ARTIGO ARTICLE

 

Doença meningocócica: situação epidemiológica no Município de Manaus, Amazonas, Brasil, 1998/2002

 

Meningococcal disease: epidemiological profile in the Municipality of Manaus, Amazonas, Brazil, 1998/2002

 

 

Magda Levantezi SantosI; Antônio Ruffino-NettoII

IFaculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil
IIFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estudou-se o comportamento da doença meningocócica no Município de Manaus, Amazonas, Brasil, no período compreendido entre 1998 a 2002, referente à incidência e letalidade, idade, sexo, forma clínica, evolução, critério diagnóstico e cepas de meningococos predominantes. Os coeficientes de incidência da doença meningocócica, em Manaus, no período do estudo, apresentaram uma média de 7,8 casos por 100 mil habitantes. A doença meningocócica incide mais no sexo masculino. A faixa etária mais acometida são os menores de 1 ano. A taxa de letalidade média apresentada foi de 14,0%. No ano de 2002, o meningococo pertencente ao sorogrupo B foi o mais incidente (78,2%), os pertencentes ao sorogrupo C representaram 7,2% dos casos de doença meningocócica.

Meningite Meningocócica; Neisseria meningitidis; Vigilância Epidemiológia


ABSTRACT

This epidemiological study focused on meningococcal meningitis in the Municipality of Manaus, Brazil from 1998 and 2002, considering the following aspects: incidence and case-fatality, age, sex, clinical manifestations, evolution, diagnostic criteria, and predominant meningococcal strains. The mean incidence rate for meningococcal meningitis in Manaus during the study period was 7.8 cases per 100,000 inhabitants. The disease was more common in males. Infants (< 1 year age) were the most frequently affected age group. Mean case fatality was 14.0%. In 2002, serotype B meningococcus was the most prevalent (78.2%), while serotype C accounted for 7.2% of cases of meningococcal disease.

Meningococcal Meningitis; Neisseria meningitidis; Epidemiologic Surveillance


 

 

Introdução

A doença meningocócica é um sério problema de saúde pública em várias localidades do mundo, especialmente por causa da alta letalidade e da elevada incidência em faixas etárias menores 1,2. É causada pela Neisseria meningitidis e se apresenta sob diversas formas clínicas que vão desde o portador assintomático até a meningococemia fulminante 3.

A ocorrência da doença meningocócica se dá em todo o mundo. Representa dez a quarenta por cento dos casos das meningites bacterianas. A Organização Mundial da Saúde divulgou, no ano de 1997, uma estimativa de que ocorreram, no mundo, aproximadamente 500 mil casos desse agravo, e que 50 mil culminaram em mortes causadas pelo meningococo 2.

É muito conhecida a área endêmica da Etiópia à Mauritânia, denominada como "Cinturão Africano", onde a média de casos registrada é de até 20/100 mil habitantes por ano, e o grupo mais acometido é o de crianças na faixa etária de 5 a 14 anos 2.

No Brasil, o número de casos para o período de 1998 a 2001, divulgado em 2002 pela Fundação Nacional de Saúde (Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasília: Centro Nacional de Epidemiologia; 2002), foi de 17.689, e o de óbitos foi igual a 3.149. No Estado do Amazonas, ocorreram 640 casos e 104 óbitos no período de 1998 a 2002 (dados fornecidos pela Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas – SUSAM), e em Manaus, nesse mesmo período, foram confirmados 532 casos e 74 óbitos de doença meningocócica, conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde.

Por tratar-se de uma enfermidade de alta gravidade, todos os casos suspeitos de meningite são de notificação compulsória.

Esse estudo proporcionará o conhecimento comportamental da doença e poderá subsidiar o sistema de vigilância epidemiológica do município a adotar medidas de intervenção específicas no controle da doença e na prevenção do óbito freqüentemente ocasionado por ela.

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo. A população que compõe esse estudo é composta por munícipes, que apresentaram a doença no período descrito anteriormente.

Foram considerados como critérios de inclusão residir em Manaus na data da manifestação da doença; ser caso confirmado de doença meningocócica (segundo normas do Sistema de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde – MS) e estar notificado no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).

O SINAN

A análise do comportamento da doença meningocócica no município foi realizada com base nos dados do SINAN, que foi implementado no Estado no ano de 1998, através da Ficha de Investigação Individual de Meningites e que se configura como um roteiro de investigação do agravo, apesar de ser um dado secundário e apresentar restrições do tipo: preenchimento incompleto e ausência de registros sobre algumas variáveis estudadas.

Foi realizado um levantamento do quanto a ausência de registros representava sobre o total dos dados pesquisados. Verificamos ausência de registro apenas para as informações relativas a critério diagnóstico(3,2%) e evolução (4,1%), para as variáveis relacionadas à identificação da bactéria (sorogrupo, sorotipo e subtipo), foi utilizada outra fonte de dados, a Divisão de Epidemiologia, Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMT/AM).

Acreditamos, portanto, que, apesar das restrições, o banco de dados apresenta condições satisfatórias para a análise do comportamento epidemiológico da doença meningocócica em Manaus no período do estudo.

As variáveis estudadas foram: idade, sexo, forma clínica, evolução, critério diagnóstico, sorogrupo, sorotipo e subtipo da cepa e ano epidemiológico. As fontes de dados foram: banco de dados do SINAN da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus, o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ano 2000 e a Divisão de Epidemiologia da FMT/AM.

As variáveis foram codificadas, digitadas e analisadas em banco de dados do programa Epi Info, para as representações gráficas, o Microsoft Excel.

 

Resultados

O SINAN registrou 1.487 casos de meningite, 532 casos e 74 óbitos ocasionados pela doença meningocócica em Manaus, no período de 1998 a 2002. A distribuição do número de casos de meningite, a proporção de doença meningocócica em relação ao total de casos de meningite e a taxa de letalidade do agravo em estudo estão representadas na Figura 1.

O coeficiente de incidência da doença meningocócica registrou uma média de 7,8 casos por 100 mil habitantes, e a taxa de mortalidade, em torno de um óbito a cada 100 mil habitantes. Os coeficientes de incidência e de mortalidade da doença meningocócica (ambos por 100 mil) no Município de Manaus, por ano epidemiológico, estão apresentados na Figura 2.

Estudando a distribuição dos 532 casos, segundo o sexo, observa-se que o agravo acomete mais o sexo masculino, que também se caracteriza como o de maior risco para a doença conforme representa a Figura 3.

O número de casos e o coeficiente de incidência apresentado em cada ano epidemiológico por faixa etária e a média de incidência no período estão representados na Tabela 1.

No ano de 2002, em Manaus, foram confirmados 112 casos de doença meningocócica. Desses, 69 amostras foram submetidas à identificação da cepa. Verificou-se o predomínio do sorogrupo B (54 casos – 78,2%), seguido do sorogrupo C (5 casos – 7,2%). Nas dez amostras restantes, ocorreu morte da cepa. A identificação dos meningococos das 54 amostras do sorogrupo B aponta para um predomínio de casos (44) ocasionados pela cepa B:4:P1.19,15. Nos anos anteriores, não foi possível obter os dados referentes a amostras encaminhadas para identificação, ficando, portanto, a análise prejudicada.

A distribuição do número de casos de doença meningocócica, segundo a forma clínica por ano epidemiológico, é apresentada na Figura 4.

No período do estudo (1998 a 2002), a proporção do número de casos por forma clínica apontou como forma predominante a meningite meningocócica associada à meningococemia (40,9% – 218 casos), em seguida, a meningococemia (38,5% – 205 casos) e, por último, a meningite meningocócica (20,4% – 109 casos).

Cerca de 69,0% (315) dos casos foram confirmados através do critério clínico laboratorial, sendo que 21,4% foram pela cultura; 37,7%, através da aglutinação por látex, e a bacterioscopia foi responsável por 9,5%. O critério clínico foi responsável pela confirmação de 21,8% dos casos. Em 32 casos (6,2%), outros critérios foram utilizados.

 

Discussão

A doença meningocócica apresenta uma boa possibilidade de vigilância e controle devido à obrigatoriedade de notificação e da hospitalização de quase 100,0% dos casos, apesar de sabermos que ocorre a subnotificação por motivos diversos relacionados à sensibilidade e eficiência do sistema de vigilância epidemiológica dos diversos serviços de saúde. No Município de Manaus, a quase totalidade dos casos é atendida no Hospital da Fundação de Medicina Tropical, que é referência para doenças infecciosas, o que diminui a possibilidade da subnotificação principalmente devido às dificuldades relativas à coleta de material para se fazer o diagnóstico etiológico.

No Brasil, a proporção de doença meningocócica em relação às meningites, segundo Ferreira 4, variou de 15,0 a 20,0%, a encontrada no município revela-se bem maior, acredita-se que esteja relacionada ao fato de quase todos os casos do município serem atendidos num hospital de referência.

Observa-se a elevação da taxa de letalidade ano a ano até 2001 e 2002. A literatura internacional 5 refere taxas que se mantêm entre 5,0 a 10,0% dos casos nos países mais desenvolvidos. Sabe-se que a letalidade não depende apenas da qualidade e rapidez no tratamento, mas também da própria imunidade do indivíduo e da virulência das cepas. Ela também apresenta variação conforme o sorogrupo envolvido. O sorogrupo B (que se mostrou mais incidente no ano de 2002) é considerado atualmente o mais virulento 6,7,8, e, para esse sorogrupo, a letalidade esperada é de 15,0% 6, quando se consideram as três formas clínicas.

No ano de 1998, foi registrado o maior coeficiente de incidência, especificamente, em fevereiro, foi realizada a vacinação contra meningite meningocócica tipo B no município, outras medidas também foram adotadas pela Secretaria de Saúde Municipal, como: intensificação da quimioprofilaxia e educação em saúde nas creches e escolas. Observa-se, nos anos seguintes, uma diminuição dos coeficientes de incidência do agravo, porém não é possível atribuir esse decréscimo como sendo em conseqüência da vacinação.

O sexo masculino se caracteriza como o que apresenta os maiores coeficientes de incidência. Esse achado é equivalente ao encontrado por Gama 9, em seu estudo sobre o agravo na cidade do Rio de Janeiro, e também é descrito por outros autores 10,11.

Segundo Peltola 12, a maior concentração de casos em menores de quinze anos é uma característica da doença meningocócica em quase todo o mundo, menos nos países que compõem o "Cinturão Africano".

A partir da freqüência corrigida, observa-se que os grupos mais atingidos são as crianças menores de 1 ano, o grupo que corresponde à faixa etária de 1 a 4 anos, o grupo correspondente à faixa etária de 5 a 9 anos, o de 15 a 19 anos, o grupo dos 10 aos 14 anos, o de 20 a 49 anos e os pertencentes ao grupo dos 50 anos ou mais, respectivamente.

O predomínio do agravo nas crianças menores de um ano tem sido relatado por vários pesquisadores de vários países 13,14,15 e também por Kemp 7, que descreveu o maior coeficiente de incidência nos menores de um ano no Município de Campinas, São Paulo, e Gama 9, no Rio de Janeiro.

A partir de 2000, a doença meningocócica em Manaus vem apresentando um aumento de incidência na faixa etária que compreende os pacientes com 10 a 14 anos, sendo que, em 2002, esse grupo de pacientes apresentou uma incidência quase igual ao grupo de 1 a 4 anos. Esse comportamento indica necessidade de adoção de medidas específicas para essa faixa etária.

A confirmação dos casos baseada em diagnóstico laboratorial é essencial no controle da doença meningocócica e indica a qualidade do sistema de vigilância epidemiológica. Constata-se a necessidade de maior especificidade na investigação epidemiológica laboratorial, especialmente quanto à identificação da cepa predominante, pois esse desconhecimento inviabilizou a análise do período referente a essa variável e impossibilita necessários estudos de desenvolvimento de vacinas.

Pode-se concluir que o sucesso das ações de vigilância no controle da doença meningocócica está intimamente relacionado a três eixos: a investigação epidemiológica, o manejo clínico do paciente e a investigação laboratorial. O perfeito entrosamento desses eixos é que pode garantir a realização de intervenções eficazes para alcançarmos uma diminuição das taxas de morbidade e de letalidade geradas pelo agravo.

 

Colaboradores

M. L. Santos redigiu o artigo. A. Ruffino-Netto contribuiu nas discussões do artigo.

 

Agradecimentos

Ao Dr. Antônio Ruffino-Netto, ao Dr. Antônio Levino orientador e colaborador, respectivamente, da dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual do Amazonas e à Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, à Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas, Secretaria Municipal de Saúde de Manaus e à Fundação de Medicina Tropical do Amazonas.

 

Referências

1. Noronha PC, Baran M, Nicolai ACC, Azevedo BM, Bernardes OTA, Monteiro RTG, et al. Epidemiologia da doença meningocócica na cidade do Rio de Janeiro: modificações após a vacinação contra os sorogrupos B e C. Cad Saúde Pública 1997; 13: 295-303.        

2. Requejo HIZ. Doença meningocócica: um estudo epidemiológico comparativo em nível mundial, período 1887-1997 [Dissertação Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade Estadual de São Paulo; 1999.        

3. Meira DA. Doença meningocócica. In: Veronesi R, Focaccia R, organizadores. Doenças infecciosas e parasitárias. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 623-31.        

4. Ferreira GC, Simões SJM. Etiologia das meningites na Região de Araraquara/SP, 1992 a 1996. Revista de Ciências Farmacêuticas 1999; 20:171-89.        

5. Walen CM, Hockin JC, Ryan A, Ashton F. The changing epidemiology of invasive meningococcal diseae in Canada, 1985 trough 1992: emergence of virulent clone of Neisseria meningitides. JAMA 1995; 273:390-4.        

6. Centro de Vigilância Epidemiológica Prof. Alexandre Vranjac. Doença meningocócica: normas e instruções. Manual de vigilância epidemiológica. São Paulo: Secretaria de Saúde de São Paulo; 1995.        

7. Kemp B. Aspectos epidemiológicos e diagnóstico laboratorial da doença meningocócica no Município de Campinas-SP no período 1988 a 1993 [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 1994.        

8. Donalisio CAM, Kemp B, Rocha MMM, Ramalheira MFR. Letalidade na epidemiologia da doença meningocócica: estudo na região de Campinas/ SP, 1993 a 1998. Rev Saúde Pública 2000; 34:589-95.        

9. Gama SGN, Marzochi KB, Silveira GB. Caracterização epidemiológica da doença meningocócica na área metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil, 1976 a 1994. Rev Saúde Pública 1997; 31:254-62.        

10. Bryan JP, Silva HR, Tavares A, Rocha H, Scheld WM. Etiology and mortality of bacterial meningitides in Northeastern Brazil. Rev Infec Dis 1990; 12:128-35.        

11. Fogarty J, Keane CT, Carroll R, Byrne M, Moloney AC. Meningococcal disease in childhood a regional study in Ireland. J Infect 1994; 28:199-207.        

12. Peltola H. Meningococcal disease: still with us. Rev Infect Dis 1983; 5:71-91.        

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14. Cortes-Majo M. Epidemiologia descriptiva de las meningitis en Andalucia. Rev Sanid Hig Pública 1981; 55:665-68.        

15. Rosenstein NE, Perkins BA, Stephens DS, Popovic T, Hughes J. Meningococol disease. N Engl J Med 2001; 344:1378-88.        

 

 

Endereço para correspondência
M. L. Santos
Departamento de Enfermagem
Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília
Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A, Reitoria
Brasília, DF 70910-900, Brasil
levantezi@ig.com.br

Recebido em 18/Jun/2004
Versão final reapresentada em 17/Nov/2004
Aprovado em 24/Nov/2004

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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