ARTIGO ARTICLE

 

Fatores de risco para a asma em adultos, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

 

Risk factors for asthma in adults in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil

 

 

Silvia Elaine Cardozo MacedoI; Ana Maria Baptista MenezesI; Marli KnorstII; Juvenal Soares Dias-da-CostaI; Denise Petrucci GiganteIII; Maria Teresa Anselmo OlintoIV; Edgar FissI

IFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil
IIIFaculdade de Nutrição, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil
IVPrograma de Pós-graduação em Ciências da Saúde Coletiva, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

A incidência e mortalidade por asma vêm aumentando em vários países do mundo. Com o objetivo de avaliar a prevalência e fatores de risco para a asma na população adulta de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, conduziu-se um estudo populacional e transversal, em amostra de 1.968 pessoas, dos 20 a 69 anos de idade. A prevalência de "sintomas atuais de asma" foi de 6%, observando-se variação com diferentes critérios diagnósticos. Na análise bruta, os fatores de risco observados foram: sexo feminino, faixa etária dos 60 aos 69 anos, cor da pele não-branca, baixas escolaridade e renda familiar, história familiar de asma e atopia, atopia pessoal, tabagismo, índice de massa corporal baixo e distúrbios psiquiátricos menores. Na análise multivariada permaneceram os seguintes fatores de risco: história paterna e materna de asma, distúrbios psiquiátricos menores, idade de 60 a 69 anos, renda familiar inferior a 1,01 salário mínimo, atopia pessoal e sexo feminino. Os resultados salientam a variação na prevalência de asma com diferentes critérios diagnósticos, e que fatores genéticos, sociais e relacionados ao estilo de vida são relevantes na ocorrência da doença.

Asma; Adulto; Fatores de Risco


ABSTRACT

Asthma incidence and mortality rates have increased in recent years. The present cross-sectional survey aimed to measure asthma prevalence and risk factors in a random sample of 1,968 individuals (20-69 years of age) in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil. Overall prevalence of "current asthma symptoms" was 6%, varying according to diagnostic criteria. Associated risk factors in the crude analyses were: female gender, age 60-69 years, non-white skin color, low education, low family income, family history of atopy and asthma, personal history of atopic disease, smoking, low body mass index, and minor psychiatric disorders. In the multivariate analysis the following risk factors remained associated with "current asthma symptoms": mother and father with asthma history, minor psychiatric disorders, age 60-69 years, household income less than 1.01 minimum wage, history of atopic disease, and female gender. The results highlight the variation in asthma prevalence according to diagnostic criteria and confirm the importance of genetic, social, and lifestyle factors.

Asthma; Adult; Risk Factors


 

 

INTRODUÇÃO

A asma brônquica constitui-se em um importante problema de saúde pública, visto que apesar do avanço no conhecimento da patogênese da doença, sua morbidade e mortalidade permanecem elevadas 1.

Os estudos populacionais avaliando a prevalência da asma demonstram resultados bastante variáveis. Tal observação, em parte, relaciona-se à variabilidade na prevalência da doença entre populações distintas. Por outro lado, expressam a dificuldade de estabelecer critérios diagnósticos confiáveis em estudos epidemiológicos para a doença, uma vez que o diagnóstico da mesma baseia-se fundamentalmente em parâmetros clínicos 2.

Embora alterações nos critérios diagnósticos das doenças das vias aéreas, que cursam com obstrução ao fluxo aéreo, sejam uma das responsáveis por este quadro epidemiológico 1, parece haver um real aumento na prevalência da doença, assim como observado em outras condições alérgicas 3. Tal fenômeno, muito provavelmente relaciona-se à maior exposição aos fatores de risco ambientais 4, tais como alergênios 1, aumento da poluição atmosférica 5, variações climáticas e tabagismo 6. Nesse sentido, torna-se necessário o desenvolvimento de protocolos, visando a definir, de forma confiável e precisa, a incidência e prevalência da doença e apontar possíveis fatores de risco.

No Brasil, existem poucos estudos de base populacional investigando a prevalência da asma brônquica e seus fatores de risco na população adulta. De modo geral, estima-se que deva acometer entre 5% e 10% da população 7. Em Brasília, foi realizado um inquérito de delineamento transversal, na comunidade de Vila Planalto, sendo entrevistados 535 indivíduos. Dessa amostra inicial, 94 pacientes que manifestaram sintomas respiratórios foram examinados em ambulatórios e tiveram o seu pico de fluxo expiratório medido. A prevalência de casos de asma brônquica nesse estudo foi de 7,3% 8.

Na população infantil existem alguns estudos epidemiológicos nacionais avaliando a prevalência de asma. O estudo ISAAC (International Study of Asthma and Allergies in Childhood) revelou que a prevalência de asma diagnosticada por médico na população dos 6-7 anos foi de 7,3% para os meninos e de 4,9% para as meninas, sendo que na população de 13-14 anos esta prevalência foi de 9,8% no sexo masculino e de 10,2% no sexo feminino 9. Inquérito de base populacional conduzido em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, e também utilizando o questionário ISAAC, detectou que a prevalência de asma atual em crianças de 4 e 6 anos de idade, respectivamente, foi de 18,4% 10 e 12,8% 11.

O presente estudo teve como objetivos medir a prevalência da asma brônquica na população adulta de Pelotas, segundo diferentes critérios de definição de caso, e determinar alguns fatores de risco para esta doença.

 

Material e métodos

Durante o período de dezembro de 1999 a janeiro de 2001, conduziu-se um estudo epidemiológico de base populacional, delineamento transversal, em uma amostra representativa de adultos de 20 a 69 anos de idade, residentes na zona urbana de Pelotas.

Pelotas é um município situado ao sul do Estado do Rio Grande do Sul, tendo uma população estimada em 320 mil habitantes, em 2000. O plano municipal de saúde descreveu uma extensa rede assistencial constituída por 48 unidades sanitárias, quatro ambulatórios de especialidades e cinco hospitais. A essa rede somam-se inúmeros serviços contratados. O estágio de municipalização da saúde está implantado na forma de gestão plena do sistema desde agosto de 2000 12.

No cálculo do tamanho amostral para a verificação da prevalência de asma, utilizou-se os seguintes parâmetros: prevalência estimada de asma de 5% com erro aceitável de um ponto percentual. Acrescentando-se 10% para eventuais perdas e recusas, a amostra necessária deveria incluir 858 indivíduos. Num segundo momento, procedeu-se outro cálculo para verificar a associação entre asma e alguns fatores de risco, considerando-se os seguintes parâmetros fixos: nível de confiança de 95%, poder de 80%, risco relativo a ser detectado de 2,0, prevalência da doença nos não-expostos de 5% e nos expostos de 10%. Levando-se em conta a prevalência conhecida dos fatores de riscos a serem avaliados, na população de Pelotas, estimou-se que seria necessária amostra variando de 923 a 1.365 pessoas.

Foram entrevistadas 1.968 pessoas selecionadas aleatoriamente a partir do sorteio de 40 setores censitários dentre os 258 setores urbanos existentes na cidade, conforme a definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 12. Dessa amostra total, selecionou-se aleatoriamente uma subamostra de 446 pessoas para comparecer ao hospital a fim de realizar provas de função pulmonar e teste cutâneo a antígenos inaláveis.

Todos os indivíduos selecionados responderam a um questionário estruturado e pré-codificado, aplicado por entrevistadores previamente treinados, contendo questões referentes a aspectos demográficos, sócio-econômicos, história pessoal e familiar de asma e atopia, além de dados antropométricos. Adicionaram-se questões específicas referentes ao diagnóstico de asma e sintomas sugestivos da doença, baseadas em questionários previamente validados, como o ISAAC 13 e o European Community Respiratory Health Survey 14, com mínimas adaptações locais.

As pessoas selecionadas para a realização das provas de função pulmonar foram submetidas a uma espirometria simples com curva fluxo-volume, conforme as recomendações da American Thoracic Society. Os indivíduos que manifestavam obstrução na espirometria eram submetidos à prova farmacodinâmica com broncodilatador, e aqueles cujo exame revelava valores da relação VEF1/CVF > 75% e VEF1> 80% (onde, VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo e CVF = capacidade vital forçada) do valor previsto, realizaram teste de broncoprovocação com metacolina, seguindo-se protocolo descrito por Chatham et al. (1982, apud Wagner 15). Noventa e quatro indivíduos realizaram o exame no domicílio, sendo nestas situações efetuada a espirometria simples com curva fluxo-volume, com a administração do broncodilatador apenas naqueles cujo exame mostrou-se alterado. Todos os exames foram executados pelo mesmo técnico, sob a supervisão de médico pneumologista, com espirômetro da marca Jaeger (modelo Master Scope, versão 4.3), o qual era diariamente calibrado com seringa de 1L, fornecida pelo fabricante. Os parâmetros de referência utilizados foram os sugeridos pela American Thoracic Society 15, e o algoritmo de interpretação pela Diretriz Brasileira de Função Pulmonar 16.

Todos os indivíduos da subamostra realizaram teste cutâneo a antígenos inaláveis. Foram utilizados quatro antígenos (poeira domiciliar, ácaros, fungos do ar e gramínea), além das soluções de histamina e controle (Alergomed). A leitura do teste foi feita vinte minutos após a aplicação dos antígenos. Foram consideradas positivas as reações que apresentavam pápulas com o maior diâmetro igual ou superior a 3mm, sendo considerados atópicos aqueles indivíduos que expressavam pelo menos uma reação positiva além da histamina.

Em relação à definição dos casos de asma e de algumas variáveis de interesse, consideraram-se os seguintes critérios:

• Asma cumulativa: asma auto-referida alguma vez na vida;

• Diagnóstico médico: asma diagnosticada por médico alguma vez na vida;

• Asma atual: asma auto-referida nos últimos 12 meses;

• Sintomas atuais: história de episódios simultâneos de dispnéia e sibilância nos últimos 12 meses;

• Sintomas ou reversibilidade/hiper-reatividade brônquica: presença de sintomas nos últimos 12 meses (sibilância e dispnéia) ou reversibilidade da obstrução ao fluxo aéreo (obstrução com resposta positiva ao broncodilatador) ou broncoprovocação positiva;

• História pessoal referida de atopia: presença de sintomas de rinite, conjuntivite ou eczema alérgicos, auto-referidos;

• História familiar de atopia: história familiar (paterna ou materna) de asma, rinite, eczema ou conjuntivite alérgicos;

• Distúrbios psiquiátricos menores: variável definida a partir da aplicação do Self Report Questionnaire (SRQ-20) na amostra, previamente validado para a população brasileira, estabelecendo-se como pontos de corte para caracterizar a presença de distúrbios psiquiátricos menores uma pontuação > 6 para os homens e > 8 para as mulheres 17.

Os dados foram digitados duas vezes no programa Epi Info (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), sendo a análise estatística realizada com os programas Stata 7.0 (Stata Corporation, College Station, Estados Unidos) e SPSS 10.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos). A significância estatística das associações foi calculada pelos testes de Wald de heterogeneidade e de tendência para as variáveis categóricas ordinais. Para cada prevalência do desfecho foi calculado o intervalo de confiança de 95% (IC95%). A análise multivariada foi efetuada após a análise bruta, realizando-se a regressão de Poisson 18 para estimar as razões de prevalência (RP) ajustadas e seus IC95%. Essa análise seguiu um modelo hierarquizado (Figura 1) definido previamente, levando em conta as relações hierárquicas entre os fatores de risco 19.

 

 

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas. Para a realização das provas de função pulmonar e dos testes cutâneos a antígenos inaláveis, solicitou-se o consentimento informado dos participantes do estudo.

 

Resultados

Ao final do trabalho de campo, computaram-se os resultados de 2.177 pessoas na faixa etária prevista, com 0,7% de perdas e 8,9% de recusas, totalizando uma amostra de 1.968 indivíduos.

Foram encaminhadas ao hospital 446 pessoas. Desse número, 259 compareceram ao local, após, no mínimo, três tentativas de contato pessoal ou telefônico. Noventa e quatro pessoas realizaram a prova de função pulmonar e o teste cutâneo para avaliação de atopia, no domicílio. Dessa forma, da subamostra de 446 indivíduos, conseguiu-se realizar a avaliação em 353 pessoas, ocorrendo 20,2% de recusas.

A Tabela 1 descreve comparativamente a distribuição da amostra total e da subamostra com teste de função pulmonar em relação às características demográficas, sócio-econômicas, sintomas sugestivos de asma, antecedentes pessoais e familiares de atopia e tabagismo. Não se registrou diferença significativa entre a amostra total e a subamostra dos que realizaram espirometria referentes às características analisadas, exceto quanto à presença de sintomas de chiado e falta de ar no último ano, o qual foi mais freqüente entre os indivíduos que realizaram o exame (p = 0,01), bem como entre aqueles que foram aleatoriamente selecionados para a execução dos mesmos (p = 0,02).

A prevalência de sintomas atuais de asma foi de 6% (IC95%: 4,9-7,0). As prevalências e respectivos IC95% da doença conforme outros critérios diagnósticos foram as seguintes: asma cumulativa 14,3% (IC95%: 12,7-15,8), diagnóstico médico 12,9% (IC95%: 11,4-14,4), asma atual 4,7% (IC95%: 3,8-5,6) e sintomas ou reversibilidade 9,3% (IC95%: 8,0-10,6) (Figura 2).

 

 

A Tabela 2 descreve a prevalência de asma em cada um dos grupos das variáveis independentes. A prevalência de asma foi maior entre as mulheres, na faixa etária de 60 a 69 anos, e em indivíduos de cor da pele não-branca. Houve aumento linear e inverso da prevalência de asma com a renda familiar. História pessoal de atopia e familiar de asma e atopia também determinaram maior prevalência da doença, assim como a presença de distúrbios psiquiátricos menores.

 

 

A Tabela 3 apresenta os resultados da análise dos fatores de risco para asma. Na análise bivariada, a prevalência de asma esteve associada com as seguintes variáveis: sexo feminino, faixa etária dos 60 aos 69 anos, cor da pele não-branca, baixas escolaridade e renda familiar, história familiar de asma e atopia, atopia pessoal, tabagismo, índice de massa corporal (IMC) baixo e distúrbios psiquiátricos menores. Após controle para fatores de confusão, na análise multivariada, observou-se que cor da pele não-branca, história familiar de atopia e baixo IMC perderam a associação com a freqüência de asma. Em relação ao tabagismo evidenciou-se um risco aumentado de asma para os ex-fumantes em comparação àqueles que nunca fumaram, mas esta diferença não atingiu significância estatística. A história familiar de asma manteve forte associação com a prevalência da doença. Nos casos em que os dois pais apresentavam história de asma, o risco foi cinco vezes maior do que para aqueles que não possuíam história familiar de asma. A presença de distúrbios psiquiátricos menores permaneceu associada à ocorrência de asma, mesmo após ajuste para fatores de confusão. Análise adicional revelou que dentre os indivíduos com a presença de distúrbios psiquiátricos menores havia aumento da prevalência dos mesmos com a gravidade da asma, embora tal associação linear não tenha alcançado significância estatística (p = 0,2).

 

Discussão

Os dados mundiais demonstram piora dos indicadores epidemiológicos de morbidade, a despeito do melhor entendimento da fisiopatologia da doença observado nos últimos anos 2,20. Adicionalmente, em muitos países e também em alguns Estados do Brasil, como é o caso do Rio Grande do Sul, as taxas de mortalidade por essa doença continuam subindo 21. Este panorama, pelo menos em parte, é relacionado a uma maior incidência e prevalência da doença, muito provavelmente pela maior exposição aos seus fatores de risco, e a dificuldade de controle clínico adequado da doença. Esta última premissa envolve aspectos variados, incluindo atendimento por médicos adequadamente treinados, educação do paciente sobre a doença, facilidade de acesso a medicações, entre outros. Torna-se iminente, portanto, a elaboração de um conjunto de estratégias que contemplem todos esses aspectos conjuntamente.

No Brasil, em dezembro de 1999, foi firmado um compromisso do Ministério da Saúde com as Sociedades Brasileiras de Especialidades Médicas (Pneumologia e Tisiologia, Pediatria, Alergia e Imunopatologia, e Clínica Médica), criando um Programa Nacional de Controle da Asma (PNCA), com o propósito de organizar, instituir e manter a assistência aos pacientes asmáticos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) 7. Em diversas localidades, esse programa vem funcionando satisfatoriamente, porém, em muitas outras, este ainda não foi efetivamente deflagrado, provavelmente por questões administrativas.

Na literatura médica brasileira existem alguns estudos de base populacional abordando a prevalência de asma em crianças e adolescentes 22, porém, dados epidemiológicos semelhantes para a população adulta são praticamente inexistentes, excetuando os de Madeira et al. 8, na comunidade de Vila Planalto, em Brasília.

Comparativamente aos dados disponíveis na literatura mundial, é de se considerar que a prevalência de asma no presente estudo assemelha-se à descrita em países cujas taxas de asma são consideradas médias, tais como Suécia 14, Finlândia 23, algumas regiões da Espanha e da França 24.

Uma das limitações do presente estudo a ser discutida referente à prevalência da asma, diz respeito aos instrumentos utilizados para a definição de casos da doença. No Brasil, apenas o questionário ISAAC foi previamente validado 13, porém para a população de 6 a 7 anos e de 13 a 14 anos. Parece-nos, no entanto, que a sua validação entre os adolescentes permite-nos inferir grau satisfatório de aplicabilidade na população adulta brasileira. Em relação ao questionário do ECRHS, o qual não foi validado no Brasil, Pearce et al. 25 realizaram estudo comparativo da prevalência de asma nos 17 países em que este questionário e o do estudo ISAAC foram aplicados, encontrando uma boa correlação entre os resultados dos mesmos. Os autores concluíram que ambos os questionários medem a mesma tendência da epidemiologia de doenças alérgicas, particularmente a asma 25.

Outro ponto passível de questionamentos no estudo, que pode ter interferido na obtenção dos resultados, é o índice de recusas de 20,2% para a execução dos exames complementares. Tal fator poderia alterar a prevalência da doença, uma vez que é possível que indivíduos mais sintomáticos respiratórios tenham maior grau de motivação para comparecer ao hospital (viés de seleção). Porém, em estudos epidemiológicos envolvendo exames complementares, índices de perdas e recusas semelhantes ao encontrado são considerados aceitáveis. Adicionalmente, a definição de caso de asma escolhida como desfecho para cruzamento com os fatores de risco, foi a presença de sintomas de asma nos últimos 12 meses, independentemente dos resultados obtidos nos testes de função pulmonar.

A variação na prevalência de asma detectada com a utilização de diferentes critérios diagnósticos já tem sido explorada na literatura 26. Como esperado, a prevalência de asma é maior quando se considera a doença cumulativa (alguma vez na vida) 27, e quando se associam aos sintomas clínicos, critérios funcionais como espirometria e broncoprovocação, os quais em geral duplicam o índice de prevalência da doença 28. No presente estudo, nota-se fenômeno idêntico: a prevalência de asma, valendo-se da presença de sintomas atuais ou da reversibilidade (presença de obstrução com resposta ao broncodilatador ou reversibilidade/hiper-reatividade brônquica), foi registrada aproximadamente 1,5 vez maior em comparação à prevalência de 6% para sintomas atuais (9,3% vs. 6%). Ademais, a prevalência reportada de asma é mais alta quando são valorizados os sintomas clínicos se comparados ao diagnóstico médico 29.

Em relação aos fatores de risco, observou-se que os fatores demográficos sexo feminino e idade avançada associaram-se à prevalência da asma. A associação da doença com o sexo masculino é bem demonstrada na infância, porém na vida adulta esta, na maioria das vezes não é identificada 30. O resultado observado neste trabalho pode indicar a influência de fatores hormonais ou uma maior consciência dos sintomas de asma entre as mulheres 31. Outra possível explicação é o fato de que as mulheres, de um modo geral, referem mais sintomas do que os homens. Essas explicações teóricas acerca das associações da doença com o sexo feminino também podem ser estendidas aos indivíduos com idade avançada, uma vez que o declínio funcional pulmonar que ocorre com a idade, associado à co-existência de outras morbidades, torna este grupo etário particularmente mais consensioso dos sintomas respiratórios, fato nem sempre descrito em pesquisas clínicas 6.

A renda familiar evidenciou relação linear e inversa significativa com a asma na análise bruta e na ajustada. O risco para asma foi particularmente mais evidente dentre os indivíduos com renda inferior a 1,01 salário mínimo. Esta associação, pelo menos de certa forma, é contrária à "hipótese da higiene" 32, a qual relaciona as classes sociais mais elevadas com a prevalência de asma e de doenças atópicas, particularmente entre as crianças. De fato, nos indivíduos adultos tal fenômeno não tem sido relatado 5, ou, contrariamente, associação inversa com classe social é descrita 26, tal como observado na presente análise. É provável que indivíduos com renda baixa possam estar expostos a uma série de fatores adversos, sejam eles no seu ambiente doméstico ou profissional, os quais poderiam facilitar as manifestações da obstrução ao fluxo aéreo presentes na asma. Além disso, a dificuldade de acesso ao tratamento adequado é um limitante para o controle da doença, conseqüentemente, determinando maior sintomatologia respiratória.

A relação da asma com outras manifestações atópicas é praticamente incontestável na literatura, sendo este um dos principais fatores de risco identificáveis para a doença 33, assim como observado na atual análise. De fato, os fatores ambientais representados pela maior exposição a alergênios, aumento da poluição atmosférica, variações climáticas e tabagismo, são apontados como determinantes do aumento da prevalência de asma e de outras condições atópicas 1,34. O que é passível de questionamento, no entanto, é a probabilidade de a expressão "fator associado" não ser mais adequada do que "fator de risco", uma vez que se torna difícil estabelecer o sentido exato da relação de causa e efeito. É provável que todas essas manifestações atópicas façam parte de uma doença alérgica de natureza sistêmica com graus variáveis de expressão clínica.

Em relação à história familiar de asma e doença atópica, os resultados encontrados ratificam aqueles descritos pela literatura 23, sendo este o principal fator de risco para a doença. A associação evidenciada foi maior naqueles casos com história familiar materna e paterna positiva, comparativamente ao fato de apenas um dos pais apresentarem doença alérgica.

O papel dos fatores emocionais como possível fator de risco para asma é controverso na revisão da literatura. Embora as alterações emocionais possam desencadear exacerbações asmáticas, não existe evidência consistente de que a asma esteja associada a tais fatores 35. Entre pacientes que experimentam episódios de asma quase fatal, no entanto, uma série de razões psicossociais adversas tem sido descritas 36, as quais certamente acarretam um controle inadequado da doença relacionado à má adesão e à dificuldade de acesso ao tratamento. Estudo realizado na Califórnia, Estados Unidos, relatou associação entre asma ativa e depressão em mulheres, ainda que o controle para fatores de confusão não tenha sido adequado 37. No presente estudo, utilizando-se o SRQ-20 como instrumento para avaliar a presença de distúrbios psiquiátricos menores, observou-se relação entre estes e asma, tanto na análise bruta quanto na ajustada, com cerca de três vezes maior risco em pessoas com tais características. Embora não significativa, tendência linear entre gravidade da doença e presença de tais sintomas foi detectada. Na valorização desse achado deve ser considerado o viés da causalidade reversa. Provavelmente os indivíduos asmáticos, principalmente aqueles cujo estado é mais grave, apresentem distúrbios psiquiátricos menores decorrentes da limitação imposta pela cronicidade da doença. Tais especulações indicam a necessidade de estudos adicionais.

Em conclusão, os dados encontrados no presente estudo apontam que a prevalência de asma na população adulta de Pelotas é média e variável segundo a utilização de diferentes critérios de definição de casos. Em relação aos seus fatores de risco, destaca-se o papel das histórias pessoal e familiar de atopia, nível sócio-econômico e questões referentes a aspectos emocionais.

 

Colaboradores

S. E. C. Macedo trabalhou na elaboração do projeto, supervisão da coleta de dados, realização de espirometrias, análise dos dados e redação do artigo. A. M. B. Menezes e M. Knorst participaram da elaboração do projeto, análise dos dados e redação do artigo. J. S. Dias-da-Costa colaborou na execução do projeto, coordenação do trabalho de campo e preparação do banco de dados. D. P. Gigante e M. T. Olinto contribuíram na execução do projeto e execução da pesquisa. E. Fiss participou da coleta e interpretação das espirometrias e da redação do artigo.

 

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Correspondência
S. E. C. Macedo
Departamento de Clínica Médica
Faculdade de Medicina
Universidade Federal de Pelotas
Av. Duque de Caxias 250, Pelotas
RS 96030-002, Brasil
secmacedo@terra.com.br

Recebido em 29/Ago/2005
Versão final reapresentada em 08/Ago/2006
Aprovado em 29/Ago/2006

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br