégias que visem ao fortalecimento e à consolidação das PIC no SUS.

Conclusões

Evidenciou-se que existe a oferta de diversas PIC na APS da capital nordestina e que, apesar de os profissionais serem considerados protagonistas dessa expansão, ainda existe uma parcela que não oferta. O profissional enfermeiro foi a principal categoria relacionada à oferta das PIC, de modo que se faz necessário conhecer as contribuições que outras classes profissionais possuem sobre a oferta e a ampliação das PIC na APS.

Ainda que os dados tenham apresentado uma direção para o apoio gerencial, a falta de incentivos e apoio foi identificada pela falta de insumos para o pleno desenvolvimento das práticas, impossibilitando que possam ser desenvolvidas com qualidade. É importante a EPS com foco na produção de cuidado visando às PIC na APS, de forma a qualificar o processo de trabalho em saúde na perspectiva integral, para além da racionalidade biomédica.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2023
  • Aceito
    25 Jul 2024
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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