Instrumento de Conhecimento, Atitudes e Práticas (CAP) para enfrentamento de epidemias e pandemias

Knowledge, Attitudes and Practices (KAP) instrument for coping with epidemics and pandemics

Mauro Renato Pascotini Michele Bueno de Melo Beatriz Pierini Pepi Leonardo Pestillo de Oliveira Mirian Ueda Yamaguchi Sobre os autores

RESUMO

A emergência e reemergência de doenças infectocontagiosas apresenta inegável participação da população e o controle de disseminação continua sendo uma premência do mundo moderno. A investigação do Conhecimento, Atitudes e Práticas (CAP) é uma estratégia que pode ser empregada em uma população definida para identificação da sua percepção acerca do processo saúde-doença e disponibilidade em assumir novas atitudes. O objetivo deste trabalho foi elaborar e validar instrumento CAP para enfrentamento de epidemias e pandemias em estudantes universitários da Educação a Distância. Esses universitários, pertencentes a todas as regiões do país, responderam a um questionário on-line. A validação foi atestada por meio da validade de conteúdo e estrutura interna do instrumento. Foram realizadas análises fatoriais exploratória e confirmatória, respectivamente, por meio do critério de Kaiser-Guttman e pelas medidas de alfa de Cronbach e da variância média extraída. O ajuste da estrutura fatorial foi avaliado por meio dos testes qui-quadrado, Tucker-Lewis fit e comparative fit. O instrumento CAP desenvolvido apresenta validade e confiabilidade. Informações coletadas por meio do instrumento CAP validado podem contribuir para a elaboração de políticas de saúde mais efetivas se baseadas nas características proeminentes de uma população a um dado contexto.

PALAVRAS-CHAVES
Conhecimentos, atitudes e prática em saúde; Educação em saúde; Promoção da saúde

ABSTRACT

The emergence and re-emergence of infectious diseases involve undeniable participation by the population, and control of their spread continues to be an urgent need in the modern world. The investigation of Knowledge, Attitudes and Practices (KAP) is a strategy that can be used in a defined population to identify their perception of the health-disease process and willingness to take on new attitudes. The objective of this work was to develop and validate the KAP instrument for coping with epidemics and pandemics in distance education university students. These university students from all regions in the country answered the online questionnaire. Validation was attested through the content validity and internal structure of the instrument. Exploratory and confirmatory factor analyses were carried out, respectively, using the Kaiser-Guttman criterion and Cronbach’s alpha and average variance extracted measurements. The adjustment of the factorial structure was evaluated using the chi-square test and the Tucker-Lewis and comparative fit. The developed KAP instrument presents evidence of validity and reliability. Information collected through the validated KAP instrument can help in the development of more effective health policies if based on the prominent characteristics of a population in a given context.

KEYWORDS
Health knowledge, attitudes, practice; Health education; Health promotion

Introdução

A completude da definição de saúde como bem-estar físico, mental e social ampliou nosso entendimento e práticas sobre a condição. A promoção de saúde é uma estratégia para a obtenção de qualidade de vida sustentável, o que vai ao encontro do estabelecimento do bem-estar em sua ampla concepção. As políticas de saúde periodicamente assumem novos desafios. Os contextos em que as estratégias de saúde precisam ser colocadas em prática se estendem da vulnerabilidade de populações às medidas emergenciais para a proteção ou resgate da saúde coletiva em cenários sanitários complexos. Esses incluem as epidemias e, para nosso estarrecimento, recentemente foi acrescentada a essa demanda uma pandemia.

As políticas de saúde envolvem o conhecimento do comportamento e práticas de busca de saúde por uma população. As pesquisas que utilizam instrumento padronizado para o reconhecimento de Conhecimento, Atitudes e Práticas (CAP), do inglês Knowledge, Attitudes and Practices (KAP), estão amplamente inseridas nesse contexto11 Hausmann-Muela S, Ribera JM, Nyamongo I. Health-seeking behaviour and the health system response. London: London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM); 2003.. Essa metodologia se consolidou como uma forma de pesquisa utilizada com frequência no campo da educação em saúde. Esse tipo de pesquisa parte da premissa de que a aquisição de conhecimento cientificamente correto é a base do processo que propicia a formação de uma atitude favorável em saúde22 Oliveira MLC, Gomes LO, Silva HS, et al. Conhecimento, atitude e prática conceitos e desafios na área de educação e saúde. Rev Educ Saúde. 2020;8(1):190-198. DOI: http://dx.doi.org/10.29237/2358-9868.2020v8i1.p190-198
http://dx.doi.org/10.29237/2358-9868.202...
. Dentre as vantagens dessa estratégia, destacam-se seu design simplificado e a possibilidade de obtenção de dados quantitativos e qualitativos em um cenário específico33 Bhattacharyya K. Key informants, pile sorts, or surveys? Comparing behavioral research methods for the study of acute respiratory infections in West Bengal. In: Inhorn MC, Brown PJ (eds). The anthropology of infectious diseases: theory and practice on medical anthropology and international health. Amsterdam: Routledge Publishers; 1997. p. 211-238..

As pesquisas do tipo CAP são compostas por questionários estruturados e configuram estudo representativo de uma população selecionada para coletar informações relativas ao que ela sabe, pensa e como atua sobre determinadas questões, situações ou problemas44 Lima ABC, Fiorin BH, Romero WG, et al. Construção e Validação do Questionário de Conhecimento, Atitude e Prática na Doação de Órgãos. Enferm Foco. 2020;10(7):90-95. DOI: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n7.2341
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019....
,55 Hartmann JB, Rego AT, Khoury JV, et al. E-Questionnaire on health knowledge, attitudes and practices (KAP-Health) for Brazilian students in distance learning. Glob Health Action. 2023;16(1):2153441. DOI: https://doi.org/10.1080/16549716.2022.2153441
https://doi.org/10.1080/16549716.2022.21...
. Essa investigação pode revelar lacunas de conhecimento, crenças culturais e padrões de comportamento, além de identificar necessidades ou barreiras a serem transpostas para que haja adesão a comportamentos mais saudáveis mediante planejamento e intervenções44 Lima ABC, Fiorin BH, Romero WG, et al. Construção e Validação do Questionário de Conhecimento, Atitude e Prática na Doação de Órgãos. Enferm Foco. 2020;10(7):90-95. DOI: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n7.2341
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019....
. Considerada a irremediável participação do fator humano na disseminação das doenças infectocontagiosas, a consciência de alguns aspectos relacionados à população, como seus conhecimentos, práticas e atitudes contextualizadas à problemática, pode ser relevante no enfrentamento de situações adversas. A modificação efetiva de atitudes pode contribuir para um desfecho mais favorável de situações críticas. Certamente, as inúmeras dificuldades inerentes a esse processo não devem ser subestimadas.

A estratégia CAP foi amplamente utilizada no período pandêmico como método de obtenção de informações que pudessem embasar a implantação de políticas públicas de saúde66 Pascotini MR, Melo MB, Pepi BP, et al. Knowledge, attitudes, and practices instrument applied in emergency: scientometric study in pandemic period. Revista A.toZ. Novas práticas para informação e conhecimento. No prelo; 2024.,77 Siddiquea BN, Shetty A, Bhattacharya O, et al. Global epidemiology of COVID-19 knowledge, attitude and practice: a systematic review and meta-analysis. BMJ Open. 2021;11(9):e051447. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-051447
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-051...
,88 Park DI. Development and Validation of a Knowledge, Attitudes and Practices Questionnaire on COVID-19 (KAP COVID-19). Int J Environ Res Public Health. 2021;18(14):7493. DOI: https://doi.org/10.3390/ijer-ph18147493
https://doi.org/10.3390/ijer-ph18147493...
. Esse método, embora globalmente utilizado, teve expressiva aplicação em países com reconhecida desigualdade de acesso a serviços de saúde, principalmente, mas não exclusivamente, nos continentes africano e asiático, e tiveram como alvo populações diversas, desde indivíduos vulneráveis (idade avançada, portadores de doenças crônicas) até os profissionais da área da saúde66 Pascotini MR, Melo MB, Pepi BP, et al. Knowledge, attitudes, and practices instrument applied in emergency: scientometric study in pandemic period. Revista A.toZ. Novas práticas para informação e conhecimento. No prelo; 2024.. Essas informações estão compiladas em recente análise cienciométrica sobre a utilização do instrumento CAP durante a pandemia de covid-19 de autoria de Pascotini e colaboradores66 Pascotini MR, Melo MB, Pepi BP, et al. Knowledge, attitudes, and practices instrument applied in emergency: scientometric study in pandemic period. Revista A.toZ. Novas práticas para informação e conhecimento. No prelo; 2024.. Uma vantagem dessa estratégia de estudo é a possibilidade de validação do mesmo instrumento para outras populações e cenários específicos, principalmente quando se refere à estratégia para enfrentamento de problemas de saúde99 Andrade SSC. Mulheres solteiras e casadas e o uso do preservativo: o que sabem, pensam e praticam [dissertação]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2014. 104 p..

O cenário recente da pandemia da covid-19 foi responsável pela calamitosa perda de milhares de vidas e determinou um impacto socioeconômico de proporções colossais. Um dos legados dessa condição foi a percepção de que o mundo globalizado está sujeito a novas ocorrências de focos de doenças infectocontagiosas que podem se espalhar rapidamente e ganhar proporções epidemiológicas impactantes. A gripe espanhola (1918-1919) impulsionou considerável desenvolvimento da saúde pública, incluindo a ampliação da visão sanitária e da educação em saúde1010 Martini M, Gazzaniga V, Bragazzi NL, et al. The Spanish Influenza Pandemic: a lesson from history 100 years after 1918. J Prev Med Hyg. 2019;60(1):E64-E67. DOI: https://doi.org/10.15167/2421-4248/jpmh2019.60.1.1205
https://doi.org/10.15167/2421-4248/jpmh2...
. De fato, os períodos de crise impulsionam a busca e o aprimoramento do conhecimento científico, o que foi observado em considerável proporção durante a pandemia da covid-191111 Brooks SK, Webster RK, Smith LE, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020;395(10227):912-920. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30...
.

Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico da área da saúde embasou a expectativa de que as doenças infecciosas transmissíveis tivessem sua importância diminuída em termos de morbidade e mortalidade das populações. No entanto, essa expectativa foi quebrada com a noção de que, além de novos agentes infecciosos que provêm de mutações virais ou pelo surgimento de bactérias resistentes, as doenças infectocontagiosas emergem e reemergem – esse é o caso, por exemplo, das doenças transmitidas por vetores, como a malária, dengue, zika e chikungunya1212 Chala B, Hamde F. Emerging and Re-emerging Vector-Borne Infectious Diseases and the Challenges for Control: A Review. Front Public Health. 2021;5(9):715759. DOI: https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.715759
https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.71575...
,1313 Boulos M. Doenças emergentes e reemergentes no Brasil. Ciência Hoje. 2001;29(170):58-60.,1414 Luna EJA. A emergência das doenças emergentes e as doenças infecciosas emergentes e reemergentes no Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2002;5(3):229-243. DOI: https://doi.org/10.1590/S1415-790X2002000300003
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200200...
. A reemergência de doenças transmitidas por vetores configura uma das principais preocupações em saúde pública em todo o mundo1515 Morens DM, Fauci AS. Emerging Pandemic Diseases: How We Got to COVID-19. Cell. 2020;182(5):1077-1092. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cell.2020.08.021
https://doi.org/10.1016/j.cell.2020.08.0...
.

A conscientização constante sobre doenças infecciosas é necessária para a elaboração de reações adequadas de saúde pública. Isso se aplica a doenças emergentes ou reemergentes. A interação entre patógeno, hospedeiro e meio ambiente constitui o pilar para o processo de emergência e reemergência de doenças transmissíveis1212 Chala B, Hamde F. Emerging and Re-emerging Vector-Borne Infectious Diseases and the Challenges for Control: A Review. Front Public Health. 2021;5(9):715759. DOI: https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.715759
https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.71575...
. Em casos extremos, doenças infectocontagiosas podem chegar a níveis epidêmicos, como a infecção por covid-19, uma doença emergente, e em outros casos, essas manifestações resultam em quadros de alta incidência que caracterizam as epidemias1616 Morens DM, Folkers GK, Fauci AS. Emerging infections: a perpetual challenge. Lancet Infect Dis. 2008;8(7):10-9. DOI: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70256-1
https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70...
. Dentre as condições humanas que contribuem para esse processo, destacam-se o aumento do intercâmbio internacional, as correntes migratórias e a incorporação de novos hábitos. Além disso, as mudanças ambientais e a inadequação dos serviços de saúde colaboram com os processos de expansão de doenças1212 Chala B, Hamde F. Emerging and Re-emerging Vector-Borne Infectious Diseases and the Challenges for Control: A Review. Front Public Health. 2021;5(9):715759. DOI: https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.715759
https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.71575...
,1414 Luna EJA. A emergência das doenças emergentes e as doenças infecciosas emergentes e reemergentes no Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2002;5(3):229-243. DOI: https://doi.org/10.1590/S1415-790X2002000300003
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200200...
,1616 Morens DM, Folkers GK, Fauci AS. Emerging infections: a perpetual challenge. Lancet Infect Dis. 2008;8(7):10-9. DOI: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70256-1
https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70...
. A adaptação de alguns de nossos mecanismos genéticos, celulares e imunes, garante a contínua transmissão de agentes virais1616 Morens DM, Folkers GK, Fauci AS. Emerging infections: a perpetual challenge. Lancet Infect Dis. 2008;8(7):10-9. DOI: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70256-1
https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70...
. Esta perspectiva tem implicações na forma como pensamos e reagimos às ameaças que surgem de doenças infecciosas1616 Morens DM, Folkers GK, Fauci AS. Emerging infections: a perpetual challenge. Lancet Infect Dis. 2008;8(7):10-9. DOI: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70256-1
https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70...
.

Nesse contexto, tanto de doenças reemergentes (como a dengue) ou emergentes (como a covid-19), a elaboração de estratégias eficientes de políticas de saúde em tempo hábil continua sendo uma premência do mundo moderno. O objetivo desse estudo foi elaborar e validar instrumento CAP para enfrentamento de surtos, endemias, epidemias e pandemias direcionado a estudantes universitários de Educação a Distância (EaD). Essa população foi selecionada como alvo para a validação de questionário CAP desenvolvido considerando suas características como o acesso aos meios digitais e sua presença em todas as regiões do país55 Hartmann JB, Rego AT, Khoury JV, et al. E-Questionnaire on health knowledge, attitudes and practices (KAP-Health) for Brazilian students in distance learning. Glob Health Action. 2023;16(1):2153441. DOI: https://doi.org/10.1080/16549716.2022.2153441
https://doi.org/10.1080/16549716.2022.21...
.

Material e métodos

Instrumento

O instrumento foi elaborado para abordar o CAP dos indivíduos no enfrentamento de doenças contagiosas com potencial de expansão geográfica1717 Chan EY, Cheng CK, Tam G, et al. Knowledge, attitudes, and practices of Hong Kong population towards human A/H7N9 influenza pandemic preparedness, China, 2014. BMC Public Health. 2015;15:943. DOI: https://doi.org/10.1186/s12889-015-2245-9
https://doi.org/10.1186/s12889-015-2245-...
. É composto por 31 questões que abrangem os três domínios do instrumento, tendo como base conceitos, causas e sintomas de doenças contagiosas. O domínio de conhecimento foi analisado com 14 questões que mensuram a habilidade de aquisição e retenção de informações. A atitude foi avaliada pela predisposição do indivíduo frente ao que se tem aprendido e ao que o faz pensar, sentir e agir de uma maneira particular em relação ao tema abordado (7 questões). Por fim, para avaliar a prática, foram formuladas 10 questões sobre o uso de medidas preventivas e diferentes ações de proteção frente à doença no contexto proposto22 Oliveira MLC, Gomes LO, Silva HS, et al. Conhecimento, atitude e prática conceitos e desafios na área de educação e saúde. Rev Educ Saúde. 2020;8(1):190-198. DOI: http://dx.doi.org/10.29237/2358-9868.2020v8i1.p190-198
http://dx.doi.org/10.29237/2358-9868.202...
. Para as respostas, foi utilizada escala Likert com 5 pontos que variam entre: discordo plenamente (1), discordo (2), não sei (3), concordo (4) e concordo plenamente (5).

Entrevistados

O instrumento CAP foi aplicado a estudantes universitários do EaD da Universidade Cesumar (Unicesumar), Paraná, Brasil, que concordaram com o termo de consentimento livre e esclarecido. Considerada a facilidade de acesso dos alunos ao questionário, foi constituída abordagem amostral por conveniência, não probabilística, sendo a adesão dos alunos voluntária. O questionário foi disponibilizado na plataforma de EaD da Unicesumar.

Essa instituição de ensino superior possui 78 cursos de graduação, com uma população estimada de 318.968 alunos matriculados na data da pesquisa e estava presente em todos os estados brasileiros, com 900 polos de EaD, cinco campi presenciais no Brasil e três polos internacionais. Além disso, possui certificação de Universidade Promotora da Saúde da Rede Ibero-Americana das Universidades Promotoras da Saúde.

Análise sociodemográfica dos participantes

Foi realizada análise sociodemográfica dos participantes do estudo com o objetivo de reconhecimento da representatividade amostral perante a população brasileira. Os indivíduos foram avaliados segundo os seguintes critérios: gênero, idade, região do país em que reside, área do curso ao qual pertencem, trabalho e renda mensal.

Análise de conteúdo e semântica dos itens do instrumento

O instrumento CAP elaborado foi submetido à avaliação por onze profissionais de saúde, gestores, médicos e enfermeiros, com experiência em epidemiologia e situações de epidemia/ pandemia. O objetivo dessa avaliação foi a análise crítica de conteúdo das 31 questões (itens) que compõem o instrumento, quanto a clareza, pertinência, relevância e objetividade, além da aparência, facilidade de preenchimento e compreensão. O instrumento foi entregue aos juízes de forma impressa, juntamente com um roteiro do processo de validação, com prazo de 10 dias para a devolução dos formulários.

Foi utilizado o cálculo do Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) proposto por Hernández-Nieto1818 Hernández Nieto H. Contributions to statistical analysis. Charleston: Booksurge Publishing; 2002.. O julgamento exigiu, no mínimo, 80% de aceitação para que o quesito julgado fosse validado (CVC ≥ 0,80)1818 Hernández Nieto H. Contributions to statistical analysis. Charleston: Booksurge Publishing; 2002.,1919 Leite SS, Áfio ACE, Carvalho LV, et al. Construção e validação de Instrumento de Validação de Conteúdo Educativo em Saúde. Rev Bras Enferm. 2018;71(4):1732-1738. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
. Para cada questão foi solicitado que o especialista pontuasse, de 1 a 3, os quesitos apresentados.

Índices de validade de construto

Para mensurar a estrutura interna (ou de construto) foram realizadas análises fatoriais exploratória e confirmatória. Inicialmente, foi obtido o coeficiente de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) para confirmar quão bem as variáveis analisadas representam a dimensionalidade do construto. Os valores obtidos na estatística KMO podem variar de 0 a 1, sendo considerados valores aceitáveis entre 0,5 e 1,02020 Hair Jr JF, Black WC, Babin BJ, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.. Valores iguais ou próximos a zero indicam que a análise fatorial não é apropriada.

Adicionalmente, para comprovar se o método é adequado, foi aplicado o teste de esfericidade de Bartlett, que avalia a correlação entre as variáveis2121 Devellis RF. Scale development: theory and applications. London: Sage Publications, Inc.; 2008..

Análise fatorial exploratória

O critério de Kaiser-Guttman definiu a existência de fatores do instrumento a serem removidos. Por se tratar de dados ordinais, para estimar os parâmetros na análise fatorial, tanto exploratória quanto confirmatória, foi empregado o método de mínimos quadrados ponderados robustos pela média e variância (Weighted Least Squares Mean- and Varianceadjusted – WLSMV). As estimativas foram rotacionadas por meio do método Varimax. O método de rotação ortogonal Varimax minimiza o número de variáveis que apresentam altas cargas em cada fator.

Análise Fatorial Confirmatória

Para a realização da Análise Fatorial Confirmatória (AFC), o número e a relação entre os fatores foram especificados de acordo com a estrutura proposta por Van Der Vaart e Drossaert2222 Van Der Vaart R, Drossaert C. Development of the digital health literacy instrument: measuring a broad spectrum of health 1.0 and health 2.0 skills. J Med Internet Res. 2017;19(1):e27. DOI: https://doi.org/10.2196/jmir.6709
https://doi.org/10.2196/jmir.6709...
. Essa metodologia permite ao pesquisador avaliar e testar a razoabilidade de um modelo teórico baseado na suposição de que certas variáveis latentes podem ser estimadas a partir das observadas.

A validade convergente foi atestada pela alta variância em comum dos indicadores. Essa propriedade é definida como a relação significativa entre duas ou mais medidas do construto avaliado. Desse modo, a validade convergente ocorre quando duas ou mais medidas relacionadas a um construto específico se correlacionam de maneira significativa, ou seja, convergem para a avaliação de diferentes aspectos do mesmo construto2323 França A. O que é validade convergente? Blog Psicometria Online [Internet]. [local desconhecido]; 2023 [acesso em 2024 dez 12]. Disponível em: https://www.blog.psicometriaonline.com.br/validade-convergente/
https://www.blog.psicometriaonline.com.b...
. Para esse fim, foram utilizadas as cargas fatoriais, além das medidas de alfa de Cronbach e a variância média extraída (Average Variance Extracted, AVE). Foram considerados aceitáveis os coeficientes acima de 0,52424 Fornell CG, Larcker DF. Evaluating structural equation models with unobservable variables and measurement error. J Mark Res. 1981;18(1):39-50. DOI: https://doi.org/10.2307/3151312
https://doi.org/10.2307/3151312...
.

Denomina-se validade discriminante do modelo a capacidade do construto de se distinguir verdadeiramente dos demais. Para tanto, as variáveis observadas não devem estar fortemente correlacionadas com outro construto. Essa propriedade foi verificada comparando o valor da correlação dos construtos com a raiz quadrada de AVE2020 Hair Jr JF, Black WC, Babin BJ, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.. Os seguintes índices foram empregados para testar o ajuste do modelo: Qui-quadrado (X2; p igual ou menor que 0,05), Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA < 0.08, CI = 95%), Tucker-Lewis Index (TLI > 0.95) e Comparative Fit Index (CFI > 0.95). A obtenção dos índices, tal como indicados, presume que haja qualidade do modelo preditivo em relação aos dados coletados, sugerindo eficácia das previsões que serão feitas a partir desse modelo2020 Hair Jr JF, Black WC, Babin BJ, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman; 2009..

Software

Para a AFC foram utilizados os pacotes lavaan e semPlot. Para todas as outras análises foi utilizado o programa estatístico R (R Development Core Team), versão 3.6.2.

Resultados

Análise sociodemográfica dos entrevistados

Entre os 2.316 entrevistados, quase 80% são do sexo feminino, cerca de metade da cor branca e mais de 60% possui entre 31 e 50 anos. Do total de universitários entrevistados, 1.736 (74,96%) são estudantes da área de saúde, 552 (23,83%) correspondem à área de humanas e 28 (1,21%) da área de exatas. Os estudantes que responderam ao instrumento residem nas cinco regiões do país, embora as regiões Sudeste e Sul tenham sido majoritariamente representadas, com respectivamente 44,73% e 31,43% dos estudantes entrevistados. Uma porcentagem superior a 80% desses estudantes são trabalhadores formais e mais de 70% possuem renda mensal familiar entre um e três salários mínimos.

Análise de conteúdo e semântica do instrumento

Na tabela 1 estão apresentadas as pontuações de avaliação de conteúdo nos três domínios que compõem o instrumento. No domínio conhecimento, com exceção dos aspectos clareza e compreensão, os itens receberam a pontuação máxima de 3 pontos, obtendo-se consequentemente um coeficiente de validade igual a 1. Mesmo o aspecto que não recebeu a pontuação máxima de todos os juízes também apresentou um CVC alto, de 0,99, ou seja, acima do ponto de corte de 0,80. A validade de conteúdo do questionário no domínio conhecimento foi considerada satisfatória. No domínio das atitudes, a validade de conteúdo de todas as questões foi considerada satisfatória nos diferentes critérios. Nos aspectos de pertinência de conteúdo e sequência adequada de tópicos, os itens apresentaram a pontuação máxima (tabela 1). Quanto ao domínio das práticas, apenas algumas questões do aspecto clareza e compreensão dos itens não atingiram a pontuação máxima do CVC, obtendo-se um coeficiente de validade de conteúdo de 0,985, ainda com validade satisfatória.

Tabela 1
Coeficiente de validade de conteúdo das questões que compõem o instrumento

Não foram propostas modificações semânticas pelos juízes.

Apresentação do instrumento

O instrumento, as respostas às suas questões, bem como a média, o desvio padrão da média e a mediana estão apresentados na tabela 2.

Tabela 2
Medidas resumo das respostas dos participantes da pesquisa ao instrumento CAP elaborado

Validação do instrumento

A adequação da técnica foi avaliada por meio do índice KMO e pelo teste de esfericidade de Bartlett. Para o conjunto de dados em questão, o KMO resultou em um valor de 0,95, indicativo de boa consistência, e o teste de Bartlett resultou em um valor de p < 0,001, o que também indica que a análise fatorial é adequada.

Análise fatorial exploratória

Segundo o critério de Kaiser-Guttman, cinco fatores apresentaram autovalores superiores a 1, sendo este o número determinado como apropriado de fatores a reter, apresentando a maior variância conjunta (dados não apresentados). A extração desses fatores explicou 45,23% da variância.

A análise fatorial estimada pelo WLSMV com rotação Varimax revelou apenas um ítem com carga fatorial absoluta superior a 0,50, tanto no domínio de atitudes quanto no domínio de práticas. Para o domínio de conhecimento, dos 14 itens, 11 deles apresentaram valores superiores a 0,50, em sua maioria no fator 1 (tabela 3).

Tabela 3
Cargas fatoriais da análise fatorial exploratória estimadas pelo WLSMV com rotação Varimax, com 5 fatores

Análise Fatorial Confirmatória

O ajuste da AFC foi realizado por dois testes consecutivos de validade convergente e de validade discriminante, realizando os ajustes necessários para garanti-las. Os resultados do ajuste da AFC à estrutura do instrumento originalmente proposta, considerando o limite de 0,5, detectou apenas dois itens que não obtiveram 5% de significância. Por essa razão, os itens A6 e C9 foram excluídos e as cargas fatoriais recalculadas (tabela 4).

Tabela 4
Cargas fatoriais da AFC estimadas pelo WLSMV, considerando a estrutura sem os itens A6 e C9

A validade convergente foi verificada por meio das medidas de alfa de Cronbach e da variância média extraída. Após a exclusão dos itens A6 e C9, embora nem todas as cargas fatoriais tenham sido superiores a 0,50, todas se mostraram significativas ao nível de 5% de significância pelo modelo fatorial ajustado (tabela 5). Foi adotado como limite para a variância média extraída o valor de 0,5. Assim, três fatores apresentaram valores superiores ao desejado, indicando que, em média, mais da metade da variância de seus indicadores foi explicada pelo fator em questão. Os índices de alfa de Cronbach foram superiores a 0,60, o que indica boa validade convergente.

Tabela 5
Medidas de validade discriminante e convergente

A capacidade do construto de se distinguir efetivamente dos demais (validade discriminante) também foi avaliada. Foi encontrada boa validade discriminante do modelo ajustado, uma vez que as correlações dos fatores não se mostraram superiores à raiz quadrada da variância média extraída (tabela 5).

O modelo apresentou X2(347) = 1394.930 (p < 0,001) e observamos índices de ajuste aceitáveis utilizando o RMSEA = 0,033 [IC 0,032 – 0,036]. Em relação aos índices de medição incremental, o TLI (0,979) atingiu valores recomendados (> 0,90), apoiando a aceitação do modelo modificado. Além disso, valores parcimoniosos de medição, como o CFI padronizado (0,980), mostraram-se adequados para os níveis recomendados.

Discussão

O mundo globalizado sofre com a ameaça de rápida e, por vezes, incontrolável expansão de doenças infectocontagiosas. O comportamento individual assumido interfere diretamente com o desfecho desses processos que apresentam consequências coletivas. Em tais situações, a ágil elaboração de estratégias adequadas de saúde pública pode garantir resultados efetivos. Estudos baseados em questionários on-line apresentam como vantagens a rapidez, agilidade de acesso a diferentes regiões e grupos, além da economia2525 Moura-Corrêa MJ, Campos AS, Amaral ICC, et al. Exposição ocupacional ao Sars-CoV-2: investigação das condições de saúde/ segurança dos trabalhadores essenciais para subsidiar ações de mitigação de risco da Covid-19. Saúde debate. 2023;47(139):758-775. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202313903
https://doi.org/10.1590/0103-11042023139...
. Esses métodos tornam-se particularmente úteis em períodos críticos de alta demanda em promoção de saúde.

A utilização de instrumentos com confiável validação tornou-se um método frequente na área da saúde para a verificação e detalhamento das necessidades de intervenção. Com esses instrumentos é possível avaliar o conhecimento sobre uma doença, ou mesmo um perfil de comportamento e, a partir dos resultados, planejar intervenções. O objetivo deste estudo foi a elaboração de instrumento CAP para o enfrentamento de surtos, epidemias e pandemias e a sua validação de conteúdo e construto para estudantes universitários EaD.

A população de estudantes da EaD sofreu significativo crescimento, ultrapassando recentemente o percentual de ingressantes no ensino superior em cursos presenciais2626 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da Educação Superior 2021: notas estatísticas. Brasília, DF: Inep; 2022.. Dentre as características dessa população destaca-se o fato de que ela se estende, potencialmente, a todo o território nacional, com garantido acesso aos meios digitais. Os estudantes que compuseram a amostra deste estudo são provenientes das cinco regiões brasileiras, embora aproximadamente três quartos dos participantes da pesquisa residam nas regiões Sul ou Sudeste.

Para a análise de conteúdo e semântica, o instrumento elaborado foi submetido à avaliação por juízes especialistas. A clareza, pertinência, relevância e objetividade das questões foram os requisitos pontuados, além da aparência, facilidade de preenchimento e compreensão, tendo em vista a população para a qual o instrumento foi elaborado. Dessa forma foi medida a adequação do questionário ao seu público-alvo. O CVC utilizado apresentou índices satisfatórios nos três domínios do instrumento, uma vez que todos os requisitos obtiveram pontuação superior ao nível de corte do coeficiente (80%).

Para a análise de construto foram coletadas referências de confiabilidade e validade do referido instrumento. A confiabilidade refere-se à estabilidade, consistência interna e grau de concordância das medidas propostas, não sendo uma propriedade inerente a essas ferramentas2727 Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(3):649-659. DOI: https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
. Por essa razão, a confiabilidade se sujeita a vários fatores, demonstrando a função do instrumento para a população utilizada e seu cenário, como é o caso da população universitária escolhida como alvo do instrumento CAP elaborado, devendo ser estatisticamente calculada. A validade, por sua vez, importa na medida daquilo que se propõe. A confiabilidade e a validade de um instrumento podem coexistir, mas não necessariamente, e por essa razão necessitam ser confirmadas2727 Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(3):649-659. DOI: https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
,2828 Jöreskog KG. Factor analysis and its extensions. In: Cudeck R, MacCallum RC, editores. Factor analysis at 100: historical developments and future directions. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates; 2007..

A adequacidade da técnica foi avaliada pelo índice KMO e pelo teste de esfericidade de Bartlett, que atestaram, respectivamente, boa consistência e adequação da análise fatorial.

As cargas fatoriais indicaram que todos os itens apresentam valores adequados que explicam o construto. A análise fatorial exploratória é aplicada quando não existe conhecimento sobre a estrutura latente (ou seja, oculta) por trás do conjunto de indicadores da pesquisa, que ocorre na ausência de pesquisa empírica anterior ou incipiência da teoria de suporte do fenômeno2929 Bido DS, Mantovani DMN, Cohen ED. Destruição de escalas de mensuração por meio da análise fatorial exploratória nas pesquisas da área de produção e operações. Gest Prod. 2018Apr;25(2):384-397. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-530X3391-16
https://doi.org/10.1590/0104-530X3391-16...
. Nessa situação, a composição do construto é desconhecida e a aplicação da análise fatorial exploratória permite o avanço de conhecimento do fenômeno2929 Bido DS, Mantovani DMN, Cohen ED. Destruição de escalas de mensuração por meio da análise fatorial exploratória nas pesquisas da área de produção e operações. Gest Prod. 2018Apr;25(2):384-397. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-530X3391-16
https://doi.org/10.1590/0104-530X3391-16...
. Na análise fatorial exploratória, pelo método de análise de componentes principais com rotação Varimax forçada a cinco fatores, foram determinadas as correlações entre os itens. A análise fatorial estimada pelo WLSMV com rotação Varimax revelou correlação moderada em ao menos um dos fatores extraídos. Sequencialmente, a análise fatorial deve confirmar, para uma determinada amostra (ou contexto), neste caso estudantes universitários EaD, a estrutura fatorial já conhecida, tendo prévio conhecimento de quantos fatores serão medidos2929 Bido DS, Mantovani DMN, Cohen ED. Destruição de escalas de mensuração por meio da análise fatorial exploratória nas pesquisas da área de produção e operações. Gest Prod. 2018Apr;25(2):384-397. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-530X3391-16
https://doi.org/10.1590/0104-530X3391-16...
. Dois testes consecutivos de validade convergente e de validade discriminante e a determinação dos ajustes necessários para garanti-las compuseram a análise confirmatória. Apenas dois itens do instrumento (A6 e C9) não obtiveram 5% de significância2020 Hair Jr JF, Black WC, Babin BJ, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.. Por apresentarem cargas fatoriais inferiores ao valor de referência, os itens A6 e C9 foram excluídos e as cargas fatoriais recalculadas. Após a exclusão desses itens, embora nem todas as cargas fatoriais tenham sido superiores a 0,50, todas mostraram nível de 5% de significância pelo modelo fatorial ajustado. Adotando-se como limite para a variância média extraída o valor de 0,5, os três domínios que compõem o instrumento CAP apresentaram valores superiores ao desejado, explicando mais da metade da variância de seus indicadores.

Os índices de alfa de Cronbach obtidos foram superiores a 0,60, o que indica boa validade convergente. Adicionalmente, foi encontrada uma boa validade discriminante do modelo ajustado, uma vez que as correlações dos fatores não se mostraram superiores à raiz quadrada da variância média extraída.

Os processos de verificação da confiabilidade e validade de instrumentos são indispensáveis para a garantia da sua propriedade psicométrica2727 Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(3):649-659. DOI: https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
. Os resultados revelaram que, quando aplicado a estudantes universitários EaD, o instrumento investigado apresenta validade e confiabilidade adequadas após os ajustes estatísticos recomendados. A identificação de questões significativamente assimétricas e desequilibradas permitiu a retificação e lapidação do instrumento (na sua estrutura fatorial). Dessa forma, conclui-se que os domínios de Conhecimento, Atitudes e Práticas presentes no instrumento CAP elaborado neste estudo foram estatisticamente definidos como suficientes para aplicação na população universitária EaD.

Sem dúvida, para o público escolhido (estudantes EaD), a aplicação on-line do questionário indicado é oportuna, pois favorece a adesão de seus participantes, além de reduzir o tempo entre a coleta de informações e seu processamento crítico por seus proponentes. As vantagens dessa estratégia já foram aqui mencionadas77 Siddiquea BN, Shetty A, Bhattacharya O, et al. Global epidemiology of COVID-19 knowledge, attitude and practice: a systematic review and meta-analysis. BMJ Open. 2021;11(9):e051447. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-051447
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-051...
. No entanto, considerando a metodologia CAP e sua aplicação em diferentes perfis populacionais, o meio virtual para veiculação de questionários em saúde certamente não se aplica com igual eficiência em diferentes cenários. Nesse sentido, a aplicação on-line do questionário indicado pode ser compreendida como uma limitação dessa proposta. As estratégias digitais têm sido consideradas como uma interface possível entre a ciência e a sociedade e essa forma de comunicação tem sido explorada em estudos e práticas55 Hartmann JB, Rego AT, Khoury JV, et al. E-Questionnaire on health knowledge, attitudes and practices (KAP-Health) for Brazilian students in distance learning. Glob Health Action. 2023;16(1):2153441. DOI: https://doi.org/10.1080/16549716.2022.2153441
https://doi.org/10.1080/16549716.2022.21...
. Entretanto, as desigualdades ao acesso digital podem exigir adaptações na forma de aplicação de questionários CAP inseridos como ferramentas que auxiliem na construção social de políticas de saúde pública.

Outra questão que não pode ser negligenciada nesta abordagem é a atual discussão acerca do papel do conhecimento no processo de mudança de comportamentos. Segundo a mais recente percepção sobre o tema, o conhecimento é indiscutivelmente necessário, embora não seja suficiente para a mudança de comportamentos3030 Alves RF. The relationship between health-related knowledge and attitudes and health risk behaviours among Portuguese university students. Glob Health Promot. 2024;31(1):36-44. DOI: https://doi.org/10.1177/17579759231195561
https://doi.org/10.1177/1757975923119556...
. Essa seria precedida pela alteração de atitudes, que deveriam ser ‘decisões’ que pudessem ser sustentadas do ponto de vista individual e no ambiente em que esse indivíduo está inserido3131 Noar SM, Zimmerman RS. Health Behavior Theory and cumulative knowledge regarding health behaviors: are we moving in the right direction? Health Educ Res. 2005;20(3):275-290. DOI: https://doi.org/10.1093/her/cyg113
https://doi.org/10.1093/her/cyg113...
. Esse pensamento é particularmente relevante nas questões relacionadas à saúde, onde a mudança de comportamento deve ser encorajada e, nesse sentido, o conhecimento da razão pela qual essas mudanças são necessárias torna-se imprescindível. A pesquisa CAP parte do princípio de que a aquisição de informações cientificamente embasadas integra a formação de uma atitude favorável em saúde22 Oliveira MLC, Gomes LO, Silva HS, et al. Conhecimento, atitude e prática conceitos e desafios na área de educação e saúde. Rev Educ Saúde. 2020;8(1):190-198. DOI: http://dx.doi.org/10.29237/2358-9868.2020v8i1.p190-198
http://dx.doi.org/10.29237/2358-9868.202...
. Igualmente, as atitudes e a prática são elementos avaliados como aspectos distintos do conhecimento. Considera-se que muitas vezes, apesar do conhecimento, outras condições interferem negativamente na expressão de comportamento favorável à saúde e esses obstáculos precisam ser reconhecidos e ultrapassados.

Conclusões

Estima-se que a elaboração e validação de instrumento CAP direcionado à população de estudantes universitários permite, em casos de doenças contagiosas que atinjam número significativo de pessoas e avancem fronteiras geográficas, a ágil mobilização de recursos de enfrentamento e contenção dessas condições. A população alvo do instrumento validado representa, além de majoritariamente profissionais de saúde em formação, indivíduos frequentemente em processo de elaboração de pensamento crítico, expansão social e relevante influência em seu meio familiar, o que pode ampliar os efeitos gerados por suas práticas assumidas.

Agradecimentos

Ao Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação (Iceti) e a Fundação Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelas bolsas concedidas aos pesquisadores.

  • Suporte financeiro:

    Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Ino6vação (Iceti) e a Fundação Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio de bolsas concedidas aos pesquisadores

Referências

  • 1
    Hausmann-Muela S, Ribera JM, Nyamongo I. Health-seeking behaviour and the health system response. London: London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM); 2003.
  • 2
    Oliveira MLC, Gomes LO, Silva HS, et al. Conhecimento, atitude e prática conceitos e desafios na área de educação e saúde. Rev Educ Saúde. 2020;8(1):190-198. DOI: http://dx.doi.org/10.29237/2358-9868.2020v8i1.p190-198
    » https://doi.org/10.29237/2358-9868.2020v8i1.p190-198
  • 3
    Bhattacharyya K. Key informants, pile sorts, or surveys? Comparing behavioral research methods for the study of acute respiratory infections in West Bengal. In: Inhorn MC, Brown PJ (eds). The anthropology of infectious diseases: theory and practice on medical anthropology and international health. Amsterdam: Routledge Publishers; 1997. p. 211-238.
  • 4
    Lima ABC, Fiorin BH, Romero WG, et al. Construção e Validação do Questionário de Conhecimento, Atitude e Prática na Doação de Órgãos. Enferm Foco. 2020;10(7):90-95. DOI: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n7.2341
    » https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n7.2341
  • 5
    Hartmann JB, Rego AT, Khoury JV, et al. E-Questionnaire on health knowledge, attitudes and practices (KAP-Health) for Brazilian students in distance learning. Glob Health Action. 2023;16(1):2153441. DOI: https://doi.org/10.1080/16549716.2022.2153441
    » https://doi.org/10.1080/16549716.2022.2153441
  • 6
    Pascotini MR, Melo MB, Pepi BP, et al. Knowledge, attitudes, and practices instrument applied in emergency: scientometric study in pandemic period. Revista A.toZ. Novas práticas para informação e conhecimento. No prelo; 2024.
  • 7
    Siddiquea BN, Shetty A, Bhattacharya O, et al. Global epidemiology of COVID-19 knowledge, attitude and practice: a systematic review and meta-analysis. BMJ Open. 2021;11(9):e051447. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-051447
    » https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-051447
  • 8
    Park DI. Development and Validation of a Knowledge, Attitudes and Practices Questionnaire on COVID-19 (KAP COVID-19). Int J Environ Res Public Health. 2021;18(14):7493. DOI: https://doi.org/10.3390/ijer-ph18147493
    » https://doi.org/10.3390/ijer-ph18147493
  • 9
    Andrade SSC. Mulheres solteiras e casadas e o uso do preservativo: o que sabem, pensam e praticam [dissertação]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2014. 104 p.
  • 10
    Martini M, Gazzaniga V, Bragazzi NL, et al. The Spanish Influenza Pandemic: a lesson from history 100 years after 1918. J Prev Med Hyg. 2019;60(1):E64-E67. DOI: https://doi.org/10.15167/2421-4248/jpmh2019.60.1.1205
    » https://doi.org/10.15167/2421-4248/jpmh2019.60.1.1205
  • 11
    Brooks SK, Webster RK, Smith LE, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020;395(10227):912-920. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
  • 12
    Chala B, Hamde F. Emerging and Re-emerging Vector-Borne Infectious Diseases and the Challenges for Control: A Review. Front Public Health. 2021;5(9):715759. DOI: https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.715759
    » https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.715759
  • 13
    Boulos M. Doenças emergentes e reemergentes no Brasil. Ciência Hoje. 2001;29(170):58-60.
  • 14
    Luna EJA. A emergência das doenças emergentes e as doenças infecciosas emergentes e reemergentes no Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2002;5(3):229-243. DOI: https://doi.org/10.1590/S1415-790X2002000300003
    » https://doi.org/10.1590/S1415-790X2002000300003
  • 15
    Morens DM, Fauci AS. Emerging Pandemic Diseases: How We Got to COVID-19. Cell. 2020;182(5):1077-1092. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cell.2020.08.021
    » https://doi.org/10.1016/j.cell.2020.08.021
  • 16
    Morens DM, Folkers GK, Fauci AS. Emerging infections: a perpetual challenge. Lancet Infect Dis. 2008;8(7):10-9. DOI: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70256-1
    » https://doi.org/10.1016/S1473-3099(08)70256-1
  • 17
    Chan EY, Cheng CK, Tam G, et al. Knowledge, attitudes, and practices of Hong Kong population towards human A/H7N9 influenza pandemic preparedness, China, 2014. BMC Public Health. 2015;15:943. DOI: https://doi.org/10.1186/s12889-015-2245-9
    » https://doi.org/10.1186/s12889-015-2245-9
  • 18
    Hernández Nieto H. Contributions to statistical analysis. Charleston: Booksurge Publishing; 2002.
  • 19
    Leite SS, Áfio ACE, Carvalho LV, et al. Construção e validação de Instrumento de Validação de Conteúdo Educativo em Saúde. Rev Bras Enferm. 2018;71(4):1732-1738. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
  • 20
    Hair Jr JF, Black WC, Babin BJ, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.
  • 21
    Devellis RF. Scale development: theory and applications. London: Sage Publications, Inc.; 2008.
  • 22
    Van Der Vaart R, Drossaert C. Development of the digital health literacy instrument: measuring a broad spectrum of health 1.0 and health 2.0 skills. J Med Internet Res. 2017;19(1):e27. DOI: https://doi.org/10.2196/jmir.6709
    » https://doi.org/10.2196/jmir.6709
  • 23
    França A. O que é validade convergente? Blog Psicometria Online [Internet]. [local desconhecido]; 2023 [acesso em 2024 dez 12]. Disponível em: https://www.blog.psicometriaonline.com.br/validade-convergente/
    » https://www.blog.psicometriaonline.com.br/validade-convergente/
  • 24
    Fornell CG, Larcker DF. Evaluating structural equation models with unobservable variables and measurement error. J Mark Res. 1981;18(1):39-50. DOI: https://doi.org/10.2307/3151312
    » https://doi.org/10.2307/3151312
  • 25
    Moura-Corrêa MJ, Campos AS, Amaral ICC, et al. Exposição ocupacional ao Sars-CoV-2: investigação das condições de saúde/ segurança dos trabalhadores essenciais para subsidiar ações de mitigação de risco da Covid-19. Saúde debate. 2023;47(139):758-775. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202313903
    » https://doi.org/10.1590/0103-1104202313903
  • 26
    Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da Educação Superior 2021: notas estatísticas. Brasília, DF: Inep; 2022.
  • 27
    Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(3):649-659. DOI: https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022
    » https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022
  • 28
    Jöreskog KG. Factor analysis and its extensions. In: Cudeck R, MacCallum RC, editores. Factor analysis at 100: historical developments and future directions. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates; 2007.
  • 29
    Bido DS, Mantovani DMN, Cohen ED. Destruição de escalas de mensuração por meio da análise fatorial exploratória nas pesquisas da área de produção e operações. Gest Prod. 2018Apr;25(2):384-397. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-530X3391-16
    » https://doi.org/10.1590/0104-530X3391-16
  • 30
    Alves RF. The relationship between health-related knowledge and attitudes and health risk behaviours among Portuguese university students. Glob Health Promot. 2024;31(1):36-44. DOI: https://doi.org/10.1177/17579759231195561
    » https://doi.org/10.1177/17579759231195561
  • 31
    Noar SM, Zimmerman RS. Health Behavior Theory and cumulative knowledge regarding health behaviors: are we moving in the right direction? Health Educ Res. 2005;20(3):275-290. DOI: https://doi.org/10.1093/her/cyg113
    » https://doi.org/10.1093/her/cyg113

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2025
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2025

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2024
  • Aceito
    20 Jan 2025
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br