Validade das perguntas sobre atividades da vida diária para rastrear dependência em idosos

Monica Rebouças João Macedo Coelho-Filho Renato Peixoto Veras Maria Fernanda Lima-Costa Luiz Roberto Ramos Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Determinar a validade de critério das atividades de vida diária constantes em questionários de funcionalidade em idosos para inquéritos populacionais e identificar quais atividades são válidas para quantificar a necessidade real de ajuda diária dessa população.

MÉTODOS

Amostra populacional de idosos estratificada por níveis de funcionalidade, segundo a autopercepção de dependência nas atividades de vida diária. Autopercepção foi comparada com o padrão ouro – observação direta no domicílio dos idosos nessas atividades por profissional treinado e cego para respostas no questionário. Na visita decidiu-se, para efeito da pesquisa, se o idoso precisava de ajuda para realizar alguma das atividades de vida diária. A sensibilidade de cada atividade de vida diária foi maior quando a autoavaliação de que não havia necessidade de ajuda coincidiu com a avaliação do profissional. A especificidade indica coincidência quanto à necessidade de ajuda na atividades de vida diária – coeficientes de sensibilidade e especificidade acima de 70% foram considerados indicativos de boa validade.

RESULTADOS

As autoavaliações mostraram sensibilidade melhor que especificidade – idosos e observadores concordaram mais quanto à independência do que quanto à dependência cotidiana. Todas as atividades mostraram sensibilidade acima de 70%. Algumas atividades tiveram uma especificidade baixa (fazer compras: 55%) ou muito baixa (pentear os cabelos: 33%). As melhores especificidades foram tomar banho e vestir-se (95,8% ambas), entre as pessoais, e utilizar transporte e realizar movimento bancário (ambas com 78%), entre as instrumentais.

CONCLUSÕES

Atividades de vida diária podem ser indicadores válidos de dependência funcional. Os melhores coeficientes de validade em geral foram obtidos pelas atividades pessoais. Destacam-se algumas atividades com boas sensibilidades e especificidades – andar 100 metros, tomar banho e levantar/deitar na cama – que podem servir para classificar os idosos em baixa, média e alta necessidade de ajuda dependendo das atividades afetadas e, dessa forma, auxiliar no planejamento dos serviços de saúde voltados aos idosos.

Idoso; Atividades Cotidianas; Vida Independente; Autoavaliação Diagnóstica; Inquéritos e Questionários, utilização; Estudos de Validação

INTRODUÇÃO

No cenário do envelhecimento populacional no Brasil – aumento exponencial da população idosa e consequentemente da carga de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) potencialmente incapacitantes – a expectativa de vida passa a ser analisada levando em conta não apenas a sobrevida, mas também os anos vividos livres de incapacidade (DALYS – disability adjusted life years)2525. Murray CJL, Lopez AD, editors. The global burden of disease: a comprehensive assessment of mortality and disability from diseases, injuries, and risk factors in 1990 and projected to 2020. Boston: World Health Organization; World Bank; Harvard School of Public Health; 1996 [cited 2017 Apr 6]. (Global Burden of Disease and Injury Series). Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/41864/1/0965546608_eng.pdf
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. O conceito contemporâneo de saúde considera saudável o indivíduo com plena capacidade funcional, mesmo que seja diagnosticado com múltiplas DNCT. Esse conceito privilegia a independência e a autonomia do indivíduo no dia-a-dia como variáveis fundamentais2929. Ramos LR. Fatores determinantes do envelhecimento saudável em idosos residentes em centro urbano: Projeto Epidoso. Cad Saude Publica. 2003;19(3):793-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2003000300011
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Atualmente, no planejamento das ações de saúde pública, deve-se considerar o grau de incapacitação, dependência e necessidade de ajuda dos usuários do sistema. Para tanto, são necessários indicadores simples, válidos e confiáveis, capazes de identificar e quantificar dependência no dia-a-dia , e necessidade vital de ajuda3030. Ramos LR, Andreoni S, Coelho-Filho JM, Lima-Costa MF, Matos DL, Rebouças M, et al. Perguntas mínimas para rastrear dependência em atividades da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2013;47(3);506-13. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004325
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A maioria dos instrumentos utilizados para avaliar a capacidade funcional dos idosos, em inquéritos populacionais no Brasil, é multidimensional e inclue escalas de funcionalidade baseadas na percepção subjetiva sobre a própria competência para realizar as atividades da vida diária (AVD)22. Barbetta DC, Assis MR. Reprodutibilidade, validade e responsividade da escala de Medida de Independência Funcional (MIF) na lesão medular: revisão da literatura. Acta Fisiatr. 2008 [cited 2017 Apr 6];15(3):176-81. Available from: http://www.actafisiatrica.org.br/detalhe_artigo.asp?id=140
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,1515. Hebert R, Carrier R, Bilodeau A. The Functional Autonomy Measurement System (SMAF): description and validation of an instrument for the measurement of handicaps. Age Ageing. 1988;17(5):293-302. https://doi.org/10.1093/ageing/17.5.293
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,2727. Ramos LR, Goihman S. Geographic stratification by socio-economic status: methodology from a household survey with elderly people in S. Paulo, Brazil. Rev Saude Publica. 1989;23(6):478-92. https://doi.org/10.1590/S0034-89101989000600006
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,3434. Veras RP, Coutinho E, Ney Jr G. Populações idosas no Rio de Janeiro: estudo-piloto de confiabilidade e validade do segmento de saúde mental do questionário BOAS. Rev Saude Publica. 1990;24(2):156-63. https://doi.org/10.1590/S0034-89101990000200012
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. Tratam-se de perguntas sobre a necessidade de ajuda para realizar atividades de cuidado pessoal e atividades instrumentais da vida em sociedade, como tomar banho, fazer compras ou limpar a casa. São questionários baseados em escalas que visavam a avaliar a competência no autocuidado pós alta hospitalar, ou no acompanhamento de doentes crônicos, ou ainda para avaliar a habilidade de manter uma vida independente em sociedade1818. Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in the aged. The index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA. 1963;185(12):914-9. https://doi.org/10.1001/jama.1963.03060120024016
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,2020. Lawton MP. The functional assessment of elderly people. J Am Geriatr Soc. 1971;19(6):465-81. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.1971.tb01206.x
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,2222. Mahoney FI, Barthel DW. Functional evaluation: the Barthel Index. Md State Med J. 1965;14:61-5.,2828. Ramos LR, Perracini M, Rosa TE, Kalache A. Significance and management of disability among urban elderly residents in Brazil. J Cross Cult Gerontol. 1993;8(4):313-23. https://doi.org/10.1007/BF00972560
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Embora esses diferentes questionários e escalas sejam largamente utilizados em pesquisas, poucos são os estudos sobre a validade desses instrumentos para quantificar a prevalência de dependência em uma população44. Bergner M, Bobbitt RA, Carter WB, Gilson BS. The Sickness Impact Profile: development and final revision of a health status measure. Med Care. 1981;19(8):787-805.,1414. Guralnik JM, Winograd CH. Physical performance measures in the assessment of older persons. Aging (Milano). 1994;6(5):303-5.,1717. Jefferys M, Millard JB, Hyman M, Warren MD. A set of tests for measuring motor impairment in prevalence studies. J Chronic Dis. 1969;22(5):303-19. https://doi.org/10.1016/0021-9681(69)90073-3
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,1919. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living 1. Gerontologist. 1969;9(3 Pt 1):179-86. https://doi.org/10.1093/geront/9.3_Part_1.179
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,2626. Potvin AR, Tourtellotte WW, Dailey JS, Albers JW, Walker JE, Pew RW, et al. Simulated activities of daily living examination. Arch Phys Med Rehabil. 1972;53(10):476-86.. Sabemos que pode existir um viés importante entre a autoavaliação da dependência e a avaliação feita por um profissional de saúde, por exemplo, suscitando novas métricas para avaliar a competência nas AVD1111. Finch M, Kane RL, Philp I. Developing a new metric for ADLs. J Am Geriatr Soc. 1995;43(8):877-84. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.1995.tb05530.x
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,3030. Ramos LR, Andreoni S, Coelho-Filho JM, Lima-Costa MF, Matos DL, Rebouças M, et al. Perguntas mínimas para rastrear dependência em atividades da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2013;47(3);506-13. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004325
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. Particularmente no Brasil, inexistem estudos que tenham investigado a validade das perguntas sobre as AVD para indicar dependência do respondente.

Em 2013, estudo populacional multicêntrico sobre funcionalidade investigou as perguntas sobre as AVD em uso no país, identificando três construtos subjacentes ao tema da funcionalidade no dia-a-dia de idosos: 1) atividades pessoais no domicílio que necessariamente envolvem o idoso (e.g., tomar banho); 2) atividades no domicílio que outros podem realizar pelo idoso (e.g., lavar roupas); e 3) atividades que requerem mobilidade fora do domicílio (e.g., fazer compras). Os achados revelam que as perguntas sobre atos realizados por uma pessoa no dia-a-dia superpõem-se em diferentes construtos, mas que algumas atividades são melhores indicadores de função do que outras, dentro de cada construto3030. Ramos LR, Andreoni S, Coelho-Filho JM, Lima-Costa MF, Matos DL, Rebouças M, et al. Perguntas mínimas para rastrear dependência em atividades da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2013;47(3);506-13. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004325
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Nesse contexto, o presente estudo se propôs a examinar a validade de cada pergunta sobre necessidade de ajuda nas AVD para detectar dependência no dia-a-dia. A autopercepção de dependência em todas as atividades presentes nos principais instrumentos de avaliação funcional em uso no país foi comparada a um padrão-ouro baseado em observação direta do desempenho do indivíduo nas atividades por profissional treinado.

MÉTODOS

Entre 2007 e 2009, foi realizado um inquérito populacional domiciliar multicêntrico nacional com cerca de 5.000 idosos que responderam a um questionário sobre a necessidade de ajuda nas AVD em quatro cidades brasileiras (São Paulo, Fortaleza, Rio de Janeiro e Bambuí)3030. Ramos LR, Andreoni S, Coelho-Filho JM, Lima-Costa MF, Matos DL, Rebouças M, et al. Perguntas mínimas para rastrear dependência em atividades da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2013;47(3);506-13. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004325
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. Para este estudo, usamos os dados de São Paulo e Fortaleza. O questionário continha 20 AVD compiladas dos instrumentos existentes e em uso no país – BOMFAQ2727. Ramos LR, Goihman S. Geographic stratification by socio-economic status: methodology from a household survey with elderly people in S. Paulo, Brazil. Rev Saude Publica. 1989;23(6):478-92. https://doi.org/10.1590/S0034-89101989000600006
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; BOAS3434. Veras RP, Coutinho E, Ney Jr G. Populações idosas no Rio de Janeiro: estudo-piloto de confiabilidade e validade do segmento de saúde mental do questionário BOAS. Rev Saude Publica. 1990;24(2):156-63. https://doi.org/10.1590/S0034-89101990000200012
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; SMAF1515. Hebert R, Carrier R, Bilodeau A. The Functional Autonomy Measurement System (SMAF): description and validation of an instrument for the measurement of handicaps. Age Ageing. 1988;17(5):293-302. https://doi.org/10.1093/ageing/17.5.293
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e MIF22. Barbetta DC, Assis MR. Reprodutibilidade, validade e responsividade da escala de Medida de Independência Funcional (MIF) na lesão medular: revisão da literatura. Acta Fisiatr. 2008 [cited 2017 Apr 6];15(3):176-81. Available from: http://www.actafisiatrica.org.br/detalhe_artigo.asp?id=140
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, sendo elas: fazer compras; utilizar transporte; realizar movimento bancário; manusear dinheiro do dia-a-dia; controlar fezes ou urina; subir escada; caminhar 1 km; caminhar 100 metros; andar em casa, no plano; preparar refeição; lavar roupas; vestir-se; tomar banho; comer a refeição; usar telefone; colocar ou retirar próteses; cortar as unhas dos pés; pentear os cabelos; sentar ou levantar da cadeira; e deitar ou levantar da cama. Embora extraídas de instrumentos diferentes, as perguntas sobre todas as AVD selecionadas tiveram fraseamento comum para efeito do presente estudo3030. Ramos LR, Andreoni S, Coelho-Filho JM, Lima-Costa MF, Matos DL, Rebouças M, et al. Perguntas mínimas para rastrear dependência em atividades da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2013;47(3);506-13. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004325
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Uma virtude desse estudo de validação é ter uma amostra de idosos selecionados aleatoriamente a partir de uma amostra populacional previamente entrevistada no domicílio e passível de ser estratificada segundo o grau de funcionalidade. Não houve critério de exclusão, pois o objetivo do estudo era avaliar a validade de critério de cada uma dessas atividades para detectar a necessidade de ajuda entre idosos da população geral independentemente se com boa ou má cognição, por exemplo. Com base nas respostas dadas quanto à necessidade de ajuda no inquérito, os idosos em Fortaleza e São Paulo foram estratificados segundo o número de atividades que requeriam ajuda para serem realizadas na autoavaliação. Foram criados três extratos – um de baixa dependência (0–2), um de moderada dependência (3–9) e um de alta dependência (10–20) – que foram arbitrariamente definidos, já que as 20 questões compiladas não correspondiam a nenhuma escala específica previamente utilizada que tivesse pontos de corte definidos. Para cada uma das 40 questões (20 sobre dificuldade e 20 sobre necessidade de ajuda), foram selecionados cinco idosos. Das 400 pessoas selecionadas nas duas cidades (200 foram sorteadas para comporem uma reserva amostral em casos de recusas), 30% eram do estrato dos “dependentes”, 30%, do “intermediário” e 40%, dos “independentes”. A estratificação pretendeu repetir na subamostra a prevalência esperada na comunidade.

Na etapa de validação da pesquisa, aqui apresentada, os idosos foram visitados por equipe composta por profissionais de saúde (quatro fisioterapeutas e duas médicas com alguma formação em gerontologia) treinados para avaliar a funcionalidade do idoso com critérios semelhantes. Os observadores atuaram sempre em duplas, com um deles aplicando o roteiro de desempenho nas atividades enquanto o outro apenas observava, ambos cegos para a autoavaliação prévia do idoso. O roteiro citado continha passos que o examinador deveria seguir para verificar a independência do idoso na execução das atividades constantes no questionário, como “solicite que retire e recoloque a dentadura, aparelho auditivo ou outras próteses, se o idoso for portador”, ou “solicite ao idoso que retire três peças do vestuário e vista, incluindo os sapatos. As etapas são: pôr a roupa, abotoar os botões, fechar ou abrir o zíper e amarrar ou fechar o sapato”. Algumas atividades eram testadas com o auxílio de um kit com dinheiro fantasia, uma tesoura de plástico para cortar unhas e uma máquina para calcular os gastos. As duplas alternavam os papéis de condutor e observador do roteiro. Foi desestimulado o contato verbal fora do roteiro, sendo permitido apenas o inevitável em visita domiciliar. O roteiro seguiu passos sugeridos por Minayo2424. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2007. para uma observação dirigida e foi criado especialmente para o estudo aqui apresentado, para avaliação de independência em AVD de idosos.

Foram calculados os coeficientes de Kappa e Spearman para avaliar a concordância de todas as duplas em cada atividade (confiabilidade interobservadores). Para duas observadoras que revisitaram o mesmo idoso após cerca de uma semana, foi possível calcular a confiabilidade intraobservador (dados não apresentados que constam de mídia eletrônica anexada à tese depositada no banco de teses da CAPES)3131. Rebouças M. Estudo de confiabilidade e validade das questões sobre atividades da vida diária em idosos brasileiros [these]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2012..

Ao final, os observadores tinham que decidir, para efeito da pesquisa, se o idoso precisava de ajuda de terceiros para realizar as atividades ou não. Essa condição de dependência, assumida como padrão-ouro, foi analisada segundo as respostas “sim, preciso de ajuda para realizar...” de cada uma das AVD no questionário, o que permitiu o cálculo da validade (sensibilidade e especificidade) de cada AVD estudada para identificar o idoso que precisa de ajuda no dia-a-dia.

Neste estudo, os valores de sensibilidade de cada AVD definem a medida que o idoso se autoavalia naquela AVD como independente (sem necessidade de ajuda) e coincide com a avaliação do profissional. A especificidade identifica o idoso que afirma “ter necessidade de ajuda para uma AVD”, e coincide com a avaliação do padrão-ouro. Baixas sensibilidades e especificidades refletem situações em que idosos e profissionais disconcordaram quanto à independência e dependência, respectivamente. Coeficientes de sensibilidade e especificidade acima de 70% foram considerados bons.

Os idosos assinaram termo de consentimento livre e esclarecido e a pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Éticas das duas universidades envolvidas (Universidade Federal de São Paulo – Unifesp 0574/09; Universidade Federal do Ceará – UFC 155/08).

RESULTADOS

De forma geral, as autoavaliações dos idosos sobre a necessidade de ajuda para realizar cada atividade mostraram uma sensibilidade melhor do que a especificidade, ou seja, idosos e profissionais de saúde concordam mais quanto à independência do que quanto à dependência cotidiana.

Foram incluídos no estudo 202 idosos (100 em Fortaleza, CE, e 102 em São Paulo, SP). No geral, 59% eram mulheres (idade média de 75,5 anos) e 41% eram homens (idade média de 74,2 anos). Cerca de 20% dos idosos incluídos haviam referido dependência grave no inquérito domiciliar (22% em São Paulo e 20% no Ceará).

As medidas de reprodutibilidade estimadas variaram entre as duplas de observadores e entre as atividades observadas. Valores acima de 0,4 de Kappa (K) e de 0,75 de Spearman (S) foram considerados bons. As atividades que apresentaram melhor reprodutibilidade na média das observações em São Paulo e Fortaleza foram: tomar banho (K = 82,2; S = 0,92); vestir-se (K = 68,4; S = 0,83); andar no plano (K = 63,8; S = 0,71); deitar/levantar da cama (K = 66,8; S = 0,80) (dados não apresentados em tabela).

Na amostra total, todas as atividades mostraram sensibilidade acima de 70%, enquanto sete atividades tiveram especificidade baixa (fazer compras: 55%; manusear dinheiro: 64%; caminhar 1 km: 50%; andar no plano: 67%) ou muito baixa (comer uma refeição: 46%; colocar prótese dentária: 33%; pentear os cabelos: 33%). Em São Paulo, só duas AVD mostraram baixa sensibilidade (preparar refeição [64%] e lavar roupa [69%]), enquanto cinco AVD tiveram especificidade abaixo de 70% (manusear dinheiro: 58%; controlar esfíncteres: 53%; caminhar 1 km: 37%; andar no plano: 54%; colocar prótese dentária: 33%). Em Fortaleza, todas as AVD mostraram boa sensibilidade, porém tivemos sete AVD com baixa especificidade (fazer compras: 55%; manusear dinheiro: 64%; caminhar 1 km: 50%; andar no plano: 68%; comer uma refeição: 46%; colocar prótese dentária: 33%; pentear os cabelos: 33%). O idoso que relata presença de dependência confirmada por profissional de saúde foi mais frequente em São Paulo do que em Fortaleza (Tabela).

Tabela
Estimativas das sensibilidade (Sens) e especificidade (Espec) das perguntas sobre atividades da vida diária quanto aos níveis de necessidade de ajuda de idosos, em São Paulo (SP), Ceará (CE) e São Paulo e Ceará (SPC), ano 2009.

De forma geral, os valores de sensibilidade e especificidade foram melhores para perguntas sobre atividades básicas que para perguntas sobre atividades instrumentais, sugerindo maior discordância entre idosos e profissionais de saúde sobre o conceito de dependência em atividades complexas. As AVD com melhores especificidades, em geral, foram obtidas por perguntas sobre atividades como “tomar banho” e “vestir-se” (95,8% ambas), e deitar/levantar da cama (94%). Entre as AVD instrumentais, aquelas com melhor especificidade foram: utilizar transporte e realizar movimento bancário (ambas com 78%); e preparar refeição (79%). Subir escada e caminhar 100 metros também mostraram boa especificidade (79% e 80% respectivamente) (Tabela).

DISCUSSÃO

O estudo sugere, com base nos resultados, que as AVD podem ser indicadores de funcionalidade válidos. Os melhores coeficientes de validade foram obtidos por perguntas sobre a necessidade de ajuda no dia-a-dia para: tomar banho, vestir-se, deitar e levantar da cama, sentar e levantar da cadeira, caminhar distância de 100 metros, subir escada e utilizar transporte.

Desde a década de 1960, encontram-se estudos sobre as escalas que se prestam a definir capacidade funcional. A escala de Lawton e Brody, por exemplo, foi testada por meio da comparação com outra escala, a PSMS – Physical Self-maintenance Scale1919. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living 1. Gerontologist. 1969;9(3 Pt 1):179-86. https://doi.org/10.1093/geront/9.3_Part_1.179
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. A SIP – Sickness Impact Profile, de Bergner et al., foi validada por comparação com a opinião de médicos e com instrumentos, como o de Katz33. Bergner M, Bobbitt RA, Pollard WE, Martin D, Gilson BS. The Sickness Impact Profile: validation of a health status measure. Med Care. 1976;14(1):57-67.,44. Bergner M, Bobbitt RA, Carter WB, Gilson BS. The Sickness Impact Profile: development and final revision of a health status measure. Med Care. 1981;19(8):787-805.. Brorsson e Asberg, na Suíça, publicaram trabalho sobre confiabilidade e validade do Index ADL ou Katz Index, por meio de observação realizada por enfermeiras, em idosos institucionalizados55. Brorsson B, Asberg KH. Katz index of independence in ADL: reliability and validity in short-term care. Scand J Rehab Med. 1984;16(3):125-32.. A reprodutibilidade da escala de Barthel mostra baixos valores de Kappa3535. Wade DT, Collin C. The Barthel ADL Index: a standard measure of physical disability? Int Disabil Stud. 1988;10(2):64-7. https://doi.org/10.3109/09638288809164105
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e a validade, comparando seus resultados com a Escala de Motricidade, apresenta boa correlação11. Araújo F, Ribeiro JLP, Oliveira A, Pinto C. Validação do Índice de Barthel numa amostra de idosos não institucionalizados. Rev Port Saude Publica. 2007 [cited 2017 Apr 6];25(2):59-66. Available from: https://www.ensp.unl.pt/dispositivos-de-apoio/cdi/cdi/sector-de-publicacoes/revista/2000-2008/pdfs/05_02_2007.pdf
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. A publicação de Fillenbaum e Smyer sobre a reprodutibilidade e a validação de parte do Older Americans Resources and Services (OARS) multidimensional functional assessment questionnaire expõe as controvérsias sobre medidas de testes realizados com questionários sobre AVD, pois as perguntas apresentaram reprodutibilidade muito fraca, o que leva, na opinião dos autores, à baixa concordância entre observadores e respondentes1010. Fillenbaum GG, Smyer MA. The development, validity, and reliability of OARS multidimensional functional assessment questionnaire. J Gerontol. 1981;36(4):428-34. https://doi.org/10.1093/geronj/36.4.428
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. O mesmo OARS apresenta elevada correlação quando comparado aos resultados do Functional Autonomy Measurement System (SMAF)99. Desrosiers J, Bravo G, Hébert R, Dubuc N. Reliability of the revised Functional Autonomy Measurement System (SMAF) for epidemiological research. Age Ageing. 1995;24(5):402-6. https://doi.org/10.1093/ageing/24.5.402
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,1515. Hebert R, Carrier R, Bilodeau A. The Functional Autonomy Measurement System (SMAF): description and validation of an instrument for the measurement of handicaps. Age Ageing. 1988;17(5):293-302. https://doi.org/10.1093/ageing/17.5.293
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,2323. McCusker J, Bellavance F, Cardin S, Belzile E. Validity of an activities of daily living questionnaire among older patients in the emergency department. J Clin Epidemiol. 1999;52(11):1023-30. https://doi.org/10.1016/S0895-4356(99)00084-0
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.

Ressalta-se que diferentes estudos na literatura definiram validação como a concordância entre questionários sem utilização de um padrão-ouro3232. Rubenstein LZ, Schairer C, Wieland GD, Kane R. Systematic biases in functional status assessment of elderly adults: effects of different data sources. J Gerontol. 1984;39(6):686-91. https://doi.org/10.1093/geronj/39.6.686
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. Outros autores usaram como padrão-ouro o exame médico de doentes, ou avaliação de enfermeiras em instituições de longa permanência para idosos, populações reconhecidamente diferenciadas3232. Rubenstein LZ, Schairer C, Wieland GD, Kane R. Systematic biases in functional status assessment of elderly adults: effects of different data sources. J Gerontol. 1984;39(6):686-91. https://doi.org/10.1093/geronj/39.6.686
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. De fato, há uma lacuna no conhecimento sobre a validade de construto das perguntas sobre AVD para indicar dependência, inclusive internacionalmente.

Utilizamos um padrão-ouro baseado na observação participativa de um profissional de saúde treinado, uma experiência inédita em nosso país, que encontra paralelo no método utilizado anteriormente em estudo domiciliar na Inglaterra1717. Jefferys M, Millard JB, Hyman M, Warren MD. A set of tests for measuring motor impairment in prevalence studies. J Chronic Dis. 1969;22(5):303-19. https://doi.org/10.1016/0021-9681(69)90073-3
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. Foi elaborado um roteiro de observação direta, por profissionais treinados, de várias ações do dia-a-dia realizadas de forma simulada pelo idoso no domicílio. Na literatura, não encontramos padrão-ouro alternativo à comparação de uma escala de AVD com outras escalas e mensurações de funcionalidade, estas também carentes de uma validação de critério enquanto indicadores de necessidade de ajuda no dia-a-dia. De fato, todos os estudos que utilizam escalas para estimar a funcionalidade de uma população de idosos por meio de escores resultantes do número de atividades comprometidas e requerendo ajuda tecem considerações sobre as limitações do uso de algumas atividades específicas (e.g., necessidade de ajuda para lavar roupa em homens que nunca lavaram roupa, necessidade de ajuda para cuidar das finanças em mulheres que nunca tiveram essa responsabilidade), que sabidamente tem vieses e podem inflacionar o escore, mas que fazem parte da escala e precisam ser utilizadas para compor o escore originalmente desenvolvido. Na prática, temos inúmeras escalas, cada qual com um número diferente de atividades e escores, com baixa comparabilidade e validade de critério não estudada.

Nosso objetivo foi estimar a sensibilidade e especificidade de cada uma das atividades em uso atualmente no país, procurando as que parecem ser melhor compreendidas por parte de entrevistados e entrevistadores, resultando em uma coincidência de avaliações sobre a necessidade de ajuda ou não – melhor validade de critério. No entanto, a validação demanda um padrão-ouro. A observação direta tem limitações, mas no extremo estaríamos buscando o videomonitoramento das vidas desses idosos para que a autoavaliação pudesse ser confrontada com a realidade de maneira insofismável, algo não factível em termos de pesquisa.

Treinamos observadores qualificados, que discutiram previamente conceitos e critérios sobre incapacidades e dependência no dia-a-dia, observadores que seguiram um roteiro comum no domicílio do idoso, sobre o qual não tinham nenhuma informação prévia. Construímos um padrão-ouro possível, com razoável confiabilidade, que permitiu quantificar a validade de cada AVD em uso e, assim, fornecer uma lógica de análise mais simples. Os resultados confirmaram a baixa validade de algumas questões para identificar necessidade real de ajuda para serem realizadas (e.g., lavar roupa e preparar refeições) e a alta especificidade das atividades pessoais, como tomar banho e vestir-se.

Na atualidade, discute-se amplamente a necessidade de conhecer melhor os instrumentos de coleta de dados sobre funcionalidade, inclusive sua padronização a fim de facilitar a comparabilidade entre diferentes países e pesquisas77. Daltroy LH, Larson MG, Eaton HM, Phillips CB, Liang MH. Discrepancies between self-reported and observed physical function in the elderly: the influence of response shift and other factors. Soc Sci Med. 1999;48(11):1549-61. https://doi.org/10.1016/S0277-9536(99)00048-9
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,88. Del Duca GF, Silva MC, Hallal PC. Incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2009;43(5):796-805. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000057
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. Autores brasileiros reforçam a crítica ao atual modelo de avaliar funcionalidade, ao mesmo tempo em que iniciativas como o SISAP-Idoso, desenvolvido pelo Ministério da Saúde, apontam para o uso de indicadores funcionais a fim de nortear estratégias destinadas à população idosa1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira, 2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2009 [cited 2010 Jul 21]. Available from: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2009/
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
,2121. Lima-Costa MF, Barreto SM, Giatti L. Condições de saúde, capacidade funcional, uso de serviços de saúde e gastos com medicamentos da população idosa brasileira: um estudo descritivo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 1998). Cad Saude Publica. 2003;19(3):735-43. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000300006
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.

Nessa linha, nosso estudo atende a demanda e acrescenta pontos instigantes. Inova ao apresentar amostra de base populacional, aleatória, em duas regiões distintas do país, com informações colhidas no domicílio por observação direta, isolando atividade por atividade e repetindo a condição natural de vida da maioria dos idosos do país. Adicionalmente, como reforço de qualidade do estudo, obedeceu-se ao mascaramento em relação às respostas do questionário, quando da observação da realização de atividades.

Um ponto relevante foi observar que as perguntas com maiores pontuações na pesquisa repetem aquelas sugeridas por Jefferys et al.1717. Jefferys M, Millard JB, Hyman M, Warren MD. A set of tests for measuring motor impairment in prevalence studies. J Chronic Dis. 1969;22(5):303-19. https://doi.org/10.1016/0021-9681(69)90073-3
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, em 1969, e reafirmadas por Guralnik et al.1515. Hebert R, Carrier R, Bilodeau A. The Functional Autonomy Measurement System (SMAF): description and validation of an instrument for the measurement of handicaps. Age Ageing. 1988;17(5):293-302. https://doi.org/10.1093/ageing/17.5.293
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, em 1994. Esses grupos pioneiros, sem seguidores, avaliaram perguntas sobre atividades diárias, comparando respostas de idosos com testes de habilidade física. Os trabalhos citados chamam atenção para perguntas sobre aptidão física, passíveis de validação mais objetiva77. Daltroy LH, Larson MG, Eaton HM, Phillips CB, Liang MH. Discrepancies between self-reported and observed physical function in the elderly: the influence of response shift and other factors. Soc Sci Med. 1999;48(11):1549-61. https://doi.org/10.1016/S0277-9536(99)00048-9
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,88. Del Duca GF, Silva MC, Hallal PC. Incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2009;43(5):796-805. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000057
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. No entanto, os mesmos autores, desde a década de 1960, sugerem cautela ao usar perguntas como “caminhar” e “subir escada”, já que abrangem a mobilidade, mas não as dimensões funcionais mais amplas1313. Guralnik JM, Simonsick EM, Ferrucci L, Glynn RJ, Berkman LF, Blazer DG, et al. A short physical performance battery assessing lower extremity function: association with self-reported disability and prediction of mortality and nursing home admission. J Gerontol. 1994;49(2):M85-94. https://doi.org/10.1093/geronj/49.2.M85
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,1717. Jefferys M, Millard JB, Hyman M, Warren MD. A set of tests for measuring motor impairment in prevalence studies. J Chronic Dis. 1969;22(5):303-19. https://doi.org/10.1016/0021-9681(69)90073-3
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.

Mais recentemente, o estudo de Ramos et al.3030. Ramos LR, Andreoni S, Coelho-Filho JM, Lima-Costa MF, Matos DL, Rebouças M, et al. Perguntas mínimas para rastrear dependência em atividades da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2013;47(3);506-13. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004325
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sugere, com base em uma análise fatorial, que as AVD que melhor representam o construto da dependência em idosos são “levantar da cama”, “tomar banho” e “andar 100 metros” (as duas primeiras atividades pessoais e a terceira uma atividade de mobilidade). Essas atividades também revelaram bons coeficientes de validade e confiabilidade no presente estudo. As atividades pessoais, ao contrário das atividades instrumentais mais complexas, têm um construto mais nítido, o que se reflete em melhores correlações quando comparamos a percepção dos idosos com a opinião de profissionais de saúde.

Todos esses trabalhos confirmam-se e complementam-se, pois, usando estratégias distintas, estabelecem perguntas semelhantes como os melhores indicadores da funcionalidade no dia-a-dia dos idosos. Vale ressaltar que as atividades com valores favoráveis se repetem em diferentes locais de realização dos trabalhos, com equipes distintas, sugerindo que o relevante seja o tema da pergunta, e não seu formato. Trata-se, portanto, da capacidade de generalização (ou validade externa) dos resultados aqui apresentados1414. Guralnik JM, Winograd CH. Physical performance measures in the assessment of older persons. Aging (Milano). 1994;6(5):303-5.,1717. Jefferys M, Millard JB, Hyman M, Warren MD. A set of tests for measuring motor impairment in prevalence studies. J Chronic Dis. 1969;22(5):303-19. https://doi.org/10.1016/0021-9681(69)90073-3
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,3030. Ramos LR, Andreoni S, Coelho-Filho JM, Lima-Costa MF, Matos DL, Rebouças M, et al. Perguntas mínimas para rastrear dependência em atividades da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2013;47(3);506-13. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004325
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.

A forma comumente usada para avaliar funcionalidade, por meio de “escalas”, mistura perguntas com boas propriedades de medida com outras com coeficientes de validade baixos. Embora exista uma hierarquia entre as atividades das escalas – as mais complexas são afetadas antes das mais simples – a soma nem sempre reflete a realidade do grau de dependência do indivíduo2727. Ramos LR, Goihman S. Geographic stratification by socio-economic status: methodology from a household survey with elderly people in S. Paulo, Brazil. Rev Saude Publica. 1989;23(6):478-92. https://doi.org/10.1590/S0034-89101989000600006
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,2828. Ramos LR, Perracini M, Rosa TE, Kalache A. Significance and management of disability among urban elderly residents in Brazil. J Cross Cult Gerontol. 1993;8(4):313-23. https://doi.org/10.1007/BF00972560
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,3333. Spector WD, Katz S, Murphy JB, Fulton JP. The hierarchical relationship between activities of daily living and instrumental activities of daily living. J Chronic Dis. 1987;40(6):481-9. https://doi.org/10.1016/0021-9681(87)90004-X
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. Neste estudo, detalhamos pergunta por pergunta e estimamos a validade de cada pergunta.

Houve diferenças regionais, com tendência de especificidade mais elevada no Sudeste. Essa região, por ser privilegiada na oferta de serviços de saúde, pode gerar maior esclarecimento sobre a dependência. Entretanto, sobre a independência cotidiana, no Nordeste houve mais concordância entre profissionais e idosos, indicando possível influência cultural na interpretação da funcionalidade em idosos brasileiros.

Destacam-se, aqui, duas atividades com boas sensibilidades e especificidades: “tomar banho”, atividade pessoal, básica, que envolve o idoso; e “utilizar transporte”, atividade instrumental, que requer mobilidade fora do domicílio. A realização dessas atividades sem ajuda pressupõe independência, motivação, habilidade física e engajamento social. Necessitar de ajuda para “usar transporte” e “tomar banho” são sentinelas em quadros depressivos e demenciais. Pessoas perdem-se nas ruas quando apresentam comprometimento da função mental, e os sintomas premonitórios são levantar da cama, vestir-se sem ajuda, mas não querer “tomar banho”1313. Guralnik JM, Simonsick EM, Ferrucci L, Glynn RJ, Berkman LF, Blazer DG, et al. A short physical performance battery assessing lower extremity function: association with self-reported disability and prediction of mortality and nursing home admission. J Gerontol. 1994;49(2):M85-94. https://doi.org/10.1093/geronj/49.2.M85
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.

Os achados deste trabalho corroboram os de Spector et al.3232. Rubenstein LZ, Schairer C, Wieland GD, Kane R. Systematic biases in functional status assessment of elderly adults: effects of different data sources. J Gerontol. 1984;39(6):686-91. https://doi.org/10.1093/geronj/39.6.686
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, que destacam o papel indicador de dependência da necessidade de ajuda para “usar transporte” entre as atividades instrumentais e “tomar banho” entre as pessoais. Do mesmo modo, Del Duca et al.88. Del Duca GF, Silva MC, Hallal PC. Incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária em idosos. Rev Saude Publica. 2009;43(5):796-805. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000057
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, em 2009, enfatizam “tomar banho e deslocar-se usando transporte” como sinalizadores de problemas entre idosos.

Ao verificar as propriedades de perguntas em português brasileiro sobre a necessidade de ajuda para atividades da vida diária, concluiu-se que, por meio de algumas perguntas que isoladamente tem boa especificidade para indicar necessidade de ajuda – por exemplo andar 100 metros, tomar banho, levantar/deitar na cama –, podemos rastrear subgrupos de idosos: os independentes, que não necessitam de ajuda para nenhuma delas; os com dependência leve, que precisam de ajuda para sair do domicílio e fazer atividades fora (100 m); os com dependência moderada, que precisam de ajuda frequente e no domicílio para o banho; e os completamente dependentes, que requerem ajuda também para qualquer movimentação dentro de casa (sair da cama). Análises futuras podem comprovar o poder preditivo dessas perguntas em relação às escalas e escores existentes. O objetivo maior será sempre aumentar a capacidade de rastreio com instrumentos mais simples de analisar e com bom poder preditivo de necessidade de ajuda. No paradigma do envelhecimento populacional, a demanda por cuidados ao idosos aumentará muito e esse tipo de metodologia poderá ser vital para o planejamento e gestão dos serviços de saúde voltados aos idosos.

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  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Edital 17/2006 CT Saúde-2 Processo 555070/2006-9).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2017

Histórico

  • Recebido
    7 Fev 2016
  • Aceito
    23 Ago 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br