RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar a atuação dos apoiadores institucionais da Estratégia Apoiador Cosems-Conasems no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando seu perfil, contexto de atuação e a adequação de suas ações às necessidades dos gestores locais, além de discutir os desafios de sustentabilidade e institucionalização da estratégia. A metodologia adotada é baseada em uma abordagem empírica e multifacetada, combinando diferentes instrumentos de coleta de dados: i) um relatório de monitoramento das atividades; ii) uma pesquisa de perfil dos 234 apoiadores ativos, realizada por questionário on-line; e iii) uma pesquisa de percepção dos gestores, com questionários e entrevistas semiestruturadas. Os dados foram analisados por meio de estatísticas descritivas. Os resultados mostram um perfil qualificado dos apoiadores, com 87% tendo pós-graduação e 42% com experiência como secretários de saúde. Embora a percepção dos gestores sobre o apoio seja positiva, desafios como a variabilidade na carga horária e no número de regiões apoiadas e desigualdades regionais nas Comissões Intergestores Regionais persistem. O estudo destaca, ainda, a importância do monitoramento e da sustentabilidade da Estratégia Apoiador, que requer financiamento contínuo e compromisso político de longo prazo para fortalecer a gestão municipal no SUS.
PALAVRAS-CHAVES
Sistema Único de Saúde; Gestão em saúde; Avaliação de programas e projetos de saúde
ABSTRACT
This study aims to analyze the performance of institutional supporters within the COSEMS-CONASEMS Support Strategy in the Unified Health System (SUS), considering their profile, context of operation, and the adequacy of their actions to meet local managers’ needs, as well as to discuss the challenges related to the sustainability and institutionalization of the strategy. The adopted methodology is based on an empirical and multifaceted approach, combining different data collection instruments: i) a monitoring report of activities; ii) a profile survey of the 234 active supporters, conducted through an online questionnaire; and iii) a perception survey of managers, consisting of questionnaires and semi-structured interviews. The data were analyzed using descriptive statistics. The results show a qualified profile of the supporters, with 87% holding postgraduate degrees and 42% having experience as health secretaries. While managers’ perception of the support is positive, challenges such as variability in workload and in the number of regions supported and regional inequalities in the Regional Inter-Management Commissions remain. The study also highlights the importance of monitoring and the sustainability of the Support Strategy, which requires continuous funding and long-term political commitment to strengthen municipal management within SUS.
KEYWORDS
Unified Health System; Health management; Program evaluation
Introdução
Um dos grandes desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) é a fragmentação dos serviços de saúde e a dificuldade de articulação entre os diferentes níveis de atenção e os gestores locais. Nesse contexto, desde o início dos anos 2000, diversos arranjos de Apoio Institucional (AI) passaram a ser desenvolvidos no SUS como estratégia para promover a integração, articulação e o fortalecimento das redes de atenção à saúde11 Brito CS, Santos HLPC, Maciel FBM, et al. Apoio institucional na Atenção Primária em Saúde no Brasil: uma revisão integrativa. Ciênc saúde coletiva. 2022;27(4):1377-1388. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232022274.00212021
https://doi.org/10.1590/1413-81232022274... ,22 Pereira Junior N, Campos GWS. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface (Botucatu). 2014;18(supl1):895-908. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0424
https://doi.org/10.1590/1807-57622013.04... ,33 Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes do apoio integrado para a qualificação da gestão e da atenção no SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012..
No âmbito do SUS, os arranjos de AI são ancorados no método Paideia44 Campos GWS. Um método para análise e co-gestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o Método da Roda. São Paulo: Hucitec; 2000., que implica o exercício da cogestão de coletivos, com o intuito de ampliar a capacidade de análise e intervenção dos trabalhadores e gestores nas instituições. Segundo essa concepção, o AI tem o papel facilitar diálogos, mediar conflitos e ampliar as possibilidades de reflexão e transformação da realidade:
É um método de gestão para a elaboração, implementação e execução de projetos e políticas públicas, enquanto apoia a construção de sujeitos, individuais e coletivos44 Campos GWS. Um método para análise e co-gestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o Método da Roda. São Paulo: Hucitec; 2000.(896).
Diversos movimentos e normativas governamentais vêm contemplando essa estratégia de inovação de modos de gestão e práticas em saúde, a exemplo da Política Nacional de Humanização (PNH)55 Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu). 2014;18:1027-1040. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0229
https://doi.org/10.1590/1807-57622013.02... , fundamentada no método da tríplice inclusão (gestores, trabalhadores e usuários), em um processo de cogestão; dos Movimentos de Educação Permanente; da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)66 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012.; do documento síntese para avaliação externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQAB)77 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde mais perto de você – acesso e qualidade: Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014.; e da definição dos Núcleos Estaduais do Ministério da Saúde (Nems) como pontos de AI a estados, regiões e municípios, com um papel estratégico na implementação das políticas públicas de saúde em âmbito local, em conjunto com as secretarias e os Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) de cada estado88 Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do apoio integrado para a qualificação da gestão e da atenção no SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012.,99 Silva CCG. A Seção de Apoio Institucional e Articulação Federativa em Goiás no contexto de reestruturação das superintendências estaduais do Ministério da Saúde entre 2016 e 2019 [dissertação]. Brasília, DF: Escola Fiocruz de Governo, Fundação Oswaldo Cruz; 2019..
A partir de 2007, concomitantemente ao processo de legitimação do AI no âmbito do Ministério da Saúde (MS) e ancorados nas mesmas premissas teóricas, outros arranjos de apoio foram se consolidando em alguns estados, organizados pelos Cosems locais1010 Motta PS. A contribuição do Projeto Apoiador do COSEMS/MG no espaço de gestão regional de saúde do estado de Minas Gerais no período de 2009 a 2011. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; 2012.,1111 Maciel FJ, Fernandes DA, Lisboa, MC, et al., organizadores. Apoio regional: olhares sobre a experiência do COSEMS/MG. Belo Horizonte: ESP-MG; 2019.. Nesses arranjos, as regiões de saúde contam com profissionais para apoiar e qualificar os Secretários Municipais de Saúde e as equipes técnicas municipais, além de acompanhar as reuniões e instâncias de pactuação regional nos estados. Destaca-se, ainda, seu papel como canal de comunicação e aproximação dos gestores municipais com os Cosems.
Em 2017, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), em parceria com o Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC) – no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS) –, estendeu essa estratégia de apoio para todo território nacional, por meio do projeto ‘Formação Rede Colaborativa para Fortalecimento da Gestão Municipal do SUS’, nomeando-a Estratégia Apoiador Cosems-Conasems (EAC)1212 Ministério da Saúde (BR). Apresentação de Projeto de Apoio para o PROADI-SUS (Triênio: 2015-2017). Brasília, DF: Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde; 2017..
A partir de 2021, a parceria do Conasems para qualificação e financiamento da Rede Colaborativa no âmbito do Proadi-SUS foi renovada e incluiu, também, o Hospital Beneficência Portuguesa (BP), além do HAOC1313 Ministério da Saúde (BR). Guia da Estratégia Apoiador COSEMS-CONASEMS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021.. Em 2023, a EAC contava com uma rede de 234 apoiadores, cobrindo todos os municípios brasileiros, 26 coordenadores e 26 facilitadores (uma dupla de coordenador e facilitador para cada estado)1414 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Projeto formação rede colaborativa para fortalecimento da gestão municipal do SUS: triênio 2021-2023: subsídios históricos, teóricos e conceituais para pactuação de diretrizes da institucionalização do apoio. São Paulo: Hospital Alemão Oswaldo Cruz; 2023..
Os trabalhos que avaliam os diversos arranjos de AI vigentes no SUS, em sua maioria, de abordagem qualitativa, têm mostrado resultados positivos1515 Guizardi FL, Passeri L, Lemos ASP, et al. Estudo de caso sobre o apoio institucional na gestão federal da Atenção Básica no Brasil. Saúde debate. 2019;43(122):685-699. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912203
https://doi.org/10.1590/0103-11042019122... . Em pesquisa com a participação de mais de 70% dos municípios brasileiros nas equipes que aderiram ao PMAQ-AB, o desempenho do apoiador foi considerado bom ou muito bom para a maior parte das equipes investigadas1616 Melo LM F, Martiniano CS, Coelho AA, et al. Características do apoio institucional ofertado às equipes de atenção básica no Brasil. Trab Educ Saúde. 2017;15(3):685-708. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol0073
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol007... . Em outro estudo1717 Cardoso JR, Oliveira GN, Furlan PG. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cad Saúde Pública. 2016;32(3):e00009315. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00009315
https://doi.org/10.1590/0102-311X0000931... , a partir de uma pesquisa-intervenção, os autores evidenciam que a experimentação do AI propiciou qualificação e alinhamento das ações institucionais com as prioridades da gestão, qualificação, humanização e melhoria dos processos de trabalho, implantação de colegiados gestores e intervenção nas práticas cotidianas dos serviços da atenção primária.
No âmbito da EAC, destacam-se um estudo recente que analisa extensamente o processo de implementação do Projeto Rede Colaborativa1818 Martins MRS. A Estratégia Apoiador COSEMS e a rede colaborativa no SUS [dissertação]. Londrina: Universidade Estadual de Londrina; 2024., uma sistematização das atividades que configuram o trabalho do apoio no Cosems-RJ1919 Peres AM, Cabral LM, Caldas MS, et al. O apoio como estratégia do COSEMS RJ para fortalecimento da gestão municipal do SUS no Estado do Rio de Janeiro. Res Soc Develop. 2021;10(3):e23110313040. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i3.13040
http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i3.130... e uma avaliação dos apoiadores do Cosems-PR2020 Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Paraná. Novas Perspectivas de Avaliação do Projeto Apoiadores do COSEMS-PR-BRASIL: abordagem construtivista e realista. Paraná: COSEMS/PR. 2019. 20 p.. De forma geral, esses estudos apontam que o trabalho dos apoiadores vem cumprindo um importante papel de repasse e discussão de mudanças normativas e programas federais e estaduais e para o fortalecimento da qualificação das instâncias de governança. Pesquisas realizadas com gestores municipais também vêm apontando uma avaliação bastante positiva destes com relação ao trabalho dos apoiadores1414 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Projeto formação rede colaborativa para fortalecimento da gestão municipal do SUS: triênio 2021-2023: subsídios históricos, teóricos e conceituais para pactuação de diretrizes da institucionalização do apoio. São Paulo: Hospital Alemão Oswaldo Cruz; 2023.,2020 Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Paraná. Novas Perspectivas de Avaliação do Projeto Apoiadores do COSEMS-PR-BRASIL: abordagem construtivista e realista. Paraná: COSEMS/PR. 2019. 20 p..
Apesar dos resultados positivos e de estar em todos os municípios brasileiros, a institucionalização, consolidação e o financiamento da EAC nos Cosems ainda são desafios a serem superados. Atualmente, a EAC está sustentada em um projeto via Proadi-SUS, logo, que não garante sustentabilidade da ação. Entendendo que o papel dos Cosems se vincula à defesa dos interesses dos municípios e ao aprimoramento da gestão, a institucionalização da estratégia depende muito do componente político decisório, aliado a um corpo de evidência sobre seu papel estratégico para a gestão municipal.
A fim de contribuir para esse corpo de evidência, este estudo partiu da construção e implementação de um instrumento de monitoramento da EAC, para analisar, a partir de uma abordagem empírica, o perfil e o contexto de atuação dos apoiadores institucionais do Cosems-Conasems, assim como a adequação de suas ações às necessidades dos gestores locais no âmbito da região de saúde. Espera-se, assim, aumentar a compreensão sobre o fazer do apoio, seus limites, potenciais e resultados.
Material e métodos
A metodologia deste estudo baseou-se em uma abordagem de métodos mistos, combinando técnicas quantitativas e qualitativas para a compreensão do objeto de pesquisa. Foram utilizados três instrumentos principais: i) relatório de monitoramento de atividades construído no âmbito da pesquisa; ii) pesquisa sobre o perfil do apoiador; e iii) pesquisa de percepção dos gestores, composta por questionários e entrevistas semiestruturadas. A análise dos dados foi conduzida por meio da triangulação dos resultados obtidos nesses instrumentos, empregando estatísticas descritivas, como médias, frequências e medidas de dispersão, para explorar possíveis relações entre as variáveis, além de interpretações qualitativas dos relatos dos participantes.
Fonte de dados e triangulação de métodos
Dentro do contexto desta pesquisa, em conjunto com o Grupo Executivo do Projeto Rede Colaborativa, coordenadores de apoio e os próprios apoiadores, foi elaborado e implementado um instrumento padronizado de monitoramento das ações do apoio, o Relatório da Estratégia de Apoio Conasems-Cosems (Reac). O instrumento foi pensado para subsidiar tanto as práticas formativas/educativas quanto a compreensão do fazer do apoio no território de acordo com as diretrizes institucionais, papéis e funções esperadas.
Para além de monitorar as ações executadas, o instrumento também foi construído com o intuito de produzir informações sobre a gestão da saúde nos munícipios e de possibilitar a mensuração dos resultados da EAC para a gestão municipal e para fortalecimento da governança regional, tendo em vista um conjunto de práticas comuns, relativas à gestão do SUS, ainda que parte do trabalho do apoiador se defina a partir das necessidades do território.
O monitoramento é uma ferramenta essencial para acompanhar informações de forma sistemática e contínua, permitindo uma rápida avaliação situacional e a identificação de lacunas na execução de processos, com o objetivo de subsidiar tomadas de decisão e a correção de rota em tempo oportuno, para garantir a obtenção dos resultados e impactos esperados2121 Tamaki EM, Tanaka OY, Felisberto E, et al. Metodologia de construção de um painel de indicadores para o monitoramento e a avaliação da gestão do SUS. Ciênc saúde coletiva. 2012;17(4):839-849. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000400007
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200... ,2222 Jannuzzi PM. Monitoramento e Avaliação de Programas Sociais: uma introdução aos conceitos e técnicas. Campinas: Alínea; 2016.,2323 Costa JMB, Felisberto E, Bezerra LC, et al. Monitoramento do desempenho da gestão da vigilância em saúde: instrumento e estratégias de uso. Ciênc saúde coletiva. 2013;18(5):1201-1216. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000500002
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201300... . O Reac foi construído a partir das premissas de um monitoramento analítico, visando a permitir uma “análise comparativa e sistêmica de indicadores ao longo do tempo, pelo território e segundo outros eixos comparativos”2424 Januzzi PM. Monitoramento Analítico como Ferramenta para Aprimoramento da Gestão de Programas Sociais. Rev Bras Monitor Avaliação. 2011;1:36-55.(40).
Após três meses de testes, a partir de janeiro de 2022, o Reac passou a ser preenchido mensalmente por todos os apoiadores, com registros padronizados sobre as atividades em três campos de atuação: i) ‘acolhimento’ aos novos gestores (transmissão de informações básicas da gestão municipal e regional e do papel do Cosems); ii) realização de capacitações e orientações sobre temas alinhados à estratégia do MS e sobre Instrumentos de Planejamento e Gestão (IP&G); iii) participação nas Comissões Intergestores Regionais (CIR) e câmaras técnicas.
Desde 2022, sua operacionalização vem sendo realizada por meio de momentos de análise dos indicadores, entre coordenadores e apoiadores, a exemplo das rotinas de monitoramento analítico, entendidas como o exercício sistemático de análise de indicadores representativos2424 Januzzi PM. Monitoramento Analítico como Ferramenta para Aprimoramento da Gestão de Programas Sociais. Rev Bras Monitor Avaliação. 2011;1:36-55.. Oficinas também são realizadas a fim de orientar o preenchimento do Reac de forma mais precisa e uniforme, assim como para seu aprimoramento a partir da identificação de lacunas e sugestões.
Os IP&G municipais abordados detalhadamente no Raec são: o Plano Municipal de Saúde (PMS); a Programação Anual de Saúde (PAS); o Relatório Detalhado do Quadrimestre Anterior (RDQA) e o Relatório Anual de Gestão (RAG). Esses instrumentos foram implementados na ocasião da instituição do Sistema de Planejamento do SUS (PlanejaSUS), em 2006, atribuindo aos gestores locais mais responsabilidades e com o objetivo de serem norteadores e condutores do processo de gestão e aperfeiçoamento das ações e dos serviços prestados2525 Ministério da Saúde (BR). Sistema de planejamento do SUS: uma construção coletiva: orientações gerais para a elaboração de instrumentos de planejamento. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009..
A pesquisa sobre o perfil dos apoiadores foi realizada por meio de um questionário on-line, entre fevereiro e março de 2023, com todos os 234 apoiadores em atividade naquele momento. O questionário incluiu perguntas sobre idade, gênero, formação, tempo de atuação no SUS, carga horária semanal e número de regiões e municípios apoiados.
A pesquisa acerca da percepção dos gestores sobre os apoiadores foi realizada através de um questionário aplicado presencialmente em julho de 2022, durante o 36º Congresso do Conasems, com a participação de 545 gestores municipais, por adesão voluntária. O questionário continha 12 perguntas sobre a percepção dos gestores com relação à ação do apoio em campos relacionados aos tópicos do Reac, como as orientações sobre os IP&G, as ações de acolhimento aos novos gestores e participação em CIR.
As entrevistas semiestruturadas foram realizadas de modo remoto, em 2023, com quatro gestores municipais que responderam ao questionário, selecionados aleatoriamente a partir da percepção geral sobre o apoio, relatada no questionário (dois com percepção positiva e dois com percepção negativa). Com duração média de 60 minutos, as entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente para análise de conteúdo. Os dados das pesquisas e do Reac estão disponíveis sob demanda. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do HAOC (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética – CAAE nº 59977822.0.0000.0070, Parecer nº 5.522.259), de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde2626 Conselho Nacional de Saúde (BR). Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União. 2013 jun 13; Seção 1:59..
Resultados
Perfil dos apoiadores
A pesquisa sobre o perfil do apoio foi respondida por todos os 234 apoiadores em atividade no momento do estudo, grupo composto majoritariamente por mulheres (73%). 56% têm entre 40 e 60 anos, 30% menos de 40 anos e 14% mais de 60 anos. Quase metade dos apoiadores (45%) possui mais de 5 anos de experiência na função e 55% possuem um contrato de 20 horas semanais. Com relação à formação, 60% dos apoiadores são formados na área de Ciências da Saúde, com predominância do curso de enfermagem. A tabela 1 traz dados sobre outros aspectos investigados na pesquisa sobre a perspectiva dos municípios apoiados e com um recorte regional.
Em termos de formação e experiência, observa-se que 42% dos municípios possuem um apoiador ou apoiadora que já atuou como secretário ou secretária de saúde e que mais de 85% dos municípios possuem apoiadores com pós-graduação, indicando um quadro bastante qualificado. A título de comparação, segundo dados de uma pesquisa de 2017, menos da metade dos secretários de saúde possuía pós-graduação2727 Riquieri MRL, Carvalho ALB, Ouverney ALM. Perfil dos secretários municipais de Saúde do Brasil: um panorama de três décadas. Rev Adm Pública. 2022;56(5):683-693. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-761220220132
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O número de municípios e regiões apoiadas e a carga horária de trabalho variam muito entre os estados e regiões. Na média, cada apoiador ou apoiadora é responsável por mais de duas regiões, com a menor média verificada na região Sul, onde a dedicação mensal de horas por região é quase o dobro da observada nas regiões Nordeste e Sudeste. Segundo o relato de um gestor entrevistado, esse parece ser um fator relevante para a qualidade do apoio ofertado:
[...] inclusive, eu não sei como são os outros territórios, mas no Paraná o Cosems teve a expertise de direcionar um apoiador para cada região. Houve um tempo em que havia um apoiador para mais de uma região, isso não era efetivo. (Gestor entrevistado n. 02).
Neste sentido, a tabela 2 mostra que os apoiadores responsáveis por apenas uma região tendem a comparecer mais às CIR. Já a frequência de orientações sobre IP&G não parece depender do número de regiões apoiadas. A tabela também aponta que quanto maior o número de regiões apoiadas, maior o número de municípios e menos horas são dedicadas a cada uma, ou seja, não há um padrão de carga horária por região ou município apoiado, que varia muito entre os estados.
Contexto de atuação
Os dados registrados no Reac, para além de monitorar as atividades dos apoiadores, também trazem informações relevantes e em tempo oportuno sobre a gestão municipal, como a ocorrência de troca de secretários de saúde por mês e município de ocorrência. A alta rotatividade de gestores públicos é um dos muitos desafios para a efetividade da gestão, interrompendo um planejamento que visa a consolidar as políticas do SUS2828 Lorenzetti J, Lanzoni GMM, Assuiti LFC, et al. Health management in Brazil: dialogue with public and private managers. Texto Contexto – Enferm. 2014;23(2):417-425. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-07072014000290013
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Segundo dados do Reac, entre junho de 2022 e maio de 2023, na média, mais de 20% dos municípios trocaram de gestão pelo menos uma vez, sendo que em 5% deles houve mais de uma troca. Cabe ressaltar que, nesse período, não houve mudança de mandato municipal, quando as trocas de gestores são mais frequentes.
Em 95% das trocas registradas, os apoiadores realizaram alguma ação de acolhimento, que costuma ser uma contextualização sobre as funções do Cosems e de seu apoio, sobre a região de saúde do município e pautas relevantes, ação que tem como objetivo ambientar o novo gestor e mitigar os efeitos da descontinuidade da antiga gestão.
Outro importante aspecto da gestão municipal mapeado pelo Reac é a participação nas CIR. As CIR são instâncias deliberativas compostas por representantes do estado e dos secretários municipais de saúde de uma região de saúde. A CIR, que idealmente deve ocorrer mensalmente, funciona como lócus de governança regional e configura o espaço de pactuação, cooperação e fortalecimento da região de saúde2929 Silveira Filho RM, Santos AM, Carvalho JÁ, et al. Ações da Comissão Intergestores Regional para gestão compartilhada de serviços especializados no Sistema Único de Saúde. Physis. 2016;26(3):853-878. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312016000300008
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Pelos dados registrados no Reac, expressos no gráfico 1, pode-se observar que: i) em média, em 20% dos meses analisados, não houve a realização de CIR nas regiões de saúde, o que representa de 2 a 3 meses sem CIR durante o ano. Essa proporção, contudo, apresenta uma grande variação entre as grandes regiões, apontando desigualdades marcantes na consolidação desse mecanismo de governança; ii) nas reuniões realizadas, a participação média dos secretários de saúde é de 65%, sinalizando uma possível falta de comprometimento ou de reconhecimento da efetividade dessa arena pelos gestores; e iii) a participação média dos apoiadores é de 86% nas reuniões, com maior presença na região Sudeste e menor no Nordeste, onde a participação dos gestores também é a menor.
A participação dos apoiadores nas CIR é considerada um ponto fundamental de sua função, por essa ser uma instância privilegiada para levar informações e orientações aos secretários e secretárias de saúde, com periodicidade e participação da maioria dos gestores da região, como aparece na declaração abaixo:
A participação na CIR é um papel importante. Quando ele está [o apoiador], ele tensiona alguns assuntos, acho que as ações de mostras, experiências, grupos técnicos de discussão. (Gestor entrevistado n. 03).
As ações de divulgação, orientação e mobilização dos gestores para participação nas diversas ações de capacitação promovidas pelo MS, pelas secretarias estaduais e outras instituições, além de ações de educação permanente que os próprios apoiadores realizam para temas específicos, também são registradas por tema no Reac. A análise desses dados, de junho de 2022 a maio de 2023, mostrou que:
Mensalmente, em média, 71% dos municípios receberam informações ou foram incentivados a participar de uma ou mais capacitações que ocorreram no mês, sendo que em alguns municípios os apoiadores chegaram a divulgar mais de 5 capacitações no mesmo mês;
As orientações tendem a acompanhar pautas e estratégias prioritárias do MS, como mostra o caso dos saldos em conta: em novembro de 2022, 13% dos municípios receberam orientações sobre esse tema, percentual que vai para 50% em dezembro, em função da Lei Complementar nº 197, de 6 de dezembro de 2022, que concedeu prazo para que os estados e municípios executassem o saldo de contas abertas antes de 2018;
As orientações e capacitações que os apoiadores realizaram no período versaram sobre uma gama extensa e diversa de temas, entre os quais, destacaram-se: IP&G, Previne Brasil, Imunizações e ações de combate à covid-19, questões orçamentárias, cirurgias eletivas, portarias diversas e regionalização.
As orientações sobre os IP&G são parte relevante na atuação dos apoiadores: 53% dos municípios receberam orientações ou capacitações sobre o tema em mais de 6 meses dos 12 meses analisados, e em 30% deles essas orientações ocorreram mensalmente, sendo parte da rotina dos apoiadores. Essas orientações são descritas como avisos sobre prazos, pendências e inserção no sistema DigiSUS (plataforma digital para o registro de informações relativas aos instrumentos de planejamento no SUS), mas há, também, registros de capacitações sobre esses instrumentos, caracterizadas por serem orientações mais detalhadas, de, no mínimo, uma hora sobre o tema.
A situação dos IP&G é disponibilizada mensalmente no nível do município pelo MS, e os dados de 2022 e 2023 (gráfico 2) apontam que a maioria dos municípios não tinha elaborado os instrumentos até a data devida, situação um pouco melhor em 2023, sobretudo para o PMS, por se tratar do mesmo documento (o PMS referente ao período 2022-2025).
Situação dos instrumentos de planejamento e gestão municipais de saúde: % de municípios com os instrumentos aprovados ou em análise
Os dados disponíveis, no entanto, não permitem aferir uma relação de casualidade entre a melhoria da situação dos IP&G e a ação do apoio. O gráfico 3 mostra que a média de orientações recebidas pelos municípios que mantiveram sua situação dos IP&G, que melhoraram ou que pioraram, é muito próxima para os quatro instrumentos analisados, sendo que a diferença entre elas não é estaticamente significativa para nenhum dos casos.
Pesquisa com as secretárias e os secretários de saúde dos municípios
Na pesquisa com gestores sobre a ação do apoio, quase a totalidade dos respondentes considerou a ação do apoiador da EAC muito relevante (76%) ou relevante (20%). A mesma porcentagem (96%) afirma que os apoiadores também fomentam a participação da equipe da secretaria em cursos, oficinas e capacitações. Esses resultados são similares aos achados da avaliação do Guia da EAC1313 Ministério da Saúde (BR). Guia da Estratégia Apoiador COSEMS-CONASEMS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021., realizada com gestores de 68,5% dos municípios brasileiros, que registra que 98% dos respondentes conhecem a figura do apoio e qualificam seu trabalho como excelente ou bom.
Ainda segundo a pesquisa, a atuação do apoio com relação às orientações sobre os IP&G é muito relevante ou relevante para 87% dos gestores. Quando cruzamos esse dado com os dados do Reac, observamos que essa avaliação é melhor para o caso dos gestores que receberam mais orientações: no grupo de gestores que receberam orientações sobre os IP&G em pelo menos 10 meses do ano, 62% avaliaram esse item como muito relevante, enquanto no grupo que recebeu orientações em apenas 1 ou 2 meses do ano esse percentual cai para 47%.
Quando questionados sobre os programas para os quais o apoiador contribuiu para adesão ou participação dos municípios, entre uma lista de programas pré-selecionada, o Previne Brasil foi citado por 86% dos respondentes, seguido por ações de combate à covid-19 (68%), Saúde com Agente (62%) e Mais Médicos e/ou Médicos Pelo Brasil (57%). Poucos respondentes trouxeram outros programas além dos listados, como portarias e o caso de um respondente que citou “diversos pontos importantes no momento e no contexto regional, como o desabastecimento de medicamentos” (Gestor entrevistado n. 04).
Nas entrevistas, mesmo naqueles casos em que o gestor havia feito uma avaliação negativa no questionário, os comentários sobre a atuação do apoio foram, no geral, muito positivos.
As entrevistas e alguns comentários dos questionários evidenciam, também, que, algumas vezes, a função do apoiador é interpretada como uma assessoria para assuntos diversos e mesmo relacionada a tarefas cotidianas dos gestores, como ilustram os depoimentos abaixo:
A gente tem no nosso apoiador aquele alguém para conversar, aquele alguém para tirar dúvida, aquele alguém para pensar junto, aquele alguém para sensibilizar nossa equipe, aquele alguém que vai trazer para a gente as legislações diárias mais mastigadas, aquele alguém que vai conseguir olhar em uma portaria nacional o extrato da nossa região e trazer para os gestores isso, alguém que vai conseguir ter o tempo de pesquisar mais a fundo essas legislações, essas novas portarias, essas mudanças que existem, para nos ajudar nesse processo. Então, o apoiador não faz gestão, o apoiador tem que trabalhar sempre no protagonismo do gestor, inclusive nas reuniões de regional, mas ele é o nosso oráculo. E ele tem exercido esse papel de prestar esse apoio, de ser alguém que a gente tem um norte. (Gestor entrevistado n. 02).
[...] desde 2017 que a gente está na gestão já, mas eu venho de uma linha totalmente privada. Eu não tenho formação na área da saúde, então tudo que eu necessito e qualquer coisa eu busco por meio do meu apoiador, então é para ele me passar os caminhos, o que que eu tenho que fazer, como que eu tenho que fazer, é isso e eu tenho sido muito bem atendido por ele. (Gestor entrevistado n. 04).
Discussão
Os resultados obtidos por meio deste estudo destacam a relevância da EAC para a gestão municipal do SUS. A qualificação dos apoiadores, evidenciada pela alta porcentagem de profissionais com pós-graduação e ampla experiência na gestão do SUS, sugere um perfil adequado para o enfrentamento dos desafios encontrados nos municípios. A predominância de apoiadores com experiência prévia como secretários de saúde também pode ser considerada um diferencial, pois traz uma compreensão mais aprofundada das dinâmicas da gestão municipal.
A variação na carga horária e no número de regiões apoiadas sugere que a estrutura de apoio ainda enfrenta desafios em termos de equidade e eficácia, também destacados em outros trabalhos1515 Guizardi FL, Passeri L, Lemos ASP, et al. Estudo de caso sobre o apoio institucional na gestão federal da Atenção Básica no Brasil. Saúde debate. 2019;43(122):685-699. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912203
https://doi.org/10.1590/0103-11042019122... . A menor frequência de participação em instâncias como as CIR na região Nordeste indica que a distribuição dos recursos humanos pode impactar diretamente a qualidade do apoio ofertado. A alta rotatividade de gestores municipais reforça a necessidade de um apoio contínuo e estruturado, capaz de garantir a continuidade das políticas de saúde.
Embora as orientações sobre os IP&G sejam parte relevante do trabalho dos apoiadores, os dados não permitem estabelecer uma relação direta entre a atuação do apoio e a melhoria na situação desses instrumentos, porém, a avaliação da atuação do apoio por esse recorte é limitada. A escolha de um olhar mais aprofundado para os IP&G municipais foi guiada pela frequência com que esse tema surgiu nas práticas de apoio e pela disponibilidade de dados sobre a situação desses instrumentos. No entanto, a importância atribuída a esses instrumentos varia entre os gestores. Alguns apontam que os IP&G muitas vezes se limitam a definir objetivos baseados em exigências normativas, sem necessariamente refletir a realidade local. Como consequência, os municípios enfrentam dificuldades para executar as tarefas pactuadas. Além disso, há uma grande discrepância entre o planejamento, a execução e a avaliação das ações realizadas nos municípios3131 Pinafo E, Carvalho BG, Nunes EFPA. Descentralização da gestão: caminho percorrido, nós críticos e perspectivas. Ciênc saúde coletiva. 2016;21(5):1511-1524. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232015215.18942015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015215... ,3232 Ferreira J, Celuppi IC, Baseggio L, et al. Planejamento regional dos serviços de saúde: o que dizem os gestores? Saúde Soc. 2018;27(1):69-79. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-12902018170296
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201817... .
Cabe aqui, igualmente, a reflexão sobre o lócus de atuação do apoiador. Ainda que este atue em vários aspectos da gestão municipal, as diretrizes da EAC têm como foco um lócus regional1313 Ministério da Saúde (BR). Guia da Estratégia Apoiador COSEMS-CONASEMS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021.,1414 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Projeto formação rede colaborativa para fortalecimento da gestão municipal do SUS: triênio 2021-2023: subsídios históricos, teóricos e conceituais para pactuação de diretrizes da institucionalização do apoio. São Paulo: Hospital Alemão Oswaldo Cruz; 2023.. Nesse sentido, a contribuição dos apoiadores junto à elaboração e ao acompanhamento do Planejamento Regional Integrado (PRI) ou de outros instrumentos e mecanismos para articulações regionais ainda precisa ser mais bem compreendida.
A participação ativa dos apoiadores nas CIR, um ponto central de sua atuação, evidencia o potencial dessa estratégia para fortalecer a governança regional e promover a integração das políticas de saúde. No entanto, a variação significativa na realização de CIR, que, para alguns gestores, é apenas um espaço cartorial com pouca representatividade regional3333 Teston LM, Mendes Á, Carnut L, et al. Desafios políticos e operacionais na percepção de gestores sobre a regionalização em saúde no Acre. Saúde debate. 2019;43(121):314-328. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912102
https://doi.org/10.1590/0103-11042019121... , aponta para a persistência de desigualdades regionais que podem comprometer a efetividade dessa instância de governança.
Outro aspecto relevante é a percepção dos gestores sobre a função do apoiador, muitas vezes, vista como uma assessoria para diversos assuntos da gestão. Essa percepção amplia o escopo de atuação do apoiador, mas também pode gerar expectativas que vão além de seu papel formal, como indicado pelos relatos de gestores que utilizam o apoio para suprir lacunas em sua formação ou experiência na área da saúde. Definições mais claras sobre o papel do apoio, com um perfil de ações e competências bem delimitado, poderiam trazer maior assertividade para essa ação.
O instrumento de monitoramento elaborado no âmbito deste estudo, o Reac, mostrou-se uma ferramenta crucial para o acompanhamento sistemático e contínuo das atividades dos apoiadores e da gestão municipal. Sua implementação permitiu não apenas a coleta de dados detalhados sobre as ações dos apoiadores, mas, também, a identificação de lacunas e oportunidades para ajustes e melhorias na execução dos processos. O Reac serviu como base para uma análise comparativa e sistêmica de indicadores ao longo do tempo e pelos diferentes territórios, facilitando a tomada de decisões e a correção de rota em tempo oportuno. O instrumento traz, ainda, dados tempestivos sobre a gestão municipal e regional e sobre seus mecanismos de governança e pactuação, com a capacidade de disponibilizar de forma célere informações sistematizadas e extremamente capilarizadas.
O investimento em tecnologias e recursos que possibilitem o aprimoramento, compartilhamento e publicização das informações produzidas no âmbito do monitoramento da EAC possibilitaria não só uma melhor compreensão da atuação dos apoiadores e a importância da institucionalização dessa estratégia, mas, também, do atual quadro de articulação e cooperação interfederativa, um dos elementos centrais para a efetivação da regionalização e dos princípios de integralidade e universalidade do SUS.
Conclusões
A EAC desempenha um papel fundamental para o fortalecimento da gestão municipal do SUS, especialmente em um contexto de alta rotatividade de gestores e desafios na implementação de políticas públicas. O perfil qualificado dos apoiadores e sua atuação nas CIR são pontos fortes que contribuem para a integração das políticas de saúde e para a governança regional. Contudo, a variabilidade na carga horária e no número de regiões apoiadas, bem como as desigualdades regionais na realização de CIR, indicam que há espaço para aprimorar a equidade e a eficácia da estratégia.
Os resultados também sugerem que, embora o apoio seja valorizado e considerado relevante pelos gestores municipais, a relação entre a atuação dos apoiadores e a melhoria nos IP&G não é linear, indicando a necessidade de uma análise mais aprofundada sobre outros fatores que influenciam o desempenho dos municípios nesses aspectos.
A percepção dos gestores sobre o papel do apoiador como uma assessoria ampla ressalta a importância de esclarecer as funções e expectativas em torno dessa estratégia, garantindo que o AI esteja alinhado às necessidades reais dos municípios e que contribua de forma efetiva para o fortalecimento da gestão do SUS em todo o território nacional.
Finalmente, atualmente, a EAC é financiada pelo Proadi-SUS, uma fonte de financiamento que, embora tenha permitido a expansão da estratégia em todo o território nacional, não assegura a sua permanência e estabilidade. Para que a EAC se consolide de forma institucional, é fundamental garantir um financiamento estável e contínuo, aliado a um comprometimento político dos gestores dos diferentes níveis de gestão do SUS.
Suporte financeiro:
Hospital Alemão Oswaldo Cruz via Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS)
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