Vestígios de um mar enfermo: reflexões sobre maritorios sustentáveis e sofrimento ambiental na Patagônia Chilena

Florencia Diestre Paulo Victor Sousa Lima Francisco Araos Wladimir Riquelme Maulen Claudio Merino Jara Sobre os autores

RESUMO

A partir de experiências de pesquisa realizadas desde o ano de 2008 até o momento, problematiza-se a relação entre sofrimento ambiental e territórios sustentáveis. A incerteza que acompanha o sofrimento ambiental, somada à falta de evidência e às dificuldades de levantar informações científicas sobre a saúde do território costeiro e insular, configura um espaço residual propício para a baixa regulamentação das indústrias e a intensificação de seus impactos sobre os territórios e seus habitantes. Nesse sentido, investigar as experiências de sofrimento ambiental permite aproximar-se das desigualdades socioecológicas da zona marinho-costeira da Patagônia chilena e das estratégias de seus habitantes para propor e mobilizar seus territórios rumo à sustentabilidade.

PALAVRAS-CHAVE
Territórios sustentáveis; Território sociocultural; Desequilíbrio ecológico; Violência; Patagônia

Introdução

Durante as últimas quatro décadas, a salmonicultura se estabeleceu e expandiu de maneira significativa na zona marinho-costeira da Patagônia chilena, ocupando ativamente canais, arquipélagos e fiordes. Suas operações de criação, engorda e colheita de salmonídeos em pisciculturas, fazendas e plantas de processamento tornaram-se a representação icônica de um modelo de desenvolvimento econômico impulsionado pelo Estado por meio do regime de privatização dos bens comuns do mar11 Bugueño-Fuentes Z. El mar interior de Chiloé y la expresión espacial de la neoliberalización del mar en Chile. AUS. 2022;31:23-30. DOI: https://doi.org/10.4206/aus.2022.n31-04
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Essa indústria gerou uma série de impactos ambientais e sociais que afetaram profundamente os ecossistemas e os modos de vida de diversas comunidades que habitam essa região do Chile. Os efeitos, como a contaminação dos fundos marinhos e corpos d’água, acúmulo de resíduos nas praias, intensificação das florações de algas nocivas, rápidos processos migratórios, desarticulação dos tecidos sociais e perda de práticas tradicionais, foram exaustivamente documentados pela literatura22 Armijo J, Oerder V, Auger PA, et al. The 2016 red tide crisis in southern Chile: Possible influence of the mass oceanic dumping of dead salmons. Mar Pollut Bull. 2020;150:110603. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2019.110603
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3 Anbleyth-Evans J, Araos F, Ther F, et al. Toward marine democracy in Chile: Examining aquaculture ecological impacts through common property local ecological knowledge. Marine Policy. 2020;(113):103690. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpol.2019.103690
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4 Quiñones R, Fuentes M, Montes R, et al. Environmental issues in Chilean salmon framing: a review. Rev Aquacult. 2019;11:375-402. DOI: https://doi.org/10.1111/raq.12337
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5 Marquet P, Buschmann A, Corcoran D, et al. Cambio global y aceleración de las presiones antrópicas en los ecosistemas Patagónicos. In: Castilla JC, Armesto, J Martinez-Harms M, editores. Conservación en la Patagonia Chilena Evaluación de conocimiento, oportunidades y desafíos. Santiago: Ediciones Universidad Católica; 2021. p. 65-103.
-66 Bustos-Gallardo B, Delamaza G, Rivas R. Project and territory: Salmon Farming and Social Transformations in the Island of Chiloé, Chile. J Lat Am Geogr. 2021;20(2):103-130. DOI: https://doi.org/10.1353/lag.2021.0030
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Como uma resposta a esse processo de degradação socioambiental, as comunidades indígenas Mapuche-Lafkenche [Nota do Tradutor: refere-se aos povos indígenas Mapuche que habitam as regiões costeiras (‘lafkenche’ significa ‘gente do mar’ na língua mapuche ou mapudungu)] têm defendido o reconhecimento de seus direitos territoriais e a proteção dos ecossistemas por meio da implementação da Lei nº 20.249 (2008), conhecida como Lei Lafkenche. Essa legislação, que proporciona proteção aos usos consuetudinários dos povos originários estabelecidos na zona costeira do Chile através da criação dos Espacios Costeros Marinos para Pueblos Originarios (ECMPO), se expandiu pela Patagônia chilena, tornando-se o principal mecanismo de contenção da indústria do salmão e de cuidado do mar77 Araos F, Hidalgo C, Brañas F, et al. Facing the blue Anthropocene in Patagonia by empowering indigenous peoples’ action networks. Marine Policy. 2023;147:105397. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpol.2022.105397
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Diversas disciplinas das Ciências Sociais investigam a relação entre habitantes e territórios a partir do acesso desigual aos recursos socialmente valorizados. No caso dos territórios marinhos e costeiros (os maritorios) [Nota do Tradutor: termo formado pela união das palavras ‘mar’ e ‘territorio’ em espanhol], a desigualdade socioecológica tem um efeito transversal que impacta a possibilidade de vida e está estreitamente ligada às ameaças da sobre-exploração, processos industriais e falta de regulamentação das atividades produtivas.

Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo explorar a relação entre o sofrimento ambiental e as propostas locais orientadas à sustentabilidade no maritorios da Patagônia chilena. Mais do que apresentar respostas, parece-nos importante refletir sobre as condições de incerteza e as experiências de quem habita esses maritorios para compreender de que maneira continuam vivendo em ambientes degradados e desenvolvem estratégias para protegê-los.

Reconhecemos que os impactos antrópicos na saúde do maritorio impulsionaram a organização de comunidades locais e indígenas para resguardar os espaços que lhes permitem desenvolver seus usos consuetudinários e, ao mesmo tempo, proteger a saúde do maritorio orientando sua administração para a sustentabilidade88 Araos F, Catalán E, Álvarez R, et al. Espacios Costeros Marinos para Pueblos Originarios: usos consuetudinarios y conservación marina. Anuário Antropológico. 2020;45(1):47-68. DOI: https://doi.org/10.4000/aa.4933
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. Destacamos as sinergias entre as solicitações de ECMPO e a preocupação com a sustentabilidade de um maritorio chave para a vida do planeta99 Cid D, Araos F. Las contribuciones del espacio costero marino para pueblos originarios (ECMPO) al bienestar humano de las comunidades indígenas de Carelmapu, Sur de Chile. CUHSO (Temuco). 2021;31(2):250-275. DOI: http://dx.doi.org/10.7770/cuhso-v31n2-art2258
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,1010 Diestre De La Barra F, Araos Leiva F. La recuperación de los comunes en el sur-austral: construcción institucional de Espacios Costeros Marinos de Pueblos Originarios. Polis. 2020;19(57):13-36. DOI: http://dx.doi.org/10.32735/s0718-6568/2021-n57-1562
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O estudo das particularidades da zona costeira da Patagônia chilena levou os cientistas a identificá-la como um possível refúgio climático para diferentes espécies, na medida em que a possibilidade de manter a biodiversidade marinha depende da saúde de espécies como as algas pardas (Macrocystis pyrifera) que crescem nessas condições biológicas e geográficas1111 Mora-Soto A, Aguirre C, Iriarte J, et al. A song of wind and ice: Increased frequency of marine cold-spells in southwestern Patagonia and their possible effects on giant kelp forests. JGR Oceans. 2022;127(e2021JC017801). DOI: https://doi.org/10.1029/2021JC017801
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. Isso não diz respeito apenas às possibilidades biológicas de vida, mas também econômicas, já que os principais gêneros de algas que fazem parte das formações florestais do oceano têm potenciais ecológicos e econômicos: associados à produção pesqueira, ao ciclo de nutrientes e à eliminação de carbono, estimados em uma média de 500 bilhões de dólares em todo o mundo1212 Eger A, Marzinelli E, Beas-Luna R, et al. The value of ecosystem services in global marine kelp forests. Nat Commun. 2023;141894. DOI: https://doi.org/10.1038/s41467-023-37385-0
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Em um cenário complexo, em que cada vez mais se destaca o valor dessa zona para a proteção da saúde planetária e, ao mesmo tempo, ela se vê exposta à intensificação das atividades industriais, indagamos sobre a violência lenta que avança de maneira oculta, amparada na pouca visibilidade de evidência científica sobre as afetações à vida, e garante lacunas legais que facilitam o desconhecimento dos impactos antrópicos nos maritorios.

Material e métodos

A presente pesquisa se foca em identificar evidências de sofrimento ambiental nas experiências de mulheres e homens que habitam nas zonas costeiras e insulares da Patagônia chilena. Com base nos relatos coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e levantamento de informações em diários de campo, foi realizada uma análise qualitativa dos registros que permitiu categorizar afetações à vida cotidiana, incerteza e repertórios de ação para continuar habitando seus maritorios. Os dados foram registrados nas regiões de Los Lagos e Aysén, localizadas na zona sul do Chile, onde diferentes iniciativas comunitárias estão lutando pela sustentabilidade do maritorio há mais de 10 anos.

Isso foi complementado com uma análise de fontes secundárias, principalmente artigos de imprensa em meios online de caráter nacional, onde foram difundidos marcos de contaminação e conflitos que foram destacados nas entrevistas. Além disso, foram analisadas colunas de opinião onde dirigentes argumentaram os impactos de habitar a devastação ambiental.

Este artigo foi realizado no âmbito do projeto de pesquisa que coletou informações qualitativas para registrar as experiências de diferentes comunidades organizadas para a defesa do mar na Patagônia chilena. A execução deste projeto, financiado pela Agencia Nacional de Investigación y Desarrollo (Anid), conta com a aprovação ORD021/2022 do Comitê de Ética Científica da Universidade de Los Lagos, Osorno, Chile, com o objetivo de assegurar o cumprimento dos princípios éticos e das legislações chilenas em matéria de pesquisa científica.

Os dados coletados foram analisados com base no referencial teórico desenvolvido a seguir.

Desigualdade e sofrimento ambiental

Cada vez mais se trabalha para compreender as diferenças territoriais a partir dos estudos sobre desigualdade, com especial interesse no estudo das desigualdades socioecológicas. Parte-se da premissa de que viver em um ambiente livre de contaminação é um bem distribuído de forma desigual, assim como outros bens socialmente valorizados1313 Castillo M. Desigualdades socioecológicas y sufrimiento ambiental en el conflicto “Polimetales” en Arica. Convergencia. 2016;(72):89-114.. Mayarí Castillo argumenta que as variáveis que influenciam as pessoas a serem expostas e condenadas a viver em ambientes degradados ou contaminados estão diretamente relacionadas com aquelas que determinam seu acesso a outros bens, como etnia, classe, gênero e localização territorial.

Neste caso, para compreender a desigualdade ambiental, utilizou-se a categoria de sofrimento, que permite aproximar-se das experiências e ações dos habitantes dos territórios diante do acesso desigual a um meio ambiente livre de contaminação e a territórios saudáveis que facilitem a reprodução da vida. A origem dessa conceitualização decorre dos trabalhos de Javier Auyero e Débora Swistun1414 Auyero J, Swistun D. Expuestos y confundidos. Un relato etnográfico sobre sufrimiento ambiental. Iconos. 2007;(28):137-152. DOI: https://doi.org/10.17141/iconos.28.2007.216
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, onde se preocupam com as formas modernas de sofrimento social e, especificamente, o sofrimento ambiental; assim, a noção de sofrimento ambiental explica a experiência de viver em um contexto tóxico, em zonas de alta degradação ambiental1414 Auyero J, Swistun D. Expuestos y confundidos. Un relato etnográfico sobre sufrimiento ambiental. Iconos. 2007;(28):137-152. DOI: https://doi.org/10.17141/iconos.28.2007.216
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. Em sua pesquisa, os autores retomam a ideia Bourdesiana de ‘efeitos do lugar’ para abordar espaços e vidas contaminadas em territórios marginais do tecido urbano argentino; essa perspectiva permite questionar como as pessoas que estiveram expostas por anos a ambientes contaminados normalizam esse habitar tóxico. Sob essa perspectiva, o presente artigo destaca a insistência das comunidades litorâneas e insulares em resguardar as condições de saúde de seus territórios para manter suas possibilidades de vida em espaços tensionados por múltiplos usos econômicos, produtivos e ambientais.

Neste contexto, um aspecto relevante, derivado do sofrimento ambiental, é o fenômeno no qual um conjunto de problemas relacionados ao habitar em ambientes degradados se intersecciona com outras dimensões da vida e condiciona desigualdades ao se integrar de forma sistêmica e relacional com a pertença a povos originários, condição socioeconômica, gênero, entre outras. Configurando um conjunto de iniquidades que incidem nos processos de saúde, doença e morte, “dessa forma, são iniquidades aquelas diferenças de saúde, que, sendo evitáveis, não se conseguem eludir nas sociedades”1515 Barboza-Solís C, Sáenz-Bonilla J, Romain F, et al. Bases teórico-conceptuales para el análisis de inequidades sociales en salud. Odovtos. 2020;22(1):11-21. DOI: http://dx.doi.org/10.15517/ijds.2020.39097
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, ainda que sua natureza injusta e evitável se constitua em estrutural na medida em que se incorpora ao metabolismo social e formas de organização de uma sociedade1616 Breilh J. La epidemiología crítica: una nueva forma de mirar la salud en el espacio urbano. Salud Colectiva. 2010;6(1):83-101..

Retomando, Bourdieu1717 Bourdieu P. Efectos de lugar. In: Bourdieu P. La miseria del mundo. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica; 2000; p. 119-124. afirma que os humanos, em nossa corporalidade, estamos situados em um lugar (espaço físico) e ocupamos um sítio (estamos localizados, posicionados). Em sociedades hierárquicas, como as dos países do sul global, os espaços sociais estão sujeitos às hierarquias e, por isso, expressam as distâncias sociais. Além disso, essas se expressam de um modo deformado e mascarado pelo efeito de sua naturalização, razão pela qual as hierarquias nos parecem normais e se inscrevem de maneira duradoura das realidades sociais no mundo natural. Assim, essas diferenças que foram produzidas pela lógica histórica e social parecem emanar da natureza.

Ainda que esta seja uma revisão limitada sobre o efeito do lugar, essa ideia nos permite refletir criticamente sobre o espaço onde se inscreve a ação humana e, particularmente, os territórios onde as atividades produtivas ocorrem e impactam. Uma das maneiras em que esse efeito se torna manifesto relaciona-se com a apropriação do espaço através dos regimes de propriedade1818 Tecklin D. La apropiación de la costa chilena: ecología política de los derechos privados entorno al mayor recurso público del país. In: Bustos Gallardo B, Prieto M, Bustos J. Ecologia politica en Chile: naturaleza, propiedad, conocimiento y poder. Santiago, Chile: Editorial Universitaria; 2015. p. 121-142. das zonas costeiras, que determinam arranjos legitimados pelo Estado para restringir/permitir usos e atores que determinam o acesso aos recursos e seus benefícios.

Mantendo a linha argumentativa de Bourdieu1717 Bourdieu P. Efectos de lugar. In: Bourdieu P. La miseria del mundo. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica; 2000; p. 119-124., no espaço físico apropriado também se manifesta o poder conferido pela posse de capital, daí que possamos compreender o cercamento dos bens, um fenômeno descrito como ocean grabbing1919 Bennet N, Govan H, Satterfield T. Ocean grabbing. Marine Policy. 2015;57:61-68. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpol.2015.03.026
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e nas externalidades negativas do próprio capital. Da mesma forma, no espaço físico se expressa a posição social das pessoas, de forma tal que essa inscrição preserva a inércia das estruturas do espaço social. E qualquer mudança no espaço físico só poderá concretizar-se através de um desenraizamento que implica transformações sociais extremamente difíceis e custosas.

Neste contexto, os espaços sociais tendem a se sobrepor, provocando concentrações de bens escassos e também de proprietários em certos lugares físicos. Para compreender a maneira como essas sobreposições se expressam e como impactam no acesso aos bens socialmente valorizados nos territórios, é necessário adotar uma abordagem relacional, levando em conta as múltiplas categorias sociais que constroem o território e se mobilizam nele e com ele.

Componentes do sofrimento ambiental: incertezas e violência lenta

Um componente chave das experiências de sofrimento ambiental é a incerteza que surge ao se ver exposto a agentes contaminantes. Ao não saber, nem ter certezas sobre os efeitos que têm os diferentes fatores contaminantes provenientes de atividades industriais, como a exploração mineral, o uso de pesticidas na agricultura ou de antibióticos na aquicultura, as pessoas se veem envolvidas em uma situação de vulnerabilidade que aumenta pela falta de informação ou pela existência de informações contraditórias1313 Castillo M. Desigualdades socioecológicas y sufrimiento ambiental en el conflicto “Polimetales” en Arica. Convergencia. 2016;(72):89-114..

Isso condiciona e gera o significado que os habitantes do território atribuem a esse tipo de sofrimento social. Esse significado se reflete nas percepções e discursos que moldam a experiência tóxica2020 Gonzalez P. Habitar entre arenas de relaves. Incertidumbre sanitaria y sufrimiento ambiental en Chañaral (Chile). Revista INVI. 2021;36(101):83-108. DOI: http://dx.doi.org/10.4067/S0718-83582021000100083
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,2121 Ortiz Díaz E. Relatos de sufrimiento ambiental: el caso de Doña Juana. Bogotá: Universidad del Rosario; 2019.
, entre os quais se destaca o nulo reconhecimento por parte das pessoas em alguma posição de poder, como autoridades locais ou nacionais, sobre a degradação ou o dano a que os habitantes do território estão expostos. Foi documentado que as respostas às desigualdades socioecológicas, por parte daqueles que as experimentam, se expressam em resignação, paciência e protesto social2121 Ortiz Díaz E. Relatos de sufrimiento ambiental: el caso de Doña Juana. Bogotá: Universidad del Rosario; 2019.,2323 Decesare D, Auyero J. Patience, protest and resignation in contaminated communities: five case studie. NACLA Report on the Americas. 2017;4(49):463-469. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/10714839.2017.1409375
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24 Kukoc-Paz I. La técnica extractiva en la determinación social de la salud de las familias mineras de Potosí (Bolivia). Rev Cienc Salud (Bogotá). 2020;18(esp):1-14. DOI: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/revsalud/a.8995
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-2525 Merino C. Salud colectiva desde el sur. Santiago: Ril Editores; 2020.
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Ao mesmo tempo que o sofrimento ambiental se refere a efeitos na saúde, também aborda os impactos nos meios de subsistência da população local e indígena. Os efeitos nocivos das indústrias sobre o território e seus habitantes têm sido catalogados como racismo ambiental, uma vez que são espaços desvalorizados por serem habitados por corpos não brancos, que estão fora da parte social fundante da lógica capitalista e se tornam disponíveis para serem conquistados2626 Moreno M. Racismo ambiental: muerte lenta y despojo de territorio ancestral afroecuatoriano en Esmeraldas. Iconos. 2019;(64):89-109. DOI: https://doi.org/10.17141/iconos.64.2019.3686
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Ainda que os danos provocados pelas indústrias extrativas nem sempre sejam identificáveis de maneira imediata, eles se acumulam de maneira gradual e sistemática ao longo do tempo. A construção da corporalidade tóxica, que se vincula ao sofrimento ambiental, está marcada pela inação do Estado e pela opacidade das políticas ambientais em diferentes níveis2727 Sarlingo M. Corporalidad tóxica y sufrimiento ambiental. La experiencia de los habitantes de Colonia Hinojo, República Argentina. QuadernseICA [Internet]. 1970 [acceso en 2023 jun 8];18(2):156-172. Disponible en: https://raco.cat/index.php/QuadernseICA/article/view/274300
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. Esse efeito, conhecido como violência lenta por Nixon2828 Nixon R. Slow Violence and the Environmentalism of the Poor. Cambridge, MA/London, England: Harvard University Press; 2011. 353 p., é definido como

uma violência que se produz gradualmente e fora da vista, uma violência de destruição retardada que se dispersa no tempo e no espaço, uma violência de desgaste que normalmente não é considerada violência de forma alguma2828 Nixon R. Slow Violence and the Environmentalism of the Poor. Cambridge, MA/London, England: Harvard University Press; 2011. 353 p.(2).

A violência lenta não se refere apenas à acumulação de contaminação material, mas também à maleabilidade discursiva de atores empresariais e práticas políticas, assim como à regulamentação ambiental ambivalente por parte de autoridades estatais; esses processos permitem que os efeitos prejudiciais da ação antrópica passem despercebidos e que o sofrimento do território se torne rotina2929 Heikkinen A, Nygren A, Custodio M. The slow violence of mining and environmental suffering in the andean waterscapes. Extr Ind Soc. 2023;(14):101254. DOI: https://doi.org/10.1016/j.exis.2023.101254
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. Esses ciclos de violência lenta são alimentados por discursos empresariais que dissimulam as preocupações locais com a toxicidade e a contaminação3030 Davies T. Slow violence and toxic geographies: ‘Out of sight’ to whom? Environ. Plan. C: Politics Space. 2019;2(40):409-427. DOI: https://doi.org/10.1177/2399654419841063
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Ou seja, para compreender o sofrimento ambiental, a saúde dos territórios e seus habitantes, e as ações de resposta a isso, é necessário considerar aspectos relacionais da interação entre sociopolítica, economia e meio ambiente. Na construção dessa corporalidade tóxica, são fundamentais as mediações construídas por diferentes atores, que constroem e reconstroem suas experiências a partir de negações, diferentes níveis de informação, uso parcial de diagnósticos científicos e falácias argumentativas.

Portanto, as desigualdades socioecológicas, assim como o sofrimento ambiental, não dependem apenas da experiência sensorial e seu processamento, mas também das formas coletivas de formulação e expressão. Além disso, aprofundar a compreensão do sofrimento ambiental a partir de uma perspectiva regional e local ajuda a identificar como impactam na saúde coletiva as novas formas de acumulação, distribuição e desigualdade2626 Moreno M. Racismo ambiental: muerte lenta y despojo de territorio ancestral afroecuatoriano en Esmeraldas. Iconos. 2019;(64):89-109. DOI: https://doi.org/10.17141/iconos.64.2019.3686
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. Nas palavras de Moreno2626 Moreno M. Racismo ambiental: muerte lenta y despojo de territorio ancestral afroecuatoriano en Esmeraldas. Iconos. 2019;(64):89-109. DOI: https://doi.org/10.17141/iconos.64.2019.3686
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e no caso das populações afro-equatorianas que estão sendo despojadas de seu território pela expansão da agroindústria, mineração e indústria madeireira, a luta antirracista é por permanecer em seus territórios e apelar ao direito de posse ancestral.

Maritorios sustentáveis e saudáveis

Segundo Machado3131 Machado J. Territórios saudáveis e sustentáveis: contribuição para saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial. Com Ciências Saúde. 2017;28(2):243-249.(12), os territórios saudáveis e sustentáveis são aqueles em que

se promove uma vida saudável por meio de ações comunitárias e políticas públicas que buscam o desenvolvimento regional e local sustentável em dimensões ambientais, culturais, econômicas e sociais.

Esses territórios representam uma convergência entre grupos de pesquisadores, técnicos e movimentos sociais.

De acordo com essa definição, a promoção de territórios saudáveis e sustentáveis contrasta com o modelo de desenvolvimento dirigido hegemonicamente a países periféricos pelo capitalismo globalizado, que intensifica padrões de produção e consumo injustos e insustentáveis, além de aspectos culturais como o individualismo e a financeirização da vida3232 Porto M. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrar o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012.. Esse modelo se baseia em uma lógica econômica “cujo metabolismo social não só continua explorando os recursos naturais e o trabalho humano de maneira que prejudica a integridade dos ecossistemas e a dignidade das populações afetadas”3232 Porto M. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrar o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012.(16), gerando riscos que afetam a saúde das pessoas.

O ordenamento global imposto aos territórios busca racionalizar seu uso por meio de normas e leis que se apropriam dos recursos em diferentes partes do mundo. No entanto, o ordenamento local está associado às interações sociais e à reciprocidade das relações territoriais. A imposição de normas externas desestrutura e exclui socialmente as populações, gerando consequências para seu poder sobre os territórios e para o ordenamento local3131 Machado J. Territórios saudáveis e sustentáveis: contribuição para saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial. Com Ciências Saúde. 2017;28(2):243-249..

Desde o final da década de 1970, as políticas neoliberais no Chile se concentraram na privatização dos bens comuns e na exportação de matérias-primas, resultando em um auge da pesca industrial e artesanal nas décadas de 1980 e 19903333 Araos F, Anbleyth-Evans J, Riquelme W, et al. Marine Indigenous Areas: conservation assemblages for sustainability in Southern Chile. Coastal Manage. 2020;48(4):289-307. DOI: https://doi.org/10.1080/08920753.2020.1773212
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. Essa intensa atividade levou à sobre-exploração de várias espécies marinhas e à contaminação dos ecossistemas costeiros e marinhos3333 Araos F, Anbleyth-Evans J, Riquelme W, et al. Marine Indigenous Areas: conservation assemblages for sustainability in Southern Chile. Coastal Manage. 2020;48(4):289-307. DOI: https://doi.org/10.1080/08920753.2020.1773212
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. A resposta do Chile foi direcionar os esforços para a expansão da aquicultura, tornando-se um dos principais exportadores de salmão e mexilhões. No entanto, a falta de regulamentação ambiental adequada e o foco no mercado em vez da sustentabilidade tiveram impactos significativos no meio marinho3333 Araos F, Anbleyth-Evans J, Riquelme W, et al. Marine Indigenous Areas: conservation assemblages for sustainability in Southern Chile. Coastal Manage. 2020;48(4):289-307. DOI: https://doi.org/10.1080/08920753.2020.1773212
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Diante desses desafios, as comunidades indígenas e os movimentos sociais pressionaram pelo reconhecimento legal de suas relações históricas, socioculturais e ecológicas com o mar. Surgiram então os ECMPO como uma poderosa ferramenta institucional para recuperar o controle coletivo sobre os recursos comuns e o espaço marítimo3333 Araos F, Anbleyth-Evans J, Riquelme W, et al. Marine Indigenous Areas: conservation assemblages for sustainability in Southern Chile. Coastal Manage. 2020;48(4):289-307. DOI: https://doi.org/10.1080/08920753.2020.1773212
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. Por meio do processo de implementação dessas áreas, as comunidades indígenas buscam reorientar o uso dos recursos naturais e promover práticas democráticas de tomada de decisões, com o objetivo de alcançar a conservação inclusiva dos ecossistemas marinhos3333 Araos F, Anbleyth-Evans J, Riquelme W, et al. Marine Indigenous Areas: conservation assemblages for sustainability in Southern Chile. Coastal Manage. 2020;48(4):289-307. DOI: https://doi.org/10.1080/08920753.2020.1773212
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Neste contexto, o conceito de ‘maritorio’ surge como uma provocação à concepção ocidental de separação entre mar e terra. O maritorio representa a fluidez, a hibridez e a interdependência entre os seres humanos e outras espécies, desafiando a visão instrumental do meio ambiente que serve aos interesses econômicos do mercado. O maritorio promove uma concepção integrada entre natureza e cultura, material e imaterial3434 Álvarez R, Ther-Ríos F, Skewes JC, et al. Reflexiones sobre el concepto de maritorio y su relevancia para los estudios de Chiloé contemporáneo. Rev Austral Cienc Soc. 2019;(36):115-126. DOI: https://doi.org/10.4206/rev.austral.cienc.soc.2019.n36-06
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. Os ECMPO, portanto, oferecem uma oportunidade para repensar as formas de habitar os maritorios, baseando-se no uso consuetudinário exercido pelas comunidades indígenas e tradicionais, fundamentado em uma ética de convivência entre humanos e não humanos. Esses espaços representam um novo ponto de partida para reorientar a conservação e a sustentabilidade dos maritorios, buscando proteger os processos vitais dos sistemas socioecológicos e promover sua regeneração quando estão danificados77 Araos F, Hidalgo C, Brañas F, et al. Facing the blue Anthropocene in Patagonia by empowering indigenous peoples’ action networks. Marine Policy. 2023;147:105397. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpol.2022.105397
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Em suma, os ECMPO podem ser caracterizados como maritorios saudáveis e sustentáveis, pois buscam revalorizar as relações históricas, socioculturais e ecológicas das comunidades indígenas com o mar. Através dessas áreas, as comunidades indígenas buscam reorientar o uso dos recursos naturais e promover práticas democráticas de tomada de decisões, com o objetivo de alcançar a conservação inclusiva dos ecossistemas marinhos77 Araos F, Hidalgo C, Brañas F, et al. Facing the blue Anthropocene in Patagonia by empowering indigenous peoples’ action networks. Marine Policy. 2023;147:105397. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpol.2022.105397
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Resultados e discussões

Afetações ao território e à vida cotidiana

Durante décadas de atividade industrial na Patagônia marinho-costeira, a toxicidade foi se acumulando progressivamente nos ambientes locais. Essas afetações à saúde dos territórios representam um contínuo de lenta degradação, evidenciado através de marcos de contaminação, marcados por eventos contaminantes como o escape de salmões3535 Fajardo M. El impacto voraz de la fuga de salmones en el sur de Chile. El mostrador [Internet]. 2020 ago 24 [acceso en 2023 jun 8]. Disponible en: https://www.elmostrador.cl/cultura/2020/08/24/el-impacto-voraz-de-la-fuga-de-salmones-en-el-sur-de-chile/
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e depósitos de todo tipo de resíduos3636 Stuardo M. Agrupación denuncia vertedero ilegal de desechos atribuibles a empresas salmoneras en Dalcahue. Bio Bio Chile [Internet]. 2022 nov 10 [acceso en 2023 jun 8]. Disponible en: https://www.biobiochile.cl/especial/aqui-tierra/noticias/2022/11/10/agrupacion-denuncia-vertedero-ilegal-de-desechos-atribuibles-a-empresas-salmoneras-en-dalcahue.shtml
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,3737 Santiesteban P. Familia de isla Magdalena denuncia contaminación de salmonera. Diario Regional Aysén [Internet]. 2023 feb 7 [acceso en 2023 jun 8]. Disponible en: https://www.diarioregionalaysen.cl/noticia/actualidad/2023/02/familia-de-isla-magdalena-denuncia-contaminacion-de-salmonera
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. O uso intensivo das funções ecossistêmicas da Patagônia marinho-costeira por esse modo de produção industrial de salmões afeta gravemente as possibilidades de vida para centenas de espécies e as comunidades locais que se vinculam com elas33 Anbleyth-Evans J, Araos F, Ther F, et al. Toward marine democracy in Chile: Examining aquaculture ecological impacts through common property local ecological knowledge. Marine Policy. 2020;(113):103690. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpol.2019.103690
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,3838 Bedriñana-Romano L, Hucke-Gaete R, Viddi F, et al. Defining priority areas for blue whale conservation and investigating overlap with vessel traffic in Chilean Patagonia, using a fast-fitting movement model. Scientific reports. 2021;1(11):1-16. DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-021-82220-5
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39 Buschmann A, Niklitschek E, Pereda S. Acuicultura y sus impactos en la conservación de la Patagonia chilena. En: Conservación en la Patagonia chilena: evaluación del conocimiento, oportunidades y desafíos. Santiago, Chile: Ediciones Universidad Católica; 2021. p. 367-397.

40 Martínez C, Cienfuegos R, Barragán J, et al. Hacia una Ley de Costas en Chile: bases para una Gestión integrada de Áreas Costera. Santiago: GEOlibro; 2022. 562 p.

41 Castilla JC, Armesto JJ, Martínez-Harms MJ, editores. Conservación en la Patagonia chilena. Santiago: Ediciones UC; 2022.

42 Paredes C, Martínez I. El régimen jurídico-ambiental de la salmonicultura en Chile. Cartilla Informativa nº 1. Santiago: Fundación Terram; 2020.

43 Instituto Nacional de Derechos Humanos. Informe Industria Salmonera en Chile y Derechos Humanos. Santiago: INDH; 2021.

44 Mondaca E, Uribe E, Henríquez S, et al. Archipiélago de Chiloé: nuevas lecturas de un territorio en movimiento. CESCH; 2020.

45 Outeiro L, Villasante S. Trade-offs de servicios ecosistémicos causados por la salmonicultura en el sistema socio-ecológico marino de Chiloé (sur de Chile). Semata. 2013;(25):151-175.
-4646 Placencia J, Saavedra F, Fernández J, et al. Occurrence and distribution of Deltamethrin and Diflubenzuron in surface sediments from the Reloncaví Fjord and the Chiloé Inner-Sea (~39.5oS - 43oS), Chilean Patagonia. Bull Environ Contam Toxicol. 2018;(100):384-388. DOI: https://doi.org/10.1007/s00128-017-2251-y
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.

Estudos científicos retratam o impacto que essa atividade industrial tem sobre os direitos humanos, como no caso do Relatório Indústria Salmonera no Chile e Direitos Humanos4343 Instituto Nacional de Derechos Humanos. Informe Industria Salmonera en Chile y Derechos Humanos. Santiago: INDH; 2021.. Nele, são retratados impactos da indústria em relação às comunidades indígenas, ao meio ambiente e aos próprios trabalhadores, como os mergulhadores, que desempenham um papel fundamental para a indústria, ao extrair salmões mortos das redes, ajudar na instalação de infraestruturas, reparar redes e solucionar outras contingências. Nessas atividades de mergulho, os trabalhadores expõem suas vidas, colocando seus corpos a serviço dos processos produtivos e sofrendo as consequências dessa atividade; sem condições de recuperação e descanso necessárias para assegurar sua saúde, ou padecendo de doenças como osteonecrose disbárica4343 Instituto Nacional de Derechos Humanos. Informe Industria Salmonera en Chile y Derechos Humanos. Santiago: INDH; 2021.. Assim, os mergulhadores se acostumam a viver com a dor dessa doença altamente incapacitante, que destrói a medula do tecido ósseo, causando a perda de movimento4747 Ríos C. Osteonecrosis disbárica: la silenciosa enfermedad que corroe a los buzos salmoneros al sur de Chile. El mostrador [Internet]. 2023 mayo 21 [acceso en 2023 jun 8]. Disponible en: https://www.elmostrador.cl/noticias/pais/2023/05/21/osteonecrosis-disbarica-la-silenciosa-enfermedad-que-corroe-a-los-buzos-salmoneros-al-sur-de-chile/
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. Independentemente das evidências levantadas pelo relatório, os trabalhadores do salmão declararam seu repúdio ao estudo, definindo-o como um relatório desonesto e carente de argumentos4848 Appel L. Trabajadores del salmón rechazan estudio de instituto ligado a Derechos Humanos. Salmonexpert [Internet]. 2022 ago 18 [acceso en 2023 jun 8]. Disponible en: https://www.salmonexpert.cl/chile-comunidad-derechos-humanos/trabajadores-del-salmn-rechazan-estudio-de-instituto-ligado-a-derechos-humanos/1303403
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.

Por outro lado, existe evidência de que a perda de biodiversidade marinha na Patagônia chilena está vinculada às operações nos centros de salmonídeos: a sedimentação composta por fezes e alimentos não consumidos, juntamente com antibióticos, produtos químicos e outras variáveis, gera ambientes anaeróbicos (carentes de oxigênio) e eutrofização (excesso de nutrientes inorgânicos) no fundo marinho, afetando os ecossistemas e o direito à alimentação saudável das famílias locais. Além disso, é necessário levar em conta que, dadas as características próprias do mar, essa contaminação não permanece sob as jaulas, mas se move com as correntes e marés.

O sofrimento ambiental que os habitantes e o território da Patagônia marinho-costeira experimentam está sustentado em sinistros normativos4949 Alvarez R, Marihuan G, Montero A, et al. Turismo indígena como respuesta a la siniestralidad: comunidad mapuche-lafkenche del lago Budi. REDER. 2019;1(3):22-40. DOI: https://doi.org/10.55467/reder.v3i1.21
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,5050 Araos F, Riquelme W, Skewes JC, et al. La vida después de la devastación: lo común de la tragedia en territorios sociobiodiversos de Chile y Brasil. Antropologías del Sur. 2019;12(6):87-106. DOI: https://doi.org/10.25074/rantros.v6i12.1120
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, já que as normas possibilitam o dano ecológico e mantêm incólume a desigualdade socioecológica e o sacrifício de alguns territórios pelo ganho de outros. A partir de suas experiências e por meio da organização de atividades autoconvocadas, como o ‘Primer Encuentro de comunidades indígenas del Litoral de Aysén’, em 2021, líderes indígenas relatam a importância de evidenciar a contaminação, já que no mar grande parte dela passa despercebida, escondendo-se nas profundezas e ocultando sua existência.

Os ‘testemunhos registrados em campo durante 2022’ destacam diferentes tipos de consequência à vida cotidiana, como por exemplo a grande quantidade de luzes que se reúnem no porto quando as embarcações se juntam e que, à noite, iluminam as casas ao ponto de condenar a extensão do dia por 24 horas, afetando todos os habitantes do território, humanos e não humanos. Existe evidência atual de zonas de risco combinado para cetáceos5151 Viddi F, Bedriñana-Romano L, Hucke-Gaete R. Potenciales riesgos e impactos en cetáceos de la acuicultura industrial de salmón, en la Patagonia chilena. Valdivia, Chile: Programa Austral Patagonia de la Universidad Austral de Chile; 2023., onde há maior probabilidade de que os animais sejam afetados por colisões de embarcações, experimentem mudanças comportamentais por perturbações e degradação de habitat e possíveis efeitos na saúde por bioacumulação de metais ou antiparasitários, entre outros.

Nas rotas de navegação compreendidas entre os arquipélagos de Guaitecas e Chonos, na região de Aysén, é possível ver focos de contaminação nas praias das ilhas mais remotas, onde o lixo se destaca e também se move no mar. Foi comprovado que, à medida que o plástico entra no mar, é quase impossível removê-lo e ele continua se desintegrando em partículas de menor tamanho5252 Tekman M, Walther B, Peter C, et al. Impacts of plastic pollution in the oceans on marine species, biodiversity and ecosystems. Berlin, Germany: WWF; 2022. 221 p.. Assim como se acumulam restos plásticos nas praias e outros que foram transportados pelas correntes marinhas, também aparecem lixões que foram dispostos intencionalmente por humanos, como sacos de lixo, restos de boias, caixas de isopor, restos de cabos ou cordas. Em diferentes momentos em que representantes das indústrias foram interpelados sobre esses lixões, as respostas indicaram que são acúmulos temporários para posterior remoção conjunta. No entanto, aqueles que navegam pela região contam que esses lixões não são retirados constantemente e persistem nos locais por anos.

A intencionalidade de esconder lixo na mata nativa é evidente. À medida que se percorrem diferentes portos de refúgio e abrigos utilizados por pescadores artesanais e comunidades indígenas para se protegerem durante seus períodos de trabalho, é possível encontrar lixo que foram intencionalmente escondidos para ser mais difícil de ver do mar, como os mais de 5 bidões com óleo queimado.

Incerteza e ação: como continuar vivendo nesses maritorios?

A aflição ativamente criada e definida pela ordem social2222 Auyero J, Swistun D. Inflamable: estudio del sufrimiento ambiental. Buenos Aires: Paidós; 2008. se evidencia em territórios construídos socialmente como zonas remotas, onde a sinuosidade da paisagem, os cantos pouco explorados e as dificuldades de povoamento continuam a ser definidos como disponíveis para serem conquistados. Ignora-se a fragilidade do território e de seus habitantes, pois, ao serem considerados como centros populacionais, parece não haver quem vele por sua sustentabilidade. Poderíamos falar aqui desses territórios como espaços residuais5353 Clément G. Manifiesto del tercer paisaje. 2. ed. Barcelona, España: Editorial GG; 2018. 82 p. que resultam do abandono da regulamentação estatal e administrativa capaz de promover e proteger as funções ecossistêmicas e o bem-estar humano que oferecem.

Diante deste contexto de incerteza, comunidades indígenas que lideram processos de solicitação de ECMPO em territórios costeiros e insulares da Patagônia buscam a proteção dos usos consuetudinários a fim de manter as tradições e o uso de recursos naturais de seus territórios. Embora os processos de solicitação estejam ancorados no território por meio de usos consuetudinários e práticas que ali desenvolvem, também têm sido uma ferramenta que legitima a negociação indígena como atores-chave que experimentam as ameaças aos seus territórios e constroem diferentes estratégias para enfrentá-las e assim projetar territórios sustentáveis.

Por um lado, os problemas ambientais vividos na zona costeira e nas ilhas da Patagônia conferem um sentido de urgência à proteção do território através dos ECMPO. Uma das principais preocupações é a progressiva escassez de recursos marinhos, inclusive os entrevistados apontam a completa desaparição de alguns deles. Isso tem sido documentado de forma experiencial, uma vez que são comunidades cuja subsistência depende da disponibilidade de recursos marinhos e, sobretudo, de sua salubridade. Os entrevistados relatam a escassez de peixes como a mais drástica de todas, já que são parte da economia cotidiana das comunidades; entre suas causas, asseguram vínculo com a pesca industrial5454 Araos F, Catalán E, Nuñez D, et al. Cuidando la Patagonia Azul: Prácticas y estrategias de los pueblos originarios para curar las zonas marinas del sur de Chile. J Latin Amer Carib Anth. 2023;28(4):286-297. DOI: https://doi.org/10.1111/jlca.12695
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.

Por outro lado, a privatização aparece como uma preocupação constante que se associa à aquicultura de algas, mexilhões e salmões. Além das afetações ambientais, esses regimes correspondem à perda de soberania no território; restringem o acesso a bens cultural e economicamente valorizados, além de obstruir a livre circulação e extração de recursos. Além disso, essas atividades produtivas estão associadas à contaminação nas praias e no mar, sendo a primeira a mais evidente para o habitar dos territórios, já que é facilmente visível.

A violência lenta que se vive na Patagônia marinho-costeira gera incerteza e preocupação com o futuro, na medida em que afeta o território de maneira transversal: recursos, habitantes, práticas culturais e identidade, em última análise, a possibilidade de vida. Dessa forma, emergem uma série de projeções futuras em relação ao território e, particularmente, associadas à sua sustentabilidade. Nesse caso, as práticas produtivas consuetudinárias que as comunidades litorâneas e insulares exercem são principalmente a extração de algas e mariscos e a pesca. Estas são fundamentais para o consumo familiar de subsistência, bem como para a comercialização. No entanto, os três fenômenos mencionados: escassez, privatização e contaminação, dificultam essas práticas ao ponto de quebrar as projeções do futuro familiar nos espaços que têm habitado por gerações.

As experiências de sofrimento ambiental tiveram respostas diversas por parte das comunidades indígenas junto com atores locais, entre elas: a legitimação da orientação dos ECMPO como uma ferramenta para orientar a sustentabilidade biocultural do território através da regeneração de ecossistemas mediante a lógica consuetudinária. Para isso, apoiaram-se estrategicamente na paralisação de concessões em trâmite que se instala com a Lei nº 20.249. Embora seus resultados não sejam visíveis no curto prazo, ressignifica-se como uma maneira de apostar no futuro saudável dos territórios, onde as novas gerações possam habitar.

Nesse sentido, os ECMPO são uma ferramenta normativa que entrega a administração do espaço a uma comunidade ou associação de comunidades indígenas, que têm a responsabilidade de criar um plano de administração inclusivo, ou seja, que envolva outros atores interessados na zona costeira. Este plano permite regular as atividades produtivas no espaço, estabelecendo regras de convivência que se regem pela visão sustentável dos territórios profundamente ligada à cosmovisão indígena e local.

Considerações finais

As diferentes maneiras de pensar e sentir o tóxico que coexistem são essenciais para a gestão de um território sustentável. A partir das experiências locais, essa situação é descrita como marcada por uma enorme inequidade no tratamento do Estado às comunidades indígenas e de pescadores artesanais, na medida em que a falta de regulamentação degrada os ecossistemas e vai despovoando e expulsando-os de seus territórios em busca de oportunidades de vida5555 Millatureo N. Sin nosotros los asentamientos costeros históricos van a desaparecer. Plataforma Costera [Internet]. 2022 sep 2 [acceso en 2023 jun 8]. Disponible en: https://www.plataformacostera.org/columnas/sin-nosotros-los-asentamientos-costeros-historicos-van-a-desaparecer/
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. Experiências de devastação e impactos negativos do extrativismo em territórios como o Canadá têm servido para refletir a estreita relação entre a saúde coletiva e os modelos econômicos5656 Arteaga-Cruz E, Mukhopadhyay B, Shannon S, et al. Connecting the right to health and anti-extractivism globally. Saúde debate. 2020;44(esp1):100-108. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042020S108
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ou de desenvolvimento.

No âmbito da qualidade de vida e do cuidado da saúde, habitar em ambientes degradados gera profundas desigualdades e iniquidades que condicionam o bem-estar, incidindo em problemas de saúde mental, alterando os processos de cuidado coletivo, que são agravados pelas dinâmicas laborais, transgressões ao ecossistema e delimitando a capacidade de agência das pessoas em relação às práticas de autocuidado. Constituindo um conjunto de interseções que o sistema de saúde tem problematizado e abordado como doenças, sem considerar os aspectos estruturais que condicionam/determinam os processos de saúde, doença, cuidado e morte.

Representantes de comunidades indígenas recorrem a instâncias internacionais, como congressos, para visibilizar suas experiências e tornar conhecido que, atualmente, na Patagônia chilena, estão sendo desenvolvidas atividades incompatíveis com o meio ambiente, dada a sensibilidade dos canais e fiordes à contaminação. Essas atividades alteram negativamente as condições ambientais que favorecem as economias locais e que hoje diminuem a quantidade e qualidade de recursos que permitem a subsistência, somado a altas taxas de pobreza. Por isso nos perguntamos se a violência lenta que afeta a vida cotidiana, subjetividades e práticas consuetudinárias determina as maneiras de habitar o território e motiva a impulsionar transformações rumo à sustentabilidade.

A longo prazo, os ECMPO oferecem variadas contribuições sociais e ambientais para fomentar maretórios sustentáveis e saudáveis, contribuindo para uma planificação espacial de base local, à justiça ambiental e à conservação inclusiva. Por isso, representam uma figura institucional chave para promover transições justas e equitativas à sustentabilidade que permitam curar o mar enfermo da Patagônia.

  • Apoio financeiro: Projeto ANID/FONDECYT N. 1220430 ‘La resurgencia de los comunes en el Antropoceno Azul en Chile’

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2023
  • Aceito
    17 Jan 2024
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