• Desigualdades raciais e a morte como horizonte: considerações sobre a COVID-19 e o racismo estrutural Ensaio

    Oliveira, Roberta Gondim de; Cunha, Ana Paula da; Gadelha, Ana Giselle dos Santos; Carpio, Christiane Goulart; Oliveira, Rachel Barros de; Corrêa, Roseane Maria

    Resumo em Português:

    A incidência e mortalidade por COVID-19 em países com fortes desigualdades sociais se diferenciam em termos populacionais. Em países com histórico e tradição colonial como o Brasil, os marcadores sociais das diferenças têm profunda ancoragem na demarcação racial, sobre a qual agem as dinâmicas e os processos político-sociais fundados no racismo estrutural. Contrapõe-se a narrativas que propõem uma leitura sobre ser esta uma pandemia democrática, cujo argumento se alinha à retórica da democracia racial que corresponde a uma potente estratégia de manutenção do lugar de populações racializadas, como indígenas e negros, uma produção da colonialidade moderna. Este ensaio debruça sobre o comportamento da pandemia em relação à população negra no Brasil, em diálogo com aportes decoloniais e de leituras críticas sobre o racismo. Discutem-se respostas governamentais e indicadores da doença, segundo o quesito raça/cor, demonstrando a manutenção de tramas e enredos históricos que seguem vulnerabilizando e inviabilizando vidas negras. Aponta-se também para a importância de movimentos de resistência locais, operados a partir do lugar que esses sujeitos ocupam, os espaços urbanos precarizados por ação/omissão do Estado - as favelas.

    Resumo em Espanhol:

    La incidencia y mortalidad por COVID-19 en países con fuertes desigualdades sociales se diferencian en términos poblacional. En países con historial y tradición colonial, como Brasil, los marcadores sociales de las diferencias están profundamente anclados en la demarcación sociorracial, sobre la que actúan las dinámicas y los procesos político-sociales fundamentados en el racismo estructural. Se contraponen las narraciones que proponen una lectura sobre esta pandemia democrática, cuyo argumento se alinea con la retórica de la democracia racial, que corresponde a una potente estrategia de mantenimiento del lugar de poblaciones racializadas, como indígenas y negros, producto del colonialismo moderno. Este ensayo se centra sobre el comportamiento de la pandemia respecto a la población negra en Brasil, en diálogo con aportes decoloniales y lecturas críticas sobre el racismo. Se discuten respuestas gubernamentales e indicadores de la enfermedad, según la categoría raza/color, demostrando el mantenimiento de entramados y enredos históricos que siguen vulnerabilizando e inviabilizando vidas negras. Se apunta también la importancia de movimientos de resistencia locales, operados a partir del lugar que estos individuos ocupan, espacios urbanos precarizados por acción/omisión del Estado: las favelas.

    Resumo em Inglês:

    COVID-19 incidence and mortality in countries with heavy social inequalities differ in population terms. In countries like Brazil with colonial histories and traditions, the social markers of differences are heavily anchored in social and racial demarcation, and the political and social dynamics and processes based on structural racism act on this demarcation. The pandemic’s actual profile in Brazil clashes with narratives according to which COVID-19 is a democratic pandemic, an argument aligned with the rhetoric of racial democracy that represents a powerful strategy aimed at maintaining the subaltern place of racialized populations such as indigenous peoples and blacks, as a product of modern coloniality. This essay focuses on the pandemic’s profile in the Brazilian black population, in dialogue with decolonial contributions and critical readings of racism. The authors discuss government responses and COVID-19 indicators according to race/color, demonstrating the maintenance of historical storylines that continue to threaten black lives. The article also discusses the importance of local resistance movements, organized in the favelas, precarious urban spaces underserved by the State and occupied by black Brazilians.
  • Previne Brasil, Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária e Carteira de Serviços: radicalização da política de privatização da atenção básica? Ensaio

    Morosini, Marcia Valeria Guimarães Cardoso; Fonseca, Angelica Ferreira; Baptista, Tatiana Wargas de Faria

    Resumo em Português:

    Resumo: O ensaio analisa documentos produzidos pelo Ministério da Saúde entre 2019 e 2020 para a reorganização da atenção básica: a nova política de financiamento (Previne Brasil), a Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Lei nº 13.958), a Carteira de Serviços e normatizações complementares. Buscou-se compreender como as mudanças projetadas nas funções gestoras e no modelo de atenção à saúde contribuem para o fortalecimento da lógica mercantil na política pública. Tomamos como parâmetros de análise as atribuições gestoras e os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e de uma atenção básica orientada pela determinação social do processo saúde/doença, a concepção ampliada de saúde, o cuidado territorializado, o enfoque comunitário e a coordenação do cuidado numa rede integrada. As mudanças na alocação dos recursos públicos, a instituição de novas possibilidades de relação entre o Estado e empresas privadas e a adequação do modelo de atenção às particularidades da gestão de mercado revelam o sentido privatizante dessas medidas. A política assume um enfoque individualizante no que tange ao modelo de atenção e financiamento, enfraquecendo a perspectiva do território, o trabalho comunitário, o cuidado integral e multidisciplinar. Acelera-se a reconfiguração do SUS no sentido de um sistema no qual agentes públicos ou privados podem participar, indiferenciadamente, aprofundando a ruptura com o compromisso constitucional da saúde como dever do Estado.

    Resumo em Espanhol:

    Resumen: El ensayo analiza documentos producidos por el Ministerio de Salud entre 2019 y 2020 para la reorganización de la atención básica: la nueva política de financiación (Previne Brasil), la Agencia de Desarrollo de la Atención Primaria a la Salud (Ley nº 13.958), la Cartera de Servicios y normativas complementarias. Se buscó comprender de qué forma los cambios proyectados en las funciones gestoras y en el modelo de atención en salud contribuyen al fortalecimiento de la lógica mercantil en la política pública. Tomamos como parámetros de análisis las atribuciones gestoras y los principios y directrices del Sistema Único de Salud (SUS) y de una atención básica orientada por la determinación social del proceso salud/enfermedad, la concepción ampliada de salud, el cuidado territorializado, el enfoque comunitario y la coordinación del cuidado en una red integrada. Los cambios en la asignación de los recursos públicos, el establecimiento de nuevas posibilidades de relación entre el Estado y empresas privadas, así como la adecuación del modelo de atención a las particularidades de la gestión de mercado, revelan el sentido privatizador de estas medidas. La política asume un enfoque individualizador, en lo que atañe al modelo de atención y financiación, debilitando la perspectiva del territorio, el trabajo comunitario, el cuidado integral y multidisciplinario. Se acelera la reconfiguración del SUS como sistema en el que agentes públicos o privados pueden participar, indistintamente, profundizando la ruptura con el compromiso constitucional de la salud como deber de Estado.

    Resumo em Inglês:

    Abstract: The essay analyzes documents produced by the Brazilian Ministry of Health in 2019 and 2020 for the reorganization of basic healthcare: the new financing policy (Previne Brasil), the Agency for the Development of Primary Healthcare (Law n. 13,958), the Services Portfolio, and complementary provisions. The objective was to understand how the projected changes in management roles and the healthcare model contribute to strengthening the public policy’s mercantile logic. As parameters for the analysis, we used the management responsibilities and the principles and guidelines of the Brazilian Unified National Health System (SUS) and basic healthcare oriented according to the social determination of the health-disease process, the expanded definition of health, territorially organized care, community focus, and coordination of care in an integrated network. Changes in the allocation of public resources, the establishment of new possibilities for relations between the State and private companies, and adjustment of the healthcare model to market management characteristics reveal the privatizing orientation of these measures. The policy assumes an individualizing focus in the model of care and financing, undercutting the territorial perspective, community work, and comprehensive and multidisciplinary care. This accelerates the reconfiguration of the SUS as a system in which public or private agents can participate indistinguishably, exacerbating the break with the constitutional commitment to health as a duty of the State.
  • Práticas integrativas e complementares e medicalização social: indefinições, riscos e potências na atenção primária à saúde Ensaio

    Tesser, Charles Dalcanale; Dallegrave, Daniela

    Resumo em Português:

    Resumo: As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) deveriam estar cada vez mais compreendidas no ambiente acadêmico e de pesquisa, dada sua crescente inserção nas instituições de saúde e em pesquisas científicas. Entretanto, comumente há conceituações ou generalizações temerárias na literatura científica brasileira, sendo exemplo a relação das PICS com a medicalização social. O objetivo deste trabalho é discutir o potencial medicalizante e desmedicalizante do uso de PICS, especialmente na atenção primária à saúde (APS). Trata-se de ensaio que sintetiza a indefinição referente ao potencial simultaneamente medicalizante e desmedicalizante de várias PICS, baseado em literatura selecionada, que registra convergências teóricas e empíricas. O exercício de PICS em contexto clínico tem potencial medicalizante, devido ao seu conceito positivo, ampliado e holístico de saúde e sua multidimensionalidade etiológica, podendo gerar o chamado “adoecimento holístico”, observado teórica e empiricamente. Tal exercício apresenta também potencial desmedicalizante, dependente do praticante, devido a maior flexibilidade interpretativa, contextualização, singularização e participação do usuário no cuidado, relação clínica mais próxima, valores e tradições de algumas PICS, diversidade de intervenções e seu potencial de enriquecimento do autocuidado. O potencial medicalizante ou desmedicalizante de várias PICS é ativado por seus praticantes, e o contexto da APS é favorável ao segundo.

    Resumo em Espanhol:

    Resumen: Las Medicina Complementaria y Alternativa (MCA) deberían estar cada vez más comprendidas en el ambiente académico y de investigación, dada su creciente inserción en las instituciones de salud y en investigaciones científicas. No obstante, comúnmente existen conceptualizaciones o generalizaciones temerarias en la literatura científica brasileña, siendo un ejemplo la relación de las MCA con la medicalización social. El objetivo de este trabajo es discutir el potencial medicalizante y desmedicalizante del uso de MCA, especialmente en la atención primaria en salud (APS). Se trata de un ensayo que sintetiza la indefinición referente al potencial simultáneamente medicalizante y desmedicalizante de varias MCA; basado en literatura seleccionada, que registra convergencias teóricas y empíricas. El ejercicio de MCA en un contexto clínico tiene potencial medicalizante, debido a su concepto positivo, ampliado y holístico de salud y su multidimensionalidad etiológica, pudiendo generar el denominado “padecimiento holístico”, observado teórica y empíricamente. Tal ejercicio presenta también potencial desmedicalizante, dependiente del practicante, debido a una mayor flexibilidad interpretativa, contextualización, singularización, así como la participación del usuario en el cuidado, una relación clínica más cercana, valores y tradiciones de algunas MCA, diversidad de intervenciones y su potencial de enriquecimiento con el autocuidado. El potencial medicalizante o desmedicalizante de varias MCA se activa mediante sus practicantes y el contexto de la APS es favorable al segundo.

    Resumo em Inglês:

    Abstract: Complementary and Alternative Medicine (CAM) need to be increasingly understood in the academic and research setting, given their growing inclusion in health institutions and scientific studies. However, vague definitions or broad generalizations are common in the Brazilian scientific literature, an example of which is the relationship between CAM and social medicalization. This study aims to discuss the medicalizing and de-medicalizing potential of the use of CAM, especially in primary healthcare (PHC). This essay summarizes the underlying lack of definition concerning the medicalizing and de-medicalizing potential of various CAM, based on the selected literature, which reports theoretical and empirical convergences. The exercise of CAM in the clinical context has a medicalizing potential, due to its positive, expanded, and holistic conception of health and its etiological multidimensionality, potentially generating so-called “holistic illness”, which has been reported theoretically and empirically. CAM also have de-medicalizing potential, depending on the practitioner, due to greater interpretative flexibility, contextualization, singularization, users’ participation in the care, closer clinical relationship, the values and traditions of some CAM, diversity of interventions, and the potential for enrichment of self-care. The medicalizing or de-medicalizing potential of various CAM is activated by their practitioners, and the context of PHC tends to favors the de-medicalizing potential.
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br