RESUMO
Educação Interprofissional (EIP) é uma estratégia que contribui para o aprendizado compartilhado entre profissões, promove práticas colaborativas, influenciando positivamente ações e resultados em saúde. Esta pesquisa qualitativa fenomenológica propôs-se a compreender como a EIP é percebida no currículo de uma Residência Multiprofissional em Atenção Primária à Saúde (APS), na perspectiva de residentes. Todos os residentes do segundo ano participaram de entrevistas semiestruturadas (n = 10). O material textual produzido foi interpretado pela análise de conteúdo, utilizando o software Visual Qualitative Data Analysis. A formação na APS possibilitou o aprender-trabalhar compartilhado entre diferentes profissões, expresso pela interação, troca de saberes e reconhecimento dos papéis no trabalho. Entre as práticas compartilhadas, destacaram-se a discussão de casos, reuniões de equipe, consultas multiprofissionais, pré-natal, visitas domiciliares, reconhecimento do território e ações coletivas de promoção/educação em saúde. A comunicação foi evidenciada como elemento fundamental para o trabalho colaborativo em equipe e resolução de conflitos. Experiências de aprendizagem compartilhadas com equipes multiprofissionais que atuam no cuidado de pessoas-famílias-comunidade, com interação, confirmam a potência da APS para o desenvolvimento da EIP. Entretanto, é preciso avançar em currículos que expressem a intencionalidade pedagógica para a EIP e em pesquisas que tragam a percepção de preceptores-tutores-coordenação do Programa.
PALAVRAS-CHAVES
Educação Interprofissional; Aprendizagem; Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde; Pesquisa qualitativa
Introdução
Mudanças no perfil demográfico e epidemiológico na sociedade do século XXI tornaram as necessidades em saúde das pessoas cada vez mais complexas11 Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, et al. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet. 2010;376(9756):5-40. DOI: https://doi.org/10.1016/s0140-6736(10)61854-5
https://doi.org/10.1016/s0140-6736(10)61... , 22 World Health Organization. Transforming and scaling up health professionals’ education and training: World Health Organization guidelines 2013. Geneva: WHO; 2013.. O trabalho em equipe e a prática colaborativa interprofissional apresentam-se, nesse contexto, como dispositivos que contribuem para melhorar o acesso e a qualidade da atenção à saúde, fortalecendo sistemas de saúde pautados na integralidade e na centralidade do cuidado de usuário-famílias-comunidade11 Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, et al. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet. 2010;376(9756):5-40. DOI: https://doi.org/10.1016/s0140-6736(10)61854-5
https://doi.org/10.1016/s0140-6736(10)61... , 33 Organização Mundial da Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2010., 44 Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAMS, et al. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trab Educ Saúde. 2020;18:e0024678. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00246
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002... , 55 Freire Filho JR, Silva CBG, Costa MV, et al. Educação Interprofissional nas políticas de reorientação da formação profissional em saúde no Brasil. Saúde debate. 2019;43(esp1):86-96. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042019S107
https://doi.org/10.1590/0103-11042019S10... .
As diferentes profissões que irão compor a rede de atenção à saúde requerem formação voltada para o trabalho em equipe, o que envolve a necessidade do desenvolvimento de competências colaborativas44 Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAMS, et al. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trab Educ Saúde. 2020;18:e0024678. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00246
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002... , 66 Reeves S. Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface (Botucatu). 2016;20(56):185-197. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0092
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.00... , 77 Costa MV. A potência da educação interprofissional para o desenvolvimento de competências colaborativas no trabalho em saúde. In: Toassi RFC, organizadora. Interprofissionalidade e formação na saúde: onde estamos? Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 14-27., 88 Frenk J, Chen LC, Chandran L, et al. Challenges and opportunities for educating health professionals after the COVID-19 pandemic. Lancet. 2022;400:1539-1556. DOI: https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)02092-x
https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)02... , 99 Canadian Interprofessional Health Collaborative. A national interprofessional competence framework [Internet]. Vancouver: Canadian Interprofessional Health Collaborative; 2010 [acesso em 2023 fev 8]. Disponível em: https://phabc.org/wp-content/uploads/2015/07/CIHC-National-Interprofessional-Competency-Framework.pdf
https://phabc.org/wp-content/uploads/201... . Compreende-se por competências colaborativas aquelas que são desenvolvidas pelos trabalhadores para melhorar o trabalho, potencializando as competências comuns a todos e as específicas de cada núcleo de profissionais1010 Barr H. Competent to collaborate: towards a competency-based model for interprofessional education. J Interprof Care. 1998;12(2):181-187. DOI: http://dx.doi.org/10.3109/13561829809014104
http://dx.doi.org/10.3109/13561829809014... .
Conhecida como estratégia educacional para preparar os profissionais para o efetivo trabalho colaborativo em equipe, a Educação Interprofissional (EIP) ocorre quando estudantes e profissionais aprendem entre si, sobre os outros e em conjunto, com interação e intenção de melhorar a colaboração interprofissional e a qualidade da atenção à saúde das pessoas33 Organização Mundial da Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2010., 1111 Reeves S, Fletcher S, Barr H, et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Med Teach. 2016;38(7):656-668. DOI: https://doi.org/10.3109/0142159x.2016.1173663
https://doi.org/10.3109/0142159x.2016.11... . A EIP contribui para o aprendizado compartilhado e interativo, promove práticas colaborativas e incentiva o trabalho interprofissional, influenciando positivamente ações e resultados em saúde33 Organização Mundial da Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2010., 1212 Reeves S, Perrier L, Goldman J, et al. Interprofessional education: effects on professional practice and healthcare outcomes (update). Cochrane Database Syst Rev. 2013;3:CD002213. DOI: https://doi.org/10.1002/14651858.cd002213.pub3
https://doi.org/10.1002/14651858.cd00221... , 1313 Barr H, Low H. Introdução à educação interprofissional. [local desconhecido]: CAIPE; 2013., 1414 Ely LI, Toassi RFC. Integração entre currículos na educação de profissionais da Saúde: a potência para educação interprofissional na graduação. Interface (Botucatu). 2018;22:1563-1575. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0658
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.06... , 1515 Toassi RFC, Olsson TO, Lewgoy AMB, et al. Ensino da graduação em cenários da atenção primária: espaço para aprendizagem interprofissional. Trab Educ Saúde. 2020;18(2):e0026798. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00267
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002... , 1616 Samarasekera DD, Nyoni CN, Amaral E, et al. Challenge and opportunities to interprofissional education and practice. The Lancet. 2022;400(10362):1495-1497. DOI: https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)02086-4
https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)02... .
Na perspectiva da formação da força de trabalho no Brasil, as Residências Multiprofissionais em Saúde (RMS) são propostas de educação/aprendizado em serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) que oportunizam o aprender/fazer entre diferentes profissões, caracterizando experiências com potência para a EIP1717 Silva C, Dalbello-Araujo D. Programa de Residência Multiprofissional em Saúde: o que mostram as publicações. Saúde debate. 2019;43(123):1240-1258. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912320
https://doi.org/10.1590/0103-11042019123... , 1818 Barreto LDSO, Campos VD, Dal Poz MR. Interprofessional education in healthcare and health workforce (HRH) planning in Brazil: experiences and good practices. J Interprof Care. 2019;33(4):369-381. DOI: https://doi.org/10.1080/13561820.2019.1646230
https://doi.org/10.1080/13561820.2019.16... , 1919 Casanova IA, Batista NA, Moreno LR. Interprofessional Education and shared practice in multiprofessional health residency programs. Interface (Botucatu). 2018;22:1325-1337. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0186
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.01... . Estudos demonstram que as RMS promovem melhorias na produção do cuidado em saúde, considerando o usuário na centralidade desse cuidado e o compartilhamento de práticas1818 Barreto LDSO, Campos VD, Dal Poz MR. Interprofessional education in healthcare and health workforce (HRH) planning in Brazil: experiences and good practices. J Interprof Care. 2019;33(4):369-381. DOI: https://doi.org/10.1080/13561820.2019.1646230
https://doi.org/10.1080/13561820.2019.16... , 1919 Casanova IA, Batista NA, Moreno LR. Interprofessional Education and shared practice in multiprofessional health residency programs. Interface (Botucatu). 2018;22:1325-1337. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0186
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.01... , 2020 Fernandes SF, Freitas RJM, Silva MRF, et al. Elementos da educação interprofissional no currículo das residências multiprofissionais em saúde: estudo documental. Texto Contexto Enferm. 2023;32:e20230105. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2023-0105en
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20... .
Entendendo que a EIP deve integrar a formação de profissionais da saúde desde a graduação e, progressivamente, nos processos de educação permanente e pós-graduação, o objetivo desta pesquisa foi compreender como a EIP é percebida no currículo de uma Residência Multiprofissional em Atenção Primária à Saúde (APS), na perspectiva de residentes.
Material e métodos
Trata-se de pesquisa qualitativa, com abordagem fenomenológica2121 Merleau-Ponty M. Fenomenologia da percepção. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes; 2006., que investiga fenômenos humanos vivenciados dentro de contextos sociais onde ocorrem e a partir do ponto de vista das pessoas que os experenciam – fenômenos sociais. O fenômeno estudado neste estudo foi a EIP na formação da Residência Multiprofissional, centrado na percepção de profissionais residentes. Utilizou o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (Coreq)2222 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-357. DOI: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042... . Cumpriu com os princípios éticos com base na Resolução CNS/MS nº 466/20122323 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e revoga as Resoluções CNS nos. 196/96, 303/2000 e 404/2008. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2013 jun 13; Seção I:549. e na Resolução n° 510/20162424 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2016 maio 24; Seção I:44., sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética – CAAE nº 53291021.2.0000.5347 e Parecer nº 5.131.280) e da Prefeitura Municipal de Porto Alegre (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética – CAAE nº 53291021.2.3001.5338 e Parecer nº 5.185.733). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O estudo foi desenvolvido no município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no Programa da Residência Multiprofissional em APS da Secretaria Municipal de Saúde. A Residência foi implementada em março de 2020, buscando promover a educação permanente de profissionais para atuarem na APS2525 Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (RS). Relatório Anual de Gestão 2020 [Internet]. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde; 2021 [acesso em 2023 dez 3]. Disponível em: https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_anual_gestao2020.pdf
https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pre... . Cada núcleo que integra a Residência – Enfermagem, Odontologia e Farmácia – prevê que esses profissionais atuem em cada uma das quatro Unidades de Saúde (US) que são cenários de aprendizagem2626 Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (RS). Manual da Residência Multiprofissional em Atenção Primária à Saúde [Internet]. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde; [2021] [acesso em 2023 dez 3]. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/153uhZAAX0rNZ_ePlIIso4HC0tErIi-pDB/view
https://drive.google.com/file/d/153uhZAA... . Das 12 vagas oferecidas em 2021, foram ocupadas 11, e houve um pedido de desligamento.
Participaram do estudo todos os 10 residentes que estavam no segundo ano da formação (R2). Nenhum residente R2 foi excluído. A opção pelo grupo de R2 justifica-se pelo objetivo do estudo de analisar o currículo da Residência na percepção de residências que estavam em etapa final de formação.
O convite para a participação no estudo foi realizado por meio de mensagem encaminhada para o correio eletrônico (e-mail) dos residentes, tendo somente um remetente e um destinatário para garantir o sigilo das identidades dos participantes. Os contatos de e-mail foram solicitados à coordenação da RMS.
Entrevistas individuais semiestruturadas foram realizadas. O roteiro orientador das entrevistas foi constituído por questões sobre o perfil dos residentes (dados de contexto) e sobre as experiências de interação entre os diferentes núcleos profissionais na perspectiva da EIP durante a formação na Residência (quadro 1).
As entrevistas foram realizadas no período de abril a setembro de 2022, por uma única pesquisadora mulher (mestranda, com experiência do trabalho da APS e em pesquisa qualitativa), de forma presencial, no ambiente dos serviços de saúde, em sala reservada, conforme disponibilidade dos participantes. Foram mantidos todos os cuidados de biossegurança e distanciamento social previstos para o período da pandemia de covid-19. As entrevistas foram audiogravadas e transcritas.
Em média, as entrevistas tiveram duração de 45 minutos (total de sete horas de gravação). O material textual transcrito das entrevistas foi devolvido aos participantes, oportunizando a releitura/complementação das ideias apresentadas.
As informações produzidas pelo material textual das entrevistas foram analisadas pela análise de conteúdo2727 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016., na perspectiva da fenomenologia da percepção2121 Merleau-Ponty M. Fenomenologia da percepção. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes; 2006., com foco na experiência vivida por seres humanos num tempo e lugar específicos, incluindo o significado, a estrutura e a essência de determinado fenômeno social. Seguiu as etapas de pré-análise, a partir de leitura flutuante e de releituras para aproximação com o material empírico produzido. Na sequência, procedeu-se à exploração do material com a codificação, por meio da identificação de temáticas emergentes que se transformaram em categorias (unidades de significação)2727 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.. A matriz inicial de análise foi produzida pela pesquisadora que conduziu as entrevistas e, posteriormente, foi discutida com a segunda pesquisadora para a definição da matriz final. O software Visual Qualitative Data Analysis (Atlas.ti) apoiou a organização do material de pesquisa e a unitarização por temas emergentes e categorias de análise. Cada entrevista foi codificada por números sequenciais (E1 a E10), para preservar a identificação dos(as) participantes de pesquisa.
Resultados
Participaram desta pesquisa 10 residentes do segundo ano (R2). Não houve recusa ou desistência de participação no estudo.
Nove residentes eram mulheres, de 24 a 37 anos, que haviam concluído a graduação entre 2012 e 2020. Oito residentes cursaram a graduação em universidade pública, com ingresso universal, dois acessaram por meio de cotas estudantis. Os que cursaram a graduação em instituição privada tiveram financiamento estudantil. Dois residentes relataram ter concluído outro curso de pós-graduação (tabela 1).
A partir da pré-análise e da exploração do material textual produzido pela pesquisa, temas emergiram e duas categorias foram geradas (quadro 2).
Potências e desafios da formação em serviço: a APS como espaço dinâmico+ de educação e trabalho interprofissional
A APS, cenário de prática do primeiro ano da RMS, marcou os relatos dos residentes ao expressarem suas percepções sobre os espaços de interação entre as diferentes profissões.
Apesar de reconhecerem, em diferentes momentos, o espaço das atividades específicas de suas profissões – “fui muito engolida pelo núcleo da Enfermagem” (E1), “fiquei a metade da minha residência basicamente em atendimento clínico” (E7) –, os residentes perceberam que sua formação em serviço possibilitou não ficarem restritos ao seu núcleo profissional.
Ao identificarem atividades que possibilitaram a interação entre as profissões como espaços potentes para a EIP, os residents revelaram a necessidade da construção de articulações interprofissionais na direção do reconhecimento dos papéis desempenhados e, nesse caminhar, do reconhecimento pelo/no trabalho dos saberes e fazeres, tendo o usuário/território como centro do cuidado. Os residentes destacaram o conhecimento do “território” (E2), a participação em “consultas” multiprofissionais (E1), “visitas domiciliares” (E3, E4, E9), ações do Programa Saúde na Escola – PSE (E3, E4), “pré-natal” (E1, E9, E10), “campanhas de vacinação” (E1, E3, E5, E10), “discussão de casos” (E7) e “grupos” (E7) com diferentes profissionais da equipe (enfermeiros, farmacêuticos, médicos, agentes comunitários de saúde).
As visitas domiciliares compartilhadas com diferentes profissões merecem destaque entre os resultados do estudo, possibilitando aprendizados que foram além do campo profissional e que marcaram a vida desses residentes.
Fui [na visita domiciliar] com a Assistente Social. Ela falou que era uma família bem vulnerável. Eu sei o que é vulnerável, mas eu não sabia que existia aquele tipo de vulnerabilidade. [...]. Eu estava levando escova de dente só para o paciente que estava acamado. E ela falou, ‘quem sabe tu não levas para todo mundo da casa, são seis pessoas’ [...]. Eram três crianças, uma pessoa acamada e dois adultos [...]. Daí, a menininha sorriu para mim com os dentinhos já todos pretos. Dei orientação para a pessoa acamada, expliquei e entreguei as escovas para todos [...]. A menorzinha deveria ter uns três anos [...] entreguei a escova e a pasta. Ela me falou Ό que é isso, tia?’. Expliquei, e ela ficou muito feliz [...] e começou a comer a pasta de dente. ‘Meu Deus do céu! Ό que está acontecendo?’. Me deu tanta vontade de chorar e sair correndo daquele lugar. A mãe das crianças falou para mim, ‘que bom que você trouxe as escovas, a gente não tinha nenhuma!’. Ninguém tinha escova. Então, foi essa experiência, nem sei se só de aprendizado, mas de vida. (E10).
A possibilidade do aprender e trabalhar junto a equipes multiprofissionais na APS trouxe ao contexto da formação do residente a discussão de casos com troca de saberes, por meio da interação, da colaboração e do aprendizado junto às demais profissões.
[...] estávamos todos numa sala – médico, enfermeiro e farmacêutico – e aí tu acabas tendo essa visão das outras profissões. [...] meu aprendizado não teria sido tão enriquecedor se a gente não tivesse essa multiprofissionalidade. A gente tem uma troca muito boa entre o pessoal da medicina, enfermagem, odonto. A gente discute o caso. E uma troca de experiência que não está em livro nenhum. (E4).
Essa diversidade de ações desenvolvidas na APS foi permeada pelas necessidades dos usuários desses territórios, com destaque para o contexto da pandemia de covid-19, como pode ser observado no relato, abaixo, de um residente.
A gente faz muito atendimento de covid, testagem rápida, acompanhou todo o início da vacinação. [...] também tive contato com as ISTs [Infecções Sexualmente Transmissíveis], que eu desconhecia, como laudar, fazer testagem rápida para HIVe outras ISTs, para além do quesito de biossegurança. Além da Odontologia, que é meu campo principal. (E2).
Com o aumento de pessoas sintomáticas para covid-19, a Secretaria Municipal de Saúde, por meio da Instrução Normativa 019/20202828 Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (RS). Instrução Normativa 019/2020. Institui medidas complementares de prevenção ao contágio pelo COVID-19 (novo Coronavírus) e manutenção dos serviços e atividades prestados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Diário Oficial Eletrônico de Porto Alegre [Internet], Porto Alegre, RS. 2020 maio 7 [acesso em 2023 dez 3]; Edição 6245:10-11. Disponível em: https://dopaonlineupload.procempa.com.br/dopaonlineupload/3366_ce_20200507_executivo.pdf.
https://dopaonlineupload.procempa.com.br... , suspendeu, por um período, as reuniões de equipe, o que emergiu nos relatos dos residentes.
Não temos reunião. [...] houve a suspensão por causa do aumento de sintomáticos respiratórios nos pronto atendimentos e nas Unidades de Saúde. (E5).
Na percepção dos residentes, a reunião de equipe era o momento em que se conseguia “conversar” (E3, E5), “alinhar e encaminhar decisões, [...] discutir os problemas” (E9). A falta desse encontro afetou a comunicação entre os profissionais, desorganizando os fluxos de trabalho.
[...] a equipe trabalha bem, só que, por conta da falta de reunião, falta de conversa entre si, a gente conversa de pouquinho em pouquinho, não consegue definir coisas que todo mundo vai fazer, e que todo mundo esteja ciente, [...] se perde por conta disso, essa falta de comunhão da equipe, [...] se perdeu pela falta de reunião. Isso acaba tornando o fluxo desorganizado. (E3).
As reuniões de equipe foram retomadas entre o final de 2021 e início de 2022 e seguiram as recomendações do Guia de Organização para as Unidades de APS do município. Serviços da APS com duas ou mais equipes de saúde da família podem realizar momentos de reunião de equipe, mensalmente, com duração de duas horas, com fechamento do serviço. As demais reuniões podem ser realizadas por equipes de saúde, onde cada equipe se reúne por, no máximo, duas horas semanais, com a manutenção dos atendimentos e a recomendação de fracionar em dois momentos de uma hora em dias alternados da semana2929 Porto Alegre (RS). Portaria GS SMS 1467/2020. Aprova e institui o Guia de Organização para as Unidades de Saúde da Atenção Primária do Município de Porto Alegre (GO-APS). Diário Oficial Eletrônico de Porto Alegre [Internet], Porto Alegre, RS. 2020 set 25 [acesso em 2023 dez 3]; Edição 6348:2. Disponível em: https://dopaonlineupload.procempa.com.br/dopaonli-neupload/3626_ce_20200925_executivo.pdf
https://dopaonlineupload.procempa.com.br... .
Nessa configuração, a reunião de equipe, na percepção dos residentes, ocorria de forma fragmentada, com parte da equipe de saúde, de modo que os comunicados, alinhamentos de fluxos e deliberação de decisões, eram transmitidos de forma rápida e objetiva, sem a interrupção dos atendimentos, fragilizando a potência dos encontros.
As reuniões eram mais comunicados, muito rápidas. Nem todos conseguiam estar presentes, porque não fecha a Unidade. Eram momentos intercalados com cada equipe. Enquanto uma tinha reunião, a outra atendia. Fica como um telefone sem fio, bem fragilizado. (E8).
Houve situações, entretanto, em que a reunião acontecia mensalmente, com a US fechada, ou reunião em grupos menores, onde era possível a discussão dos problemas, o alinhamento das equipes e o encaminhamento de decisões compartilhadas.
As reuniões eram uma vez ao mês, onde fechava a Unidade. Tinham as pautas, a gente ia alinhando e encaminhava as decisões. Normalmente [os problemas da equipe], eram discutidos em reunião, ou quando não tinha reunião de equipe, em microrreuniões com os pequenos grupos. (E9).
A necessidade de comunicação entre os trabalhadores foi destacada, neste estudo, como ponto crucial para o desenvolvimento do trabalho em equipe. Na medida em que não houve a possibilidade do encontro para as discussões, os grupos de WhatsApp foram a alternativa para alinhar e organizar os processos de trabalho, o que foi reiterado pelos residentes como uma barreira de comunicação para as equipes.
Não tem reunião de equipe. As decisões são compartilhadas pelo grupo de WhatsApp. Acho que não é a forma ideal, porque não é um meio de comunicação oficial. Está ali e a pessoa não vai ler, tu não tem como pedir o feedback. Não é como uma reunião que tu olhas no olho. [...] tu manda no WhatsApp e fica muito no vento, tu não sabe se a pessoa leu. (E1).
Cabe, ainda, mencionar que a dinamicidade do processo de educação e de trabalho na Residência também foi marcada por mudanças no gerenciamento da APS do município, a qual passou a ser administrada por uma Organização da Sociedade Civil3030 Porto Alegre (RS). Edital de chamamento público 002/2022. Edital de chamamento público Atenção Primária. Diário Oficial Eletrônico de Porto Alegre, Porto Alegre, RS. 2022 jun 1 [acesso em 2023 dez 3]; Edição 6771:45. Disponível em: https://dopaonlineupload.procempa.com.br/dopaonlineupload/4396_ce_20220601_executivo.pdf
https://dopaonlineupload.procempa.com.br... . Com isso, as equipes foram reorganizadas, tendo modificações de profissionais e residentes. Para os residentes, essa mudança os pegou de surpresa, afetando seu processo de aprendizado em serviço.
[...] a terceirização da APS [suspiros]. Foi uma coisa que nos pegou de surpresa [...]. A Terceirização tirou um pouco do meu chão, acredito que tenha desestabilizado outras pessoas também. (E6).
EIP no currículo da Residência a partir do olhar do residente: o aprender compartilhado ‘sobre’ e ‘entre’ as diferentes profissões e usuários
A EIP, para os residentes, acontece quando “profissionais de categorias diferentes trabalham juntos, se comunicando, se integrando, visando o melhor atendimento para o paciente” (E5). É o “ensinar e o aprender entre as diferentes profissões e disciplinas, [...] uma forma de aprender com os outros as coisas que tu nunca viu e ensinar coisas que eles também nunca vão ver” (E3).
Reconheceram os momentos de EIP em sua formação na Residência quando, ao compartilharem os mesmos espaços de trabalho em saúde, houve o aprendizado ‘sobre’ e ‘entre’ as diferentes profissões, por meio da discussão de casos, dos atendimentos com outros profissionais na US e em visitas domiciliares.
Nas discussões de caso, se vê a visão de outro profissional. É bem enriquecedor, a gente aprende bastante. (E1).
Estava atendendo uma paciente que fazia uso de um medicamento para diabetes. Na minha experiência anterior, eu não saberia dizer o que é esse medicamento. Por conta da minha vivência com a farmacêutica, eu sei agora [...] São esses conhecimentos que eu fui adquirindo com base no escutar o farmacêutico e o enfermeiro falando. (E3).
Eu não sei de saúde bucal, mas na visita domiciliar eu posso ver o dentista avaliando uma candidíase e na próxima eu posso identificar o mesmo problema em outra pessoa e saber o que fazer. (E4).
A gente [residentes da Farmácia] também ensinava os alunos da Medicina a indicarem para seus pacientes o uso de dispositivos inalatórios. (E6).
O ‘fazer saúde coletivamente’, com foco nas necessidades das pessoas, trouxe a potência de poder perceber o papel de cada profissional no processo de cuidado e do ensinar-aprender juntos.
A gente fez coletivamente. Conseguiu debater o caso dele. Isso foi muito rico. Com aquele único paciente, se teve uma visão geral do que é importante em cada profissão, e, juntos, a gente conseguiu aprender também. (E8).
A capacidade de escuta e observação do outro profissional na APS, durante as consultas/interconsultas ou em atendimentos domiciliares da equipe, também foi uma manifestação da EIP no currículo da Residência.
Eu não fui para o livro para aprender sobre isso, eu aprendi no escutar o outro profissional falando. [...] Sinto que já existe a educação interprofissional no currículo. (E3).
Alia-se a esse aprendizado compartilhado entre residentes e profissionais da APS a preocupação dos residentes com a inclusão das pessoas-usuários como participantes-protagonistas das decisões sobre seu processo de cuidado.
Centrar, deixar o usuário no centro das atitudes. Nas consultas, estou sempre revendo essa parte, para não deixar o controle sempre nos profissionais, para que o paciente esteja também entendendo o que está acontecendo e ele tomar a decisão que entenda ser certa. (E8).
O usuário opina sobre seu tratamento, principalmente nas reuniões do Conselho de Saúde, [...] na unidade, o usuário faz o que é bom para ele, o que ele acha que é certo naquele momento. Tu podes oferecer o melhor tratamento, mas vai depender do usuário a adesão. (E9).
O aprender em meio aos desafios e às potencialidades do cotidiano da APS também foi percebido pelos residentes como “positivo” (E9), ensinando a equipe a “conversar” (E8) e estimulando o desenvolvimento da competência colaborativa de resolução de conflitos.
Quando tem conflito, a gente ouve, vê se é conflito pessoal ou da equipe. [...] No conflito, tem que se ouvir, tentar entender o que é esse conflito. (E6).
As atividades teóricas do eixo transversal do currículo da Residência, em que as aulas aconteciam com residentes e professores dos diferentes núcleos profissionais, foram percebidas como positivas pelos residentes.
Achei bem interessante ter aula com outros profissionais. É um outro mundo. Faz diferença ter aula com outros profissionais, pois soma, acrescenta na nossa formação, para a gente não ficar só na nossa formação. [...] Tivemos aulas com enfermeiros, dentistas, médicos, terapeuta ocupacional e farmacêutico. (E5).
Fazíamos seminários, trabalhos, tentando ‘misturar’ com os diversos profissionais. Tivemos aula com odonto, farmacêutico e médico. (E8).
As bases teórico-conceituais da EIP, entretanto, como intencionalidade pedagógica da formação – expressa por meio de atividades de ensino que articulassem textos dos autores de referência da EIP com as atividades práticas vivenciadas na APS, debatendo/problematizando conceitos e práticas de trabalho em equipe –, não foram identificadas pelos residentes nas atividades teóricas.
Discussão
O presente estudo propôs-se a compreender se a EIP se articula à formação do profissional da saúde na Residência Multiprofissional em APS, a partir da percepção de residentes.
A perspectiva teórico-metodológica da fenomenologia da percepção utilizada permitiu entender o fenômeno investigado da EIP no processo formativo na Residência Multiprofissional no contexto de vida dos residentes, por meio da reflexão dos acontecimentos, experiências, essências, subjetividades e interação desses residentes com o mundo2121 Merleau-Ponty M. Fenomenologia da percepção. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes; 2006..
A experiência com significado, sentido e propósito remete ao pensamento crítico da educação transformadora, por meio de uma perspectiva política. Pensar as práticas educativas a partir do sentido da experiência leva à criação de realidades que potencializam a subjetivação e, portanto, tocam o sujeito. Em contrapartida, quando há um excesso de informação sem sentido, não há produção de conhecimento nem aprendizagem3131 Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev Bras Educ. 2002;(19):20-28. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003
https://doi.org/10.1590/S1413-2478200200... . Educação e práticas de ensino em serviço precisam dialogar com a experiência dos residentes educandos.
A EIP, tema central deste estudo, tem sua base conceitual estabelecida pela interação de forma intencional de dois ou mais profissionais de diferentes núcleos, no aprendizado compartilhado com o outro33 Organização Mundial da Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2010., 1111 Reeves S, Fletcher S, Barr H, et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Med Teach. 2016;38(7):656-668. DOI: https://doi.org/10.3109/0142159x.2016.1173663
https://doi.org/10.3109/0142159x.2016.11... . Nessa proposta educacional, não basta ter os diferentes profissionais ou estudantes no mesmo espaço, é preciso ter a intenção/ação de interagir para melhorar a qualidade do cuidado à saúde das pessoas-famílias-comunidade33 Organização Mundial da Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2010., 44 Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAMS, et al. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trab Educ Saúde. 2020;18:e0024678. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00246
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002... , 77 Costa MV. A potência da educação interprofissional para o desenvolvimento de competências colaborativas no trabalho em saúde. In: Toassi RFC, organizadora. Interprofissionalidade e formação na saúde: onde estamos? Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 14-27., 1111 Reeves S, Fletcher S, Barr H, et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Med Teach. 2016;38(7):656-668. DOI: https://doi.org/10.3109/0142159x.2016.1173663
https://doi.org/10.3109/0142159x.2016.11...
Os resultados deste estudo mostraram que a APS foi um espaço potente do SUS para o encontro, aprendizado e trabalho dos residentes com as diferentes profissões que integram as equipes. Nessa direção, possibilitou a realização de uma diversidade de ações de saúde a partir das necessidades dos usuários – conhecimento do território, participação em consultas, visitas domiciliares, ações do PSE, cuidados a gestantes, campanhas de vacinação, com enfermeiros, farmacêuticos, médicos, agentes comunitários de saúde. Os desafios para a formação em serviço também foram apontados, devido à rotatividade dos profissionais nos cenários de prática, interferindo diretamente no processo de trabalho da equipe.
A busca permanente da integralidade do cuidado, as mudanças epidemiológicas vivenciadas e a complexidade das necessidades em saúde colocam a EIP como alternativa que qualifica a formação dos profissionais da saúde11 Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, et al. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet. 2010;376(9756):5-40. DOI: https://doi.org/10.1016/s0140-6736(10)61854-5
https://doi.org/10.1016/s0140-6736(10)61... , 33 Organização Mundial da Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2010., 77 Costa MV. A potência da educação interprofissional para o desenvolvimento de competências colaborativas no trabalho em saúde. In: Toassi RFC, organizadora. Interprofissionalidade e formação na saúde: onde estamos? Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 14-27., 88 Frenk J, Chen LC, Chandran L, et al. Challenges and opportunities for educating health professionals after the COVID-19 pandemic. Lancet. 2022;400:1539-1556. DOI: https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)02092-x
https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)02... , 1919 Casanova IA, Batista NA, Moreno LR. Interprofessional Education and shared practice in multiprofessional health residency programs. Interface (Botucatu). 2018;22:1325-1337. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0186
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.01... na proposta das RMS. Pesquisas e experiências sobre EIP no contexto brasileiro – como cursos com currículos de base interprofissional, PET-Saúde e disciplinas/componentes curriculares integradores na graduação, tendo como cenários de aprendizagem a rede do SUS – reforçam o caráter interprofissional do SUS1414 Ely LI, Toassi RFC. Integração entre currículos na educação de profissionais da Saúde: a potência para educação interprofissional na graduação. Interface (Botucatu). 2018;22:1563-1575. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0658
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.06... , 3232 Rossit R, Batista SH, Batista NA . Formação para a integralidade no cuidado: potencialidades de um projeto interprofissional. Rev Int Hum Médicas. 2014;3(1):55-64. DOI: https://doi.org/10.18848/2254-5859/CGP/v03i01/55-64
https://doi.org/10.18848/2254-5859/CGP/v... , 3333 Costa MV, Patrício KP, Câmara AMCS, et al. Pro-Health and PET-Health as interprofessional education spaces. Interface (Botucatu). 2015;19(supl1):709-720. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0994
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.09... , 3434 Neves M, Toassi RFC. Integrated health practices: Scenarios for interprofessional experiences in the Brazilian health system. J Dent Educ. 2022;86(supl1):855-857. DOI: https://doi.org/10.1002/jdd.12857
https://doi.org/10.1002/jdd.12857... . Integrar a EIP aos princípios do SUS contribui tanto para a educação quanto para a qualificação da atenção à saúde3434 Neves M, Toassi RFC. Integrated health practices: Scenarios for interprofessional experiences in the Brazilian health system. J Dent Educ. 2022;86(supl1):855-857. DOI: https://doi.org/10.1002/jdd.12857
https://doi.org/10.1002/jdd.12857... , 3535 Peduzzi M. O SUS é interprofissional. Interface (Botucatu). 2016;20(56):199-201. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0383
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.03... , 3636 Prevedello AS, Góes FSN, Cyrino EG. Educação interprofissional na formação em saúde no Brasil: scoping review. Rev Bras Educ Méd. 2022;46(3):e110. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.3-20210006
https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.3-2... , na direção da integralidade e da equidade.
Nos relatos dos residentes participantes desta pesquisa, os encontros junto às equipes multiprofissionais e aos usuários do SUS – marcados pela escuta, troca de saberes, discussões interativas e pela disponibilidade para o aprender e trabalhar com o outro – apontam para os princípios da interprofissio – nalidade no currículo da Residência. Assim, para a organização do trabalho a partir dos determinantes sociais e da subjetividade de cada sujeito, família e territórios, valorização da escuta e fortalecimentos de vínculos profissionais-residentes-comunidade.
O envolvimento de diferentes profissionais na resolução compartilhada dos problemas de saúde com foco nas necessidades das pessoas, por meio do trabalho colaborativo, do desenvolvimento de competências colaborativas, é essencial para o aprender-fazer interprofissional.
A comunicação interprofissional, pautada na elaboração conjunta de linguagens, objetivos e propostas comuns – o agir comunicativo3737 Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde Pública. 2001;35(1):103-109. DOI: https://doi.org/10.1590/S0034-89102001000100016
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200100... , o reconhecimento/valorização e (re)conhecimento de papéis profissionais, a resolução de conflitos interprofissionais e o cuidado centrado no paciente/usuário-famílias-comunidade -, é uma competência colaborativa99 Canadian Interprofessional Health Collaborative. A national interprofessional competence framework [Internet]. Vancouver: Canadian Interprofessional Health Collaborative; 2010 [acesso em 2023 fev 8]. Disponível em: https://phabc.org/wp-content/uploads/2015/07/CIHC-National-Interprofessional-Competency-Framework.pdf
https://phabc.org/wp-content/uploads/201... percebida pelos residentes, indo além da cooperação entre os profissionais.
A cooperação refere-se à divisão do trabalho, por meio do encontro e da soma das atividades individuais com resultados coletivos3838 Soares CB, Souza HS, Campos CMS. Processo de trabalho e enfermagem: uma contribuição a partir da saúde coletiva. In: Souza HS, Mendes A, organizadores. Trabalho & saúde no capitalismo contemporâneo: enfermagem em foco. Rio de Janeiro: DOC Saberes; 2016. p. 43-61.. Já a colaboração interprofissional identificada pelos residentes é a que proporciona o avanço na direção do cuidado integral, e é entendida como um processo no qual trabalhadores de diferentes profissões coordenam ações coletivas voltadas às condições de saúde das pessoas3939 Uchôa-Figueiredo LR, Silva CG, Faria NMS, et al. Prática interprofissional colaborativa: reflexão do constructo à prática. In: Batista NA, Uchôa-Figueiredo LR, organizadores. Educação Interprofissional no Brasil: formação e pesquisa. Porto Alegre: Rede Unida; 2022. p. 36-62..
Este estudo contribui para reforçar a importância da EIP em programas de Residência Multiprofissional em APS, como uma oportunidade de integração ensino-serviço-comunidade que possibilita o aprendizado de competências colaborativas essenciais ao trabalho em equipe. Também promove práticas de cuidado construídas de forma articulada, colaborativa e com sentido para e com os residentes e usuários, favorecendo melhores resultados em saúde. O efetivo aprendizado interprofissional precisa incluir a participação e o envolvimento de todos os integrantes dos serviços de saúde – entre eles, os usuários dos territórios –, para compartilhar a responsabilidade/protagonismo do cuidado e adaptar o plano terapêutico à sua realidade, considerando suas subjetividades1313 Barr H, Low H. Introdução à educação interprofissional. [local desconhecido]: CAIPE; 2013., 1919 Casanova IA, Batista NA, Moreno LR. Interprofessional Education and shared practice in multiprofessional health residency programs. Interface (Botucatu). 2018;22:1325-1337. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0186
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.01... , 4040 Silva JAM, Peduzzi M, Orchard C, et al. Educação interprofissional e prática colaborativa na Atenção Primária à Saúde. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(nesp2):16-24. DOI: https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000800003
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201500... , o que foi observado neste estudo.
A mudança no gerenciamento da APS do município estudado3030 Porto Alegre (RS). Edital de chamamento público 002/2022. Edital de chamamento público Atenção Primária. Diário Oficial Eletrônico de Porto Alegre, Porto Alegre, RS. 2022 jun 1 [acesso em 2023 dez 3]; Edição 6771:45. Disponível em: https://dopaonlineupload.procempa.com.br/dopaonlineupload/4396_ce_20220601_executivo.pdf
https://dopaonlineupload.procempa.com.br... também foi evidenciada nos achados desta pesquisa. Foi uma mudança que trouxe rotatividade de profissionais nas equipes e a prioridade por procedimentos assistenciais vinculados a metas contratuais quantitativas4141 Paula GB. Educação interprofissional em cenários de aprendizagem do Sistema Único de Saúde: repercussões para o trabalho em equipe [dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2023. 80 p., o que, na percepção dos residentes, afetou o processo de trabalho das equipes. Alia-se a esse contexto a valorização do cuidado individual e da demanda espontânea, além da fragilidade do enfoque territorial de base comunitária e multiprofissional que se estabeleceu a partir da Política Nacional de Atenção Básica de 20174242 Ministério da Saúde (BR), Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2017 set 22; Edição 183; Seção I:68., reconfigurando o modelo assistencial da APS4343 Giovanella L, Franco CM, Almeida PF. Política Nacional de Atenção Básica: para onde vamos? Ciênc saúde coletiva. 2020;25(4):1475-1482. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232020254.01842020
https://doi.org/10.1590/1413-81232020254... . São movimentos no espaço do trabalho que podem gerar barreiras para a EIP e para a prática colaborativa interprofissional, e precisam ser acompanhados4141 Paula GB. Educação interprofissional em cenários de aprendizagem do Sistema Único de Saúde: repercussões para o trabalho em equipe [dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2023. 80 p..
A EIP, apesar de emergir nos relatos dos residentes nas atividades desenvolvidas na APS, precisa estar inserida com intencionalidade pedagógica no currículo dessa Residência, enquanto estratégia educacional, tendo a definição dos objetivos de ensino-aprendizagem, fundamentos teóricos, conteúdos, estratégias de ensino-aprendizagem-avaliação66 Reeves S. Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface (Botucatu). 2016;20(56):185-197. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0092
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.00... , 1313 Barr H, Low H. Introdução à educação interprofissional. [local desconhecido]: CAIPE; 2013.. Esta pesquisa mostra a fragilidade do currículo da Residência estudada na garantia dessa intencionalidade. O currículo deve contemplar momentos de compartilhamento de saberes entre os diferentes núcleos profissionais, em que conceitos – como o do trabalho em equipe – sejam discutidos na perspectiva da prática colaborativa interprofissional.
Entende-se a EIP como transversal e crescente entre os diferentes momentos da formação1313 Barr H, Low H. Introdução à educação interprofissional. [local desconhecido]: CAIPE; 2013., estimulando o desenvolvimento de identidades interprofissionais88 Frenk J, Chen LC, Chandran L, et al. Challenges and opportunities for educating health professionals after the COVID-19 pandemic. Lancet. 2022;400:1539-1556. DOI: https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)02092-x
https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)02... . Os currículos da graduação, ainda voltados essencialmente para formação uniprofissional, e, nas RMS, estruturados por categorias profissionais, são barreiras para a inte(g)ração entre as diferentes profissões que trabalharão(am) juntas. A residência é uma etapa do processo de formação profissional que possibilita aprender, ensinar e desenvolver competências para o trabalho colaborativo em equipe, fortalecendo o cuidado integral e a qualidade da atenção à saúde às pessoas-famílias-comunidade1919 Casanova IA, Batista NA, Moreno LR. Interprofessional Education and shared practice in multiprofessional health residency programs. Interface (Botucatu). 2018;22:1325-1337. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0186
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.01... , 4444 Torres RBS, Barreto ICHC, Freitas RWJF, et al. Estado da arte das residências integradas, multiprofissionais e em área profissional da Saúde. Interface (Botucatu). 2019;23:e170691. DOI: https://doi.org/10.1590/Interface.170691
https://doi.org/10.1590/Interface.170691... . Conhecer o arcabouço teórico da EIP é essencial para que mudanças possam ser implementadas4545 Anderson ES, Hean S, O’Halloran C, et al. Faculty development for interprofessional education and practice. In: Steinert Y, editor. Faculty development in the health professions: a focus on research and practice. New York: Springer; 2014. p. 287-310..
Quando o profissional residente não tem a experiência de EIP na sua formação na graduação/residência, isso pode impactar o seu futuro profissional por fortalecer as práticas uniprofissionais que fragmentam o cuidado. Para que a EIP seja reconhecida como uma estratégia educacional que favorece o trabalho colaborativo em equipe e o cuidado resolutivo em saúde, ela deve ser experenciada desde o início da formação e se desenvolver ao longo da carreira dos profissionais de saúde, como eixo articulado e transversal nos espaços de educação permanente66 Reeves S. Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface (Botucatu). 2016;20(56):185-197. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0092
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.00... , 2020 Fernandes SF, Freitas RJM, Silva MRF, et al. Elementos da educação interprofissional no currículo das residências multiprofissionais em saúde: estudo documental. Texto Contexto Enferm. 2023;32:e20230105. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2023-0105en
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20... , 3636 Prevedello AS, Góes FSN, Cyrino EG. Educação interprofissional na formação em saúde no Brasil: scoping review. Rev Bras Educ Méd. 2022;46(3):e110. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.3-20210006
https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.3-2... , 4646 Figueiredo EBL, Souza AC, Abrahão A, et al. Continuing Health Education: an interprofessional and affective policy. Saúde debate. 2022;46(135):1164-1173. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202213515I
https://doi.org/10.1590/0103-11042022135... .
Nessa direção, processos de ensino-aprendizagem alicerçados na interprofissionalidade são desafiadores por questionar o trabalho fragmentado em saúde-doença centrado e uniprofissional. Torna-se uma exigência deste tempo pensar a EIP como estratégia de educação permanente afetiva4646 Figueiredo EBL, Souza AC, Abrahão A, et al. Continuing Health Education: an interprofessional and affective policy. Saúde debate. 2022;46(135):1164-1173. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202213515I
https://doi.org/10.1590/0103-11042022135... , envolvendo residentes, trabalhadores do SUS e docentes que se proponham à produção do cuidado de base comunitária, implicada aos contextos de vida nos territórios, a partir de relações de trabalho horizontalizadas e colaborativas.
Esforços feitos em torno de mudanças de propostas curriculares dessa magnitude necessitam de apoio institucional. Serviços de saúde, instituições educacionais, trabalhadores da saúde, docentes e residentes precisam apoiar a partir do comprometimento nas mudanças no ensino e na oferta de serviços, de forma a melhor articular teoria e prática4747 Hammond KM, Morgan CJ. Development of interprofessional healthcare teamwork skills: mapping students’ process of learning. J Interprof Care. 2021;36(4):589-598. DOI: https://doi.org/10.1080/13561820.2021.1936470
https://doi.org/10.1080/13561820.2021.19... . Para tanto, é essencial a gestão do processo de trabalho em saúde, condições de trabalho das equipes que permitam a interação e a adoção de estratégias participativas, dialógicas e horizontalizadas na condução do processo ensino-aprendizagem-avaliação dos residentes. Pensando na sustentabilidade dessas propostas, é fundamental garantir recursos financeiros para dar o suporte adequado para tais ações4848 Shrader S, Ohtake PJ, Bennie S, et al. Organizational structure and resources of IPE programs in the United States: a national survey. J Interprof Educ Pract. 2022;26:100484. DOI: https://doi.org/10.1016/j.xjep.2021.100484
https://doi.org/10.1016/j.xjep.2021.1004... .
Este estudo evidenciou a potência das residências multiprofissionais na APS para o estímulo à colaboração como eixo orientador de uma prática de cuidado integral de forma a articular saberes-fazeres-práticas nos serviços, tendo a centralidade nos usuários e suas famílias, a partir da perspectiva territorial e comunitária. Compreende-se a necessidade de esforços políticos, organizacionais e de equipe de trabalho para permitir que a colaboração se efetive66 Reeves S. Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface (Botucatu). 2016;20(56):185-197. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0092
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.00... , 77 Costa MV. A potência da educação interprofissional para o desenvolvimento de competências colaborativas no trabalho em saúde. In: Toassi RFC, organizadora. Interprofissionalidade e formação na saúde: onde estamos? Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 14-27..
As limitações do presente estudo estão relacionadas à necessidade de ampliação dos participantes da pesquisa, incluindo a percepção de outros atores da Residência, como usuários, preceptores, tutores e gestores. Além disso, novas pesquisas devem complementar os resultados encontrados, buscando investigar a autonomia do usuário no seu processo de cuidado, o vínculo usuários-equipe e entre os profissionais da equipe, além de acompanhar práticas de educação e de trabalho interprofissional nesse contexto de metas contratuais na APS. Reforça-se a importância de um modelo da APS que permita a longitudinalidade e a integralidade do cuidado, uma formação em serviço que proporcione o aprendizado interprofissional, que promova a EIP como estratégia transformadora e potente para o trabalho em equipe no SUS.
Considerações finais
Por meio da análise qualitativa fenomenológica, esta pesquisa reforçou a potência da APS como cenário para interação, troca de saberes, aprendizagem compartilhada ‘sobre’ e ‘entre’ as diferentes profissões, além de possibilitar o desenvolvimento de competências colaborativas, essenciais quando se pretende a educação e o trabalho interprofissional. Entre as competências colaborativas, os residentes identificaram a comunicação interprofissional, a dinâmica de funcionamento da equipe, o reconhecimento de papéis profissionais, a resolução de conflitos e o cuidado centrado nas pessoas-famílias-comunidade.
Atividades realizadas em conjunto por residentes e equipe de saúde – discussão de casos, consultas, visitas domiciliares, reconhecimento do território, grupos, pré-natal, ações do Programa de Saúde na Escola (PSE), vacinação, testagem para covid-19, atendimento de sintomáticos respiratórios – foram experiências potentes de aprendizagem para o trabalhar em equipe e para a vida dos residentes.
As reuniões de equipe foram identificadas pelos residentes como espaços estratégicos de diálogo, organização dos processos de trabalho e tomada de decisões compartilhadas da equipe. Entretanto, quando não ocorreram (período pandêmico) ou ocorreram de forma rápida, fragilizaram a interação e a comunicação da equipe. A comunicação foi evidenciada como elemento fundamental para o trabalho colaborativo entre as diferentes profissões da APS. O protagonismo das pessoas-usuários na tomada de decisões sobre seu cuidado emergiu como parte integrante desse processo compartilhado de aprendizado-cuidado.
Apesar de a EIP estar articulada ao processo de formação do residente, sendo percebida nas atividades realizadas na APS, nas atividades teóricas do curso, ela não foi relatada. Recomenda-se a inclusão-reflexão das bases teórico-conceituais da EIP no currículo, bem como pesquisas sobre a percepção de preceptores, tutores e coordenação da Residência Multiprofissional e sua compreensão sobre a EIP.
- Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
02 Dez 2024 - Data do Fascículo
Oct-Dec 2024
Histórico
- Recebido
06 Dez 2023 - Aceito
25 Jul 2024