RESENHAS REVIEWS

 

SPATIAL EPIDEMIOLOGY - METHODS AND APPLICATIONS. P. Elliot, J. C. Wakefield, N. G. Best & D. J. Briggs (ed.). Oxford: Oxford University Press, 2000. 475 pp.

ISBN: 0-19-851532-4

 

 

A preocupação com a distribuição geográfica das doenças e de suas causas tem uma longa tradição na epidemiologia, e o mapeamento das informações disponíveis foi utilizado para vários fins, que incluem, entre outros, a descrição dos fenômenos estudados, a geração de hipóteses, o planejamento e a avaliação dos serviços. Entretanto, o estabelecimento da epidemiologia espacial como campo específico de análise é recente, e tomou corpo nas duas últimas décadas, viabilizado por: (a) crescente disponibilidade de informações populacionais e de saúde geograficamente localizadas, (b) ganhos na capacidade de processamento informatizado, (c) desenvolvimento dos Sistemas de Informação Geográfica e (d) avanços da metodologia estatística. Esses fatores levaram a novas formas de descrever, modelar e compreender a variação espacial do risco de adoecer. Os quatro editores do livro, pesquisadores da Small Area Health Statistics Unit, da Imperial College School of Medicine, de Londres, participaram dessa evolução e reuniram especialistas de várias áreas - epidemiólogos, estatísticos, geógrafos, demógrafos, especialistas em poluição - com a proposta de apresentar o "estado da arte" nos estudos ligados à descrição, à quantificação e à explicação da variação na distribuição geográfica das doenças, com ênfase nas questões ambientais em escala local. Vale observar que, para completa compreensão do texto, é necessário o conhecimento prévio de conceitos estatísticos. Ainda assim, o cuidado dos autores na explicitação verbal dos pressupostos, aplicações e possíveis resultados torna a leitura do livro proveitosa para pessoas com níveis de formação diversos.

A questão que orienta a estrutura do livro é a de que os novos métodos disponíveis permitem realizar análises complexas e sofisticadas; entretanto para isso é fundamental que se conheça as características, problemas e limitações dos dados disponíveis. Assim, a parte inicial da obra (I - Introdução - Dados de Saúde e População) é dedicada a uma análise dos tipos de dados, considerando sua qualidade e adequação, e destacando problemas específicos que afetam as análises espaciais, em especial no que se refere aos tipos de viés e confundimento mais freqüentes. Nesse contexto, relacionam-se problemas como, por exemplo, aqueles ligados a mudanças nas classificações de doenças ao longo do tempo, mudanças nos limites das áreas de estudo, seleção do nível de análise. Uma questão recorrente é a da adequada mensuração do denominador - ou seja, da população em risco, que pode ser afetada por: (a) problemas na definição dos limites das áreas de estudo; (b) desigual distribuição da exposição de interesse dentro das áreas, de modo que apenas uma parcela da população seja de fato exposta e (c) incerteza das estimativas da população, agravada à medida que o tamanho da área se reduz. O grande problema ao tratar áreas menores, é que seu menor tamanho em termos de população implica em menor número de eventos, resultando em taxas calculadas menos confiáveis, afetadas por flutuações aleatórias. Ressalta-se que a questão central dos estudos de base geográfica é a da dependência espacial: áreas vizinhas, dotadas de características ambientais (físicas e sócio-econômicas) semelhantes, tendem a apresentar taxas correlacionadas.

Essas questões são enfrentadas pelos métodos estatísticos apresentados na segunda parte do livro (II - Métodos Estatísticos), que dá um panorama do estado da arte em metodologia estatística, incluindo o tratamento bayesiano do mapeamento de doenças, a detecção de agrupamentos, a análise de exposições pontuais, os métodos geoestatísticos e os métodos para estudos de correlação ecológicos.

O capítulo introdutório desta seção inventaria os métodos estatísticos utilizados para o mapeamento das doenças: estimadores de intensidade (kernel), modelos aditivos generalizados (GAM), modelos geoestatísticos e tratamento bayesiano da dependência espacial. Observa ainda que a interpretação da variação espacial do risco estaria ligada a fatores ambientais, estando a aglomeração mais relacionada a contágio ou suscetibilidade genética na população.

O capítulo seguinte apresenta a modelagem hierárquica bayesiana, descrevendo um modelo em três níveis, o primeiro dos quais define o número de eventos em cada área como função dos valores de risco, ou de risco relativo das mesmas, ao passo que o segundo nível modela a variação espacial desse risco, que pode ser: não estruturada, se não evidencia padrão espacial; estruturada, se apresenta dependência espacial; ou uma combinação dessas duas possibilidades, sendo os parâmetros desse nível especificados no terceiro estágio. A inferência desses modelos faz-se pela aplicação de métodos de simulação MCMC (Monte Carlo Markov chain).

Com diversos exemplos, o terceiro capítulo apresenta os vários métodos propostos para avaliar a existência de aglomeração e de variação espacial do risco: aqueles baseados em medidas de vizinhança, os que operam contagem de pontos segundo janelas móveis e a estimação de superfícies de risco. Como extensão coerente, o capítulo seguinte trata da avaliação do risco relacionado a uma fonte específica, pontual ou linear, como, por exemplo, uma usina nuclear ou uma linha de alta tensão. A estruturação deste capítulo separa os métodos epidemiológicos convencionais, pelos quais se comparam grupos classificados segundo distância em relação à fonte, os testes semiparamétricos, que não definem uma forma específica para a função de risco locacional e os métodos de regressão, que supõem uma relação paramétrica explícita entre risco e proximidade da fonte. Na seqüência, o quinto capítulo trata do mapeamento dos riscos ambientais, e expõe a utilidade dos métodos geoestatísticos, em particular a krigeagem, a fim de estimar, a partir de dados provenientes de pontos de coleta distribuídos na região, os níveis de exposição em pontos para os quais não há informação coletada.

O sexto e último capítulo da segunda parte, trata dos estudos ecológicos no contexto da epidemiologia geográfica, ou seja, nos casos em que os grupos estudados correspondem a áreas geográficas, discutindo as diferentes formas de especificação dos modelos e os cuidados a observar na inferência entre os níveis individual e agregado. Propõe ainda formas de testar a sensibilidade dos coeficientes de regressão no nível agregado, e de especificar a estrutura espacial dos fatores de confundimento não mensurados.

A terceira parte (III - Mapeamento e Concentrações de Doenças), começa com uma perspectiva histórica do mapeamento de doenças - e é curioso que a primeira menção ao trabalho de J. Snow ocorra ali. Os outros seis capítulos dessa parte apresentam exemplos de mapeamento de doenças e estudos de agrupamento, com base em dados de mortalidade, de doenças contagiosas, de linfoma de Hodgkin, diabetes e leucemia infantil, para ilustrar as questões de qualidade de dados e das opções de métodos estatísticos e de geoprocessamento anteriormente discutidas.

A quarta e última parte (IV - Exposição e Ligações com Saúde), apresenta inicialmente uma revisão dos métodos de avaliação dos níveis de exposição usados em estudos epidemiológicos espaciais, tais como monitoramento, tanto individual como ambiental, em várias escalas; procedimentos para interpolação espacial, que permitem obter estimativas para pontos não medidos; modelos de dispersão, aplicados a vários tipos de poluentes; e métodos baseados em indicadores. Os demais capítulos discutem os possíveis vínculos entre exposição e dados de saúde na avaliação do risco, e apresentam estudos dos efeitos da poluição provocada pelo trânsito, da qualidade da água e das alterações climáticas sobre a saúde humana.

Nesta revisão, enfatizou-se a parte referente aos métodos estatísticos, tomada como eixo central, com base no qual são apresentados vários exemplos de aplicação em estudos específicos. Ressalte-se que este trabalho constitui significativa obra de referência, até mesmo pelo porte de colaboradores, tais como P. Diggle e N. Cressie, autores de livros que são marcos na estatística espacial. Além de mapear as principais dimensões do campo da epidemiologia espacial, apresenta ainda extensa e atualizada bibliografia, como se espera de obra que se pretende didática.

 

Evangelina Oliveira
Departamento de Geografia, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro, Brasil.
Escola Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

 

 

SOLIDARIEDADE OU COMPETIÇÃO? POLÍTICAS E SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE NA ALEMANHA. Lígia Giovanella. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2001. 330 pp.

ISBN: 85-7541-003-2

 

Com um título instigante e adequado para sintetizar as tendências recentes das reformas de saúde, o trabalho de Lígia Giovanella tem méritos que ultrapassam em muito a análise do caso das políticas e do sistema de atenção à saúde na Alemanha contemporânea.

O estudo deste caso é por si só original, por tratar-se provavelmente do primeiro trabalho extenso e atual sobre o tema, publicado no país. É possível que a barreira do idioma e o ideal regulatório que impulsiona a reforma brasileira, sejam algumas das explicações para esta ausência no campo da análise comparada. O fato é que sabíamos pouco acerca do seguro social de doença alemão, o Gesctzliche Krankenversicherung (GKV) e suas recentes reformas. E isso, apesar da Alemanha ter influenciado a construção histórica dos mecanismos de proteção social à saúde, com o modelo de seguro público com financiamento da atenção vinculada ao trabalho, o chamado modelo meritocrático-corporativo.

O primeiro capítulo é dedicado à descrição do amplo sistema de proteção social. Aprende-se sobre sua gênese e estrutura intimamente ligadas ao conflito capital-trabalho, seus princípios constitutivos (equivalência, solidariedade, subsidiariedade) e seus diferentes ramos: doença, acidentes de trabalho, velhice, invalidez e morte, desemprego e o recente seguro social para cuidados de longa duração. A equivalência é o princípio que rege as aposentadorias sendo maior a solidariedade no seguro doença, vigorando a subsidiariedade na assistência social. Destaca-se que na década de 90 é revitalizada a discussão da hegemonia do princípio da subsidiariedade na área da saúde.

No capítulo seguinte, o GKV é enfocado: são 960 Caixas que estabelecem contratos com prestadores para um amplo catálogo de ações. Embora essas Caixas sejam diferentes, os benefícios tornaram-se praticamente iguais. Apesar de sua autonomia, têm na prática pouco poder pois o Estado regula os direitos a serem assegurados, e os prestadores acabam definindo o tipo e a qualidade dos serviços, transformando-as em administradores financeiros. Novas formas de democratização são cogitadas e tal como ocorre aqui nos Conselhos de Saúde, aparecem problemas com a capacitação dos representantes. No financiamento, a participação estatal é exceção, sendo a taxa média de contribuição da ordem de 13,4%, dividida igualmente entre empregado e empregador.

Mas no campo da análise comparada, o interesse do livro transcende o estudo do caso em vários aspectos. Um ponto forte é a articulação raramente feita entre política social, política de saúde e organização de serviços. O que a autora oferece é um interessante caminho metodológico para essa difícil articulação. Situando o sistema no âmbito da proteção social e na discussão das políticas de contenção, Lígia "desce" no Capítulo 3 para as práticas de saúde, fornecendo uma proposta interessante para operacionalizar tais descrições. Enfoca os mecanismos de regulação em nível ambulatorial e hospitalar, caracterizando modalidades organizacionais, de financiamento e de pagamento. Faz isso de uma forma dinâmica valendo-se das propostas dos diferentes atores ou principais grupos de interesse no setor. A ênfase em categorias relacionadas aos mecanismos de regulação é adequada, tendo em vista ser a contenção dos custos e seu impacto, a temática central do trabalho.

Tal como nos capítulos precedentes, é grande a riqueza de informações valendo a pena registrar que o panorama não se restringe à assistência médica, incluindo também a assistência odontológica e farmacêutica, o que é raro em estudos desta ordem. Nota-se, como em outros países centrais, o Canadá por exemplo, a grande centralidade do médico no sistema, com esforços no sentido de controle de suas rendas e ênfase na medicina geral e cirurgia ambulatorial.

O objetivo do trabalho é, segundo a autora, "responder a indagação acerca do desmantelamento ou não dos esquemas ampliados de proteção social, bem como de uma suposta tendência de espiral convergente de desproteção" (p. 12). Portanto, além da descrição do tipo e qualidade das medidas implementadas, preocupa-se com seu impacto e com a influência dos atores sociais nesse resultado.

Após um capítulo de ordem mais geral, onde são discutidos os gastos em saúde, argumento que tem sido o grande pano de fundo das políticas de contenção, o capítulo seguinte concentra-se na dinâmica dos atores do processo da reforma do GKV durante os anos de 1990, em suas três etapas, apresentando-se propostas e posições. Sou particularmente fã da parte sobre gastos, e já vinha referenciando-a antes da publicação do livro por conhecer a Tese de Doutoramento que o originou. Ao procurar responder a questão acerca da explosão de custos, a autora conclui de forma sintética e precisa como mostra o subtítulo da página 167, Crescimento dos Gastos em Saúde: Mitos, Retórica e Consensos.

O Capítulo 5 é de leitura mais difícil e interesse especializado. Os quadros sínteses com a cronologia das leis de contenção, principais medidas da Lei da Reforma de Saúde de 1988 e Lei da Estrutura da Saúde de 1992, auxiliam em parte sua compreensão. Um dos instrumentos iniciais de contenção de gastos foi a fixação de tetos orçamentários na década de 80, limitando gastos por setor de atenção, de forma negociada, corporativa e conduzida pelo Estado. A negociação foi feita por uma câmara setorial (Ação Concentrada em Saúde), com participação dos atores sociais e representação de interesses, as Associações de Médicos Credenciados, de Caixas e outros prestadores.

A terceira etapa é aprofundada com a preocupação de mapear as propostas dos principais atores (Caixas, Sindicatos, Empresários e Médicos) juntamente com aquelas de ordem partidária. O interessante é conhecer o formato alemão de condução dessas reformas com forte influência desses atores na formulação das políticas, uma forma característica de concentração neocorporativa, onde os interesses estão inseridos na própria institucionalidade do setor. Embora aqui os quadros também facilitem a compreensão das propostas, o capítulo seguinte permite realizar melhor uma síntese. As estratégias de contenção são retomadas dialogando-se com a literatura em torno de conceitos bastante difundidos na década de 90, tais como, a competição entre as Caixas, a privatização da demanda com co-pagamento ou, a racionalização da oferta com novos arranjos na prestação de serviços. Nesse caso, busca-se eficiência com maior integralidade da atenção através de manejo médico e social de casos coordenados por clínico geral e consultórios em rede com orçamentos combinados, por exemplo.

A discussão final traz uma posição quanto ao impacto dessas medidas sobre o nível de proteção social e na estrutura do sistema, principalmente sobre seus princípios constitutivos. A conclusão é de enorme interesse para as reformas de países periféricos, pois demonstra a continuidade da ampla proteção ainda que exista um tenso equilíbrio entre os princípios de solidariedade, equivalência e subsidiariedade, reatualizado a cada conjuntura. Tal como a autora explicita na apresentação, o trabalho mostra ao mesmo tempo as especificidades do sistema alemão e as singularidades da aplicação de medidas de contenção, pois "embora exista certa convergência dos mecanismos de contenção em saúde, um receituário comum, difundido por organismos internacionais e seus especialistas, a aplicação destas estratégias similares em contextos nacionais diversos produz diferentes resultados - expressões singulares da tensão entre o particular e o geral -, pois são processadas por atores e instituições nacionais" (p. 13).

Há portanto uma autonomia relativa da esfera política em relação à econômica, sendo os rumos das contra-reformas condicionados pela correlação de forças em cada conjuntura e pela institucionalização anterior à proteção.

O trabalho destaca a singularidade e a complexidade dos processos setoriais, o que é diferente de subordinar a proteção social contemporânea à esfera econômica, homogeneizando diagnósticos e criando pseudo consensos que limitam a construção de opções. Fornece portanto, um amplo material para a discussão acerca da complexa dinâmica de convergência/divergência dos sistemas de saúde. É bom não deixar de ler as excelentes observações feitas por Maria Lúcia Werneck Vianna no prefácio e por Sonia Fleury na sinopse publicada na "orelha". Ambas reforçam a mensagem do livro, insistindo na importância dos caminhos políticos e do papel do Estado, relativizando a importância do modelo de prestação de serviços, pelo menos em sociedades com maior formalização das relações de trabalho. Como afirma Sonia Fleury, o seguro social é um modelo que segmenta a clientela e a solidariedade o resultado de processos políticos de negociação que reduzem essa estratificação, sendo o papel do Estado crucial nesse sentido.

 

Eleonor Minho Conill
Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.

 

 

OS DELÍRIOS DA RAZÃO: MÉDICOS, LOUCOS E HOSPÍCIOS (RIO DE JANEIRO, 1830-1930). Magali Gouveia Engel. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2001. 352 pp.

ISBN: 85-85676-94-9

 

Um livro de histórias

 

A Editora Fiocruz nos brindou recentemente, através de sua coleção Loucura e Civilização, com o livro Os Delírios da Razão: Médicos, Loucos e Hospícios (Rio de Janeiro, 1830-1930), de autoria da historiadora Magali Gouveia Engel. Originalmente, a obra foi apresentada como tese de doutoramento ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas. Do meu ponto de vista, o trabalho de Magali Engel vem coroar uma já antiga linha de investigação, que os pesquisadores brasileiros passaram a explorar sistematicamente desde que, em 1978, apareceu o livro Danação da Norma, escrito por Roberto Machado, Ângela Loureiro, Rogério Luz e Kátia Muricy. E digo "coroar", porque Magali Engel trilha em toda a sua extensão os caminhos antes apenas parcialmente percorridos por vários outros pesquisadores. Oferece assim ao leitor um amplo e detalhado painel sobre o desenvolvimento da psiquiatria no Brasil e sobre seu impacto na vida quotidiana das grandes metrópoles do país, especialmente da cidade do Rio de Janeiro.

O trabalho de pesquisa com as fontes disponíveis é primoroso. Cobrindo o período de um século, a autora recorre sistematicamente a periódicos especializados, jornais e revistas da chamada imprensa "profana", processos penais e cíveis, relatórios institucionais, anais do Congresso Brasileiro, leis, decretos, regulamentos, obras médicas e jurídicas, teses, crônicas, memórias, relatos de viagem e obras literárias, além de incorporar informações oriundas de pesquisas anteriormente realizadas sobre o mesmo tema. É nesse sentido, até onde me é possível saber, o trabalho mais abrangente que já se produziu sobre o assunto entre nós.

Em seu belíssimo livro, Engel articula o fio da reflexão sobre a medicalização da loucura e os diferentes sentidos que adquiriu ao longo do período, ao da disciplinarização do espaço urbano e controle de comportamentos desviantes, ao da construção de uma nação "civilizada" e "moderna", ao do conflito entre diferentes poderes (principalmente o médico e o jurídico), ao do exercício do poder tutelar no interior da instituição psiquiátrica e, principalmente, ao do destino que aguardaria inúmeros homens e mulheres em cujas vidas e corpos todos esses fios se enredavam e se confundiam.

E, note-se, a articulação dessa trama vai se fazendo em cenários altamente complexos, envolvendo múltiplas histórias e inúmeros pontos de vista. Os desenvolvimentos que vão sendo descritos e analisados não são nem lineares, nem homogêneos, mesmo que ao fim do processo uma certa configuração geral se delineie. Tomemos o fio da medicalização da loucura, por exemplo, e veremos que mesmo ao final do período escolhido para a análise e depois de ter sido fortalecido por inúmeras leis, o poder médico continuaria sendo contestado por diferentes atores, cujas concepções da loucura (principalmente a que a equacionava ao delírio) permaneciam à margem da "verdade" psiquiátrica. Tomemos, por outro lado, o fio da já várias vezes visitada relação que opunha médicos e juízes quanto à decisão relativa ao seqüestro dos loucos, e veremos que eles também se aliaram em inúmeros momentos. Igualmente, se o poder médico tendia a se exercer mais plenamente no sentido do controle dos miseráveis, mendigos e "desclassificados" que vagavam nas grandes metrópoles, ele também incidia sobre a mulher burguesa, cuja sexualidade fugia aos padrões estabelecidos ou sobre os homens, os senhores, cuja prodigalidade ameaçava deixar seus herdeiros na miséria. Enfim, como mostra a autora claramente, se o exercício do poder tutelar dentro do hospício o transformava em instituição total, isso também não acontecia sem inúmeras contradições e resistências.

É certo entretanto que, apesar das contradições, impasses, perplexidades e recuos, o período republicano faria com que a intervenção médico-psiquiátrica no quotidiano da vida brasileira atingisse o paroxismo. Respaldada pela transformação do próprio conceito de loucura que, deixando de ser caracterizada pelo delírio ou desrazão, vai se tornando cada vez menos visível e pública, tal intervenção passaria a ser maciça. Como ressalta Engel, se desde a criação do Hospício Nacional de Alienados até 1889 (cinco décadas, portanto) a instituição havia recolhido 6.040 "doentes alienados", apenas nos cinco anos subseqüentes (janeiro de 1890 a novembro de 1894), ela receberia 3.201 indivíduos. E o mesmo parecia ocorrer também em São Paulo. De certo modo, podemos dizer que a República inaugurou entre nós a Era do Grande Enclausuramento. E, em linhas gerais, é desse "enclausuramento" que se trata n'Os Delírios da Razão.

Mas se as linhas gerais da grande história não deixam de ser ressaltadas pela autora, Engel escreve um livro de histórias, sobretudo. Seguindo Lucien Febvre, a autora se propõe a "conferir aos autores do enredo narrado as feições de personagens de carne e osso, com suas angústias, suas contradições, suas ambigüidades, suas sujeições e rebeldias". E executa plenamente sua proposta. Ao longo da leitura, o leitor vai sendo confrontado com as vidas singulares, curiosas e trágicas de Bitu, com seu chapéu de três bicos; de Bárbara Onça, famosa pela sua "sordidez"; de Castro Urso, vendendo bilhetes de loteria pelas ruas da cidade e também do Capitão Nabuco, do Padre Quelé, do Bolenga, da Maria Doida, do Príncipe Natureza, do Príncipe Obá, do senhor de engenho F., do Comendador Carvalho, de Bárbara de Jesus, de Isaltina Bastos, de Hercília Legey, de João Pereira Barreto, de Lima Barreto, dentre tantos e tantos outros. Mais do que da vida de insígnes psiquiatras brasileiros, como Teixeira Brandão, Juliano Moreira ou Franco da Rocha, é das vidas desses inúmeros e anônimos personagens que se tece a história da psiquiatria no Brasil. E Magali Engel soube tecê-la como ninguém, escrevendo um trabalho em que a seriedade acadêmica e a quantidade impressionante de informações incorporadas não impedem os leitores de saborear as inúmeras histórias de personagens que, a despeito daquilo que a grande Razão autoritária de médicos, juízes, policiais, administradores etc. tentou fazer deles; insistem em seguir vivendo, na nossa memória pelo menos, como personagens de "carne" e "osso", cujas "razões", muito mais mundanas e prosaicas, parecem ser às vezes, se não mais razoáveis ou humanas, seguramente muito menos perigosas e arrogantes do que aquela.

 

Sérgio Carrara
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

 

 

SISVAN: INSTRUMENTO PARA O COMBATE AOS DISTÚRBIOS NUTRICIONAIS EM SERVIÇOS DE SAÚDE. O DIAGNÓSTICO NUTRICIONAL. Elyne Montenegro Engstrom (org.). 2a Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2002. 147 pp.

ISBN 85-87743-14-7

 

O lançamento da 2a edição atualizada e revisada do SISVAN: Instrumento para o Combate aos Distúrbios Nutricionais em Serviços de Saúde. O Diagnóstico Nutricional pelo Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição (CECAN) da Região Sudeste, ocorre em um momento histórico muito oportuno: o ano de 2002 marca o aniversário de 25 anos de implantação das primeiras experiências do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) no Brasil, bem como o aniversário de 70 anos de realização da pesquisa As Condições de Vida das Classes Operárias no Recife, por Josué de Castro, considerada o primeiro inquérito dietético-nutricional do país. Ao longo desses setenta anos, particularmente nos últimos vinte e cinco anos, ao perfil epidemiológico nutricional que foi traçado nos anos 30/40 do século passado, caracterizado sobretudo pelas chamadas doenças carenciais (desnutrição protéico-calórica, hipovitaminose A, anemia ferropriva, pelagra, bócio etc.), sobrepuseram-se as chamadas doenças nutricionais degenerativas (obesidade, diabetes, dislipidemias etc.). Desse modo, nos dias atuais, diante destas contradições e ambigüidades produzidas pelo processo histórico de modernização da sociedade brasileira, os desafios colocados aos profissionais da saúde tornam-se cada vez mais volumosos e complexos. Desafios esses que além de exigir uma redefinição de práticas, comportamentos e atitudes dos profissionais, também exigem o redesenho dos instrumentos utilizados nos Serviços de Saúde. "Ter um olhar atento, diferenciado, para os problemas nutricionais na rotina da atenção básica à saúde", eis, portanto, o desafio a ser colocado para o SISVAN neste início do terceiro milênio. Como conquistá-lo? A leitura cuidadosa do livro nos oferece algumas pistas.

Organizado por Elyne Montenegro Engstrom (médica, mestre em saúde da criança e da mulher pelo Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz e pesquisadora do Instituto de Nutrição Annes Dias), o livro tem como co-autoras as nutricionistas Denise Oliveira e Silva, Denise Cavalcante de Barros, Kátia Ayres Monteiro e a médica Esther Lemos Zaborowski. Como se não bastasse, teve ainda a consultoria e revisão técnica de Luiz Antônio dos Anjos (médico, professor titular do Departamento de Nutrição da Universidade Federal Fluminense) e Claudia Saunders (nutricionista, professora assistente do Instituto de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro), além do prefácio assinado pelo eminente Malaquias Batista Filho (médico, professor titular do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco).

O livro é composto por oito capítulos, os quais, conforme pontuaremos a seguir, abordam os procedimentos de diagnóstico nutricional a serem utilizados nos distintos estágios do ciclo vital (da concepção à chamada terceira idade). Traz ainda uma seção bônus com 8 anexos encartados (tabelas e gráficos com os valores de referência dos índices e indicadores preconizados), os quais constituem importantes instrumentos específicos para avaliação do estado nutricional dos diferentes grupos etários.

O Capítulo 1 (O SISVAN nos Dias de Hoje), em sua primeira seção, introduz o conceito de Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, originalmente concebido como um "sistema intersetorial de coleta, processamento e análise contínuos de dados de uma população, possibilitando um diagnóstico atualizado da situação nutricional, suas tendências temporais e, também, dos fatores de sua determinação. Contribuindo para que se conheçam a natureza e a magnitude dos problemas de nutrição, caracterizando grupos sociais de risco e dando subsídios para a formulação de políticas, estabelecimento de programas e intervenções" (OPS, 1989). A segunda seção realiza uma síntese histórica do processo de regulamentação e implantação do SISVAN no Brasil, desencadeado efetivamente segundo a Portaria no 080-P, de 16/10/1990, do Ministério da Saúde (MS) e da chamada Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS), apesar das primeiras experiências terem surgido no país desde 1977. Já nas duas últimas seções, ao discutir a potencial contribuição do SISVAN na resolutividade dos problemas nutricionais brasileiros, introduz a mensagem mais importante do livro: a noção de atitude de vigilância nutricional e os caminhos para conquistá-la.

O Capítulo 2 (As Bases para o Diagnóstico Nutricional), como o próprio título sugere, procura abordar, de forma bastante introdutória, alguns dos conceitos básicos para a realização da atividade de diagnóstico nutricional individual na atenção à saúde. Entre esses, destacam-se os conceitos de: estado nutricional, métodos de avaliação do estado nutricional, medidas corporais, índices, indicadores, pontos de cortes e padrão de referência.

O Capítulo 3 (Diagnóstico Nutricional de Crianças Menores de Cinco Anos), centraliza sua atenção na descrição do chamado Cartão da Criança, instrumento preconizado pelo MS, baseado nas curvas de percentis do índice peso por idade (P/I) do National Center for Health Statistics (NCHS). Aborda ainda, a importância da utilização de outros índices para o monitoramento do processo de crescimento de crianças até os cinco anos de idade, tais como altura/idade (A/I), peso/altura (P/A), peso ao nascer e idade gestacional.

O Capítulo 4 (Diagnóstico Nutricional de Gestantes), aquele que sofreu a mais significativa atualização/reformulação em relação à edição anterior, é composto por duas seções principais: a primeira trata dos indicadores recomendados internacionalmente, enquanto a segunda aborda os indicadores recomendados nacionalmente. Na primeira seção, são descritos os procedimentos básicos para a utilização de dois critérios de diagnóstico nutricional de gestantes, preconizados pelo Institute of Medicine (IOM) dos Estados Unidos: o Índice de Massa Corporal (IMC) pré-gestacional e o ganho de peso recomendado segundo categorias de IMC pré-gestacional. Na segunda seção, são apresentadas as atuais recomendações preconizadas pelo MS para avaliação nutricional e ganho de peso na gestação, as quais são definidas a partir da variável "peso pré-gestacional" (PPG). Sendo assim, nessa última seção são abordados os indicadores "ganho de peso gestacional se o PPG for conhecido ou aferido até a 13a semana de gestação", e "ganho de peso gestacional se o PPG for desconhecido e o primeiro peso aferido após a 13a semana de gestação".

O Capítulo 5 (Diagnóstico Nutricional de Adultos e Idosos) descreve, em um primeiro momento, os indicadores preconizados na avaliação nutricional de adultos e, por último, aqueles destinados aos idosos. Para a população adulta, as autoras centralizam sua atenção na apresentação dos procedimentos metodológicos utilizados no cálculo do IMC e, em segundo plano, sugerem a construção do indicador "relação cintura/quadril" (RCQ). Para os idosos, também recomendam o uso do IMC e apontam a utilização de indicadores complementares (circunferência da panturrilha, perímetro braquial, prega cutânea do tríceps e estimativa de altura), os quais são descritos apenas no Capítulo 7.

O Capítulo 6 (Diagnóstico Nutricional de Adolescentes e Escolares), em sua primeira seção, descreve os principais indicadores antropométricos utilizados para o diagnóstico nutricional de adolescentes (altura/idade e IMC), além de apontar o uso complementar do perímetro braquial e de pregas cutâneas. Nessa seção, ao descrever a construção do indicador "altura/idade", recomendado pelo MS, as autoras chamam a atenção para a importância da avaliação do estágio de maturação sexual, baseada nos critérios de Tanner (1990). A segunda seção, por sua vez, apresenta uma breve descrição dos indicadores "altura/idade" e "peso/altura", tradicionalmente os mais utilizados na avaliação nutricional de escolares, bem como menciona o uso de outros parâmetros (IMC, pregas cutâneas e perímetros).

O Capítulo 7 (Perímetros Corporais e Pregas Cutâneas), realiza uma breve descrição dos procedimentos metodológicos básicos para a utilização das chamadas medidas complementares de diagnóstico nutricional. Nesse sentido, aborda-se o uso de indicadores baseados em perímetros ou circunferências corporais (braquial, cefálico, torácico, da cintura, do quadril e da panturrilha), em pregas ou dobras cutâneas (tricipital, bicipital e subescapular), além de outras medidas/indicadores tais como: "circunferência muscular do braço" (CMB), "altura do joelho" e "envergadura ou comprimento do braço".

O Capítulo 8 (Carências Nutricionais Específicas), traça um breve perfil epidemiológico e apresenta os métodos e indicadores preconizados para o diagnóstico nutricional das três principais deficiências de micronutrientes observadas na população brasileira: anemia ferropriva, hipovitaminose A e bócio.

Em síntese, apesar de, explicitamente ter sido escrito como um manual para capacitação dos profissionais da saúde no desenvolvimento do SISVAN dentro da rotina dos Serviços de Saúde, a intenção do livro torna-se muito mais abrangente ao fazer o apelo à adoção da atitude de vigilância nutricional. Com isso conclama a todos os profissionais envolvidos com o SUS, particularmente aqueles engajados no Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e na Estratégia Saúde da Família, a pensar/conceber o SISVAN como um instrumento de ação/transformação da realidade alimentar e nutricional da população brasileira, ultrapassando a concepção técnico-burocrática de concebê-lo apenas como um "sistema estanque de coleta, processamento e análise de dados nutricionais". Apelo que visa estimular os profissionais da saúde à realização de um exercício de cidadania e política, e a provocar um sentimento de indignação que se transforme em atitude transformadora do paradoxal quadro de desigualdade social/nutricional do país.

 

Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos
Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.

 

 

OPS (Organización Panamericana de la Salud), 1989. Vigilancia Alimentaria y Nutricional en las Américas. Publicación Científica 516. Washington, DC: OPS.

TANNER, J. M., 1990. Fetus into Man: Physical Growtth from Conception to Maturity. Cambridge: Harvard University Press.

 

 

SISVAN: INSTRUMENTO PARA O COMBATE AOS DISTÚRBIOS NUTRICIONAIS NA ATENÇÃO À SAÚDE. O DIAGNÓSTICO COLETIVO. Denise Oliveira e Silva, Elyne Montenegro Engstron & Esther Lemos Zaborowski. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2002. 187 pp.

ISBN: 85-87743-13-9

 

O Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição (CECAN) da Região Sudeste, um dos componentes mais ativos e criativos do processo de implementação e desenvolvimento do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) no Brasil, após cerca de quatro anos da publicação da primeira edição de SISVAN: Instrumento para o Combate aos Distúrbios Nutricionais em Serviços de Saúde. O Diagnóstico Nutricional, volume especificamente voltado para uma abordagem dos métodos, índices e indicadores de diagnóstico nutricional individual, nos presenteia com o lançamento de SISVAN: Instrumento para o Combate aos Distúrbios Nutricionais na Atenção à Saúde. O Diagnóstico Coletivo.

Militantes ativas da chamada Rede SISVAN Brasil, as três autoras deste novo volume, a nutricionista Denise Oliveira e Silva e as médicas Elyne Montenegro Engstrom e Esther Lemos Zaborowski, contaram com a consultoria de duas outras militantes e experts dessa temática - Inês Rugani Ribeiro de Castro (nutricionista, doutora em saúde pública pela Universidade de São Paulo, diretora do Instituto de Nutrição Annes Dias e professora-adjunta do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e Joyce Schramm (médica, doutora em saúde pública pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública). Para completar o quadro, o livro foi brilhantemente prefaciado pelo militante mais emblemático da trajetória histórica do SISVAN brasileiro - Dr. Malaquias Batista Filho (médico, professor titular do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco e Coordenador do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição - Região Nordeste I).

Os propósitos, os destinatários e o enfoque didático-pedagógico deste novo volume seguem as mesmas diretrizes do volume antecessor, voltando-se para o processo de capacitação dos profissionais envolvidos com o Sistema Único de Saúde, particularmente aqueles engajados no Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e na Estratégia Saúde da Família, no desenvolvimento do SISVAN dentro da rotina de atenção à saúde. Nesse sentido, da mesma forma que o volume anterior, lança um apelo central a esses profissionais: engajamento na trajetória de implementação da Rede SISVAN Brasil, o que "implica o aperfeiçoamento técnico e, também, compromisso ético e social com as políticas públicas do País", especificamente com aquelas direcionadas ao combate aos distúrbios nutricionais.

O corpo do livro é estruturado em duas partes, além de outras seções que constituem os chamados pré-texto (Prefácio, Apresentação e Introdução) e pós-texto (Considerações Finais, Anexo e Referências Bibliográficas). A Parte I (A Construção da Vigilância Alimentar e Nutricional na Saúde), composta por três capítulos, parece ter um caráter mais histórico, teórico e conceitual. A Parte II (O Fluxo de Dados), composta por quatro capítulos, por sua vez, denota um sentido mais técnico, prático e operacional.

O Capítulo 1 (Avanços na Alimentação e Nutrição na Década de 90), composto por duas seções, como o próprio título sugere, parece uma apologia a possíveis avanços/conquistas da chamada política social de alimentação e nutrição brasileira, verificados na última década do século XX. A primeira seção (A Política Nacional de Alimentação e Nutrição), realiza uma síntese muito mais descritiva do que analítica do conteúdo da Portaria no 710/GM, de 10 de junho de 1999, do Ministro da Saúde, a qual estabelece sete diretrizes básicas para condução da política e dos programas de alimentação e nutrição no país, bem como define as responsabilidades institucionais de cada órgão gestor/executor, nas distintas esferas administrativas (federal, estadual e municipal). A segunda seção (O Perfil Nutricional da População Brasileira), por sua vez, aborda a questão da chamada transição nutricional, tendo como base empírico-analítica os resultados das pesquisas nutricionais realizadas no país entre o período de 1974/1975 e 1997.

O Capítulo 2 (A Identidade do SISVAN: Articulação da Informação e Ação em Nível Local), em sua primeira seção, realiza um breve resgate histórico do processo de implantação do SISVAN no Brasil. A segunda seção, por sua vez, procura discutir e atualizar o conceito e a identidade do SISVAN no Brasil, centralizando sua atenção na descrição das chamadas fontes de dados alimentadoras do sistema (Sistema Único de Saúde, pesquisas populacionais, estatísticas vitais, creches, escolas e sociedade civil).

O Capítulo 3 (As Bases do SISVAN na Atenção à Saúde), encerra a primeira parte do livro procurando discutir, nas três seções que o compõem, as principais bases teórico-conceituais para implementação deste sistema no país. Sendo assim, a primeira seção tem por objetivo discutir os fundamentos/conceitos do SISVAN na atenção à saúde, a segunda se propõe a discutir as principais etapas/procedimentos para planejamento do SISVAN, enquanto a terceira apresenta uma breve discussão sobre o processo de organização do fluxo de dados do sistema.

O Capítulo 4 (A Coleta de Dados), principia a abordagem do conteúdo mais prático e operacional do livro procurando descrever, de forma bastante ilustrativa, os procedimentos básicos do processo de coleta de dados: a produção e o registro dos dados.

O Capítulo 5 (O Tratamento de Dados), é composto por três seções principais. A primeira aborda a questão da consistência dos dados, procurando discutir procedimentos básicos a serem utilizados nos processos de identificação, correção e/ou exclusão dos dados. A segunda seção descreve os mecanismos, critérios e instrumentos necessários ao processo de ordenação/agregação dos dados. A terceira, por sua vez, sintetiza os passos necessários a serem utilizados no processo de consolidação e/ou totalização manual ou informatizada dos dados.

O Capítulo 6 (A Análise de Dados), é composto por duas seções principais. A primeira procura descrever os procedimentos básicos a serem utilizados na fase de análise de dados do SISVAN, chamando a atenção para os chamados olhar interno (ou análise interna) e olhar externo (comparação ou discussão) dos dados. A segunda seção, por outro lado, discute a utilização de alguns conceitos e instrumentos da Epidemiologia e da Estatística na análise dos dados do SISVAN.

O Capítulo 7 (A Divulgação de Informações), encerra a segunda parte do livro apresentando uma breve descrição dos instrumentos de informação e comunicação a serem utilizados pelo SISVAN. Em um primeiro momento são descritos, de forma bastante sumária, os procedimentos para elaboração dos chamados instrumentos escritos (o Informe, o Boletim e o Relatório). No segundo, aborda-se noções gerais de como elaborar os chamados instrumentos gráficos (tabelas e gráficos).

Por fim, compartilhando com a utopia de construção de um SISVAN capaz de assumir "seu papel conceitual de apoiar a definição das macropolíticas públicas e o monitoramento da eficiência de programas de intervenção... de um sistema confiável, abrangente e ágil ... que monitore a população materno-infantil; seja ampliado para outros grupos etários, outros problemas nutricionais, e seja uma estratégia de promoção da saúde voltada a todos" os brasileiros, defendida pelas autoras, não cometeremos ofensa se dissermos que vislumbramos muito mais limitações que potencialidades nas tortuosas trilhas percorridas e naquelas que teremos de percorrer para a realização deste sonho.

 

Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos
Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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