ARTIGO ARTICLE

 

Perfil lipídico na adolescência: efeito de exposições intra-uterinas

 

Lipid profile in adolescents: effect of intrauterine exposures

 

 

María Clara Restrepo; Bernardo Lessa Horta; Denise Petrucci Gigante

Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Avaliou-se o efeito do retardo de crescimento intra-uterino e de fatores de risco para o retardo de crescimento intra-uterino sobre o perfil lipídico em adolescentes pertencentes ao estudo de coorte de nascimentos de 1982 de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Em 2000, os participantes do sexo masculino foram identificados no alistamento militar; 79% (n = 2.250) foram entrevistados e 2.089 doaram amostra de sangue. No presente estudo, as variáveis dependentes foram o colesterol total e suas frações (VLDL, LDL, HDL), colesterol não-HDL, razão LDL/HDL e triglicerídeos. As exposições estudadas foram o retardo de crescimento intra-uterino, o índice de massa corporal (IMC) materno pré-gestacional e o tabagismo materno durante a gravidez. Após ajuste para fatores de confusão, o colesterol total, LDL e não-HDL foram maiores entre os adolescentes cujo IMC materno pré-gestacional estava no terceiro e quarto quartil. No entanto, tais associações desapareceram após controle para dieta, escolaridade e IMC do adolescente. O retardo de crescimento intra-uterino e o tabagismo materno na gravidez não foram associados com o perfil lipídico aos 18 anos de idade.

Retardo do Crescimento Fetal; Colesterol; Adolescemte


ABSTRACT

This study assessed the effects of intrauterine growth restriction and risk factors for intrauterine growth restriction on blood lipids in adolescents from the 1982 birth cohort in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil. All male subjects were identified in 2000 when enrolling in the national army; 79% (n = 2,250) were interviewed, and 2,089 provided blood samples. The following outcome variables were studied: total cholesterol and fractions (VLDL, LDL, and HDL), non-HDL cholesterol, LDL/HDL ratio, and serum triglycerides. The explanatory variables were intrauterine growth restriction, maternal pre-gestational body mass index (BMI), and maternal smoking during pregnancy. After adjusting for confounding variables, total, LDL, and non-HDL cholesterol levels were slightly and significantly higher among adolescents whose mothers were in the 3rd and 4th quartiles of pre-gestational BMI. However, these associations disappeared after adjusting for the adolescent's diet, schooling, and BMI. Other associations were not significant (p > 0.05).

Fetal Growth Retardation; Cholesterol; Adolescent


 

 

Introdução

As doenças cardiovasculares são apontadas como a principal causa de óbito no mundo, sendo sua prevenção e controle um dos maiores desafios atuais para a saúde pública 1. Os níveis elevados de colesterol e triglicerídeos plasmáticos têm sido amplamente documentados como importantes fatores de risco modificáveis para essas doenças 2.

Estudos epidemiológicos sugerem que o nível de lipídios plasmáticos pode ser determinado por exposições ocorridas na gestação ou nos primeiros anos de vida, mas as evidências ainda são controversas 3,4,5. As teorias de programação biológica e da origem precoce das doenças no adulto postulam que um ambiente fetal adverso (especialmente a subnutrição), durante um período crítico ou sensível do desenvolvimento, conduz a mudanças adaptativas na estrutura, metabolismo e fisiologia do feto 6. Estudos em animais demonstraram que a carência nutricional no útero gera modificações na expressão de genes hepáticos de enzimas-chave (carnitina-palmitil-transferasa; acetil-CoA carboxilasa e proteína tri-funcional de β oxidação) no metabolismo dos ácidos graxos. Tais mudanças ocorrem associadas com um aumento nos níveis de malonil-CoA e triglicerídeos séricos, conduzindo a um perfil lipídico alterado 7,8,9.

Em relação ao efeito do peso ao nascer (como marcador de crescimento fetal) sobre o metabolismo lipídico, Lawlor et al. 4, numa metanálise, observaram uma diminuição de 0,04mmol/L (IC95%: -0,07; -0,02) no colesterol total para cada aumento de 1kg no peso ao nascer no sexo masculino. Já no sexo feminino, foi estimada uma diminuição de 0,01mmol/L (IC95%: -0,04; 0,02). Ambos os resultados foram obtidos após ajuste para idade 4. Contudo, cabe notar que esses estudos podem ter subestimado o efeito do crescimento intra-uterino, uma vez que o peso ao nascer é determinado por duas condições distintas, quais sejam, a duração da gestação e o crescimento fetal 10.

São escassos os estudos realizados em países de média e baixa renda que avaliaram o efeito em longo prazo das condições intra-uterinas sobre o metabolismo lipídico. Nos países de média e baixa renda, além da prevalência de subnutrição ser mais elevada, espera-se que, entre as mães com baixo peso, a proporção de déficit nutricional e o retardo de crescimento intra-uterino sejam maiores. Nesse cenário de maior iniqüidade sócio-econômica, o risco atribuível de dislipidemia decorrente da subnutrição (de acordo com a nossa hipótese) é maior do que em países de alta renda.

O presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito do retardo de crescimento intra-uterino e de alguns fatores de risco desse retardo (índice de massa corporal materno pré-gestacional e tabagismo materno) sobre o perfil lipídico de adolescentes da coorte de 1982 da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

Métodos

A presente pesquisa está vinculada ao estudo de coorte das crianças nascidas em 1982, em Pelotas, cidade de porte médio localizada no extremo Sul do Brasil. A população é na sua maioria branca, descendente do sul da Europa. Esta é uma parte do Brasil relativamente desenvolvida, mas com amplas desigualdades sócio-econômicas. Segundo estimativas do Censo Demográfico (http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007, acessado em 01/Out/2008), a população urbana aumentou de cerca de 210 mil, em 1982, para aproximadamente 340 mil habitantes, em 2007.

Entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 1982, todos os 6.011 nascimentos hospitalares da cidade foram identificados (aproximadamente 99% de todos os nascimentos) e as 5.914 crianças nascidas vivas, cujas famílias residiam na área urbana, foram incluídas no estudo. Um questionário padronizado foi aplicado à mãe por ocasião do nascimento, visando obter informações quanto a variáveis demográficas, sócio-econômicas e de assistência à gestação e ao parto. Os recém-nascidos foram pesados com balanças pediátricas (Filizola S.A. Pesagem e Automação, São Paulo, Brasil), suas mães tiveram seu peso e altura aferidos 11. A população em estudo foi acompanhada por inúmeras vezes. Maiores detalhes das metodologias do estudo perinatal e dos acompanhamentos estão disponíveis em outras publicações 11,12.

Entre janeiro e abril de 2000, todos os homens nascidos em 1982 deveriam comparecer à junta de alistamento militar, oportunidade em que um entrevistador coletou informações que permitiram a identificação do adolescente como um membro da coorte. No momento do exame médico do alistamento militar (de julho a setembro de 2000), os adolescentes foram convidados a responder a um questionário e a doar uma amostra de sangue. Os recrutas compareceram ao quartel às 6h da manhã e os exames foram realizados. As amostras de sangue foram coletadas por venopunção entre as 10h30min e o meio-dia, após a realização dos exames médicos, intelectuais e antropométricos. Dessa forma, estima-se que os membros da coorte estavam com, pelo menos, cinco a sete horas de jejum 5,11.

As seguintes variáveis dependentes foram estudadas: colesterol total e suas frações (VLDL, LDL e HDL); colesterol não HDL, razão LDL/HDL e triglicerídeos plasmáticos. O colesterol total, HDL e triglicerídeos foram medidos usando métodos enzimáticos (Dimension Clinical Chemestry system; Dade Behring). O colesterol VLDL foi estimado com base nos níveis de triglicerídeos. O colesterol LDL foi estimado pela fórmula de Friedewald et al 13 [colesterol total - (HDL + Triglicerídeos/5)]. O colesterol não-HDL foi calculado pela diferença entre o colesterol total e o HDL 2.

Todos os valores foram expressos em mg/dL, exceto para razão LDL/HDL.

As variáveis independentes estudadas foram: retardo de crescimento intra-uterino, índice de massa corporal (IMC) materno pré-gestacional e tabagismo materno na gravidez. O retardo de crescimento intra-uterino foi definido como o peso ao nascer de acordo com idade gestacional e sexo abaixo do percentil 10 da curva de Williams et al. 14. Todas as variáveis foram coletadas no estudo perinatal, em 1982. O IMC materno pré-gestacional foi calculado mediante altura (medida pela equipe de pesquisa) e peso materno no início da gestação (coletado na carteira de pré-natal ou referido pelas mães). O tabagismo materno foi coletado em categorias relacionadas à freqüência e, para este estudo, estipularam-se três categorias, a saber: não fumou, fumou parte da gravidez, fumou toda a gravidez. O tabagismo também foi classificado de acordo com a quantidade de cigarros fumados num dia. Assim, os participantes do estudo puderam ser classificados da seguinte maneira em relação à intensidade quanto ao fumo: não fumou, fumou de 1-14 cigarros/dia, fumou 15 ou mais cigarros/dia.

As seguintes variáveis foram consideradas como possíveis fatores de confusão: idade da mãe no momento do nascimento da criança (categorizada em < 20, 20-29 e > 30), cor da pele materna auto-referida (categorizado em branca e não branca), escolaridade materna (categorizada em 0-4, 5-8, 9-11 e >12 anos de estudo completos), renda familiar ao nascer (classificada como < 1, 1,1-3,0 e > 3,0 salários mínimos) e paridade (categorizada em 0, 1, 2, 3 ou mais filhos). Todas essas variáveis foram referidas pela mãe durante o estudo perinatal. A renda familiar ao nascer (classificada como < 3 salários mínimos e > 3 salários mínimos) foi avaliada como possível modificador de efeito. Já que não houve evidência de interação (< 20%) pela renda familiar, as análises não foram apresentadas estratificadas por esta variável.

Para a análise bruta dos dados, foram utilizados o teste t e a análise de variância. Na análise multivariável, foi utilizada a regressão linear múltipla. Em todas as análises foi utilizado um nível de significância de 5%. Foram considerados como possíveis fatores de confusão aquelas variáveis que estavam associadas com o desfecho num nível de significância menor ou igual a 20%. As análises foram realizadas utilizando o programa Stata 9.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).

Considerando que os dados utilizados neste estudo já estavam coletados, o cálculo do poder estatístico foi realizado a posteriori. O banco de dados incluiu aproximadamente 2.083 adolescentes, o que indica que, com o tamanho da amostra, o estudo teve um poder estatístico de 80% para detectar como estatisticamente significativa uma diferença de pelo menos 7mg/dL entre os grupos expostos (adolescentes cujas mães tiveram IMC pré-gestacional < 20kg/m²; adolescentes cujas mães fumaram na gravidez e adolescentes com retardo de crescimento intra-uterino ao nascer) e não expostos.

Sob o ponto de vista ético, garantiu-se a confidencialidade de todas as informações coletadas e se obteve o consentimento dos responsáveis ou do indivíduo em todas as fases do estudo (verbal em 1982 e escrito em 2000). O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica da Universidade Federal de Pelotas.

 

Resultados

Em 2000, foram entrevistados 2.250 dos 3.037 indivíduos do sexo masculino membros da coorte original. Somados aos 143 indivíduos do sexo masculino que faleceram até esse ano, foi obtida uma taxa de acompanhamento de 79%. As perdas foram mais freqüentes entre adolescentes nascidos nas famílias mais pobres (27%) e mais ricas (22%), quando comparados com adolescentes nascidos nas famílias das classes intermediárias. Igualmente, observaram-se perdas maiores entre adolescentes cujas mães tinham uma ou mais das seguintes características: idade inferior a 20 anos (24%); de 0-4 ou de 5-9 anos de estudo; IMC pré-gestacional inferior a 22kg/m² (23%); fumo durante toda a gravidez (24%) 11.

Dos 2.250 indivíduos entrevistados, 2.083 forneceram uma amostra de sangue para a medida do colesterol total. Em 24 indivíduos não se obteve uma quantidade suficiente para medir os outros componentes do perfil lipídico. A Tabela 1 apresenta a média e o desvio-padrão dos lipídios plasmáticos estudados. A Tabela 2 apresenta o colesterol total, HDL e não-HDL de acordo com características demográficas, sócio-econômicas, antropométricas e comportamentais da amostra. Verificou-se que a média de colesterol total e de colesterol não-HDL foi maior entre adolescentes cujas mães tinham maior escolaridade e maior renda familiar, e menor entre adolescentes cujas mães tinham menor IMC materno pré-gestacional. A média de colesterol HDL foi menor entre os adolescentes de mães brancas.

 

 

A Tabela 3 mostra as análises bruta e ajustada para colesterol total, colesterol HDL e triglicerídeos. Em média, o colesterol total foi maior entre os adolescentes cujas mães estavam no 3º e 4º quartil de IMC pré-gestacional; no entanto, não foi observada uma relação linear. Na análise bruta e ajustada, não houve diferenças significativas nos níveis de colesterol HDL e triglicerídeos entre as categorias de IMC materno pré-gestacional. O tabagismo materno na gestação (conforme freqüência e intensidade) e o retardo de crescimento intra-uterino não apresentaram associação com o colesterol total, colesterol HDL e triglicerídeos.

A Tabela 4 apresenta as análises bruta e ajustada para colesterol VLDL, colesterol LDL, colesterol não-HDL e razão LDL/HDL. Similarmente ao que foi constatado para o colesterol total, o colesterol LDL foi em média maior nos adolescentes cujas mães pertenciam ao 3º e 4º quartil de IMC pré-gestacional (p = 0,05). Entretanto, não foi observada tendência linear (p de tendência = 0,1) de aumento do colesterol LDL com o aumento do IMC materno. Uma associação similar foi observada entre o colesterol não-HDL e o IMC materno pré-gestacional. Da mesma forma como verificado na Tabela 3, o tabagismo materno (conforme freqüência e intensidade) e o retardo de crescimento intra-uterino não estiveram associados com os níveis de colesterol VLDL, LDL, não-HDL e razão LDL/HDL.

 

Discussão

No presente estudo, avaliamos o efeito da programação do crescimento intra-uterino sobre o metabolismo lipídico em adolescentes aos 18 anos de idade. Além de avaliar o efeito do peso ao nascer de acordo com a idade gestacional, variáveis reconhecidamente associadas à restrição do crescimento intra-uterino 15,16 foram incluídas na análise, mas não encontramos qualquer efeito de programação em longo prazo, como proposto pela teoria de Barker.

O desenho prospectivo deste estudo torna-o menos suscetível a um viés de informação, pois as exposições (peso ao nascer para idade gestacional, IMC materno pré-gestacional e tabagismo materno durante a gestação) foram medidas no momento do nascimento e, dessa forma, não é possível creditar a ausência de associações significativas a um erro de classificação não diferencial. Além disso, as elevadas taxas de acompanhamento e a base populacional da coorte contribuíram para prevenir o viés de seleção.

Entre as principais limitações do nosso estudo está o fato de que as amostras não foram coletadas após um período de jejum de 12 horas. Uma vez que os jovens tinham de chegar às 6h da manhã para o exame médico de seleção e a coleta de sangue seria feita entre as 10h30min e o meio dia, o tempo mínimo de jejum foi de cinco horas. Nesse período, os níveis de triglicerídeos plasmáticos podem ter sido afetados pela alimentação prévia. Por conseguinte, não excluímos a possível presença de um erro de classificação não diferencial no desfecho, que conduziria a uma subestimação do efeito das exposições sobre os níveis de triglicerídeos e, portanto, a uma possível ausência de associação. Por outro lado, não se encontrou uma tendência linear nos efeitos estimados, fato que reforça a possibilidade de que a ausência de associação não foi decorrente de um erro de classificação não diferencial. Cabe salientar que as médias de lipídios plasmáticos foram semelhantes a resultados encontrados em outros estudos na América Latina 17,18.

Em relação às perdas de acompanhamento, não acreditamos que a impossibilidade de acompanhar todos os membros da coorte original tenha enviesado os resultados, a menos que a associação entre as exposições estudadas e o perfil lipídico seja diferente nos não encontrados. Perdas de acompanhamento, mesmo que a distribuição tenha variado de acordo com o estado da doença ou características do baseline, não enviesariam a estimativa de risco. O viés ocorreria somente se as categorias da doença variassem de acordo com as características do baseline.

Ao contrário do sugerido pela teoria da programação fetal, o baixo IMC materno pré-gestacional - um fator claramente associado com a restrição intra-uterina 15 - esteve associado com menores níveis de colesterol total, LDL e não-HDL. No entanto, esta associação foi mediada pela dieta, composição corporal do adolescente e o nível sócio-econômico. Após controle para IMC, conteúdo de gordura na dieta e anos de escolaridade do adolescente, a diferença observada nos níveis de colesterol não-HDL entre os filhos de mães com IMC no quartil inferior e aqueles cujo IMC materno estava no quartil superior passou de 2,4 para 0,6mg/dL, e o valor do p de heterogeneidade mudou de 0,02 para 0,23. Ressalta-se que resultados similares foram observados para colesterol total e LDL.

Mi et al. 19, na China, avaliaram indivíduos nascidos entre 1948 e 1954, período no qual grande parte da população chinesa estava cronicamente subnutrida como conseqüência do fim da Segunda Guerra Mundial e da subseqüente Guerra Civil que ocorreu naquele país. O IMC materno no primeiro trimestre de gestação foi inversamente associado com os níveis de colesterol total e LDL aos 45 anos de idade 19. Já Forrester et al. 20, na Jamaica, relataram que o colesterol total em indivíduos com idades entre 6 e 16 anos estava positivamente associado com o IMC materno no primeiro trimestre da gestação. Finalmente, Kuzawa et al. 21, nas Filipinas, observaram que medidas gestacionais maternas da área de gordura no braço mesmo após ajuste para antropometria do adolescente e dieta estavam relacionadas: (a) negativamente com o colesterol LDL e positivamente com o HDL no sexo masculino; e (b) positivamente com o colesterol total e o LDL no sexo feminino.

O tabagismo materno na gestação é considerado como um dos fatores de risco modificáveis mais importantes para a determinação do crescimento intra-uterino 16, estando associado com uma redução de 150 a 250g no peso ao nascer 10.

Jaddoe e colaboradores verificaram que, na infância, a colesterolemia era maior nos filhos de mães não fumantes, enquanto na adolescência não foi observada associação. Na idade adulta, por sua vez, o colesterol total foi maior nos filhos de mães fumantes 22. No nosso estudo, mesmo analisando os dados de acordo com a freqüência e a intensidade de fumo materno, não foi possível encontrar uma associação.

O retardo de crescimento intra-uterino se caracteriza por uma redução no crescimento fetal em razão de uma agressão ocorrida no útero 16. Neste estudo, não houve associação entre nascer pequeno para a idade gestacional, um indicador de retardo de crescimento intra-uterino, e o perfil lipídico na adolescência, estando os resultados consistentes com outros estudos realizados em países de renda média e alta 23,24,25,26.

As evidências da literatura sugerem que o crescimento intra-uterino não está associado com o metabolismo lipídico em crianças e adolescentes. Por outro lado, o resultado de Jaddoe et al. 22 sugere que o efeito do crescimento intra-uterino sobre os lipídios plasmáticos pode ser modificado pela idade do indivíduo, similarmente ao constatado com a amamentação 27. Alguns estudos sugerem que o metabolismo do colesterol é modificado à medida que a idade aumenta 28,29. Nos humanos, o colesterol LDL plasmático aumenta aproximadamente 40% dos 20 aos 60 anos de idade 30. Igualmente, Lane et al. 7, em modelos animais, não encontraram diferenças no metabolismo hepático dos ácidos graxos entre ratos jovens submetidos à insuficiência uteroplacentária e ratos-controles. Entretanto, tais diferenças foram evidenciadas em ratos adultos 7.

Os mecanismos fisiológicos para a mudança não estão totalmente elucidados. Sabe-se que os níveis de LDL plasmáticos são determinados por um balanço entre sua síntese e eliminação 30,31. Tanto em humanos quanto em ratos a remoção plasmática das partículas de LDL é reduzida com o envelhecimento 28,29,32, provavelmente como conseqüência da redução dos receptores hepáticos de LDL (LDLR), acompanhada pela diminuição na decomposição do colesterol junto a ácidos biliares 28,32,33.

Os resultados do nosso estudo, em conjunto com as evidências da literatura, sugerem que o retardo de crescimento intra-uterino não está associado com o metabolismo lipídico na adolescência. Todavia, tendo em vista alguns achados de que esta associação possa ser modificada pela idade, é importante que novas análises sejam replicadas em populações adultas. Os nossos resultados sugerem que o efeito em longo prazo do IMC materno era mediado pela associação dele com o IMC do adolescente, demonstrando a importância de se prevenir o ganho acelerado de peso na infância e adolescência, que estão associados à adiposidade 34.

 

Colaboradores

M. C. Restrepo foi responsável pela análise de dados e redação do manuscrito. B. L. Horta e D. P. Gigante participaram da redação e revisão do artigo.

 

Agradecimentos

Este estudo foi realizado com recursos da Wellcome Trust (Reino Unido). As fases iniciais do estudo foram financiadas pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ministério da Saúde do Brasil, International Development Research Centre (Canadá) e do United Nations Development Fund for Women (Reino Unido).

 

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Correspondência
M. C. Restrepo
Universidade Federal de Pelotas
Rua Marechal Deodoro 1160
Pelotas, RS. 96020-220, Brasil
klares7@gmail.com

Recebido em 19/Nov/2008
Versão reapresentada em 22/Jul/2009
Aprovado em 27/Jul/2009

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