Metodologias sensíveis co-labor-ativas: produzir conhecimentos ‘junto com’ movimentos sociais e territórios para a transição paradigmática

Marina Tarnowski Fasanello Marcelo Firpo Porto Sobre os autores

RESUMO

Este ensaio discute a dimensão metodológica na pesquisa qualitativa para apoiar movimentos de transição paradigmática da saúde coletiva. Busca refletir sobre limites, necessidades, desafios e avanços que os autores têm construído para trabalhar ‘junto com’ os territórios, as organizações comunitárias e os movimentos sociais que neles atuam a partir de metodologias sensíveis co-labor-ativas. Um dos objetivos principais dessas metodologias envolve o poder de agência em processos instituintes dos sujeitos que vivem, trabalham e se mobilizam nos territórios, em particular, no reconhecer, validar e apoiar a produção de conhecimentos voltados à transformação social, à luta por direitos, à busca por dignidade e do bem viver. A partir da construção de Territórios Sustentáveis e Saudáveis no contexto de uma agenda marcada por crises socioambientais, propõe-se um resgate da epistemologia com sabedoria que alie dimensões ontológicas, metodológicas, pedagógicas, artísticas e afetivas. Nesse sentido, a transformação social também implica a mudança de um modelo hegemônico de ciência que, em nome da objetividade, exclui sistemas de conhecimentos e experiências nascidas em outras esferas da vida em comunidade, inclusive as tradicionais. Encerra-se com uma breve apresentação de experiências recentes de encontros de saberes e projetos de pesquisa que ilustram as metodologias sensíveis propostas.

PALAVRAS-CHAVE
Epistemologia; Territórios Sustentáveis e Saudáveis; Território sociocultural; Metodologia participativa; Arte

Introdução: o desafio de conhecer, produzir conhecimentos e transformar ‘junto com’ os sujeitos territoriais

Este artigo, em forma de ensaio, expressa o encontro acadêmico e existencial dos autores na construção do que chamamos recentemente de metodologias sensíveis co-labor-ativas11 Fasanello MT, Porto MF. Luz, câmera, cocriação: o cinema documentário como inspiração para descolonizar a produção de conhecimentos. Saúde debate. 2023;46:70-82. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042022E607
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. Elas buscam integrar dimensões epistemológicas, éticas, ontológicas e afetivas na produção de conhecimentos emancipatórios ante a atual crise social-ambiental-sanitária. A construção de critérios de qualidade e objetividade científica na produção de conhecimento realizada pelo projeto epistemológico dos últimos séculos acabou gerando, contraditoriamente, fossos que afastam a ciência dos objetivos de transformação social justo em uma época que tanto precisamos dela. Tais fossos costumam se expressar por paradoxos mal compreendidos e enfrentados por modelos intelectuais e lógicas binárias da ciência que priorizam uma perspectiva em detrimento da outra, por exemplo: pensar-sentir, exterior-interior, análise científica-consciência, distanciamento-proximidade, desenvolvimento-envolvimento, transformação do outro-transformação de si próprio, razão especializada-senso comum, linguagem erudita-linguagens da vida, ciência-arte, entre outros.

O ensaio aqui adotado, modalidade importante para as ciências sociais e humanas, permite uma forma mais livre e flexível de construção de textos de base crítica que trazem reflexões que podem nos convocar para uma transição paradigmática. Nossa ideia de ensaio no artigo incorpora a ideia de revisão narrativa para sistematizar, de forma original e criativa, a experiência acadêmica e ativista dos autores, principalmente nos últimos dez anos, no desenvolvimento das metodologias sensíveis e co-labor-ativas.

O termo sensível é assumido para caracterizar metodologias que estabeleçam pontes, necessariamente flexíveis e sutis, entre os polos que marcam os paradoxos apresentados. O co-labor-ativo, propositalmente com hifens, transcende a ideia de participação ao enfatizar características fundamentais e complementares da colaboração no produzir conhecimentos: a copresença ou estar plenamente presente no fazer em companhia, com trabalho e ação conjuntos integrando a produção de conhecimentos com transformação social11 Fasanello MT, Porto MF. Luz, câmera, cocriação: o cinema documentário como inspiração para descolonizar a produção de conhecimentos. Saúde debate. 2023;46:70-82. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042022E607
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. Em outras palavras, um exercício de unidade na diversidade e de diversidade na unidade.

O artigo apresenta reflexões epistemológicas e metodológicas que buscam, mais que responder de forma precisa, dar pistas para uma pergunta estratégica para a transição paradigmática da saúde coletiva, em especial, no contexto deste número temático sobre a construção de Territórios Sustentáveis e Saudáveis (TSS): como podemos compreender o papel da ciência e a dimensão metodológica em termos de limites, necessidades, desafios e avanços que têm sido feitos para se trabalhar ‘junto com’22 Santos BS. O Fim do Império Cognitivo. Coimbra: Almedina; 2018. os territórios, as organizações comunitárias e os movimentos sociais voltados à transformação social?

Segundo Machado et al.33 Machado JMH, Martins WJ, Souza MS, et al. Territórios saudáveis e sustentáveis: contribuição para a saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial. Com Ciências Saúde [Internet]. 2017 [acesso em 2023 maio 8];28(2):243-249. Disponível em: https://revistaccs.escs.edu.br/index.php/comunicacaoemcienciasdasaude/article/view/245
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, a construção dos TSS busca contribuir para a análise e operacionalização de um amplo leque de ações locais e globais levadas a cabo por diferentes sujeitos, desde instituições governamentais, de ciência e tecnologia, pesquisa e ensino, até Organizações Não Governamentais e movimentos sociais. Portanto, há uma centralidade dos sujeitos territoriais na construção dos TSS, e isso implicaria produzir conhecimentos ‘junto com’ tais sujeitos.

Nosso enfoque no artigo não está propriamente voltado a pensar no importante papel da metodologia na construção ou na avaliação de políticas públicas voltadas à redução das desigualdades sociais, como as de saúde e a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), no âmbito dos territórios para que eles se tornem mais sustentáveis e saudáveis. Nossa principal contribuição, acreditamos, reside em refletir sobre o papel da academia no trabalho conjunto com sujeitos, organizações e movimentos que vivem, trabalham e se mobilizam em lutas por saúde, justiça, dignidade e bem viver em territórios frequentemente vulnerabilizados. Trata-se de movimentos que atuam pelo reconhecimento de outras formas de ser, viver, produzir e se relacionar com a natureza e com os outros em comunidade, como aqueles vinculados a territórios indígenas, quilombolas, camponeses ou das periferias urbanas.

As limitações da ciência moderna vêm se tornando mais gritantes diante de um mundo em crise pelos extremos que vivemos: riqueza/pobreza, abundância/escassez, oferta de tecnologias de consumo versus degradação dos recursos naturais, autoritarismos e fundamentalismos em nome da liberdade de expressão e da religião. São tantas as contradições que nos parece sem sentido qualquer inovação científica que desconsidere estratégias mais profundas e sensíveis de enfrentá-las com sabedoria. Mais que uma ciência da complexidade distante das pessoas, pensamos em uma ciência sensível44 Porto MF. Uma Ecologia Política dos Riscos. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. que reconecte complexidade, simplicidade, compreensão para agir na realidade sem se afastar das pessoas (individuais e coletivas), da vida e da natureza, com suas belezas e tragédias, canalizando conhecimento e ação para a transformação.

A ideia de transição paradigmática depende do fortalecimento de processos instituintes anti-hegemônicos, por nós entendidos como saberes e práticas alternativos que não necessariamente buscam, como os contra-hegemônicos, a tomada de poder dentro de um sistema sociopolítico dominante e opressor11 Fasanello MT, Porto MF. Luz, câmera, cocriação: o cinema documentário como inspiração para descolonizar a produção de conhecimentos. Saúde debate. 2023;46:70-82. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042022E607
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. Seu objetivo é mais ampliar que definir ou controlar processos emancipatórios de liberdade, auto-organização, autonomia e autodeterminação envolvendo distintos sujeitos para a produção de conhecimentos com consciência. Consideramos tal perspectiva estratégica por facilitar mais convergências do que disputas destrutivas entre diferentes movimentos e sujeitos sociais que lutam por dignidade.

O artigo está organizado da seguinte forma: após esta apresentação, discutimos o desafio do conhecimento a partir do resgate da epistemologia e de alguns autores e escolas que, em nossa trajetória, vêm nos inspirando na construção da proposta de produzir ‘junto com’. Na sequência, apresentamos a urgência da questão socioambiental como importante razão para a transição paradigmática em diversos campos do conhecimento, aliando a busca de justiça cognitiva no reconhecimento de outros saberes com transformação social. A proposta das metodologias sensíveis co-labor-ativas é mais bem sistematizada a seguir na tentativa de resgatar a sabedoria perdida pela ciência moderna em critérios de objetividade e qualidade que acabaram por se desconectar da natureza e da vida em comunidade. Finalmente, damos alguns exemplos de ações realizadas nos últimos anos, como os chamados Encontros de Saberes e experiências de pesquisa, que caminham na construção das metodologias que propomos, os quais destacam desafios e avanços para a produção de conhecimentos ‘junto com’, e não apenas para ou sobre, os territórios, suas populações, movimentos e organizações comunitárias voltados à transformação social. ‘Produzir com’ representa a aliança da academia com lutas por saúde e dignidade para uma vida mais saudável e harmoniosa com a natureza e os seres humanos entre si, por isso é tão estratégico para a transição paradigmática e civilizatória da qual a humanidade necessita no contexto de crise que vivemos.

Novo desafio do conhecimento, a questão metodológica, o resgate da epistemologia e algumas inspirações

Para fortalecer o trabalho conjunto e o poder de agência dos sujeitos territoriais, suas organizações e movimentos em processos instituintes de transformação social, assumimos que a academia e os pesquisadores também precisam se transformar. Temos chamado essa transformação de descolonizar e coracionar a academia11 Fasanello MT, Porto MF. Luz, câmera, cocriação: o cinema documentário como inspiração para descolonizar a produção de conhecimentos. Saúde debate. 2023;46:70-82. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042022E607
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, principalmente no campo interdisciplinar em que atuamos, a saúde coletiva. Isso implica avançar em outras epistemologias que reconheçam, validem e apoiem a produção de conhecimentos nascidos das lutas provenientes dos territórios e seus movimentos.

Como veremos ao longo do artigo, trata-se de um desafio não apenas social e político, mas, sobretudo, fundamentalmente epistemológico, metodológico e pedagógico que supere a ideia do exclusivismo científico como o principal e único espaço de produção e validação de conhecimentos considerados mais objetivos e verdadeiros. O espírito científico moderno e seus cânones consideram estratégica a separação entre sujeitos pesquisadores, alçados ao papel de principal sujeito cognoscente, e sujeitos pesquisados, que, mesmo portadores de direitos e experiências, são considerados como possuidores de um estatuto inferior em sua capacidade ‘leiga’ de teorizar, sistematizar e analisar a realidade. O sujeito não especializado tenderia a confundir perigosa e subjetivamente, do ponto de vista da qualidade do conhecimento, seus interesses e emoções com a própria realidade; para isso, um dos objetivos do desenho metodológico, mesmo qualitativo, seria impedir essa excessiva aproximação com a realidade, os sujeitos, seus territórios e os sentidos de suas existências e lutas.

Ainda que de forma distanciada do positivismo empírico e lógico típico dos métodos quantitativos das ciências curiosamente chamadas de ‘naturais’, tal pressuposto permanece nos métodos clássicos das ciências sociais e humanas, como a entrevista semiestruturada, a observação participante e mesmo na pesquisa-ação. Esta radicaliza processos cooperativos, participativos e dialógicos envolvendo escutas e acolhimento de demandas que visam resultar em ações para a resolução de problemas coletivos. Entretanto, a relação entre os pesquisadores e os participantes representativos do problema envolvidos na pesquisa acaba por produzir conhecimentos para, mas não necessariamente com, mantendo o critério de definição da qualidade do conhecimento, em última instância, sob responsabilidade do pesquisador acadêmico.

Por mais ética e politicamente defensáveis que sejam tais lutas por transformação, para o cânone científico hegemônico, o envolvimento ativista ou francamente apoiador a elas por parte do sujeito pesquisador geraria um fator de confusão que afetaria a qualidade e objetividade do estudo científico. A bifurcação acadêmica proposta é a impossibilidade de estar no mesmo lugar com dois chapéus distintos, o do pesquisador e ativista, e a solução para o dilema seria ou optar por um dos papéis, ou separar estritamente os lugares onde se produz conhecimento e onde se realiza militância. Para lidar com isso, as metodologias qualitativas dominantes elencam um conjunto de medidas que concretizam essa separação, seja na obtenção empírica dos dados levantados (como discursos e narrativas de grupos sociais), seja, principalmente, durante sua análise.

O distanciamento do pesquisador, em diferentes graus, da realidade social, dos valores e interesses em jogo dos sujeitos pesquisados é considerado uma condição para a qualidade e a autonomia do trabalho científico. Não é objetivo deste artigo explorar as inúmeras correntes sociológicas para além do funcionalismo que produziram importantes avanços na interação, mediação e interpretação de estruturas e processos sociais e simbólicos com as práticas empíricas de campo em níveis territoriais, comunitários e pessoais. O que importa assinalar aqui é a permanência da separação entre pesquisador e sujeitos-objetos pesquisados na defesa da qualidade e autonomia do pesquisador, o que está relacionado com o cânone científico dominante e restringe possibilidades de ampliar a diversidade epistêmica do mundo55 Santos BS, Menezes MP, Nunes JA. Para ampliar o cânone da ciência: a diversidade epistemológica do mundo. In: Santos BS. Semear outras soluções Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2005. p. 21-121.. Isso implica que os referenciais teóricos, os objetivos, as perguntas e os métodos do estudo devem ser escolhidos de forma soberana, em última instância, pelo pesquisador ou equipe de pesquisa, assumindo-se um certo grau de liberdade objetiva e subjetiva dessas opções. Tal condição, em nossa avaliação, encontra-se por detrás de diversas situações de mal-estar nas relações entre pesquisadores e territórios com seus movimentos em luta por saúde, dignidade e direitos territoriais, e vão além de compromissos éticos relacionados à devolutiva dos resultados da pesquisa. Está relacionado com o que as epistemologias do Sul têm chamado de práticas extrativistas de pesquisa22 Santos BS. O Fim do Império Cognitivo. Coimbra: Almedina; 2018., quando os objetivos, perguntas, referenciais, métodos e aplicações não são dialogados e passam pelo crivo das comunidades e territórios pesquisados.

Para nós, o novo desafio do conhecimento precisa ser atualizado em relação ao proposto por Minayo há mais de 30 anos para pensar na pesquisa em saúde66 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9. ed. São Paulo: Hucitec; 2006., pois implica como avançar e contrapor o cânone científico da boa ciência com objetividade sem perder suas virtudes ante as urgências de transformação social de nossa era. Ou seja, como transcender as fronteiras rígidas da ciência na busca de superar tanto o exclusivismo do espaço acadêmico como único e legítimo sistema produtor de conhecimentos, como os fossos existentes entre academia, vida e transformação social. Não é uma discussão nova, pois já vem sendo colocada nas últimas décadas por diversos pensadores da filosofia da ciência, e que Nunes77 Nunes JA. O resgate da epistemologia. Rev Crit Cienc Soc. 2008 [acesso em 2023 jul 25];80:45-70. Disponível em: http://journals.openedition.org/rccs/693
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denomina de resgate da epistemologia. Para esse autor, a discussão epistemológica vem passando por um processo de crítica e transformação que relativiza a exclusividade da ciência e transfere a soberania epistêmica para o ‘social’, reaproximando as políticas do conhecimento com a redescoberta da ontologia para repensar na transformação social. Consideramos que a urgência da crise ou do colapso socioambiental na atualidade torna propício e fortalece a proposta de Nunes do resgate da epistemologia77 Nunes JA. O resgate da epistemologia. Rev Crit Cienc Soc. 2008 [acesso em 2023 jul 25];80:45-70. Disponível em: http://journals.openedition.org/rccs/693
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Em nosso ponto de vista, uma ciência a serviço da emancipação social significa que as instituições acadêmicas de pesquisa, tanto da saúde coletiva quanto de outros campos interdisciplinares de conhecimento, precisam avançar na construção de referenciais teóricos e desenhos metodológicos que possam compreender e apoiar relações colaborativas e sinérgicas com os sujeitos territoriais da transformação social. Passados 26 e 15 anos, respectivamente, das mortes do brasileiro Paulo Freire e do colombiano Orlando Fals Borda com seus importantíssimos trabalhos seminais sobre pedagogia crítica e pesquisa-ação participativa, e diante das diversas crises que vivenciamos na atualidade, acreditamos ser importante atualizar algumas contribuições que vêm sendo realizadas por pensadores e grupos de pesquisa em diversos campos interdisciplinares.

Em nosso caso, temos privilegiado articular a saúde coletiva com outros dois campos, a ecologia política e, de especial importância para este artigo, as escolas pós-coloniais - entre elas, as epistemologias do Sul, cujas contribuições serão mais bem detalhadas à frente. Além desses campos, temos também nos inspirados em escolas e pensadoras/es que navegam entre fronteiras disciplinares a partir de outras disciplinas e campos. Para citar alguns exemplos marcantes: a educação por meio da arte na reflexão, com Paulo Freire, sobre o papel da arte nos processos educativos e de formação do ser humano, como Ana Mae Barbosa (Movimento Escolinhas de Arte do Brasil e a triangulação pelo ler, fazer e contextualizar a obra), e Herbert Read (arte e criatividade como descoberta do mundo e do indivíduo); a antropologia que caminha para a interdisciplinaridade e a interculturalidade com Roy Wagner (pensamento e pessoa fractal, e antropologia reversa), Tim Ingold (criatividade, imaginação e experiência na aprendizagem e projetação), Eduardo Viveiros de Castro (perspectivismo ameríndio como matriz filosófica amazônica para pensar a natureza relacional dos seres); as ciências da vida com reflexões da biologia e ecologia com Humberto Maturana e Francisco Varela (a biologia da cognição, a vida como um processo de conhecimento a partir de como os seres vivos conhecem o mundo); e, mais recentemente, o mais importante pensador indígena da atualidade, Airton Krenak.

Todas essas escolas e autoras/es trilham caminhos para superar os limites da ciência especializada dos últimos séculos por meio de linguagens sensíveis que, sem abdicar do rigor intelectual, utilizam-se da filosofia, da imaginação, da experiência e da arte para propor novas epistemologias. Para esses pensadores, o estabelecimento de referenciais teóricos e métodos padronizados como tentativa de assegurar objetividade, produzir conhecimentos universais replicáveis e controlar a realidade tem afastado a ciência da vida e da consciência necessárias à transformação de que precisamos. Em uma perspectiva que chamamos descolonial, buscamos diversificar a interlocução com outros referenciais teóricos e intelectuais orgânicos que cresceram em culturas e sistemas de conhecimentos distintos da academia, mas que com ela dialogam. Esse é o caso Ailton Krenak e Nego Bispo, trabalhados recentemente em uma tese de doutorado da saúde coletiva orientada pelos autores88 Aguiar ACP. Saúde e cuidado como produção de vida: para descolonizar e corazonar a Saúde Coletiva [tese na Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2023 [acesso em 2023 jun 23]. 212 f. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/59872/ada_cristina_pontes_aguiar_ensp_dout_2023.pdf?sequence=2&isAllowed=y
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, bem como de intelectuais indígenas envolvidos em pesquisas com quem buscamos uma interação que permita um espaço para o exercício de elementos internos perceptivos e intuitivos, como Marcelo Tingui, Iran Xukuru e João Paulo Tukano.

A urgência da questão socioambiental e a transição paradigmática em busca de justiça cognitiva e transformação social

A centralidade da questão ambiental e da sustentabilidade tem sido um dos elementos propulsores da transição paradigmática na atualidade em diversas áreas do conhecimento, inclusive na saúde coletiva. A concepção de TSS é uma das expressões desse movimento para lidar com a urgência da crise (ou colapso) ambiental99 Marques L. Capitalismo e Colapso Ambiental. Campinas: Editora da Unicamp; 2015. que ameaça a continuidade da vida no planeta. A questão ecológica e a crítica ao crescimento/desenvolvimento econômico aliam-se à ideia de que precisamos criar alternativas às duas grandes utopias construídas pela modernidade ocidental e eurocêntrica, a liberal e a socialista, que orientaram os sonhos e as ações de transformação social nos últimos dois séculos1010 Porto MF. Crise das utopias e as quatro justiças: ecologias, epistemologias e emancipação social para reinventar a saúde coletiva. Ciênc saúde coletiva. 2019;24(12):4449-4458. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.25292019
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Há uma crescente percepção global, em diferentes regiões e sociedades, de que vivemos uma crise planetária e civilizatória que conecta distintas crises: a social (não superação ou agravamento da pobreza e da fome convivendo com concentração de riqueza); a democrática (instabilidade do Estado Democrático de Direito e suas instituições, impulsionada pelo crescimento da extrema-direita e do fascismo social); a ambiental (mudanças climáticas, destruição e contaminação de ecossistemas); e a sanitária (cuja importante expressão foi a recente pandemia de covid-19)1010 Porto MF. Crise das utopias e as quatro justiças: ecologias, epistemologias e emancipação social para reinventar a saúde coletiva. Ciênc saúde coletiva. 2019;24(12):4449-4458. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.25292019
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,1111 Porto MF, Rocha DF, Fasanello MT. Saúde, ecologias e emancipação: conhecimentos alternativos em tempos de crise (s). São Paulo: Hucitec; 2022.
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A percepção de que a sobrevivência do planeta está mais ameaçada também se agrava com a disputa entre um império em decadência (Estrados Unidos da América) e outro em ascensão (China). Renascem com força os temores da possível conflagração de um novo conflito bélico mundial e de uma inusitada guerra nuclear, tendo por marco geopolítico recente e perigoso a guerra entre Ucrânia e Rússia. Além da dimensão bélica, o caráter planetário da crise decorre tanto das conexões político-econômicas de um mundo globalizado como das escalas crescentes local-global de problemas como as mudanças climáticas e a irreversibilidade das chamadas fronteiras planetárias.

Esse é um conceito proposto por Rockström et al. desde 20091212 Rockström J, Steffen W, Noone K, et al. A safe operating space for humanity. Nature. 2009;461:472-475. DOI: https://doi.org/10.1038/461472a
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que busca operacionalizar os indicadores globais de um espaço seguro para a humanidade e a vida no planeta. Para os autores, pelo menos três limiares já teriam sido ultrapassados na nova era geológica denominada de antropoceno, marcada pelos elevados padrões de produção e consumo, pela agricultura industrial e a queima de combustíveis fósseis: i) as mudanças climáticas pelo desequilíbrio entre os ciclos de oxigênio e gás carbônico; ii) a integridade da biosfera com a degradação de ecossistemas e consequente perda de biodiversidade pela extinção de espécies; iii) os ciclos biogeoquímicos do fósforo e nitrogênio, ambos fundamentais para a qualidade dos solos e oceanos, o crescimento e sobrevivência dos seres vivos. Portanto, já se encontram em curso mudanças abruptas e irreversíveis em diversas partes do planeta e que, nos casos mencionados, chegaram a pontos que não serão mais recuperados, como nas espécies que deixaram ou deixarão de existir.

A crise ou colapso ambiental reforça uma convergência de vários campos do conhecimento, sendo as ciências ambientais (com apoio das ciências da saúde) um importante propulsor da transição paradigmática na atualidade. As ciências sociais e humanas cumprem um papel estratégico para pensar na transformação social, tornando inevitável o diálogo interdisciplinar entre disciplinas e campos como característica marcante da transição paradigmática em curso. Na perspectiva de Kuhn1313 Kuhn T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva; 1988., a ideia de paradigma diz respeito a um conjunto de teorias, métodos e visões de mundo que, durante certo período, apresentam-se com um modelo hegemônico de definição de problemas e soluções que orientam uma comunidade de praticantes de uma disciplina ou campo científico. A transição paradigmática que observamos desde a emergência de teorias como a da complexidade, articuladas à transformação social e à crise ecológica, vem preparando o terreno para a crescente interdisciplinaridade e a diluição de fronteiras entre as ciências sociais e humanas com outros campos e disciplinas do conhecimento científico, como as naturais, tecnológicas e da vida.

Em nossa trajetória, encontramos uma importante referência na obra de Boaventura de Sousa Santos1414 Santos BS. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Editora Cortez; 2003. para pensar a transição paradigmática em nossa época de urgências. Um marco inicial é o livro intitulado ‘Um discurso sobre as ciências’, de 19881414 Santos BS. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Editora Cortez; 2003., e a noção de transição paradigmática marcará toda a sua obra posteriormente nomeada de epistemologias do Sul, cujo livro com mesmo nome foi lançado em 20081515 Santos BS, Meneses MP. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora; 2014.. Podemos considerá-la como uma das vertentes das escolas pós-coloniais construídas por intelectuais ativistas que atuam ou provêm de regiões colonizadas da Ásia, da África e da América Latina, as quais passaram a ser chamadas também de Sul Global1616 Martins BS, Santos BS. Socialismo, democracia e epistemologias do Sul. Entrevista com Boaventura de Sousa Santos. Rev Crit Cienc Soc. 2018;(esp):9-54. DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.7647
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. São intelectuais e vertentes vinculados à crítica aos processos coloniais-racistas e sua continuidade nos dias de hoje; dessa forma, atualizam a crítica ao capitalismo a partir dos legados do colonialismo, também chamado de colonialidade pela escola latino-americana, a qual foi influenciada, entre outras, pela teologia da libertação. No contexto africano e asiático, emergiram diversas propostas que floresceram no século XX a partir dos movimentos independentistas anticoloniais, de negritude (como a singular obra de Frantz Fanon) ou ainda dos chamados estudos subalternos.

Para as epistemologias do Sul, o principal objetivo da transição paradigmática não é alcançar uma nova teoria geral, mas antes o de produzir convergências possíveis entre objetos teóricos isolados e singulares tratados por diferentes disciplinas e campos do conhecimento que enfrentem o reducionismo desumanizante e fragmentador de quaisquer formas de positivismo lógico ou empírico, ou ainda de mecanicismo materialista ou idealista. Uma estratégia para isso é reduzir a separação hierárquica entre conhecimento científico e o conhecimento chamado, pejorativamente, de vulgar ou leigo, como popular, situado, tradicional ou religioso.

Várias propostas conceituais e metodológicas das epistemologias do Sul caminham nessa direção, como a justiça cognitiva, a ecologia de saberes, os diálogos interculturais, as artesanias de práticas e, mais recentemente, as metodologias colaborativas não extrativistas22 Santos BS. O Fim do Império Cognitivo. Coimbra: Almedina; 2018.. Todas apoiam a transição paradigmática a partir da aproximação entre saberes que exploram a pluralidade e as possibilidades de novas convivências entre sistemas de conhecimentos internos e externos à ciência55 Santos BS, Menezes MP, Nunes JA. Para ampliar o cânone da ciência: a diversidade epistemológica do mundo. In: Santos BS. Semear outras soluções Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2005. p. 21-121.. Nesse sentido, como provocativamente sugere o nome ‘epistemologias do Sul’, o novo desafio do conhecimento deixa de ser apenas uma tarefa interna à ciência moderna com seus cânones e critérios de qualidade, mas um apelo a novas possibilidades de convivência e renovação a partir de interações respeitosas e pragmáticas com outros sistemas de conhecimento provenientes de lutas sociais, inclusive aqueles vinculados a movimentos sociais como indígenas, quilombolas, camponeses ou das periferias urbanas. É importante ressaltar que a valorização dos conhecimentos do Sul não nega o pensamento produzido a partir da Europa nos últimos séculos de construção da modernidade ocidental. Trata-se, sim, de recordar permanentemente que a perspectiva eurocêntrica e as epistemologias do Norte não podem ser consideradas os únicos alicerces de uma pretensa universalidade que impõe racionalidades e visões de mundo excludentes aos saberes e experiências nascidas nos contextos do Sul Global55 Santos BS, Menezes MP, Nunes JA. Para ampliar o cânone da ciência: a diversidade epistemológica do mundo. In: Santos BS. Semear outras soluções Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2005. p. 21-121..

A concepção de justiça cognitiva é um dos elementos estruturantes das epistemologias do Sul, calcada na indissociabilidade de três dimensões imbricadas entre si: ontológicas (significado e possibilidades de ser humano), epistemológicas (critérios de construção, validação e legitimação de conhecimentos), e de poder, seja por via da dominação ou da emancipação. As lutas por justiça cognitiva, um termo originalmente cunhado pelo sociólogo indiano Shiv Visvanathan presente no livro ‘Epistemologias do Sul’1414 Santos BS. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Editora Cortez; 2003., tratam de visibilizar e reconhecer sujeitos, conhecimentos, experiências, histórias e culturas de povos e populações do Sul Global, como indígenas, negras, quilombolas e de matriz africana, camponesas, de mulheres com seus diferentes feminismos, moradores de periferias urbanas, entre outros. Fazer justiça cognitiva implica necessariamente a busca por justiça histórica, ou seja, o reconhecimento de outras histórias invisibilizadas e excluídas por terem nascido e ainda sobreviverem no Sul Global. Por vezes, tais histórias do território permanecem adormecidas em forma de ruínas-sementes1717 Santos BS. O futuro começa agora: da pandemia à utopia. São Paulo: Boitempo; 2021. que esperam momentos de germinação e atualização no presente para um novo florescer a partir de lutas sociais em andamento, o que as epistemologias do Sul denominam de sociologia das emergências que expressam experimentos potencializadores de transição tanto paradigmática como civilizatória.

Para movimentar transições paradigmáticas em curso na atualidade, temos o desafio de construir outros critérios de qualidade e legitimação simultaneamente epistêmicos, metodológicos, éticos e pragmáticos, que viabilizem as conexões almejadas entre diferentes sistemas de conhecimento. Trata-se de uma missão tanto relevante como complicada em tempos de negacionismos e fake news que se espalham como estratégia de manipulação política com o apoio de redes sociais. Para enfrentarmos o desafio proposto, o sentido de ciência aberta ou de popularização da ciência deixa de estar centrado e ser definido apenas pelo mundo científico, mas sim a partir de sua abertura com outros sistemas de conhecimento em busca de transformação tanto epistemológica como social.

Por isso, para as epistemologias do Sul, todo sistema de conhecimento precisa, necessariamente, combinar duas outras modalidades de conhecimento normalmente desconsideradas pela ciência para gerar um alto nível de diálogo e consciência: o interconhecimento e o autoconhecimento. Aqui residem duas das principais tarefas das metodologias sensíveis co-labor-ativas: como a objetividade do conhecimento pode almejar a compreensão de diferentes concepções e visões de mundo - objetivo da justiça cognitiva, do interconhecimento e da alteridade -, e como a ciência com consciência1818 Morin E. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2005. 350 p. incorpora o corpo e os afetos como constituintes da própria forma de conhecer o mundo de forma viva e transformadora. Por isso a incorporação do sentir-pensar, do coracionar1919 Guerrero-Arias P. Corazonar el sentido de las epistemologías dominantes. Desde las sabidurías insurgentes, para construir sentidos otros de la existencia. Calle 14: Rev Invest En El Campo Del Arte. 2010;4(5):80-95. e do autoconhecimento como elementos constituinte das metodologias sensíveis.

Metodologias sensíveis co-labor-ativas: alguns referenciais e aproximações para resgatar sentidos e sabedoria na produção de conhecimentos

Com a intenção de reconhecer o conhecimento sensível como episteme para fundamentar as metodologias sensíveis co-labor-ativas, nos últimos anos, os autores vêm se envolvendo intensamente com diversas ações no âmbito de pesquisas, publicações, encontros e disciplinas no campo das ciências sociais e da saúde coletiva, mais especificamente em torno da promoção emancipatória da saúde. Como parte das metodologias sensíveis, as ações expressam encontros e confluências entre diferentes sujeitos, territórios, saberes e experiências.

O trabalho dos autores, no âmbito de um núcleo interdisciplinar de pesquisa criado em 2018, propõe uma interseção entre uma arte engajada e uma ciência sensível, em um exercício de alteridade em que ambas, tanto a arte como a ciência, estão conectadas à transformação e à emancipação em tempos de crise e transição. A proposta nasce da trajetória da experiência de pesquisa e militância do segundo autor nos campos da saúde coletiva e da ecologia política, que, em certo momento, encontra-se, acadêmica e existencialmente, com as reflexões da primeira autora e suas experiências com educação por meio da arte. Originalmente, essas experiências provêm de um centro de estudo, pesquisa e publicação de histórias da tradição oral, a Escola de Arte Granada (EAG), uma escola de contadores de histórias e de educação pela arte. Ela nasceu articulada e inspirada no Movimento das Escolas de Arte. Assim como, em 1953, um grupo de educadores, entre eles Paulo Freire, criou a Escola de Artes do Recife, em 1997, exatamente no ano da passagem de Paulo Freire, a primeira autora foi cofundadora da EAG. Ambas funcionaram como escolas paralelas e complementares ao sistema oficial e na formação em arte-educação para professores e artistas2020 Fasanello MT, Porto MF. A arte de contar histórias, integrada a outras linguagens de arte: uma prática pedagógica na educação básica. Pro-Posições. 2016;23(3):123-131. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73072012000300008
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Uma das principais referências de arte-educação no Brasil, quiçá a maior, é Ana Mae Barbosa, ex-aluna que depois trabalhou com Freire. Em 2021, o Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso) publicou ‘Arte-educación: textos seleccionados’2121 Barbosa AM. Arte-educación: textos seleccionados. Buenos Aires: CLACSO, Universidad Nacional de las Artes; 2022., um trabalho que aposta em apoiar a voz dos excluídos do sistema e seus códigos culturais por intermédio das artes. Com o tempo, Freire começou a difundir essas metodologias entre grupos sociais vulnerabilizados, na tentativa de preencher as lacunas do sistema educacional brasileiro, ao pensar em arte, estética, transformação social e consciência como dimensões humanas estratégicas. Freire assumiu a percepção, a imaginação e a capacidade criativa como elementos fundamentais para sua proposta de educação emancipatória. Mudanças profundas na realidade implicariam simultaneamente mudanças pessoais, existenciais e coletivas possibilitadas pedagogicamente pela dialética opressor-oprimido2222 Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2005.. Além da teologia da libertação e do marxismo, freire também se apoia na perspectiva da arte como experiência do filósofo estadunidense John Dewey2323 Dewey J. A arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes; 2012. como uma das inspirações para a transição paradigmática da educação popular gerada pelo próprio Freire.

Em 2016, os dois autores do artigo fizeram uma imersão no pensamento das epistemologias do Sul em uma temporada de quase dois anos no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Mais que um momento de aprofundamento, esse encontro permitiu integrar os três campos do conhecimento (saúde coletiva, ecologia política e epistemologias do Sul), fornecendo os fundamentos epistemológicas, teóricos, metodológicos e pedagógicos de nosso trabalho acadêmico posterior. Além disso, no caso da primeira autora, essa experiência inspirou uma abordagem teórico-poética de investigação2424 Machado RSB. Rasas Razões. In: Barbosa AM. Inquietações e mudanças no ensino da arte. 5. ed. São Paulo: Cortez; 2008. p. 175-180. que se refletiu na tese de doutorado sobre cinema documentário enquanto uma metáfora da pesquisa colaborativa na relação com a saúde coletiva.

O trabalho em Coimbra permitiu redescobrir referências dentro das ciências sociais brasileiras que são importantes para metodologias de pesquisa na educação popular, com destaque para Carlos Brandão, autor de um artigo específico sobre as convergências na pesquisa social das obras de Paulo Freire e Boaventura Santos para a construção de uma ciência que não ‘desperdiça experiências’.

Outro enfoque dos autores tem sido o de diversificar a interlocução com outros referenciais teóricos e intelectuais orgânicos nascidos e vinculados a partir de cosmovisões e lutas sociais de povos e comunidades tradicionais, em especial, os originários. Um exemplo que nesse momento estamos estudando é o livro de João Paulo Tukano da etnia Yebamasã2525 Barreto JPL. O mundo em mim: uma teoria indígena e os cuidados sobre o corpo no Alto Rio Negro. Brasília, DF: Editora Mil Folhas do IEB; 2022., cujo trabalho original foi selecionado como a melhor tese de antropologia e arqueologia pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em 2022. Indígena e doutor em antropologia, ele faz parte de um coletivo indígena chamado de Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (Neai), que busca criar seus próprios conceitos, com base nos ensinamentos dos ancestrais do seu povo e suas histórias de vida, em diálogo com os aprendizados da vida acadêmica que vários indígenas estão empreendendo.

Para João Paulo e seus parentes, descolonizar significa primeiro desconstruir as palavras, por isso há todo um esforço sendo construído para refletir sobre o pensamento indígena para além de uma mera tradução, em direção ao que chamaríamos de interculturalidade e ecologia de saberes, construindo pontes de inteligibilidade que possibilitem novas bases para o diálogo intercultural. Por exemplo, ao trazerem os significados dos conceitos indígenas no âmbito da saúde em torno dos conhecimentos e práticas dos Kumuã, a quem chamamos de xamãs e curandeiros, estes passam a ser chamados de especialistas indígenas que atuam na medicina indígena. Buscam fugir de certa visão moderna, antropológica ou não, de serem os indígenas detentores de um conhecimento tradicional de origem cultural e situada, porém incapazes de compreender ou dialogar com os saberes científicos.

Em seu livro, Tukano defende que os medicamentos produzidos pelos laboratórios referenciados na ciência ocidental e na biomedicina expressam uma manipulação química dos vegetais e minerais. Da mesma maneira que os cientistas e os tecnologistas farmacêuticos, os especialistas indígenas, os Kumuã, também precisam conhecer a taxonomia dos vegetais e minerais, porém, não para manipulá-los e usá-los indistintamente, mas sim para evocar esses elementos enquanto substâncias que curam direcionadas aos contextos e situações que serão utilizados, sejam eles pessoais, grupais ou ambientais, aí incluída toda uma rede de seres entrelaçados pelas cosmovisões indígenas.

Na nova perspectiva intercultural que permite a criação de outras gramáticas como possibilidade de compreensão e comunicação, os indígenas não estariam propriamente rezando, mas sim realizando uma manipulação metaquímica dessas substâncias. Trata-se de uma estratégia em que os Tukanos esperam corrigir a má interpretação dos rituais indígenas e os preconceitos associados por parte dos ocidentais e grupos acadêmicos sobre o que são considerados, negativamente, como mitos indígenas.

Esse caminho trilhado por João Paulo Tukano abre novas possibilidades de compreensão da função das histórias tradicionais e seus contadores na produção de conhecimentos, tema antes colocado por mestres da tradição oral africana como o escritor malinês Hampaté Bâ. Ao mesmo tempo, estabelece um diálogo com pensadores modernos como o filósofo alemão vinculado à Escola de Frankfurt Walter Benjamin. Para Benjamin, o contador de histórias possui sua origem na necessidade humana de compartilhar experiências não só individuais como também coletivas. Com seu dom e sua sabedoria, promove uma escuta que permite a seus ouvintes incorporarem tais narrativas às suas experiências e, dessa forma, continuem a compartilhá-las diretamente, sem intermediários, com outras pessoas de suas comunidades.

Na perspectiva de Benjamin, a arte de narrar expressa uma importante forma de transmissão da sabedoria, compreendida como o conhecimento tecido na experiência. Na visão que lemos em Benjamin, a modernidade, a mídia burguesa, a linguagem erudita distante das necessidades das pessoas e a própria ciência com seus cânones que produzem conhecimentos objetivos sem alma e sabedoria representariam uma era que, desde seu início, apresentavam os limites que decretariam o seu próprio fim. O colapso ambiental em andamento e os livros como o de Airton Krenak - ‘Ideias para adiar o fim do mundo’ - representam anúncios que caracterizam uma era de transição que busca resgatar o sentido de sabedoria e dignidade na produção dos conhecimentos.

Para as metodologias sensíveis co-labor-ativas, as artes representam bem mais que possibilidades expressivas e performáticas de comunicação e interação. A poesia, a música, a pintura, a dança e, de especial interesse no trabalho de pesquisa que embasou as reflexões deste artigo, o audiovisual, a literatura oral e a contação de histórias a ela associada significam possibilidades de relacionar razão e coração, sentir e pensar na produção e transmissão de conhecimentos. Muitas das práticas culturais e rituais dos povos do Sul Global incluem tais dispositivos em seu cotidiano, e o diálogo intercultural que propomos assume a tarefa de incorporar diferentes linguagens de forma a criar um ambiente comum de unidade na diversidade e de diversidade na unidade.

Essa abertura, contudo, não deveria impor formas dogmáticas ou rígidas de aceitação de referenciais científicos, culturais e espirituais de qualquer natureza que travem interações e diálogos em torno de processos emancipatórios. O objetivo é sempre ampliar a capacidade coletiva de diálogo e escuta, nunca a de reduzir ou produzir impasses. A existência de incomensurabilidades ou impasses radicais decorrentes de visões de mundo e de práticas por parte de certos grupos consideradas inaceitáveis por outros implica um momento de pausa e renegociação quanto às condições e possibilidades de continuidade dos diálogos em curso. Essa é uma estratégia absolutamente central para o que poderíamos chamar de ‘interlutas’ dentro da interculturalidade, ou seja, a capacidade de avançar na compreensão e nas possibilidades de apoios mútuos entre diferentes grupos, territórios e movimentos que se encontram em processos de interconhecimento no diálogo intercultural. A incapacidade de lidar com tolerância, respeito e amorosidade ante essas situações e os conflitos daí decorrentes representa uma das principais barreiras para a construção de uma cultura de paz importante como base para a transição paradigmática e civilizatória que almejamos.

Metodologias sensíveis e co-labor-ativas: Encontros de Saberes e experiências recentes de pesquisa para apoiar a transição paradigmática no fazer ‘junto com’

Nos últimos cinco anos, os autores do artigo têm se dedicado a avançar na construção das bases de uma promoção emancipatória da saúde por meio da proposição das quatro justiças e da construção de metodologias sensíveis co-labor-ativas que coloquem em prática possibilidades de produzir conhecimentos ‘junto com’ os territórios, seus movimentos e lutas por saúde, dignidade e direitos territoriais.

Um primeiro passo desse caminhar da pesquisa ‘junto com’ é o que temos chamado de ‘Encontros de Saberes’. Seu objetivo tem sido o de promover conhecimentos interdisciplinares e diálogos interculturais para a construção compartilhada de agendas e questões de pesquisa, de compartilhamentos de experiências e referenciais conceituais que apoiem processos emancipatórios por saúde, dignidade e direitos territoriais. Dessa forma, representam uma proposta de construção de conhecimentos e práticas em uma espiral cíclica a partir dessa metodologia proposta, e que culminam em projetos de pesquisa específicos.

Os espaços, as atividades e as linguagens privilegiados nesses encontros buscam potencializar as interações interculturais e interdisciplinares entre agentes que atuam na academia, em movimentos sociais e nos diferentes territórios com saberes e experiências concretas, sejam eles lideranças, militantes, pesquisadores, assessores técnicos, entre outros. Os movimentos convidados para participar foram aqueles com quem os autores e seu grupo de pesquisa já mantinham algum relacionamento, ou então que estavam envolvidos com as agendas de discussão que estávamos construindo.

Entre 2018 e 2019, os autores estiveram envolvidos, com outros parceiros, na coordenação de dois Encontro de Saberes, cujos temas e questões trabalhadas seguem um fluxo de experiências acumuladas e atualizadas que desembocaram, posteriormente, em questões e propostas de projetos de pesquisa a partir de afinidades, convergências e mesmo sincronicidades. Nessa proposta metodológica, as questões gerais e específicas de cada encontro são chamadas, até o momento, de orientadoras, semeadoras e polinizadoras como metáforas para a construção e a organização de árvores vivas de saberes, inspirados, entre outros, na Árvore do Conhecimento de Maturana e Varela2626 Maturana H, Varela FJ. A Árvore do Conhecimento. 8. ed. São Paulo: Palas Athenas; 2010.. A questão semeadora traz uma ideia ou conjunto de ações e experiências que envolvem necessidades cujas soluções e alternativas precisam, podem ou estão a brotar naquele contexto. Já a questão polinizadora vai na direção de aperfeiçoar e ampliar a escala dessas ações e experiências, o que implica o interconhecimento envolvendo diferentes movimentos e territórios. Os Encontros e as árvores tecidas acabam por germinar e influenciar a definição de futuras perguntas para os projetos de pesquisa a serem construídos, bem como a busca dos referenciais e redes colaborativas de pesquisa que buscarão responder às perguntas também oriundas dos territórios envolvidos.

O primeiro Encontro pavimentou as fundações teórico-metodológicas do núcleo de pesquisa a partir de uma questão orientadora: o que une as lutas sociais por saúde, dignidade e direitos territoriais nos campos e nas cidades? O segundo Encontro de Saberes avançou nos debates do ano anterior em torno de duas questões semeadoras. A primeira foi de ordem metodológica: como fortalecer a copresença de sujeitos sociais advindos de lutas sociais frequentemente invisibilizadas, com seus saberes, práticas e linguagens, visando a processos dialógicos mais efetivos? A segunda questão aprofundou um objeto de trabalho mais específico, a relação campo-cidade envolvendo as interações de saberes, experiências, resistências e transformações urbanas, em especial, nas periferias, na relação com povos e comunidades tradicionais como indígenas, de matriz africana, camponesas e agricultoras, as pescadoras, entre outras.

Para tornar possível esse diálogo intercultural, tanto nos encontros como nas pesquisas, o desafio é alcançar uma conexão mais fluida entre pessoas, comunidades e movimentos, o que exige processos criativos e afetivos que propiciem ‘o coracionar’ a partir de formas sensíveis de articulação entre o pensar, o fazer e o sentir na produção de conhecimentos. Esse é o sentido de artesania de práticas que assemelha o fazer pesquisa como obra de arte.

Dessa forma, usamos as linguagens da vida, artísticas e populares em diferentes formas de expressão envolvendo o trabalho de artistas militantes, os quais atuam para a produção de relatos significativos2727 Fasanello MT. O documentário nas lutas emancipatórias dos movimentos sociais do campo: produção social de sentidos e epistemologias do Sul contra os agrotóxicos e pela agroecologia [tese na Internet]. Rio de Janeiro: ICICT, Fundação Oswaldo Cruz; 2018 [acesso em 2023 jun 21]. 320 p. Disponível em: https://neepes.ensp.fiocruz.br/sites/default/files/tese_final_marina_fasanello.pdf#overlay-context=users/acavalcanti
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e se somam aos relatos escritos típicos do ambiente acadêmico, ainda que de natureza interdisciplinar e criativa. Os relatos artísticos se expressam em formatos gráfico-imagéticos, audiovisuais e poético-musicais, incluindo linguagens como o rap, repente, cordel, poetry slam, artistas plásticos indígenas e provenientes do grafite, entre outros. A posterior produção audiovisual em formato de vídeo incorpora, na forma de síntese e comunicação, todos esses relatos com imagens e depoimentos, apresentando uma pequena, porém potente, amostra dos saberes e sabores produzidos nos encontros.

A partir de 2019, cinco projetos de pesquisa foram e continuam sendo desenvolvidos envolvendo territórios, populações e lutas por saúde, dignidade e direitos territoriais que expressam a perspectiva interdisciplinar e intercultural construída nos encontros. Eles incluem indígenas de três etnias e territórios nas regiões Norte e Nordeste, um projeto intercultural sobre o alimento com povos tradicionais de matriz africana e, finalmente, um projeto em periferias urbanas das cidades de Salvador e do Rio de Janeiro, envolvendo o movimento social dos Trabalhadores Sem Teto em ocupações de Salvador e uma organização comunitária que atua em um território de favela do Rio de Janeiro. Neles, discutem-se o racismo, as concepções biomédicas e capitalistas de saúde, os modelos de desenvolvimento, o neoextrativismo e até as tensões entre o rural e o urbano, entre a ciência e os saberes tradicionais. Em todos os projetos, os temas do alimento e do cuidado emergem como transversais.

Tais pesquisas se conformam inspiradas nas reflexões teórico-conceituais da promoção emancipatória da saúde e das metodologias sensíveis co-labor-ativas. A partir dos Encontros de Saberes realizados, as pesquisas implementaram estratégias metodológicas importantes para a construção de diálogos interculturais entre os pesquisadores e os sujeitos dos territórios. Por exemplo, pesquisas que envolveram simultaneamente mais de um território como estratégia de interconhecimentos no reconhecimento e aprendizado das lutas realizadas em cada um deles. Passamos a chamar esse processo de interlutas, ou seja, a capacidade de avançar na compreensão e nas possibilidades de apoios mútuos entre diferentes grupos, territórios e movimentos que, mesmo com suas singularidades e contextos, podem reconhecer e tornar comuns certos conhecimentos, lutas e estratégias de ação.

Dentre os frutos gerados com a participação dos pesquisadores dos territórios, além de artigos acadêmicos, destacamos os cadernos interculturais e os audiovisuais, os quais são pensados como instrumentos de formação e difusão de resultados e conhecimentos a serem utilizados tanto pelos territórios, seus movimentos e organizações como pelos parceiros acadêmicos e mesmo a sociedade, principalmente nos documentários audiovisuais de alta qualidade realizados em conjunto com uma produtora parceira premiada nacional e internacionalmente.

Outro exemplo importante ocorreu em algumas dessas pesquisas como parte do ‘fazer com’: os sujeitos dos territórios envolvidos tornaram-se coordenadores da pesquisa com os pesquisadores acadêmicos, o que facilitou a criação de uma comunidade ampliada de pesquisa mais horizontal em que outros pesquisadores dos territórios se engajassem mais plenamente, aproximando a produção de conhecimento com as necessidades e contextos concretos das pessoas, lugares e movimentos. Os sujeitos territoriais, com seus saberes e práticas situados, possuem um papel fundamental na elaboração e execução do projeto, na organização de seminários e oficinas (presenciais ou híbridas), assim como na discussão e elaboração dos seus resultados - e reconhecemos isso como uma forma de potencializar processos emancipatórios em curso.

A partir da criação de espaços com interações criativas e respeitosas, que não somente reproduzam métodos já existentes, mas que também estejam abertos para a inovação, podem ocorrem diálogos construídos pelos movimentos e organizações com os pesquisadores acadêmicos, por exemplo em formato de assembleias que surgem espontaneamente em certos contextos. Por vezes, incentivamos a criação de espaços de sensibilização e interação para o diálogo intercultural com a realização de oficinas de desenho e de contação de histórias, produzindo relatos significativos, frequentemente reunindo adultos e crianças das comunidades, o que ocorre com mais naturalidade entre os indígenas.

Em função do espaço restrito, selecionamos aqui alguns aprendizados trazidos por um dos projetos de pesquisa com indígenas realizados até o momento. As metodologias sensíveis criam condições para que surjam olhares ampliados sobre o espaço-tempo da pesquisa com experiências prolongadas no cotidiano dos territórios, permitindo a confiança e as trocas de saberes. Um exemplo foi a incorporação da ‘Guyança’ proposta por Iran Xukuru, vivenciada nos trabalhos de campo com caminhadas tanto no território Tingui-Botó como no próprio Xukuru. Em entrevista realizada no trabalho de campo em seu território, Iran Xukuru explica assim a Guyança:

É compreendida ainda como o seguir com leveza e sutileza, no pisar leve e devagar, num caminhar aprender-ensinar sendo luz do próprio pensar, ou seja, na busca por ajustes ecológicos na ecologia dos encantados como forma de (re)conexão. A Guyança Dultrapyáh pode se apresentar enquanto proposta metodológica que conduz a um envolvimento comunitário para regenerar o ambiente degradado devolvendo paisagens saudáveis para Boas Vistas. E nesses processos são compreendidos especialmente a regeneração individual e social, o reflorestar mente, voltar a ser e assim permanecer Humano-natureza.

Para concluir, trazemos a fala em um de nossos encontros de saberes de Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista, ex-secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades no primeiro mandato do governo Lula. Ela trouxe a leitura de que todas essas lutas contemporâneas convergem para um aspecto comum: o reconhecimento que o território, o terreiro ou ainda o corpo-território - como nos falam reflexões de mulheres latino-americanas - possam ser apropriados e vividos por múltiplas e diferentes lógicas comunitárias de respeito e convivencialidade, não subordinadas à racionalidade capitalista e colonial. Todas essas lutas expressam experimentações de futuro no presente que passam por retomar saberes ancestrais massacrados por epistemicídios diante da hegemonia da modernidade eurocêntrica e colonial. São experimentações que contribuem para reelaborar e atualizar no presente concepções e valores que podem nos guiar na defesa da vida ante as crises que vivemos. A interação dessas culturas, saberes e práticas, incorporando inevitavelmente diversas tecnologias contemporâneas, podem servir de inspiração para novas formas de organização social e reorientação de políticas públicas, em especial, as de promoção da saúde e sustentabilidade, enfoque do presente artigo.

Diante de tantas incertezas e perigos ante crises que agravam situações socioambientais e apontam para novas tragédias, as metodologias propostas representam uma mensagem de otimismo realista e de esperança. O realismo é ancorado pelo compromisso científico de compreender, e não de negar, fenômenos e eventos da realidade. O otimismo esperançoso possui um lastro ético-político: estar ao lado dos territórios e populações que mais necessitam nos traz a convicção de justiça. Ao mesmo tempo, o resgate da sabedoria pela epistemologia passa por estar ao lado de sistemas de conhecimentos com cosmovisões e sábios que reúnam - e que não afastem - mundos em pluriversos. O lado sensível de uma ciência e suas metodologias expressam essa abertura a processos intuitivos e perceptivos que, quem sabe, poderão orientar a transição paradigmática e civilizatória que almejamos.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2024

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2023
  • Aceito
    06 Fev 2024
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