Maria de Jesus Mendes da Fonseca 1

Dora Chor 1
Joaquim Gonçalves Valente 1
Hábitos alimentares entre funcionários de banco estatal: padrão de consumo alimentar

Eating habits among employees of a state-owned bank: food consumption profile


1 Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.
Rua Leopoldo Bulhões 1480,
Rio de Janeiro, RJ
21041-210, Brasil.
  Abstract In order to investigate the health conditions of current employees in a government-owned bank in the State of Rio de Janeiro, we performed a cross-sectional study in two departments where systematic sampling was applied. Among the health conditions, we focused on the employees' eating habit profile using a questionnaire on frequency of food group consumption analyzed through a summary measure (eating score). Although the majority of the study population display good eating habits, the results confirmed a major difference between genders. Some 60% of men had scores higher than the population mean (51.2), as compared to only 45% of women. In addition, we observed that men, and particularly younger men, consumed more foodstuffs that were rich in saturated fat, salt, and sugar as compared to women. The findings indicate that quality of one's diet along with changes in other habits and behaviors (like smoking and sedentary life style) should be part of programs to promote health in the workplace, with a view towards controlling cardiovascular and other diseases.
Key words Cardiovascular Diseases; Food Habits; Life Style; Epidemiology

Resumo Com o objetivo de identificar as condições de saúde dos funcionários de um banco estatal, no Estado do Rio de Janeiro, realizou-se estudo seccional em dois setores do banco, através de amostragem sistemática. Entre as condições de saúde, o perfil dos hábitos alimentares foi investigado mediante questionário de freqüência de consumo de grupos de alimentos, analisado por meio de medida-resumo (escore alimentar). Embora a maior parte da população apresente bons hábitos alimentares, os resultados confirmaram grande diferença entre os sexos: cerca de 60% dos homens apresentaram escores maiores do que a média da população (51,2), comparados a 45% das mulheres. Além disso, foi possível verificar que os homens, principalmente os mais jovens, consomem maior quantidade de alimentos com gordura saturada, sal ou açúcar, quando comparados às mulheres. Os achados indicam que a qualidade da dieta junto a outros hábitos e comportamentos, como tabagismo e sedentarismo, devem fazer parte de programas de promoção da saúde no ambiente de trabalho, visando controlar as doenças cardiovasculares e outros agravos.
Palavras-chave Doenças Cardiovasculares; Hábitos Alimentares; Estilo de Vida; Epidemiologia

 

 

Introdução

 

As doenças cardiovasculares constituem a primeira causa de óbito nos países industrializados e também no Brasil. Naqueles países, essa posição tem se mantido, apesar do declínio acentuado da mortalidade e também da incidência nas últimas décadas (Epstein, 1989; Beaglehole, 1990).

Inúmeras investigações epidemiológicas, clínicas e experimentais estabeleceram a importância de hábitos e comportamentos (consumo alimentar, fumo e ingestão de álcool) na ocorrência das doenças cardiovasculares. Além disso, demonstraram que diversos destes fatores são passíveis de redução através da mudança de estilo de vida. Tais mudanças foram monitoradas por meio de estudos de prevalência, que continuam sendo realizados periodicamente em diversos países (Salonen et al., 1989; Farquhar et al., 1990).

No Brasil, poucos estudos da prevalência dos fatores de risco para as doenças cardiovasculares ­ principalmente tabagismo, hipertensão arterial, sedentarismo e níveis de colesterol sérico ­ foram realizados, e aqueles disponíveis se referem a regiões específicas do país. O Estudo Nacional de Saúde e Nutrição é uma exceção, já que foi realizado na maior parte das regiões, permitindo prevalência de sobrepeso e obesidade, importantes fatores de risco para a hipertensão arterial (Klein et al., 1985; Torres & Guerra, 1990; Dressler et al., 1991; MS, 1991; Duncan et al., 1993).

Estudos nacionais relacionados ao consumo alimentar ­ cujo conteúdo de gorduras saturadas, colesterol e sal constitui um dos fatores de risco mais importantes para as doenças cardiovasculares ­ são ainda mais raros do que aqueles que investigaram a prevalência de outros hábitos de vida. Isto porque a importância da dieta na determinação daquelas enfermidades não é de fácil comprovação, pois é necessário identificar qual nutriente ou aditivo está associado à doença dentre os alimentos consumidos simultaneamente (Willett, 1990; Coitinho et al., 1991; Kromhout & Bloemberg, 1992; Mondini & Monteiro, 1994). Apesar das dificuldades em "medir" o consumo alimentar, vários pesquisadores conseguiram demonstrar que a mudança de padrão ­ caracterizada pelo aumento relativo de consumo de gorduras poliinsaturadas em relação às saturadas e pela diminuição da ingestão de sal ­ contribuiu para o controle e prevenção das enfermidades cardiovasculares. Em diversos países, o acentuado declínio das taxas de mortalidade por doença coronariana, por exemplo, foi acompanhado pela diminuição de consumo de gordura de origem animal e, em menor grau, pelo aumento do consumo de gordura de origem vegetal. Da mesma maneira, o aumento das taxas de mortalidade por doença coronariana nos países do Leste Europeu parece associado à maior utilização de gordura de origem animal (Rose, 1989; Beaglehole, 1990; Posner et al., 1991, 1993; Bolton-Smith et al., 1991; Watts et al., 1992; Kesteloot & Joossens, 1992; Stamler, 1994).

De acordo com as experiências já relatadas, parece não haver dúvida de que a prevenção e controle das doenças cardiovasculares ­ e também a promoção da saúde, de uma forma geral ­ dependem, entre outros fatores, de estratégias de mudanças de hábitos e comportamentos. A educação dietética é importante por sua eficácia e baixo custo. A caracterização do consumo alimentar dos diversos grupos populacionais constitui etapa importante de qualquer programa que vise ao controle e à prevenção das doenças cardiovasculares (Schectman et al., 1994; Campbell et al., 1994; Dwyer, 1995).

Entre os funcionários do Banco do Brasil ­ grupo-alvo desta investigação ­ as doenças cardiovasculares constituíram a primeira causa de morte entre os homens, e a terceira entre as mulheres, no período de 1977 a 1990. Neste trabalho, identificamos os hábitos alimentares desses funcionários, entre os diversos fatores de risco incluídos no Estudo das Condições de Saúde dos Associados da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Chor, 1997).

 

 

Metodologia

 

Trata-se de um estudo seccional cuja população-alvo foi constituída pelos funcionários das carreiras administrativa (bancários) e técnica (engenheiros, médicos e advogados) dos Centros de Processamento e Serviços (Cesecs) e Direção Geral do Banco do Brasil, no Estado do Rio de Janeiro.

Os funcionários foram selecionados por amostragem sistemática com frações amostrais de 50% (Direção Geral) e 19% (Cesecs). Tais amostras foram escolhidas considerando-se o estimador proporção, com precisão de 4% e nível de significância de 95%. As estimativas conjuntas dos dois tipos de dependências (Direção Geral e Cesecs) foram ponderadas por fator de expansão (inverso da fração amostral de cada dependência) em razão das diferentes frações amostrais.

A coleta dos dados foi realizada entre 15 de agosto e 11 de dezembro de 1994, por meio de questionário composto por 150 perguntas, testado em dois estudos-piloto. O questionário foi preenchido pelos próprios funcionários, no horário de trabalho, com a ajuda de aplicadores treinados, que informavam sobre a participação e identificação voluntária no estudo.

Na digitação dos dados, realizada de forma dupla, utilizou-se o software dBASE IV. A crítica foi feita em duas etapas: checagem dos erros de digitação e análise de consistência interna das respostas.

 

Variáveis de estudo


 

Os dados sobre hábitos alimentares foram coletados por meio de um questionário de freqüência de grupos de alimentos, cuja lista compunha-se de 12 itens: carne salgada; produtos industrializados; produtos embutidos; frituras; manteiga; carne de porco; carne de vaca; refrigerante não dietético; balas e doces; açúcar e ovos, considerados de risco para doenças cardiovasculares, e ainda verduras, legumes e frutas (pergunta 46 ­ Figura 1).

 

Variáveis que completaram a descrição do padrão alimentar


  • tipo de refeição principal em um dia útil;
  • hábito de acrescentar sal aos alimentos já preparados.

 

Variáveis de estratificação


 

Prática de dieta ­ Foi definida com base na pergunta "Atualmente, você está fazendo algum tipo de dieta?" e categorizada como sim para os indivíduos que responderam afirmativamente para os casos de "dieta com restrição de açúcar" e/ou "dieta com restrição de sal" e/ou "dieta com restrição de gordura" e/ou "outro tipo de dieta". No caso de "dieta para emagrecer", foram classificados como sim apenas aqueles que "tentaram mais de uma vez" ou que "estão sempre tentando perder peso", nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa.

 

Elaboração do escore


 

Escores têm sido utilizados para caracterizar hábitos alimentares, pois constituem uma medida-resumo das freqüências de consumo dos diversos alimentos. Por meio do escore, é possível agrupar os indivíduos em segmentos semelhantes e classificá-los de acordo com critérios de risco da dieta.

No caso desse estudo, o escore foi desenvolvido tendo como base o questionário de freqüência de grupos de alimentos, preenchido pelo próprio entrevistado, onde o consumo dos alimentos de cada grupo foi tratado como variável ordinal e recebeu os valores a seguir: zero ponto, quando o indivíduo informou que não consumia; um ponto, para consumo menor que uma vez por semana; dois pontos, para consumo de uma a três vezes por semana e, finalmente, três pontos, para consumo de quatro ou mais vezes por semana (Fonseca, 1996).

O total de pontos foi obtido somando-se a freqüência de cada indivíduo nos 11 grupos de alimentos considerados de risco para doenças cardiovasculares. Desse total, subtraiu-se o valor da freqüência do grupo "verduras, legumes e frutas" (considerado saudável), tratada, também, como variável ordinal (recebeu valores de zero a três, segundo a freqüência semanal mencionada). O somatório dos 12 itens constituiu o numerador do escore preliminar. A fim de levar em consideração o número de itens respondidos, estimou-se o total de pontos que um indivíduo poderia ter obtido se tivesse referido o consumo máximo (quatro ou mais vezes por semana) de todos os itens a que ele houvesse respondido. O escore preliminar foi então calculado dividindo-se os pontos que o indivíduo obteve pelo total possível no seu caso. Essa preocupação foi pertinente, uma vez que nem todos os indivíduos responderam a todos os itens. Por exemplo, um funcionário que tivesse respondido aos 12 itens (11 itens de risco e um referente a verduras, legumes e frutas) poderia obter um máximo de trinta e três pontos, que resultaria de três pontos (consumo máximo semanal) vezes 11 itens, menos os pontos referentes a verduras, legumes e frutas, neste caso, zero, que corresponderia à ausência de consumo de verduras. Se, por exemplo, esse mesmo funcionário tivesse obtido vinte pontos em seu consumo alimentar, seu escore preliminar teria sido 20/33.

O escore final, denominado simplesmente escore alimentar, resultou da multiplicação do escore preliminar por 100.

 

Escore alimentar

 

Total de pontos obtidos

x 100.

 


Máximo de pontos possíveis de acordo
com o número de itens preenchidos

 

Análise de dados


 

As médias dos estratos foram comparadas utilizando-se o teste t-student ou da técnica de análise de variância (Anova). As estimativas de medidas de tendência central foram testadas também utilizando-se o teste t-student, e as diferenças entre proporções, mediante o teste do x2, considerando-se nível de signficância de 95%.

Na análise dos dados, foi utilizado o software SPSS for Windows, versão 6.1.2. Proporções e médias estimadas para o conjunto da população (Direção Geral mais Cesecs) foram obtidas através do comando Weight do software SPSS for Windows, que corrigiu os resultados de cada dependência pelo fator de expansão, descrito anteriormente.

A validade e confiabilidade do escore foram avaliadas por meio de três procedimentos: observação dos coeficientes de correlação entre os itens que compuseram o escore; observação dos coeficientes de correlação entre cada item e o escore; e a estimativa do coeficiente Alpha de Cronbach (Rowland et al., 1991).

 

 

Resultados

 

A adesão ao estudo foi muito elevada: 93,2% dos funcionários sorteados responderam ao questionário.

Trata-se de uma população jovem, com idade média de 37,8 anos (homens) e 39 anos (mulheres) (p<0,001). A idade mediana dos homens foi de 38,7 anos e das mulheres de 39,3 anos. A maior parte dos funcionários (90%) chegou a ingressar na universidade, tendo as mulheres apresentado maior nível de escolaridade do que os homens (p<0,001) (Tabela 1).

 

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A comida caseira foi o tipo mais freqüente de refeição feita pelo conjunto dos funcionários em dias de trabalho, enquanto a utilização de restaurantes foi cerca de duas vezes maior entre os homens ­ 24,1% (IC 95%: 21,33 ­ 26,87) ­ do que entre as mulheres 13,1% (IC 95%: 10,55 ­ 15,65) (Figura 2).

O hábito de acrescentar sal aos alimentos já preparados sempre ou quase sempre foi declarado por cerca de 17,0% dos funcionários. Maior proporção de homens (19,6%) do que de mulheres (13,0%) apresentou esse costume (p<0,01).

Homens e mulheres revelaram padrões bastante distintos em quase todos os grupos de alimentos (Tabela 2). Entre os homens, o consumo de todos os alimentos ricos em gordura saturada, colesterol, sal ou açúcar foi significativamente maior. Assim, considerando-se a variável quatro vezes ou mais por semana, os homens, apresentaram freqüência de consumo de carne salgada cerca de duas vezes maior do que as mulheres, respectivamente: 5,4% (IC 95%: 4,17 ­ 6,63) e 2,4% (IC 95%: 1,20 ­ 3,60); frituras: 21,3% (IC 95%: 18,71 ­ 23,90) e 10,9% (IC 95%: 8,48 ­ 13,32); refrigerante: 23,7% (IC 95%: 21,00 ­ 26,40) e 12,3% (IC 95%: 9,75 ­ 14,85) e ovos: 7,1% (IC 95%: 5,47 ­ 8,73) e 3,0% (IC 95%: 1,68 ­ 4,33). Sugerindo a mesma tendência, 41,0% (IC 95%: 37,13 ­ 44,86) das funcionárias declararam não consumir carne de porco, comparadas a 30,0% (IC 95%: 27,08 ­ 32,92) dos homens. Parcela importante de funcionárias, cerca de 30%, declararam não consumir refrigerantes, açúcar ou mel.

 

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O grupo das verduras, legumes e frutas merece comentário à parte por ser considerado saudável. Também nesse caso, confirmou-se a tendência feminina à alimentação de melhor qualidade. Entre as mulheres, 78,4% (IC 95%: 75,21 ­ 81,59) referiram consumo deste grupo quatro vezes ou mais por semana, enquanto entre os homens, a proporção foi de 59,0% (IC 95%: 55,89 ­ 62,11).

O conjunto dos grupos alimentares foi avaliado através do escore cuja avaliação da validade e consistência interna revelou que nenhum destes grupos apresentou correlação próxima de zero ou de um, com muitos outros itens, o que indicaria sua exclusão (Tabela 3). Além disso, nenhum dos itens apresentou correlação menor do que 0,20 com o escore, o que também indicaria sua exclusão (Tabela 4). A consistência interna do escore alimentar, analisada por meio do coeficiente Alpha de Cronbach, foi de 0,73, o que representa boa confiabilidade.

 

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A média do escore para o conjunto da população foi 51,2 pontos; 54% ficaram acima desta medida, apresentando uma dieta menos saudável (quanto maior o escore obtido, maior o consumo de alimentos ricos em colesterol, gordura saturada, sal e açúcar). Cerca de 60% dos homens apresentaram escores maiores do que a média da população, comparados a 45% das mulheres (Figura 3).

O escore alimentar foi influenciado pela prática de dieta e pelo sexo, detectando-se interação estatística entre essas duas variáveis, que passaram a constituir os estratos de análise (Tabela 5). O escore alimentar médio dos homens (53 pontos) foi maior do que o escore alimentar médio das mulheres (48 pontos) (t = 5,47; p< 0,001), assim como o escore médio dos indivíduos que mencionaram estar fazendo dieta (46 pontos) foi menor do que o daqueles que mencionaram não estar fazendo dieta (53 pontos) (t = 7,46; p<0,001).

 

 

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Os maiores escores foram estimados entre os funcionários que não faziam nenhum tipo de dieta (Figura 4). Neste grupo, o escore médio dos homens (56 pontos) foi mais elevado do que o escore das mulheres (50 pontos) (t = 5,9; p<0,0001). O mesmo não ocorreu entre aqueles que faziam dieta, cujos escores de homens e mulheres foram semelhantes: 47 e 45 pontos respectivamente (t = 0,80; N.S.). Comparando-se homens que faziam dieta aos que não faziam, os primeiros apresentaram maior escore médio (t = 7,09; p<0,0001), o que também ocorreu entre as mulheres incluídas nas duas categorias (t = 3,47; p<0,001).

Em relação à distribuição do escore segundo a idade, as curvas foram convergentes, isto é, as diferenças entre os sexos diminuíram com o aumento da idade, coincidindo os valores médios de ambos os sexos para indivíduos de 45 anos ou mais (Figura 5). Observa-se também que os funcionários mais jovens, especialmente os homens, apresentaram dieta menos saudável (maiores escores).

 

Discussão

 

As questões sobre hábitos alimentares analisadas neste estudo fizeram parte da Pesquisa sobre Condições de Saúde dos Funcionários do Banco Estatal. O fato de terem sido incluídas em um questionário que abordava diversas outras dimensões relacionadas à saúde trouxe vantagens e desvantagens. Entre as primeiras, está a possibilidade de identificar o perfil de hábitos alimentares, utilizando um questionário geral e relacionando-o a outros hábitos e comportamentos. Entre as desvantagens, está a limitação da profundidade com que os aspectos da dieta foram estudados. Uma lista mais detalhada de alimentos, por exemplo, tornaria o questionário de 150 perguntas ainda mais extenso, o que poderia acarretar menor participação dos funcionários sorteados, como se observou nos estudos-piloto. Reconhecendo-se a importância da dieta na causalidade de diversas enfermidades freqüentes e graves, decidiu-se incluir o questionário de freqüência de grupos de alimentos, o que permitiu, junto com as estimativas de outros fatores de risco, compor um perfil de risco das doenças cardiovasculares desta população.

O método utilizado para coletar as informações é uma adaptação do questionário de freqüência alimentar, já que listou grupos de alimentos, ao invés de coletar as freqüências para cada um deles separadamente. Willett (1994) refere que o alto nível de escolaridade e adesão ao estudo tornam conveniente a aplicação do questionário de freqüência alimentar, características observadas nesta população. Sua principal desvantagem é a impossibilidade de quantificar a ingestão de nutrientes (Kuskowska-Wolk et al., 1994), o que, no entanto, não fazia parte dos objetivos deste estudo.

Vários estudos de validação têm demonstrado que o questionário de freqüência alimentar é um instrumento válido para a classificação de indivíduos de acordo com a ingestão de grupos de alimentos e nutrientes investigados (Salvini et al., 1989; Goldbohm et al., 1994). Neste estudo, o escore elaborado com base no questionário de freqüência de grupos alimentares apresentou boa confiabilidade, conforme resultados do coeficiente Alpha de Cronbach (vide resultados).

Parece não haver dúvida de que a dieta tem efeito sobre diversas doenças crônicas, sendo apontada como um dos fatores responsáveis por diferenças de mortalidade e incidência das doenças cardiovasculares entre países e entre diferentes regiões geográficas de um mesmo país (Marmot, 1992). Sabe-se, por outro lado, que as doenças cardiovasculares resultam da relação entre diversos fatores que determinam sua ocorrência. Neste estudo, apesar de a população apresentar, de forma geral, bons hábitos alimentares, os homens, especialmente os mais jovens, apresentaram a dieta mais rica em colesterol, gordura saturada, sal e açúcar. Tais resultados confirmam grandes diferenças de hábitos alimentares segundo idade e sexo, já identificados em outras investigações (Blaxter, 1990; Raitakari et al., 1995; Farchi et al., 1994). Além disso, a dieta pouco saudável entre homens é um achado importante, pois, associada a outros fatores, elevam o risco para doenças cardiovasculares de forma importante (Jackson & Beaglehole, 1987; Wilson et al., 1987; Posner et al., 1991).

A prática de dieta, outro fator importante no padrão de consumo, reforçou as diferenças encontradas entre os sexos. Assim, entre os homens que referiram a prática de dieta, apenas 40% estavam acima do escore médio da população, enquanto entre aqueles que não a referiram, o percentual foi de 66%. Já entre as mulheres, as diferenças foram menores, com 36% e 49%, respectivamente, segundo a presença ou ausência de dieta.

Sabe-se que as formas de interação de diferentes fatores que influenciam a saúde são complexas, e que a importância relativa isolada não é fácil de aferir. Avaliar globalmente a vida dos indivíduos, apreendendo todos os aspectos que influenciam diretamente a saúde é ainda mais difícil, até porque não é possível discriminar claramente aqueles que têm um estilo de vida "totalmente" saudável e aqueles que não o têm (Avis et al., 1990; Marmot, 1992).

Observamos, na literatura, tendência a reforçar a importância de programas globais de mudança de estilo de vida, ao invés de estratégias voltadas exclusivamente para mudanças de dieta ou o controle do hábito de fumar. Embora reconhecendo seus resultados, os autores apontam que programas isolados estão baseados principalmente em mudanças individuais e não na responsabilidade social sobre os hábitos e comportamentos da população (Marmot & McDowall, 1986; Wing, 1988). Além disso, o enfoque exclusivo de benefício à saúde não parece suficiente para mudar e manter esses comportamentos, já que seus efeitos ocorrem a longo prazo, enquanto o "prazer" é imediato. Assim, estratégias de promoção da saúde que discutam a auto-estima e estimulem a participação a fim de melhorar a qualidade de vida são fortemente sugeridas.

Os resultados aqui apresentados têm claras aplicações em saúde pública. O perfil dos funcionários mais jovens, especialmente homens, reforça a necessidade de estratégias de promoção da saúde e de prevenção, no sentido de mudanças de hábitos e comportamentos, principalmente redução da ingestão de gordura saturada e sal, antes do aparecimento de qualquer estágio da doença. Considerando-se a magnitude dos recursos gastos com todas as atividades assistenciais, a aplicação de tais recursos em atividades de promoção à saúde podem não só reduzir gastos, como também, sobretudo, melhorar a qualidade de vida dos funcionários.

 

 

Referências

 

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