Disease and Social Diversity: The European Impact on the Health of Non-Europeans. Stephen J. Kunitz, New York e Oxford: Oxford University Press, 1994. 209 pp. ISBN 0-19-508530-2. US$ 49.95 (capa dura).

 

Stephen J. Kunitz, consagrado pesquisador norte-americano que tem se dedicado ao estudo médico e epidemiológico de populações ameríndias, lança-se com este seu novo trabalho em um desafio maior, quer seja, comparar os impactos do contato europeu sobre as populações nativas de quatro regiões submetidas à colonização inglesa Austrália, Canadá, E.U.A e Polinésia (principalmente a Nova Zelândia).

Um aspecto central do livro é a discussão acerca da depopulação a recuperação demográfica que se deram de maneira distinta nas regiões cobertas pelo estudo. Kunitz conseguiu levantar uma grande quantidade de dados populacionais, assim como de morbi-mortalidade, de tão difícil obtenção para estas populações. Este banco de dados serve de base para suas análises epidemiológicas que incluem a estimativa de taxas de mortalidade, fecundidade e de crescimento demográfico.

O livro é marcado por um tratamento crítico deste banco de dados assim como por sua preocupação em evitar uma abordagem estritamente epidemiológica, o que tornaria o texto mais árido e reduziria o poder explicativo de suas interpretações. Logo no primeiro capítulo, Kunitz critica a universalidade do modelo biomédico e destaca a necessidade de uma aproximação antropológica para o melhor entendimento das semelhanças e diferenças do processo saúde/enfermidade verificado nas populações nativas das regiões cobertas pelo estudo. Como destacado pelo próprio autor, as doenças raramente atuam como forças independentes mas, pelo contrário, são moldadas pelos diferentes contextos (culturais, políticos e históricos) nos quais elas ocorrem.

É sob esta ótica particularista que Kunitz discute o impacto diferenciado da colonização inglesa nas regiões compreendidas pelo estudo. Em primeiro lugar, as primeiras levas de ingleses que migraram para estas colônias não compunham um conjunto homogêneo do ponto de vista sócio-cultural, mas representavam distintas facções constituintes da sociedade inglesa da época. Isto é: dissidentes religiosos de classe média nos E.U.A., loialistas anglicanos no Canadá, criminosos e prisioneiros na Austrália e, na Nova Zelândia, uma combinação de ingleses classe média e australianos. Segundo o autor, estas diferenças sociais fizeram-se refletir em distintas formas de perceber e de se relacionar com as populações nativas. Para Kunitz, estas diferenças estariam na base da explicação das distintas políticas adotadas pelos diferentes países no tratamento dos indígenas até os dias de hoje. O autor também considera as diferenças sócio-culturais e demográficas das sociedades nativas em sua análise sobre impacto do contato e recuperação. Segundo Kunitz, os enormes contrastes culturais, políticos e sócioeconômicos verificados entre as várias etnias nativas destas regiões requerem cautela ao se generalizar sobre os efeitos do contato.

Um dos pontos altos do livro é o tratamento dispensado à discussão acerca da transição dos perfis epidemiológicos e demográficos das populações nativas da América do Norte e Oceania. Possivelmente refletindo a melhor qualidade de seus dados, os casos Hopi e Navajo são apresentados mais detalhadamente, permitindo evidenciar rápida queda na mortalidade infantil, já nos anos 40-50, o aumento das doenças crônico-degenerativas como principal grupo de causas de mortalidade.

A análise comparativa de tendências populacionais comparadas entre as principais etnias da Nova Zelândia, Samoa, Togo, Havaí, Taiti e Marquesas, cobrindo o período de 1790-1980, demonstra como o impacto do contato e a capacidade de recuperação demográfïca foram extremamente diferentes. Por um lado, a combinação de fatores sócio-culturais e políticos próprios das etnias que compunham a população nativa de cada uma destas ilhas e, por outro, as distintas "motivações" e estratégias dos colonizadores que chegaram e cada um destes lugares explicariam estas diferenças.

Kunitz é crítico em relação à aplicabilidade da dita teoria de transição epidemiológica como modelo explicativo do processo saúde/doença nas populações nativas. O autor rejeita explicações baseadas em modelos universalizantes que, segundo sua ótica, não dão conta das diferenças sócio-culturais, políticas e geográficas que protegeram (ou propiciaram) populações nativas do declínio e extermínio. Portanto, não aceita hipóteses amplamente difundidas, como a do historiador William McNeill em seu conhecido Plagues and Peoples (Harmondsworth: Penguin Books, 1976), segundo a qual o impacto do contato europeu sobre os povos nativos da América e da Oceania teria sido igualmente catastrófico.

Além de suas hipóteses originais, por vezes mesmo provocativas, este novo livro de Stephen Kunitz tem o mérito de emprestar ao debate acerca da saúde de populações indígenas no mundo abordagens teóricas e metodológicas provenientes da Antropologia, Ciência Política e História, resultando em uma combinação particularmente bem sucedida. Recomenda-se a leitura desta obra a todos os que se interessarem por questões pertinentes a saúde, sobrevivência e futuro dos povos indígenas.

 

Carlos E. A. Coimbra Jr.
Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz
e Museu Nacional/UFRJ

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br