Impactos socioambientais e psicossociais causados por derramamento de petróleo em Pescadores e Pescadoras Artesanais

Luiz Rons Caúla Silva Vanira Matos Pessoa Antônio Jeovah de Andrade Meireles Sobre os autores

RESUMO

Em agosto de 2019, 11 estados brasileiros foram atingidos por um extenso derramamento de petróleo. Nesse contexto, quais os principais impactos socioambientais e psicossociais causados pelo derramamento de petróleo na vida de famílias e indivíduos que vivem da pesca artesanal? Trata-se de uma pesquisa com métodos mistos que utilizou como técnicas: grupo focal e aplicação de formulários desenvolvidos de forma participativa com comunidades da foz do rio Jaguaribe, Ceará, e efetuados entre julho e agosto de 2020. Sua aplicação foi selecionada a partir de uma amostragem não probabilística do tipo intencional por julgamento, cujos dados foram processados com o suporte do software IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS). Os resultados indicam impactos ambientais, como: presença de óleo no rio e em animais; exposição humana direta ao petróleo; sintomas na saúde após exposição; efeitos psicológicos; consumo de recursos alimentares como peixes e crustáceos; e redução da renda dos Pescadores e Pescadoras Artesanais. Assim, compreende-se que a vida, o ambiente, a saúde e o trabalho dessas populações foram agravados, principalmente aqueles de ordens socioeconômicas, de segurança alimentar e hídrica e de saúde.

PALAVRAS-CHAVE
Poluição por óleo; Saúde ambiental; Saúde mental; Saúde do trabalhador; Zona costeira.

Introdução

Em 1930, o Brasil passou a investir na cadeia petroquímica desde a extração e o refino de petróleo até a fabricação de produtos e derivados, ocupando, em 2017, o sétimo maior mercado de derivados de petróleo do mundo com 18 refinarias atualmente instaladas nas regiões Sudeste (56%), Nordeste (23%) e Sul (19%)11 Mendes APA, Teixeira CAN, Rocio MAR, et al. Mercado de refino de petróleo no Brasil. BNDES Set. 2018;24(48):7-44.,22 Viana FLE. Indústria petroquímica. Cad Set ETENE [Internet]. 2020 [acesso em 2021 fev 22];5(139):1-11. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/s482-dspace/bitstream/123456789/396/1/2020_CDS_139.pdf
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. Contudo, a intensa exploração desse combustível fóssil já causou diversos crimes e desastres ao redor do mundo, principalmente, por vazamentos e derramamentos de óleo bruto que resultam na degradação do meio ambiente, em situações de conflitos e de injustiças ambientais33 Harrison JA. “Down here we rely on fishing and oil”: Work identity and fishers’ responses to the BO oil spill disaster. Sociol Perspect. 2019;63(2). DOI: https://doi.org/10.1177/0731121419881140
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. Desastres anteriores, como o que ocorreu no Golfo do México, em 2010, provocaram impactos significativos de ordem negativa para a sociedade e para natureza, como danos para a saúde humana, para as atividades produtivas e a contaminação de diversos outros seres vivos, ecossistemas e recursos ambientais, tais como o ar, a água e o solo44 Fleeger JW, Riggio MR, Mendelssohn IA, et al. What promotes the recovery of salt marsh infauna after oil spills? Estuar Coast. 2019;42:204-217. DOI: https://doi.org/10.1007/s12237-018-0443-2
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Nesse contexto, é fundamental que a indústria de petróleo busque minimizar os impactos de suas atividades e prevenir acidentes, observando o princípio da precaução por meio de uma dimensão interdisciplinar que compreenda o ambiente, a saúde, o trabalho, a segurança e os direitos humanos e que integre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Assim, compreende-se que desastres socioambientais envolvendo derrames de óleo necessitam ser investigados e caracterizados, particularmente, para traçar estratégias de prevenção, monitoramento e mitigação.

Em agosto de 2019, o litoral brasileiro foi atingido por um derramamento de petróleo que afetou 1.009 localidades55 Ministério do Meio Ambiente (BR); Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Manchas de óleo: litoral brasileiro [Internet]. Brasília, DF: Ibama; 2020 [acesso em 2022 jun 30]. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/manchasdeoleo
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. Quando esses eventos ocorrem em ecossistemas aquáticos, como mares e rios, diversas atividades, por exemplo, turismo, hotelaria, navegação e pesca, podem ser diretamente atingidas, bem como ambientes costeiros, como os ecossistemas manguezais, fundamentais na oferta de bens e serviços ecossistêmicos; além de comunidades tradicionais - tais como Pescadores e Pescadoras Artesanais (PPA) e marisqueiras - que absorvem com maior grau os danos dos impactos. Nesse último caso, a violação dos direitos humanos dessas populações é recorrente, o que contribui para suas diferentes consequências na saúde e no trabalho, sendo preciso combater a política de ocultamento dos impactos do modelo de desenvolvimento para reduzir a vulnerabilidade dessas populações atingidas66 Santos RC, Gurgel AM, Silva LIM, et al. Desastres com petróleo e ações governamentais ante os impactos socioambientais e na saúde: scoping review. Saúde debate. 2022;46(esp8):201-220. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042022E815
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Segundo Magris e Giarrizzo77 Magris RA, Giarrizzo T. Mysterious oil spill in the Atlantic Ocean threatens marine biodiversity and local people in Brazil. Mar Pollut Bull. 2020;153:110961. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2020.110961
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, cerca de 500 mil PPA podem ter sidos seriamente afetados com esse derramamento de petróleo. É na região Nordeste onde prevalece a pesca no país e a atividade atinge em média 4,5% da população total dos municípios88 Alencar CAG. Pesca e pobreza no Brasil [tese]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2014. 239 p.. No Ceará, em 2014, havia 38 mil pescadores registrados, distribuídos em 26 municípios99 Secretaria da Agricultura, Pesca e Aquicultura (CE). Parceria inédita garante registro de 36 mil pescadores e três mil embarcações no Ceará. Portal do Governo do Estado do Ceará [Internet]. 2018 dez 7 [acesso em 2021 mar 31]. Disponível em: https://www.ceara.gov.br/2018/12/07/parceria-inedita-garante-registro-de-36-mil-pescadores-e-tres-mil-embarcacoes-no-ceara/
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. De acordo com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), foram recolhidas cerca de 40 toneladas de petróleo nas praias cearenses55 Ministério do Meio Ambiente (BR); Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Manchas de óleo: litoral brasileiro [Internet]. Brasília, DF: Ibama; 2020 [acesso em 2022 jun 30]. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/manchasdeoleo
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Ao pensar nisso, entende-se que o desastre ambiental que ocorreu no litoral brasileiro em 2019 afetou a vida, a saúde, o ambiente e o trabalho de PPA que residem na zona costeira. Nesse contexto, indagou-se: ‘Quais os principais impactos socioambientais e psicossociais causados pelo derramamento de petróleo na vida de famílias e indivíduos que vivem da pesca artesanal na Foz do Rio Jaguaribe, Ceará?’. Esta pesquisa analisou os efeitos do derramamento de petróleo na vida, na saúde, no ambiente e no trabalho dessa população.

Metodologia

Tipo de pesquisa e aspectos éticos

O método utilizado nesta pesquisa foi o estudo misto. Conforme Johnson et al.1010 Johnson RB, Onwuegbuzie AJ, Turner TLA. Mobile Toward a Definition of Mixed Methods Research. J Mix Methods Res. 2007;1(2). DOI: https://doi.org/10.1177/1558689806298224
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, “os métodos mistos devem incluir perspectivas quantitativas e qualitativas no exame da mesma questão de pesquisa”. Assim, um estudo qualitativo pode gerar questões para serem aprofundadas quantitativamente e vice-versa1111 Minayo MC, Sanches O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementaridade? Cad Saúde Pública. 1993;9(3):239-262. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-311X1993000300002
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. Além disso, trata-se de uma pesquisa descritiva com recorte temporal transversal. De acordo com Mattos1212 Mattos JR. Um estudo sobre a segmentação dos utilizadores dos ginásios da área metropolitana de Lisboa [dissertação]. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa; 2019. 111 p., o objetivo da pesquisa descritiva é obter mais conhecimento do fenômeno estudado por meio da interpretação do ambiente e dos sujeitos de estudo.

Vale salientar que esta pesquisa é resultado de uma dissertação de mestrado, sem conflito de interesses, e que foi desenvolvida dentro dos parâmetros contidos na Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde. Além disso, trata-se de um estudo que compõe o projeto de Pesquisa ‘Produção de indicadores para a avaliação das condições de vida das famílias e acesso aos serviços de atenção primária em territórios do litoral e do sertão do Ceará e do Rio Grande do Norte’, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Saúde Pública do Ceará, sob Certificado de Apresentação de Apreciação Ética - CAAE nº 07802419.2.0000.5037 e parecer consubstanciado nº 3.372.478.

Área e participantes da pesquisa

Á área de estudo está localizada na sub-bacia hidrográfica do Baixo Jaguaribe, litoral leste do estado do Ceará, nordeste brasileiro (figura 1). O Rio Jaguaribe é um dos principais mananciais hídricos em solo cearense com cerca de 630 km de extensão. Seu estuário se encontra entre os municípios de Fortim e Aracati. Trata-se de um sistema fluviomarinho que foi atingido pelas manchas de petróleo em seu baixo curso, inclusive medidas de controle da poluição foram instaladas como as barreiras de contenções na foz desse rio1313 Secretaria da Agricultura, Pesca e Aquicultura (CE). Barreiras para contenção da mancha de óleo são colocadas na foz do Rio Jaguaribe. Portal do Governo do Estado do Ceará [Internet]. 2019 nov 6 [acesso em 2022 jun 30]. Disponível em: https://www.ceara.gov.br/2019/11/06/barreiras-para-contencao-da-mancha-de-oleo-sao-colocadas-na-foz-do-rio-jaguaribe/
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Figura 1
Área de estudo: estuário do Rio Jaguaribe, 2021

Nesse contexto, participaram desta pesquisa PPA de comunidades pesqueiras da zona rural que residem e trabalham na Foz do Rio Jaguaribe. Além de ser uma área atingida pelas manchas de petróleo, essa escolha também ocorreu em consideração à demanda dos movimentos e entidades populares dessa região, como a Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) e o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), para a realização de estudos de saúde e ambiente da população do campo e das águas, além de aprofundar a pesquisa sobre as consequências do desastre ambiental na vida dos PPA.

Eixo qualitativo: coleta, amostra, análise dos dados e aspectos éticos

A etapa qualitativa foi responsável por aprofundar o tema do estudo no contexto de atuação dos trabalhadores e trabalhadoras da pesca artesanal. Buscou-se compreender a produção subjetiva desses atores acerca das consequências do desastre. A produção dos dados qualitativos envolveu um trabalho de campo por meio do desenvolvimento do Grupo Focal (GF) como técnica de coleta, na qual o pesquisador desempenhou a função de mediador na condução do diálogo.

Adotou-se um roteiro com as seguintes questões: quais as consequências do derramamento de petróleo para vida de vocês? A venda do pescado diminuiu em decorrência do derramamento de petróleo? Vocês viram petróleo ou algum outro sinal de contaminação nas praias? E em animais? Suas comunidades foram atingidas? As secretarias municipais e o poder público estão conversado com vocês? E o que eles têm feito para controlar e melhorar a situação? Vocês acham que a exposição ao petróleo pode fazer mal a sua saúde? De que formas vocês estão agindo para enfrentar essa emergência?

O GF aconteceu em novembro de 2019, período em que ainda era recorrente o aparecimento de manchas de petróleo nas praias. Participaram do GF 9 marisqueiras; todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

As informações procedentes do GF foram gravadas e posteriormente transcritas e submetidas ao software de análise de dados qualitativos assistidos por computador, o Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ). O conjunto de informações que estão nesse arquivo é chamado de corpus, o qual é composto por diversos segmentos de texto, ou seja, trechos do corpus dimensionados pelo software que possuem, na maior parte das vezes, o tamanho de três linhas1414 Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, et al. O uso do software IRAMUTEQ na análise de dados em pesquisas qualitativas. Rev Esc Enferm USP. 2018:52:e03353. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
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A configuração do corpus ocorreu por meio de leitura e revisão de toda transcrição, retextualização e correção de erros de digitação, pontuação e vocabular; uniformização das siglas; e junção de palavras compostas por meio do caractere underline, por exemplo, o termo “rio_jaguaribe”1414 Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, et al. O uso do software IRAMUTEQ na análise de dados em pesquisas qualitativas. Rev Esc Enferm USP. 2018:52:e03353. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
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. A análise interpretativa dos dados do GF foi realizada mediante análise dos discursos das marisqueiras, em que são representados pelos seguimentos de textos que emergiram do corpus textual.

Eixo quantitativo: coleta, amostra e análise dos dados

A partir dos resultados obtidos com os dados científicos coletados no GF e com a participação de movimentos e entidades populares, foi elaborado um formulário denominado de ‘Diagnóstico rápido da exposição ao petróleo e a relação com a saúde e o ambiente de pescadores e pescadoras artesanais’, o qual coletou dados primários e identificou os principais impactos e implicações causados pelo desastre ambiental no ambiente, na saúde e no trabalho de PPA. A coleta ocorreu entre junho e agosto de 2020. Além disso, como a intenção da aplicação desse formulário foi trazer uma fotografia dos efeitos proporcionados pelo desastre, optou-se por realizar algumas perguntas especificando os meses de agosto a dezembro de 2019, período em que ocorreram os maiores registros oficiais de petróleo nas praias55 Ministério do Meio Ambiente (BR); Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Manchas de óleo: litoral brasileiro [Internet]. Brasília, DF: Ibama; 2020 [acesso em 2022 jun 30]. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/manchasdeoleo
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Nesta pesquisa, a amostra da população de PPA foi selecionada a partir de uma amostragem não probabilística do tipo intencional por julgamento, que é aquela cuja população que comporá a amostra depende do julgamento do pesquisador. Ressalta-se que, em função das incertezas causadas pela pandemia da covid-19 e pelo tipo de amostragem escolhida, a aplicação dos formulários foi realizada com o auxílio de lideranças comunitárias pesqueiras. Nesse sentido, comum a escolha de experts quando se trata de amostras por julgamento1515 Oliveira TMV. Amostragem não probabilística: adequação de situações para uso e limitações de amostras por conveniência, julgamento e quotas. FECAP. 2001;2(3)..

Por meio da estatística descritiva, foi feita uma discussão, bem como análise dos dados das respostas dos PPA. Foram utilizadas, principalmente, as frequências absolutas (ƒ), frequências relativas (%) e suas respectivas percentagens válidas, ou seja, as frequências relativas eliminando os casos omissos (missing values) quando estiverem presentes; além de medidas de tendência central e de dispersão das respostas. Para efeitos de análise, ao longo da aplicação dos formulários, certos entrevistados não quiseram responder a algumas questões. Para esses casos, houve a opção ‘Não Quis Responder (NQR)’ para facilitar a análise dos dados e evitar a exclusão de atores e perguntas da pesquisa. Os dados selecionados foram processados com o suporte do software IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS) e representados por gráficos e tabelas.

Resultados e discussão

Nesta seção, será apresentada a análise dos resultados, referente a uma amostragem (n) de 89 PPA a partir da estatística descritiva, a fim de identificar e compreender os efeitos causados pelo desastre ambiental envolvendo o derramamento de petróleo na vida desses trabalhadores e trabalhadoras e de suas famílias. Além disso, os discursos das marisqueiras que participaram do GF também foram considerados como forma de dialogar com os resultados quantitativos. Neste estudo, a pesca artesanal foi considerada um trabalho comum a todos os entrevistados.

Descrição dos aspectos demográficos dos participantes

Em relação ao estado civil, 45 sujeitos são casados (50,56%), 27 são solteiros (30,34%), 6 são divorciados (6,74%), 3 são viúvos (3,37%) e 8 não quiseram responder (8,98%). Quanto à variável sexo, do total de participantes, somente 5 foram pescadores do sexo masculino (5,6%) e 84 foram pescadoras artesanais/marisqueiras do sexo feminino (94,4%). Percebe-se que a participação das mulheres pescadoras artesanais foi quase a totalidade dos participantes, o que corrobora o estudo de Won et al.1616 Won YJ, Jang S, Jung N, et al. Ten years after the oil spill in taean: the recovery of the ecosystem, the life of women, and the community. Asian Women. 2019;35(4):1-22. DOI: https://doi.org/10.14431/aw.2019.12.35.4.1
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ao afirmarem que

[...] mulheres e crianças são mais vulneráveis a desastres ambientais, sendo necessária uma atenção cuidadosa para minimizar o impacto diferenciado sobre elas no processo de recuperação do desastre.

Com relação à idade, verificou-se que a média (n = 83) foi de aproximadamente 44 anos (± 12,2), com mediana de 43, idade mínima de 19 e máxima de 74 anos. Além disso, observou-se que a faixa etária dos participantes se concentrou em trabalhadores e trabalhadoras adultos de 30 a 55 anos. Desde a década de 1960, há uma redução do número de filhos de pescadores dispostos a permanecer nessa atividade principalmente por questões econômicas1717 Campallesso AJ, Cazella AA. Pesca artesanal entre crise econômica e problemas socioambientais: estudo de caso nos municípios de Garopaba e Imbituba (SC). Ambient Soc. 2011;14(2):15-33. DOI: https://doi.org/10.1590/S1414-753X2011000200003
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. Segundo Cardoso e Doula1818 Cardoso PO, Doula SM. Reservas extrativistas marinhas: perspectivas e limitações para jovens pescadores. ABC. 2018;5(2):5-19. DOI: https://doi.org/10.21726/abc.v5i2.296
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, “a fragilidade de políticas públicas interligadas limita a geração de renda, a proteção dos recursos naturais e o desenvolvimento socioeconômico das famílias, fatores que afetam as expectativas futuras dos jovens pescadores residentes”, ou seja, nota-se que desastres ambientais podem comprometer ainda mais a continuidade das atividades tradicionais, como a pesca.

Além disso, foi possível identificar na tabela 1 que os participantes da pesquisa residem nas seguintes comunidades pesqueiras próximas à Foz do Rio Jaguaribe: Guajiru, Volta, Jardim e Pontal do Maceió em Fortim; além do Sítio Canavieira e do Quilombo do Cumbe em Aracati. Salienta-se que os dados da tabela 1, e as demais tabelas deste artigo (tabelas 2 a 5) estão disponíveis para visualização no repositório da Plataforma Open Science Framework, sob Identificador de Objeto Digital - DOI: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/TV8DB.

Tabela 1
Distribuição por comunidades dos participantes, 2020
Tabela 2
Frequências da presença de manchas de petróleo segundo o mês de ocorrência, os ambientes e animais atingidos, 2020
Tabela 3
Frequências da exposição direta ao petróleo de pescadoras e pescadores artesanais, principais atividades relacionadas e do número de vezes e de tempo em horas/dia, 2020

Exposição de Pescadores e Pescadoras Artesanais ao petróleo bruto: um olhar sobre o ambiente, a saúde e o trabalho

Questionou-se se os PPA viram vestígios ou manchas de petróleo no seu município. Dos 89 respondentes, 78 afirmam que sim (87,65%), 8 disseram que não (9%) e 3 não quiseram responder (3,37%) (tabela 2). De acordo com uma marisqueira do GF:

no dia que eu vi o óleo falei com a secretaria de saúde e eles disseram que a gente tinha que ter mandado chamá-los e tinha que ter outras pessoas para afirmar [...].

Em março de 2020, ainda era possível encontrar vestígios/esparsos de petróleo em algumas localidades brasileiras, como no Rio Pojuca na Bahia55 Ministério do Meio Ambiente (BR); Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Manchas de óleo: litoral brasileiro [Internet]. Brasília, DF: Ibama; 2020 [acesso em 2022 jun 30]. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/manchasdeoleo
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. Ou seja, sete meses após o início do desastre, algumas comunidades ainda sofriam com os impactos do derramamento de petróleo. Além disso, nesse mesmo mês, iniciou-se o período de isolamento social no Brasil em função da pandemia da covid-19, o que levou os PPA a sofrerem, de maneira desproporcional, prejuízos sociais, econômicos e psicológicos de forma contínua já que os desastres - de natureza química e biológica - se encontraram.

Aos 87,6% que identificaram petróleo, foi indagado em qual o mês e em que ecossistema isso ocorreu. Os meses de setembro, agosto e outubro de 2019 foram os mais frequentes, sendo citados 29, 28 e 25 vezes respectivamente (tabela 2). Duas marisqueiras afirmaram ter visto petróleo, contudo não quiseram responder em qual mês isso ocorreu. Além disso, o Rio Jaguaribe (56,4%), a areia da praia (50%) e o manguezal (12,8%) foram os ambientes nos quais as manchas e os vestígios mais foram verificados pelos PPA (tabela 2). De acordo com as marisqueiras do GF: “a nossa praia tem e tinha encontrado vestígios de petróleo”. Enfatiza-se que alguns entrevistados presenciaram petróleo em mais de um dos ambientes e dos meses listados na tabela 2.

Além dos ecossistemas afetados, 68 participantes responderam que também viram algum animal atingido ou morto pelo derramamento de óleo (76,4%). As espécies da fauna citadas com maior frequência foram os peixes e as tartarugas, além dos mariscos utilizado na alimentação das famílias e no comércio local (tabela 2). No Brasil, segundo o Ibama foram constatados 159 animais oleados, dos quais 112 foram a óbito55 Ministério do Meio Ambiente (BR); Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Manchas de óleo: litoral brasileiro [Internet]. Brasília, DF: Ibama; 2020 [acesso em 2022 jun 30]. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/manchasdeoleo
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. A tartaruga marinha foi o animal mais afetado, com 105 ocorrências, e a Bahia foi o estado onde mais se contabilizaram esses registros55 Ministério do Meio Ambiente (BR); Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Manchas de óleo: litoral brasileiro [Internet]. Brasília, DF: Ibama; 2020 [acesso em 2022 jun 30]. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/manchasdeoleo
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Quanto à exposição humana ao petróleo, 63 entrevistados entraram em contato direto com ele (70,8%) (tabela 3); 58 entraram em contato pescando (92,1%); 10, limpando o petróleo nas praias (15,9%); e 4, nos momentos de lazer, por exemplo, a partir do banho no mar ou no rio (6,3%) (tabela 3). Observa-se que a principal situação de exposição foi no exercício do trabalho. Salienta-se que houve PPA que foram expostos a mais de uma atividade, como pescando e limpando a praia.

Tabela 4
Frequência dos principais sintomas, efeitos na saúde e procura do serviço de saúde por pescadores e pescadoras artesanais expostos ao petróleo, 2020
Tabela 5
Implicações do desastre ambiental na renda, na alimentação e no consumo alimentar e principais tipos de pescados das comunidades pesqueiras da foz do Rio Jaguaribe entre agosto a dezembro de 2019, 2020

De acordo com Pena et al.1919 Pena PGL, Northcross AL, Lima MAG, et al. Derramamento de óleo bruto na costa brasileira em 2019: emergência em saúde pública em questão. Cad Saúde Pública. 2020;36(2):e00231019. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00231019
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, a comunicação oficial confusa caracterizada pela desorganização do governo sobre, por exemplo, a balneabilidade das praias, o consumo de pescados e as condutas de precaução e prevenção levou ao voluntarismo generalizado, o que mobilizou milhares de pessoas desprotegidas para retirada do óleo em busca de defender seus territórios, como PPA sem conhecimento dos riscos. Assim, compreende-se que, na zona costeira, em desastres ambientais envolvendo derramamentos de petróleo, há alto risco de exposição química dos trabalhadores e trabalhadoras da pesca artesanal e de suas famílias, como crianças ao brincarem na praia na hora do lazer e dos pescadores nas ações de voluntariado e durante a pesca.

Evidencia-se que, dos 63 PPA que entraram diretamente em contato com o petróleo, 11 foram expostos ao contato apenas uma vez (17,5%); 16, de duas a cinco vezes (25,4%); 14, de 6 a 10 vezes (22,2%); 9, mais de 10 vezes (14,3%); e 13 não sabiam responder o número de vezes (20,6%) (tabela 3). Destaca-se também o tempo de exposição, que, na maioria dos participantes, foi entre duas horas por dia (34,9%) e três horas por dia (15,9%) (tabela 3).

Nesse contexto, chama-se atenção para duas comunidades pesqueiras da Volta e de Guajiru, uma vez que todos os PPA responderam que foram expostos diretamente ao petróleo (100%) (tabela 4). Na comunidade de Jardim e do Cumbe, o contato humano com o óleo foi menos frequente, mas com resultados expressivos de PPA expostos diretamente ao óleo (tabela 4). Além disso, de acordo com a frequência das respostas, percebeu-se que, no Sítio Canavieira, nenhum dos entrevistados se expôs diretamente. Vale salientar que apenas um entrevistado da comunidade Pontal do Maceió respondeu ao formulário, e segundo suas informações, foi exposto diretamente ao petróleo; contudo, por se tratar de apenas um indivíduo, sublinha-se que esses dados não são representativos da comunidade, mas indicam que há pelo menos uma pessoa dessa comunidade que foi exposta ao petróleo.

Em conformidade com Laffon et al.2020 Laffon B, Pásaro E, Valdiglesias V. Effects of exposure to oil spills on human health: Updated review. J Toxicol Environ Health B Crit Rev. 2016;19(3-4):105-128. DOI: https://doi.org/10.1080/10937404.2016.1168730
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, a exposição direta ou indireta ao petróleo pode causar três principais efeitos na saúde humana: mental ou psicológico; físico ou fisiológico; e genotoxicológico. Por conter diversas substâncias que podem ser tóxicas aos seres vivos, como Benzeno, Tolueno, Etilbenzeno e Xileno (BTEX), Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPA) e metais pesados, são comuns problemas fisiológicos em indivíduos expostos ao óleo2121 Noh SR, Kim JA, Cheong HK, et al. Hebei Spirit oil spill and its long-term effect on children’s asthma symptoms. Environ Pollut. 2019;248:286-294. DOI: https://doi.org/10.1016/j.envpol.2019.02.034
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,2222 Specht AJ, Dickerson AS, Kponee-Shovein KZ, et al. Toenail Metal Exposures in Fishermen from Bodo City, Nigeria. Bull Environ Contam Toxicol. 2020;104(1):90-95. DOI: https://doi.org/10.1007/s00128-019-02750-7
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. Esses sintomas podem se manifestar já nas primeiras horas e dias; e outros, como alterações genéticas, em médio e longo prazo. Estudos internacionais com populações expostas a desastres semelhantes referem problemas de saúde mental e psicológica2323 Noal DS, Braga VMR, Leal MB, et al. Desastre da Vale: o desafio do cuidado em Saúde Mental e Atenção Psicossocial no SUS. Saúde debate. 2022;44(esp2):353-363. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E224
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, lesões de pele, de olhos, náuseas, dores de cabeça, riscos potenciais ao sistema reprodutivo de homens e mulheres, problemas endócrinos e até câncer2424 Ferguson A, Solo-Gabriele H, Mena K. Assessment for oil spill chemicals: Current knowledge, data gaps, and uncertainties addressing human physical health risk. Mar Pollut Bull. 2020;150:110746. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2019.110746
https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2019...
.

Na Coreia do Sul, por exemplo, em 2012, cinco anos após o derrame com o petroleiro Hebei Spirit, crianças de comunidades diretamente atingidas foram diagnosticadas com sintomas crônicos de asma infantil persistente2121 Noh SR, Kim JA, Cheong HK, et al. Hebei Spirit oil spill and its long-term effect on children’s asthma symptoms. Environ Pollut. 2019;248:286-294. DOI: https://doi.org/10.1016/j.envpol.2019.02.034
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. Por isso, é necessário manter um acompanhamento de pessoas que foram expostas ao petróleo para prevenir doenças crônicas, em especial, crianças e mulheres. Segundo Laffon et al.2020 Laffon B, Pásaro E, Valdiglesias V. Effects of exposure to oil spills on human health: Updated review. J Toxicol Environ Health B Crit Rev. 2016;19(3-4):105-128. DOI: https://doi.org/10.1080/10937404.2016.1168730
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, alguns efeitos adversos à saúde podem se manter por alguns anos após a exposição. Para Pena et al.1919 Pena PGL, Northcross AL, Lima MAG, et al. Derramamento de óleo bruto na costa brasileira em 2019: emergência em saúde pública em questão. Cad Saúde Pública. 2020;36(2):e00231019. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00231019
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(2)
, “tais situações de exposição ocupacional exigem ações de proteção emergencial à saúde para reduzir danos de longa duração”.

[...] no dia do batizado da minha sobrinha que eu fui ser madrinha lá no Cumbe, eu comi camarão, aí eu não sei se foi do óleo ou se foi do camarão que comi, ‘eu fiquei toda inchada’, o meu rosto... fiquei assim toda inchada e ‘rouca’ e fui para o batizado assim mesmo no domingo. Quando eu vim, eu passei no supermercado, porque eu não estava aguentando mais ardendo o corpo, aí eu fui na farmácia pedi para moça verificar minha pressão, aí ela disse eu estava mesmo com o rosto inchado, o rosto todo tempo inchado e aquela ardência, a pressão alta, porque foi depois que eu comi o camarão, mas foi só uma vez já... e eu já comi camarão de novo e não senti [...]. (GF).

A tabela 4 também evidencia que 48 dos 63 PPA, após entrar em contato direto com o óleo, sentiram algum efeito na sua saúde (76,2%; n = 48). As comunidades de Guariju, Volta e Jardim foram os territórios onde mais PPA apresentaram algum efeito na saúde após a exposição ao óleo bruto. Ao sentirem algum problema de saúde, 18 trabalhadores da pesca procuraram o Sistema Único de Saúde (SUS), 19 não quiseram comparecer ao serviço de saúde e 11 não quiseram responder se procuraram ou não os serviços de emergência (tabela 4). Os sintomas mais frequentes foram coceira (64,6%; n = 31) e dor de cabeça (25%; n = 12) (tabela 4). Em desastre anteriores, como o que correu na Califórnia, em 2012, o número de pessoas que procuraram uma unidade de emergência com sintomas relacionados com exposição química ao petróleo aumentou em até quatro vezes2525 Remy LL, Clay T, Byers V, et al. Hospital, health, and community burden after oil refinery fires, Richmond, California 2007 and 2012. Environ Health. 2019;18(1):48. DOI: https://doi.org/10.1186/s12940-019-0484-4
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.

Além dos efeitos fisiológicos, os PPA apresentaram alterações no seu estado psicológico devido ao desastre com o petróleo (n = 60; 67,4%). Entre os indivíduos atingidos por grandes derramamentos de petróleo, configuram-se transtornos mentais, como a depressão, o suicídio e a ansiedade generalizada em curto, médio e/ou longo prazo2626 Parks V, Slack T, Ramchand R, et al. Fishing households, social support, and depression after the deepwater horizon oil spill. Rural Soc. 2019;85(2):495-518. DOI: https://doi.org/10.1111/ruso.12297
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. Nesses eventos, PPA são uma das categorias de trabalhado mais atingidas por sintomas psicopatológicos, principalmente as mulheres pescadoras artesanais1616 Won YJ, Jang S, Jung N, et al. Ten years after the oil spill in taean: the recovery of the ecosystem, the life of women, and the community. Asian Women. 2019;35(4):1-22. DOI: https://doi.org/10.14431/aw.2019.12.35.4.1
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. As alterações psicológicas mais frequentes levantadas com os participantes deste estudo foram tristeza, nervosismo e insônia, seguidos por desânimo para ir trabalhar, choro, falta de apetite e dificuldades para tomar decisões (tabela 4).

A gente fica muito triste... na hora que vamos vender a mercadoria os consumidores mandam a gente tratar, aí a gente trata e lava para ver se tem óleo dentro, mas não tem. (GF).

Está com uns dois meses que nós não estamos indo pescar sururu por causa do óleo... fomos ontem e tirei 11 quilos do sururu e está lá no freezer guardado, mas quem quer comprar, né? (GF).

Nesta pesquisa, observou-se que uma das principais causas dessas alterações psicológicas ocorre em consequência dos impactos socioeconômicos, como a diminuição da venda do pescado e, consequentemente, a falta de alimentação para as famílias, que exigem o apoio financeiro e social adequado. Frisa-se que os PPA do estuário do Rio Jaguaribe relataram impactos na vida e na saúde, pois como os peixes e mariscos constituem a principal fonte de economia da família, garantindo o sustento familiar, com a possibilidade de contaminação desses alimentos, o mercado consumidor diminuiu vertiginosamente nos primeiros meses do desastre.

Além disso, aproximadamente 97% (n = 86) dos entrevistados tiveram sua renda reduzida pelo desastre ambiental entre R$ 100,00 e R$ 1.000,00 (tabela 5). Pode-se levantar que os principais tipos de pescados consumidos pelas famílias foram o sururu (90,9%), o siri (90,9%), os peixes de água salgada como a tainha (Mugil brasiliensis) (81,8%), o caranguejo (59,1%) e o camarão (57,6%) (tabela 5). De acordo com Struch et al.2727 Struch RE, Pulster EL, Schreier AD, et al. Hepatobiliary analyses suggest chronic PAH exposure in hakes (urophycis spp.) following the deepwater horizon oil spill. Environ Toxicol Chem. 2019;38(12):2740-2749. DOI: https://doi.org/10.1002/etc.4596
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, os pescados de áreas atingidas pelo derramamento de petróleo causado pela explosão da Deepwater Horizon, em 2010, no Golfo do México, apresentaram, entre 2012 e 2015, aumento nas concentrações hepáticas por HPA. Ou seja, há indicativo de que HPA biodisponíveis possam bioacumular em tecidos de peixes ao longo do tempo.

Por fim, constatou-se que 74,2% (n = 66) dos PPA consumiram o que pescaram entre agosto e dezembro de 2019; 22,5% (n = 20) afirmaram que não consumiram; e 3,3% não quiseram responder (tabela 5). Nota-se um alto consumo do pescado nos meses que apresentaram os maiores volumes de petróleo nas águas brasileiras. Além disso, ao serem questionados se receberam algum auxílio emergencial, apenas 2,2% (n = 2) responderam que sim, e 85,4% (n = 76) afirmaram não ter recebido nenhuma ajuda financeira do governo federal, estadual ou municipal, o que dificultou ainda mais as condições de vida das famílias (tabela 5).

Nesse contexto, houve preocupação com que a comida das famílias acabasse antes que o trabalhador ou trabalhadora tivessem condição de comprar, receber ou produzir mais alimentos. Na tabela 5, observa-se que 96,6% (n = 86) dos entrevistados estavam preocupados com que faltasse alimentação para suas famílias. Para 80,2% (n = 69), essa preocupação durou quase todos os dias da semana que agravou a situação de insegurança alimentar das famílias (tabela 5). De acordo as marisqueiras do GF:

A preocupação dos PPA é como vão viver e sobreviver para sustentar sua família, porque o trabalhado deles, o ganha pão era essa pesca, e o pessoal já não querem comprar mais o peixe [...] como é que eles vão sobreviver... a preocupação é essa. (GF).

[...] sabendo de tudo que está acontecendo, de todo esse risco que está que pode estar sendo contaminado, ainda assim a gente tem que se alimentar dele... é uma situação muito gritante, porque eu acho que ainda está sendo pouco divulgado. (GF).

Considerações finais

Compreende-se que, nesse cenário de desastre, a situação de vida dos PPA se agravou ainda mais, principalmente aquelas de ordens socioeconômicas, ambientais, produtivas, de alimentação e, consequentemente, de saúde. Foi possível perceber adoecimentos que tendem a ter relação com a exposição direta ao petróleo e que precisam ser monitorados. Alterações psicológicas também foram recorrentes e necessitam de acompanhamento em médio e longo prazo, visto que, em desastres anteriores, esses efeitos culminaram em conflitos familiares, resultando em alguns casos com a desintegração das relações familiares, depressão e suicídios.

Além disso, observou-se que medidas como o auxílio emergencial, que visou dar assistência aos PPA afetados pelo desastre, não alcançaram todos os atingidos pelo desastre, em especial, as marisqueiras. Assim, ressalta-se a necessidade de manter o acompanhamento das localidades, das famílias e dos indivíduos atingidos pelo derrame de petróleo, já que diversos ecossistemas e seres vivos fundamentais para a soberania alimentar e para a continuação do trabalho da pesca artesanal foram prejudicados.

Agradecimentos

Às pescadoras e aos pescadores que participaram da realizaçã o desta pesquisa, em especial, Maria de Lourdes Lima dos Santos, Luciana dos Santos de Sousa, Cleomar Ribeiro da Rocha, Maria Eliene Pereira do Vale e Socorro da Comunidade Canavieira; a Francisca Diana Maia da Costa e a Camila Batista Silva do Conselho Pastoral dos Pescadores; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma vez que o presente trabalho foi realizado com apoio da Capes - Código de Financiamento 001; e ao Programa Inova Fiocruz.

  • Suporte financeiro: o presente trabalho foi realizado com apoio da (Capes) - Código de Financiamento 001; e do Programa Inova Fiocruz

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2023
  • Aceito
    17 Jan 2024
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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