ARTIGO ARTICLE


 

 

 

 

 

 

 

Ana Maria Fortaleza Teixeira 2
Margarita A. Villar Luis 2


Distúrbios psiquiátricos, tentativas de suicídio, lesões e envenenamento em adolescentes atendidos em uma unidade de emergência, Ribeirão Preto, São Paulo, 1988-1993 1  

Psychiatric disorders, suicide attempts, lesions and poisoning among adolescents treated in an emergency room, Ribeirão Preto, São Paulo, 1988-1993 1

 


1 Subvencionado pelo CNPq.
2 Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Av. Bandeirantes 3900, Ribeirão Preto, SP 14040-902, Brasil.

 

  Abstract An epidemiological study was conducted to determine the occurrence of psychiatric and related disorders, according to the International Classification of Diseases, among adolescents treated in an emergency room of a teaching hospital in Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil from 1988 to 1993. Adolescents studied represented 23% of the cases treated during this period. Neurotic Disorders (300), Suicide and self-inflicted Lesions (E950-E959), and Schizophrenic Psychoses (295) predominated among females. Signs and Symptoms related to alcohol and drugs (291, 292, 303, 304, 305), Schizophrenic Psychoses (295) and Neurotic Disorders (300) predominated among males. Adolescents studied were predominantly in the 20 to 24 and 15 to 19 year range, in this order.
Key words Adolescents; Psychiatric Disorders; Suicide Attempts; Epidemiology  

Resumo Trata-se de um estudo epidemiológico acerca da ocorrência de distúrbios psiquiátricos e outros relacionados, segundo o Código Internacional de Doenças, em adolescentes atendidos no setor de urgências psiquiátricas de um hospital-escola de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, durante o período de 1988 a 1993. Os adolescentes representaram 23% dos atendimentos no período. No sexo feminino, predominaram os Transtornos Neuróticos (300), Suicídio e Lesões Auto-Infligidas (E950-E959) e Psicoses Esquizofrênicas (295). No sexo masculino, sobressaíram-se os Quadros Relacionados a Álcool e Drogas (291, 292, 303, 304, 305), Psicoses Esquizofrênicas (295) e Transtornos Neuróticos (300). Dentre os adolescentes, predominaram as faixas 20 a 24 anos e 15 a 19 anos, consecutivamente.
Palavras-chave Adolescentes; Distúrbios Psiquiátricos; Tentativas de Suicídio; Epidemiologia

 

 

Introdução

 

A região SUDS ­ PP (decreto governamental de 06/09/1986) inclui 22 municípios, cuja população em sua maioria reside na zona urbana, e nos Municípios de Guariba, Jaboticabal, Monte Alto, Ribeirão Preto, Sertãozinho e Serrana concentram-se 75% da população regional. Destaca-se desses o Município de Ribeirão Preto, localizado a nordeste do Estado de São Paulo, com uma população atual de 436.702 habitantes, sendo que, desses, 120.004 tratam-se de adolescentes entre 10 e 24 anos (Censo de 1991 ­ dados do IBGE).

A região ocupa uma posição privilegiada do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social, em nível local, estadual e nacional, que se manifesta na presença dos setores primário (agroindústrias), secundário (indústrias de transferência mecânica, metalúrgica e minerais não metálicos) e terciário (setores de prestação de serviços e de comércio de mercadorias), os quais são responsáveis pelo progresso visível através, entre outros, de uma renda per capita em torno de US$ 4.562, para o Município de Ribeirão Preto (Alessi, 1990). Por apresentar tais características, além de clima quente e chuvoso na maior parte do ano, a região é mais conhecida como a "Califórnia Brasileira" (Scopinho, 1995).

Em função disso, a área tornou-se, nos últimos dez anos, um importante pólo de atração de migrações sazonais de populações originárias, sobretudo, do Centro-Oeste, Norte e Nordeste brasileiros, os quais vêm em busca de trabalho, principalmente na lavoura (corte de cana), e melhores oportunidades de vida.

Paralelamente a isso, a região possui vários centros de educação de Ensino Superior, quer seja governamentais (Estadual e Federal) ou privados. Somente em Ribeirão Preto, há quatro escolas de nível superior, o que lhe confere a característica de cidade de afluxo de população jovem, sendo o centro de referência para os municípios vizinhos e até para aqueles que extrapolam os limites geográficos do Estado de São Paulo.

A sua riqueza, possível oferta de emprego e possibilidade de formação e aperfeiçoamento profissional têm provocado o crescimento desordenado da cidade e áreas de problema. Apesar de haver diversificação nas atividades, o que potencializa as oportunidades de emprego, os níveis salariais não são os mais adequados e as condições de vida não são tão boas. Em 1993, o déficit habitacional em Ribeirão Preto era de 26 mil residências, e 17 favelas abrigavam cerca de sete mil moradores (Revide, 1993).

Pode-se pensar, então, nas dificuldades de ordem emocional que esses fatos acarretam na população como um todo. Essa problemática pode ser ainda mais acentuada nos jovens que buscam se desenvolver, trabalhar e/ou estudar, enfrentando as próprias dificuldades oriundas da idade somadas àquelas de ordem sócio-cultural.

Imaginando-se um eventual encontro entre uma personalidade fragilizada ou com problemas pessoais e/ou familiares, com um momento social e cultural sem grandes perspectivas, pode-se encontrar nesse contexto o clima propício para o aparecimento de modos destrutivos de lidar com a realidade e inclusive de distúrbios psiquiátricos diversos no jovem.

A psiquiatria tem contribuído com o estudo de vários autores, os quais forneceram subsídios que facilitam a compreensão do comportamento adolescente e o período da adolescência.

Erikson (1972) atenta para o fato de ser na adolescência que o indivíduo deve desenvolver os "requisitos preliminares de crescimento fisiológico, amadurecimento mental e responsabilidade social para atravessar a crise de identidade".

Waldemar (1983), numa revisão sobre o tema, referindo-se a Anna Freud (1952-1976), revela que, para ela, as manifestações do crescimento do adolescente assemelham-se à formação de sintomas neuróticos, psicóticos ou de personalidade anti-social, sendo normal nessa fase a ocorrência de comportamento inconsistente e imprevisível por algum tempo. O mesmo autor, baseado nas citações de Offer, 1965 e Rutter et al., 1976 (apud Waldemar, 1983), assinala que manifestações de revolta e inquietude, embora sejam comuns, não são essenciais para uma vida sadia. Em face das opiniões contraditórias da literatura, Waldemar (1983) atenta para que, ainda que os adolescentes passem pelos mesmos conflitos psíquicos, alguns deles podem manifestar algum tipo de distúrbio psiquiátrico. Segundo o autor, deve-se tomar cuidado para não atribuir toda sintomatologia entre adolescentes ao desequilíbrio temporário do período.

Aberastury et al. (1976) afirmam que, na maioria dos casos, a conduta pode modificar-se e melhorar com o tempo. Grande parte dos desvios que aparecem na adolescência deve ser considerada como surgida do desenvolvimento normal, observando-se a natureza das transformações e das exigências que se impõem ao jovem.

O adolescente em procura ativa de sua própria identidade passa por incontáveis períodos críticos. Segundo Knobel (1983), se o adolescente não apresentar uma certa rebeldia, ele não terá oportunidade de lidar com os problemas da fase de uma maneira saudável, podendo aparecer distúrbios emocionais, posteriormente, na vida adulta.

Lembrando que o contexto sócio-cultural onde o jovem se insere está presente a todo o momento, conforme já foi mencionado, cabe enfatizar a necessidade de se ver a adolescência a partir de uma perspectiva holística com seus componentes biológicos, psicodinâmicos e sociais.

De acordo com Cassorla (1987), alguns autores da literatura concordam que, nessa fase, a maioria dos conflitos relacionados à explosão instintiva da adolescência, aos desejos genitais edípicos, à dependência/independência dos pais, à identidade sexual e ao estabelecimento de uma identidade adulta pode ser geradora de suicídio.

Esse autor também assinala que a elaboração do conceito de morte no adolescente vai se fazendo progressivamente e, muitas vezes, o jovem sente necessidade de manipular essa idéia, até para ter a fantasia de seu controle. A angústia causada pela incerteza de como e quando essa morte acontecerá torna o jovem ainda mais impotente e pode ser combatida com a idéia suicida. O pensamento de poder tirar sua vida restabelece no jovem o sentimento de liberdade. Segundo o entendimento da maioria dos teóricos, grande parte desses adolescentes serão adultos normais, mas é importante observar se a tentativa de suicídio determinou ou não uma alteração nas condições de vida e do estado mental do paciente (Cassorla, 1987).

Investigando a respeito do suicídio, no caso entre a população jovem, Cassorla (1987) constatou que, especificamente no grupo feminino, o ato suicida geralmente ocorre após uma desilusão com uma pessoa significativa. Estudando as características dos vínculos formados por essas jovens, parece que o indivíduo não sabe onde terminam seus desejos e sentimentos e onde começam os do outro, formando-se uma fusão indistinta.

Investigações feitas por outros estudiosos, no Brasil, parecem confirmar a preocupação desse pesquisador, evidenciando que a vivência de uma situação de angústia e de conflitos pode mesmo levar um jovem ao suicídio. Hesketh & Castro (1978), em São Paulo, encontraram que a maior freqüência de tentativas de suicídio ocorre em jovens de até 25 anos e, principalmente, no sexo feminino. Schmitz et al. (1992) apontaram a prevalência das faixas etárias 25 a 39 e 17 a 24 anos em tentativas de suicídio por envenenamento, com uma freqüência feminina de 2,4 vezes maior que a masculina. Há ainda um outro fator preocupante. Cassorla (1984a) relatou haver um consenso na literatura segundo o qual a idade média das pessoas que tentam o suicídio tem diminuído nos últimos anos. Segundo esse autor (Cassorla, 1984b), a metade dos jovens (dez a vinte anos) que se suicidaram havia feito tentativas prévias.

Nos últimos anos, desenvolvendo atividades (ensino e pesquisa) num setor de urgências psiquiátricas de um hospital de emergências médicas pertencente ao SUDS (o qual é referência na região), em Ribeirão Preto, constatou-se que vinha tornando-se freqüente o atendimento a casos de tentativas de suicídio entre adolescentes, às vezes por motivos que não pareciam justificar uma atitude tão drástica.

Como o fato fosse causa de preocupação, ainda mais que não havia a oferta de uma assistência específica própria para essa faixa etária, surgiu o interesse de buscar maior conhecimento a respeito da situação profissional vivenciada.

Particularmente na cidade de Ribeirão Preto, Vansan (1978), ao estudar a mortalidade por suicídio, fez um levantamento no período de 1953 a 1976, sendo seus dados coletados com base em mapas demográfico-sanitários da Divisão Regional de Saúde, atestados de óbito do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, e livros de óbitos dos Cartórios de Paz e Registro Geral. Esse autor observou maior número de óbitos por suicídio no sexo masculino em uma proporção de 2 para 1, e maior pico entre as mulheres na faixa etária 15 a 29 anos, sendo que no sexo masculino houve maior número na faixa 20 a 39 anos.

Andrade (1979) verificou em amostra de pacientes atendidos no setor de urgências de um hospital geral, também na cidade de Ribeirão Preto, no ano de 1977, a predominância do sexo feminino em uma proporção de 3 para 1 nas tentativas de suicídio. No sexo feminino, houve um maior coeficiente de tentativas na faixa 15 a 19 anos; no sexo masculino, na de 25 a 29 anos.

Hesketh & Castro (1978) apontaram que as tentativas de suicídio nos homens apresentam maior intencionalidade. Seu estudo pareceu confirmar a tese de que o suicídio é um ato de caráter mais final para o homem do que para a mulher; enquanto o homem busca no ato a solução drástica para seu fracasso pessoal, a mulher tenta remediar condições adversas.

Pode-se inferir que isso justifica o fato de Vansan (1978) ter encontrado maior número de óbitos entre a população masculina, uma vez que se suspeita que os homens tenham mais sucesso que as mulheres nas tentativas de suicídio.

Os estudos de Vansan (1978) e Andrade (1979) demonstram que tanto os casos de tentativas de suicídio, como os suicídios propriamente não são um fato novo na cidade de Ribeirão Preto; também não é novidade a sua ocorrência maior entre a população jovem.

Com base nessa constatação e na relevância do tema, ainda pouco investigado no Brasil, parece importante a sua exploração bem como a da ocorrência de outros distúrbios psiquiátricos numa população de risco, como são os adolescentes.

O objetivo desse trabalho foi verificar a freqüência de diagnósticos psiquiátricos, casos de suicídios e lesões auto-infligidas e de lesões em que se ignora se foram acidental ou intencionalmente infligidas em adolescentes atendidos num hospital-escola destinado ao atendimento de emergências durante o período de 1988 a 1993.

 

 

Metodologia

 

Trata-se de um estudo descritivo de consultas feitas por um hospital a pacientes que procuraram o serviço de urgências psiquiátricas.

População: Todos os pacientes atendidos no setor de urgências de um hospital-escola de uma região a nordeste do Estado de São Paulo, durante o período de 1988 a 1993. Esse serviço é o único da região que atende casos de urgências psiquiátricas. Ele atende a população todos os dias em todos os períodos por um médico psiquiatra e enfermeiros. Os diagnósticos são feitos pelo médico, e pode haver uma margem de erro neste procedimento, principalmente nas desordens psicóticas, por ele ser um residente e estar em treinamento.

Procedimento: Os dados foram obtidos através de listagens e disquetes fornecidos pelo serviço de estatística do hospital. Por meio do cruzamento de dados pelo computador, foi possível observar os pacientes que foram atendidos mais de uma vez no mesmo ano, considerando-se, então, apenas o último atendimento. Tomou-se como adolescente a população de 10 a 24 anos, tentando incluir as faixas citadas pela literatura. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência iniciaria aos dez e finalizaria aos vinte anos. Setian et al. (1979) introduziram a juventude como o período entre 15 e 25 anos. A idade dos pacientes foi agrupada nas seguintes faixas etárias: 9 25, 10 a 14, 15 a 19 e 20 a 24 anos. Os diagnósticos foram agrupados segundo o Código Internacional de Doenças (Cid-9). Foram abordados os grupos de diagnósticos psiquiátricos 290.0 a 319.9 e os grupos diagnósticos E950.0 a E959.9 (Suicídio e Lesões Auto-Infligidas) e E980.0 a E989.9 (Lesões em que se ignora se foram acidental ou intencionalmente infligidas). Quanto à procedência, incluíram-se todos os pacientes atendidos no serviço provenientes da região de Ribeirão Preto, conforme o mapa demográfico de 1989, bem como pacientes vindos de outras regiões do País. Segundo o mapa demográfico de 1989, as cidades que fazem parte da região de Ribeirão Preto são: Sertãozinho, Luiz Antonio, Cravinhos, São Simão, Santa Rosa do Viterbo, Cássia dos Coqueiros, Santo Antonio da Alegria, Altinópolis, Brodosqui, Jardinópolis, Dumont, Barrinha, Pradópolis, Pitangueiras, Serrana, Pontal, Jaboticabal, Monte Alto, Guariba, Serra Azul, Batatais e Ribeirão Preto.

 

 

Resultados

 

A população adolescente apresentou uma porcentagem elevada de ocorrências, em comparação com o restante da população atendida no setor no período estudado. Nos quadros Suicídio e Lesões Auto-Infligidas e Lesões em que se ignora se foram acidental ou intencionalmente infligidas, os adolescentes representaram 45% dos casos. No quadro Reações de Ajustamento, essa população equivaleu a 33% dos atendimentos. Nos demais grupos diagnósticos, os adolescentes representaram de 12% a 28% dos pacientes.

Dentre a população adolescente, observa-se na figura 1 que predominou a faixa etária 20 a 24 anos, seguida da de 15 a 19 e 10 a 14, sucessivamente, no período de 1988 a 1993. A faixa etária 20 a 24 anos representou 1.721 atendimentos; a de 15 a 19, 1.128; a de 10 a 14, 251.

Na figura 2, verifica-se a predominância do sexo feminino nos quadros: Suicídio e Lesões Auto-Infligidas com 210 casos; Lesões em que se ignora se foram acidental ou intencionalmente infligidas, com 137; Transtornos Neuróticos, com 606 e Reações de Ajustamento, com 104. O sexo masculino predominou nos diagnósticos: Quadros Relacionados a Álcool e Drogas, com 299 atendimentos; Psicoses Esquizofrênicas, com 273 e Outras Psicoses Não Orgânicas, com 199.

Os dados da Tabela 1 indicam que, no período de 1988 a 1993, houve, para o sexo masculino, um aumento de 14% no total de atendimentos. Já para o sexo feminino, verifica-se a ocorrência de um decréscimo de 14% no número de atendimentos a adolescentes.

 

 

Essa diferença nos números em relação ao sexo atribui-se ao fato de que houve uma diminuição no número de adolescentes do sexo feminino atendidas nos anos de 1991, 1992 e 1993, o que alterou sensivelmente o resultado final para o período.

No que concerne à evolução da ocorrência dos diagnósticos no decorrer do período, nota-se que, no sexo masculino, em 1988, predominaram as Psicoses Esquizofrênicas (55); em 1989, os Transtornos Neuróticos (53) e em 1990, 1991, 1992, e 1993 os Quadros Relacionados a Álcool e Drogas (53, 73, 58 e 50, respectivamente). Portanto, esse último grupo diagnóstico configura-se como o mais relevante para a população masculina.

No sexo feminino, embora apresentem seu pico em 1989, os Transtornos Neuróticos sobressaem nos seis anos, em relação ao total de diagnósticos. Em 1988, representou 98 dos casos; em 1989, 140; em 1990, 109; em 1991, 97; em 1992, 96 e em 1993, 66. Verifica-se, portanto, uma variação de 33% no período.

Cabe ressaltar que os quadros relacionados a álcool e drogas diminuíram de 1988 para 1989, subiram em 1990, voltando a cair a partir de 1992 no sexo masculino, apresentando uma variação no período de 43%. No sexo feminino, esse grupo diagnóstico apresentou porcentagem baixa em comparação ao restante dos diagnósticos e, mesmo atingindo seu pico em 1992, mostra uma variação de aproximadamente ­ 28% de 1988 a 1993.

Quanto aos casos de suicídio e lesões auto-infligidas, após 1988, estes mantiveram-se estáveis no sexo masculino, contudo verifica-se que do início ao fim do período constata-se um aumento em torno de 100% no número de atendimentos. No sexo feminino, o número de casos em relação a esse grupo diagnóstico aumentou progressivamente no decorrer do período, chegando a ocupar lugar de destaque (segundo mais freqüente) dentre os outros distúrbios, em todos os anos, tendo-se observado para esse sexo uma variação de 162% de 1988 para 1993. Ano a ano, nota-se que, de 1988 a 1989 e de 1989 para 1990, houve um aumento no número de casos de 115% e 61% respectivamente. Já de 1990 para 1991, houve um decréscimo de 15%, vindo a seguir, de 1991 para 1992, novo aumento de 37% e novamente um decréscimo de 35% de 1992 para 1993.

As lesões em que se ignora se foram acidental ou intencionalmente infligidas representaram números pequenos no sexo masculino. No sexo feminino, atingiu 36 casos em 1988, mas decaiu progressivamente no decorrer dos seis anos. Talvez essa queda ocorra em função da mudança na classificação dos pacientes, aos quais estariam sendo atribuídos outros diagnósticos (E950 a E959). Esse fato pode ser conseqüência da nova postura do setor de atendimento da clínica médica do hospital estudado, que, após 1988, iniciou o procedimento de enviar os casos de intoxicação endógena suspeitos ao setor de urgências psiquiátricas para posterior avaliação dessa clínica.

Quanto aos casos atendidos com diagnóstico de Psicoses Esquizofrênicas, constata-se que diminuíram de 1988 para 1990, tendo aumentado em 1991 e decaído progressivamente em número nos anos seguintes.

Os atendimentos com o diagnóstico Outras Psicoses Não Orgânicas aumentaram progressivamente no sexo masculino de 1988 para 1990, diminuíram em 1991 e 1992, voltando a subir em 1993. No sexo feminino, o mesmo diagnóstico está representado por porcentagens baixas e praticamente estáveis.

No que concerne ao diagnóstico Reações de Ajustamento, podem ser observadas porcentagens baixas nos dois sexos no decorrer do período. O número de casos manteve-se estável no sexo masculino e, no sexo feminino, aumentou progressivamente de 1988 para 1990, tendo diminuído progressivamente nos anos seguintes.

Pode-se observar na figura 3 que a faixa etária 20 a 24 anos predominou na maioria dos diagnósticos: 307 casos de Psicoses Esquizofrênicas, 185 de Outras Psicoses Não Orgânicas, 472 de Transtornos Neuróticos e 257 de Quadros Relacionados a Álcool e Drogas.

A faixa etária 15 a 19 anos sobressaiu-se nos diagnósticos Reações de Ajustamento, com 73 casos; Lesões em que se ignora se foram acidental ou intencionalmente infligidas, com 81 dos casos, e Suicídio e Lesões Auto-Infligidas, com 120 adolescentes.

 

 

Discussão

 

Embora tenha sido feito extenso levantamento bibliográfico, não foram encontrados estudos que abordassem especificamente a morbidade psiquiátrica na faixa etária incluída na adolescência (10 a 24 anos) neste estudo.

Rios & Jabes (1992) dão alguns indícios a respeito dessa temática numa investigação descritiva, onde levantaram os diagnósticos psiquiátricos segundo sexo e idade, dentre outros, valendo-se da análise de dados do sistema de informações hospitalares do Registro Central de Internações (RCI), desenvolvido no Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo (SESE-SP) (CVE-SES-SP, 1991).

Esses autores informam que os diagnósticos mais freqüentes no seu estudo, no período 1986-1988, para todas as faixas etárias, foram: no sexo feminino, as Psicoses Esquizofrênicas e as psicoses não especificadas, e no sexo masculino, o Álcool e as Psicoses Esquizofrênicas (diagnósticos segundo CID-9).

Os resultados da presente investigação demonstraram que, entre a população de adolescentes estudada procedente de Ribeirão Preto e região, os distúrbios predominantes no período, 1988-1993, foram os Transtornos Neuróticos (28%), as Psicoses Esquizofrênicas (15%), e os quadros relacionados a álcool e drogas (com 12%).

Além disso, na faixa etária abordada como referente à adolescência, os resultados desta investigação coincidem com os de Rios & Jabes (1992) no concernente ao sexo masculino, havendo a predominância dos quadros relacionados a álcool e drogas e das Psicoses Esquizofrênicas (presentes em 21% e 19% da população, respectivamente). Porém, no sexo feminino, há diferenças, pois os distúrbios psiquiátricos mais freqüentes foram os Transtornos Neuróticos (37%) seguidos das Psicoses Esquizofrênicas (11%).

Na cidade de Ribeirão Preto, Vansan (1978), estudando a mortalidade por suicídio no período de 1953 a 1976, verificou que, entre o sexo masculino, o maior pico ocorreu na faixa etária 20 a 39 anos, e, entre o feminino, observou a ocorrência de três picos: de 15 a 29 (o mais elevado), de 40 a 50 e finalmente, de 60 a 70 anos.

Ainda nessa cidade, Andrade (1979) efetuou investigação sobre a ocorrência de tentativas de suicídio no ano de 1977, obtendo como resultados a predominância do sexo feminino em uma proporção de 3 para 1. Verificou um maior coeficiente de tentativas entre a população feminina no grupo etário 15 a 19. Já no sexo masculino, os dados indicaram um coeficiente mais elevado entre o grupo de 25 a 29.

Portanto, os dois estudos indicam a predominância dos diagnósticos de tentativas de suicídio entre os grupos adolescente e adulto. Tal fato vai de encontro aos achados desta investigação, particularmente no que tange às tentativas de suicídio entre os adolescentes de forma geral, em que o grupo de 15 a 19 anos foi o predominante.

Os dados também revelaram que o Suicídio e Lesões Auto-Infligidas (13%) ocuparam o segundo lugar dentre os diagnósticos relativos à população adolescente feminina, de todos os casos atendidos no período.

Ao se compararem os números referentes a esse último diagnóstico, considerando-se ambos os sexos, verifica-se que 77% dos casos de Suicídio e Lesões Auto-Infligidas estiveram presentes no sexo feminino e 23% no sexo masculino, na população total de adolescentes assistidos (3.100) no período de 1988 a 1993.

No tocante às adolescentes, Hesketh e Castro (1978) também encontraram na sua amostra de pessoas atendidas no Pronto Socorro do Hospital de Sobradinho (Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho ­ UISS ­ da Universidade de Brasília), no ano de 1976, a predominância do sexo feminino nas tentativas de suicídio, casos estes que se situaram entre jovens de até 25 anos.

 

 

Considerações finais

 

De 13.401 atendimentos no período de 1988 a 1993, 23% foram a adolescentes, sendo 52% do sexo feminino; portanto, houve uma representação semelhante de ambos os sexos. A porcentagem de atendimentos a adolescentes permaneceu razoavelmente estável no decorrer do período: 28% dos casos em 1988; 27% em 1989; 25% em 1990; e 20% em 1991, em 1992 e em 1993. A faixa etária de maior procura foi a de 20 a 24 anos, com 56% dos atendimentos, seguida da de 15 a 19, com 36%.

Sendo assim, aproximadamente um quarto da população atendida no setor de Urgências Psiquiátricas foi de adolescentes, cujos diagnósticos psiquiátricos mais freqüentes foram Transtornos Neuróticos, Psicoses Esquizofrênicas e os quadros relacionados a álcool e drogas.

Cabe ressaltar que, do total geral da população investigada, os adolescentes representaram 45% dos atendimentos a lesões em que se ignora se foram acidental ou intencionalmente infligidas, e dos casos de suicídio e lesões auto-infligidas, no período de 1988 a 1993.

De maneira geral, os dados obtidos no presente trabalho estão em concordância com os obtidos na literatura científica brasileira.

Os resultados aqui obtidos evidenciam o fato preocupante de distúrbios psiquiátricos e comportamentos auto-destrutivos estarem ocorrendo com freqüência bastante alta em população jovem. Isto deve servir de alerta para a necessidade da elaboração de programas assistenciais e preventivos, no sentido de oferecer serviços de apoio que incluam programas educativos aos adolescentes e assistência especializada precoce a seus familiares e próximos quando esta for necessária.

É sabido que, quando uma pessoa é acometida por algum fator estressante, a sua família, bem como as pessoas que convivem com ela também sofrem. Isso abala a estrutura familiar e pode ainda trazer à tona algum distúrbio em seus outros membros. Dongen (1988) atenta para o fato de a tentativa de suicídio e o suicídio propriamente poderem trazer inúmeras seqüelas, tanto para a pessoa que o cometeu quanto para as pessoas que convivem com ela, sendo que essas últimas geralmente não são alvo de atenção dos profissionais de saúde.

No caso de jovens atendidos em um serviço de emergências psiquiátricas, é visível o desconforto experimentado pelo adolescente. O local é tumultuado, com pacientes apresentando diversos quadros psiquiátricos e a população usuária (pacientes e acompanhantes é predominantemente adulta, expondo o adolescente desnecessariamente, pois a presença de alguém muito jovem sempre desperta a curiosidade dos outros e nem sempre os familiares do mesmo têm uma conduta de reserva).

Por outro lado, as manifestações da enfermidade dos pacientes adultos, por vezes, assustam o adolescente incentivando-o a querer ir embora o quanto antes, mesmo que não tenha expressado o seu sofrimento. Outras vezes esse medo manifesta-se através de uma postura arrogante, fechada, na defensiva e não colaboradora, no sentido de expor suas queixas e sofrimento.

Portanto, é evidente que serviços onde o jovem compartilhe o espaço com adultos não são terapêuticos para a população adolescente; os serviços pediátricos também não o são pelo fato de ele não ser mais criança e, embora a área da saúde leve em consideração, ao menos teoricamente, esse período do desenvolvimento, na prática não se verifica a existência de serviços apropriados a essa clientela.

O que se tem oferecido ao adolescente são programas, quase sempre destinados a uma especificidade ­ ginecologia e obstetrícia, prevenção de drogas e doenças sexualmente transmitíveis e AIDS ­, contudo a grande maioria deles funciona com pouca articulação com outros serviços e poucos profissionais com preparo para lidar com essa população e com as modificações próprias da idade, incluindo os distúrbios que acometem com maior freqüência esta faixa etária.

Seguramente, se essa população fosse atendida num local que ele incorporasse como sendo somente para o seu grupo etário, possivelmente o freqüentaria com maior facilidade e sem a companhia dos pais (se isso fosse constrangedor). Um serviço nesses moldes favoreceria a interação de múltiplos profissionais entre si e com o adolescente, bem como com sua família, podendo ser oferecidos num mesmo local atendimentos assistenciais de várias clínicas, assim como inúmeros programas educativos, os quais, inclusive, poderiam emanar do interesse dos próprios usuários.

Cassorla (1987), a esse respeito, assinala a importância de se estimular os adolescentes a se agruparem e discutirem entre si os seus problemas. Contudo, enfatiza que uma internação é indicada no caso de avaliação do jovem quando houver a necessidade de separá-lo de um ambiente possivelmente conturbador. De acordo com o referido autor, é necessário também que o profissional de saúde seja "codificador" da mensagem implícita no ato suicida. Preconceitos e dificuldades pessoais geralmente fazem com que o profissional menospreze a importância do ato. Cassorla sugere, ainda, um maior treinamento do profissional para evitar também a abordagem apenas de aspectos somáticos e o não-encaminhamento ao especialista.

 

 

Referências

 

ABERASTURY, A, 1976. Adolescência. Buenos Aires: Ed. Kargieman.         

ALESSI, N. P., 1990. A produção de pesquisa em Saúde e Trabalho no Brasil. Anais 1o Seminário Nacional de Saúde e Trabalho. Ribeirão Preto: EERP/USP.         

ANDRADE, J. J. B., 1979. Epidemiologia da Tentativa de Suicídio em Ribeirão Preto. Dissertação de Mestrado, Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.         

CASSORLA, R. M. S., 1984a. Jovens que tentam o suicídio. Características demográficas e sociais. Um estudo comparativo com jovens normais e com problemas mentais (I). Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 33:3-12.         

CASSORLA, R. M. S., 1984b. Jovens que tentam o suicídio. Antecedentes mórbidos e de condutas autodestrutivas. Um estudo comparativo com jovens normais e com problemas mentais (II). Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 33:93-98.         

CASSORLA, R. M. S. , 1987. Comportamentos Suicidas na Infância e Adolescência. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 36 :137-144.         

DONGEN, C. J. V., 1988. The legacy of suicide. Journal of Psychosocial Nursing, 26:9-12.         

ERIKSON, E. H., 1972. Identidade, Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Ed. Zahar.         

HESKETH, J. L. & CASTRO, A. G., 1978. Fatores correlacionados com a tentativa de suicídio. Revista de Saúde Pública, 12:138-146.         

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1994. Censo Demográfico 1991. Resultados do Universo Relativos a Características da População e dos Domicílios. São Paulo, IBGE, 1994, 21,43-334.         

KNOBEL, M., 1983. Desenvolvimento social e psicológico do adolescente. In: Psiquiatria e Saúde Mental (M. Knobel & S. Saidemberg, orgs.), pp. 282-289, São Paulo. Ed. Autores Associados. Publicado conjuntamente com a Comissão Científica do XV Congresso Nacional de Neurologia.         

REVIDE, 1993. Bem-Vindos à Ribeirão Preto. In: Revide, ano VII, 05, edição especial. Ribeirão Preto: MIC Editorial LTDA.         

RIOS, I. C. & JABES, M. R.,1992. Estudo crítico de internações psiquiátricas no Estado de São Paulo. Revista da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Psiquiátrica da América Latina, 14:9-13.         

SCHMITZ, M.; TORRES, J. B. & SOARES, P. F. B., 1992. Tentativa de suicídio por auto-envenenamento: um estudo sobre 684 casos. Revista da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Psiquiátrica da América Latina, 14:63-66.         

SCOPINHO, R. A., 1995. Pedagogia Empresarial de Controle do Trabalho e Saúde do Trabalhador: O Caso de uma Usina-Destilaria da Região de Ribeirão Preto. Dissertação de Mestrado, São Carlos: Centro de Educação e Ciências Humanas. Universidade Federal de São Carlos.         

SETIAN, N.; COLLI, A. S. & MARCONDES, E., 1979. Adolescência ­ Monografias Médicas. Vol. XI, São Paulo: Sarvier.         

WALDEMAR, J. O. C., 1983. Quão perturbado é o adolescente "normal"? Uma revisão de conceitos e de estudos epidemiológicos. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 5:31-36.         

VANSAN, G. A., 1978. Estudo da Mortalidade por Suicídio no Município de Ribeirão Preto. Dissertação de Mestrado, Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.         

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br