ARTIGO ARTICLE

 

Desempenho gerencial em serviços públicos de saúde: estudo de caso em Mato Grosso do Sul, Brasil

 

Managerial performance in public health services: a case study in Mato Grosso do Sul, Brazil

 

 

Ana Rita BarbieriI; Virginia Alonso HortaleII

IUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, Brasil
IIEscola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta parte de uma tese de Doutorado que desenvolveu um modelo teórico capaz de conhecer, de forma aproximada, o desempenho gerencial nos diversos níveis administrativos de uma secretaria de saúde. A pesquisa deu-se em forma de estudo de caso da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. O modelo teórico foi elaborado partindo dos recentes debates que enfatizam a necessidade de modernizar a administração pública, com ênfase na eficácia e eficiência das organizações como um todo. Foram realizadas 31 entrevistas, com o objetivo de conhecer o desempenho dos gerentes por meio de perguntas pautadas em suas práticas cotidianas quanto ao planejamento, organização, direção e controle. Os resultados apontaram que os gerentes dos níveis hierárquicos mais próximos da gestora obtiveram melhores resultados, enquanto que os gerentes das unidades básicas desenvolvem atividades e fazem cumprir decisões geralmente impostas, com baixa capacidade para planejar, organizar e controlar atividades pertinentes ao seu âmbito de gerência. Tais resultados, em parte são decorrentes das características de liderança carismática e administração centralizadora da atual gestora do sistema municipal de saúde.

Administração Pública; Sistema de Saúde; Gerência


ABSTRACT

This paper presents part of a doctoral dissertation that developed a theoretical model capable of identifying managerial performance in various administrative levels of a Municipal Health Secretariat. The methodology was a case study of the Municipal Health Secretariat in Campo Grande, capital of the State of Mato Grosso do Sul, Brazil. The theoretical model was based on recent debates emphasizing the need to modernize public administration, with an emphasis on efficacy and efficiency in the organizations as a whole. Some 31 interviews were conducted with the objective of identifying the managers' performance, through questions based on their daily practices in planning, organization, direction, and control. Managers from higher hierarchical levels obtained better results, while those in basic health units generally developed activities and complied with decisions passed down by imposition, with limited capacity to plan, organize, or control activities pertaining to their management sphere. These results stem partially from the charismatic leadership and centralizing administration of the current management in the municipal health system.

Public Administration; Health System; Management


 

 

Introdução

Muito se tem discutido e proposto para otimizar a administração pública e torná-la mais eficiente e eficaz 1,2,3,4. Desde os anos 30 a reforma administrativa do serviço público é discutida internamente em diversos setores. Vista como uma necessidade, no sentido de modernizar-se para acompanhar as mudanças econômicas do momento e para otimizar a eficiência e eficácia das ações, a Reforma Administrativa foi diversamente sugerida e implementada em 1936 como Reforma Burocrática e em 1967 para modernizar, descentralizar e desburocratizar o serviço público 5. Bresser-Pereira 1, em 1995, nos mesmos moldes das reformas do setor público no ocidente, propõe uma reforma administrativa com ênfase no enfoque gerencial visando ao maior controle nos resultados, definição de setores exclusivos e não exclusivos com a transferência de atividades a setores públicos não estatais de atividades sociais, assistenciais, dentre outras.

Toda movimentação em torno de uma nova administração pública, tanto quanto sua efetivação no setor saúde, decorreu da necessidade de melhorar os resultados institucionais, aumentando a capacidade da administração pública em dar respostas às demandas dos cidadãos com o uso racional de recursos 6.

O setor saúde como parte da administração pública direta, ao estabelecer em 1988 o Sistema Único de Saúde (SUS), organizado de forma descentralizada e hierarquizada, antecedeu, de certa forma, as premissas da reforma administrativa uma vez que, para desconcentrar serviços, primeiro aos estados e mais tarde aos municípios, tem desenvolvido mecanismos cada vez mais elaborados de controle de resultados entre as esferas de governo. No entanto, pouco se conhece acerca dos mecanismos gerenciais internos dos municípios.

Associado ao enfoque gerencial da Reforma Administrativa, que prevê redução no controle de processos com ênfase nos resultados, é senso comum o entendimento de que organizações de saúde são organizações profissionais 7. Mintzberg & Quinn 8 consideram que as pessoas pertencentes a uma organização profissional são bastante especializadas e por isso têm um alto grau de controle sobre seus processos de trabalho. A estrutura de tais organizações deve ser horizontalizada deixando que muitas decisões operacionais e estratégicas fluam hierarquia abaixo para serem decididas junto aos profissionais localizados na essência operacional. Os autores consideram também necessário um forte apoio (suporte infra-estrutural) sem necessidade de muita tecnoestrutura, uma vez que os próprios profissionais que atuam nas bases operacionais buscam a autocapacitação e atualização inerentes ao seu campo de conhecimento.

No caso de serviços públicos de saúde, tais características organizacionais não são possíveis e, no caso particular dos serviços municipais de saúde com mais de 100 mil habitantes, verifica-se a existência de setores intermediários (tecnoestrutura e apoio) bastante consolidados na própria secretaria municipal ou em outras, em decorrência, principalmente, do setor: (1) ser parte da administração direta e ter pouca autonomia no apoio infra-estrutural que depende de licitações, concursos e se submete a toda legislação prevista para o setor público brasileiro; (2) ser fortemente controlado pela esfera federal que define mecanismos de repasse financeiro, prioridades assistenciais, indicadores e metas.

Toda a complexidade do setor suscitou interesse em conhecer de que forma uma administração pública, dirigida a resultados e associada à regulação do setor saúde em nível local, está sendo operacionalizada em nível municipal. A desconcentração das atividades relativas ao gerenciamento da assistência, dos níveis federal e estadual aos municípios, exigiu do nível local ampliação da sua capacidade de gestão, incorporação de novas atividades com organogramas mais complexos e especializados. A principal questão é investigar se tal fenômeno, no município, é resultado de uma organização com planejamento descentralizado, com gerências responsáveis e participativas em que a prestação de contas dos resultados seja uma prática incorporada na organização como um todo ou se, as exigências regulatórias do Ministério da Saúde, com suas leis, portarias e normas técnicas, favorecem, no nível local, formas de gestão autoritárias e centralizadoras decorrentes do temor de em caso do não cumprimento de acordos e metas, haver penalização, inclusive com suspensão do repasse de recursos financeiros da esfera federal que é a principal fonte financiadora do SUS 9. Ou seja, diante da complexidade do setor saúde no nível local, em que medida é possível aos gerentes desenvolverem atividades administrativas/gerenciais?

Campo Grande, capital do Estado do Mato Grosso do Sul, onde o estudo foi realizado, possui aproximadamente 700 mil habitantes. A Secretaria de Saúde (SESAU), além de organizar a oferta de serviços para a sua população, também é a principal referência para a atenção de alta complexidade hospitalar e ambulatorial para grande parte do Estado do Mato Grosso do Sul. A atenção às novas demandas, exigiu da SESAU transformações na sua organização, principalmente a partir da Norma Operacional de 1996, em que sua gestão, até então restrita à atenção básica, incorpora a gestão da assistência hospitalar.

No município, a assistência é organizada em quatro distritos sanitários com um total de quatro unidades em área rural; 39 unidades básicas urbanas; nove centros de referência para emergências; cinco policlínicas odontológicas; dez serviços de referência; um laboratório central e um centro de controle de zoonoses. A SESAU não dispõe de unidades hospitalares próprias. Com um orçamento de aproximadamente 150 milhões de reais em 2002, é responsável pela execução de quase toda a atenção básica (97,2%) e parte significativa dos procedimentos de média complexidade (42,7%). Todas as internações hospitalares e procedimentos de alta complexidade ocorrem em hospitais conveniados com predomínio de filantrópicos e públicos 10.

Grosso modo, o processo de desconcentração tem sido bastante positivo para o amadurecimento da gestão no nível local. Em pesquisa realizada acerca da evolução do setor saúde em Campo Grande, Barbieri 11 infere que a forte regulação do financiamento no setor, associada à ausência de hospitais públicos municipais, favoreceu o incremento da organização da rede de atenção básica e de serviços ambulatoriais de referência tanto que, atualmente, o município é referência para toda a região.

Nessa mesma pesquisa, foi verificado que os mecanismos de controle determinados pelo Ministério da Saúde relacionados a programas e pactuações são seguidos pelo nível local, sendo importante desenvolver atividades similares no serviço municipal de controle e auditoria, inclusive com definição de competências e atribuições, para coibir abusos e melhor avaliar os estabelecimentos contratados e conveniados responsáveis pela totalidade das internações hospitalares.

 

O modelo teórico

Foi elaborado um modelo teórico que procurou associar categorias da administração às práticas gerenciais particulares do setor da saúde pública. A eficácia e a eficiência são categorias adotadas e aceitas por todas as escolas e tendências da administração para medir o desempenho gerencial. Com variações, ora com ênfase na produção, ora na qualidade ou suas inter-relações, são categorias importantes na análise de organizações extremamente complexas porque englobam pessoas, princípios e valores, decisões, estrutura e informações 8,12,13.

A eficácia e eficiência entram no debate da saúde pública admitindo, além dos elementos técnico e racional, também as dimensões de política e de poder e suas decorrências 8,13. Para Éraly 7, há que se considerar às organizações de saúde o fato de que possuem maior dependência do ambiente político, têm profissionais nos níveis executivos e estes identificam-se mais com a categoria a qual pertencem do que à organização em que trabalham 7,8,14. Por último, têm como finalidade trabalhar com necessidades bastante subjetivas e individualizadas da clientela, difíceis de serem medidas e avaliadas 15. Todas as particularidades, sinteticamente citadas, dificultam a aferição da eficiência e eficácia das organizações de saúde.

Sendo o objeto de análise a gerência de uma organização municipal de saúde, houve um esforço para produzir um instrumento capaz de evidenciar e localizar os problemas, os gargalos organizacionais e identificar as potencialidades existentes e nem sempre visualizadas, de tal forma que, com sua utilização, seja possível "enxergar" a organização sob uma determinada gestão e, com a análise dos achados colhidos, preferencialmente feita de forma participativa e responsável, imprimir a ela maior eficiência e eficácia. Com base nesse recorte, as categorias de eficácia e eficiência foram repensadas tendo como variáveis as funções clássicas da administração: planejamento, organização, direção e controle, e adaptadas para uma organização de saúde de nível local.

Para Drucker 12 a eficácia, entendida como a capacidade de produzir resultados, fazer as coisas certas, produzir soluções criativas, realizar ações em consonância aos objetivos; neste estudo ficou restrita à capacidade dos gerentes obterem resultados nas atividades de planejamento, organização, direção e controle, sem perder de vista a finalidade maior de "resolverem os problemas de saúde da clientela" 15.

A eficiência, subordinada à eficácia, uma vez que é conhecida por meio dos métodos e das relações entre produto e insumo, também deve ser aferida tanto na produtividade quanto na qualidade dos meios empregados para alcançar os resultados 6,12,13. A eficiência, nesta pesquisa, limitou-se à verificação: conhecimento da realidade e meios selecionados pelos gerentes para o alcance dos resultados (planejamento); práticas individuais e coletivas praticadas pela equipe subordinada à gerência para a produção da assistência (direção); uso ótimo dos recursos materiais e humanos disponíveis (organização); e instrumentos desenvolvidos para a verificação do desempenho individual e coletivo (controle).

O planejamento, organização, direção e controle compõem o processo gerencial no sentido de que as atividades têm interação dinâmica, são inter-relacionadas e interdependentes e acontecem em atitudes cotidianas ao mesmo tempo ou em tempos diferentes, sem observar uma lógica seqüencial como posto neste estudo.

O planejamento diz respeito à capacidade de prever o futuro a partir da clara compreensão dos limites e possibilidades da realidade e, no caso específico do setor saúde, das necessidades imediatas e mediatas da população sob responsabilidade de uma unidade de saúde em particular. A organização implica a capacidade de relacionar atividades, decisões e pessoas para alcançar resultados; associada à liderança, define estratégias de trabalho. A direção sintetiza a capacidade de tomada de decisões e no inter-relacionamento não apenas em uma unidade de trabalho, mas em todos os níveis hierárquicos da organização. Na teoria do planejamento estratégico situacional, a direção é entendida como a habilidade de lidar com o poder 14,16. O controle significa a capacidade do gerente em utilizar e adaptar sistemas de informações para avaliar o trabalho que lhe é confiado, denota responsabilidade e observância para com os compromissos e resultados institucionais.

Com base nessa modelagem teórica, pode-se dizer que o planejamento e o controle dizem respeito à eficácia organizacional, enquanto a organização e a direção se referem à eficiência. Para finalizar a apresentação do modelo teórico para esta pesquisa, diferentemente dos níveis hierárquicos identificados por Mintzberg 17 na SESAU de Campo Grande, foram identificados quatro níveis gerenciais: (1) nível 1 de gestão global e formulação de políticas, aqui denominado gerente superior; (2) nível 2 de coordenação e operacionalização de políticas e programas, denominados gerentes técnicos; (3) nível 3 de setores responsáveis pelo fornecimento de insumos estratégicos para o funcionamento da organização, denominados gerentes de infra-estrutura; e (4) nível 4 de gerência de unidades onde ocorrem a assistência propriamente dita e principal finalidade da organização, denominados gerentes assistenciais.

O modelo teórico pode ser visualizado na Figura 1.

 

 

Metodologia

O estudo de caso 18 foi desenvolvido no período de janeiro a março de 2003, quando foram realizadas 31 entrevistas com gerentes nos seguintes níveis: um gerente superior; 13 gerentes técnicos; 5 gerentes de infra-estrutura e 12 gerentes de unidades assistenciais. Para as entrevistas com os gerentes das unidades assistenciais foi selecionado somente um Distrito Sanitário por contar tanto com unidades básicas quanto de referência, além de ter maior densidade demográfica.

Os roteiros das entrevistas (um para cada nível gerencial) tiveram em média quarenta perguntas, sendo 12 voltadas à dimensão planejamento; 8 à organização; 8 à direção e 12 relacionadas com a dimensão controle. Os formulários previam quatro respostas possíveis: não existência de tal prática (Fase 1); existência de tal prática realizada esporadicamente sem rotina (Fase 2); existência da atividade definida e escrita, porém não cumprida ou realizada esporadicamente (Fase 3); existência de atividades discutidas, implantadas e cumpridas sistematicamente (Fase 4).

Além da classificação das respostas em fases de desenvolvimento de cada dimensão administrativa, para cada pergunta era necessário apresentar uma evidência para confirmar a classificação (Figura 2).

 

 

Nessa classificação, foi considerado como parâmetro ideal a existência de atividades implantadas e cumpridas sistematicamente como prática incorporada à gerência e à organização como um todo (Fase 4), de modo a conhecer não apenas a prática gerencial da unidade, mas também os procedimentos administrativos da SESAU.

O roteiro permitiu verificar três aspectos: (1) prática dos gerentes no mesmo nível gerencial; (2) prática entre gerentes de diferentes níveis gerenciais; (3) em que medida os gerentes estão sendo eficientes e eficazes em suas atividades.

Os aspectos quantitativos das respostas foram analisados por meio de métodos estatísticos dos números absolutos em uma primeira aproximação, e utilização do teste qui-quadrado e modelo normal para fazer as análises comparadas entre os diferentes níveis gerenciais. As observações realizadas no decorrer das entrevistas foram discutidas como conteúdos qualitativos.

 

Resultados

Dos 31 gerentes entrevistados, 21 estão na faixa etária de 34 a 48 anos, com um tempo médio no cargo de quatro anos. O tempo médio de ocupação dos cargos e a entrevista com a gestora indicam que, apesar da pouca interferência política externa (nesses casos ela tem liberdade para definir a alocação), as gerências não estão vinculadas a um projeto de cargos e carreiras, com previsão de qualificação e aperfeiçoamento na área.

Em 1999, a SESAU participou e financiou parte do Curso de Especialização em Gerência de Saúde do Projeto GERUS, desenvolvido pelo Ministério da Saúde, com vistas à formação de gerentes de unidades básicas. Na entrevista, a gestora afirmou que "o GERUS não causou o impacto esperado" tanto que, das pessoas indicadas para o curso, restaram poucas nos cargos de gerência de unidades básicas. Na nossa pesquisa, dos 12 gerentes de unidades assistenciais, foram encontrados três que cursaram a Especialização do Projeto GERUS. Observa-se que, na época da organização do curso, as pessoas foram indicadas pela gestora, independente do perfil profissional e sem nenhuma forma de seleção ou critério para o ingresso.

A formação profissional dos gerentes é bastante heterogênea. Desses, sete têm formação no nível médio (dois estão cursando nível superior), sendo três ocupantes de gerências em infra-estrutura e quatro são gerentes assistenciais. Os demais (24), incluindo a gerente superior, possuem curso universitário. Nas gerências técnicas, cinco têm o curso de especialização em saúde pública (lato sensu) e um tem mestrado na área.

A coleta dos dados demonstrou tendências a diferenças entre os níveis gerenciais em relação às dimensões administrativas e, conseqüentemente, em termos de eficácia e eficiência gerenciais.

Verifica-se uma perda da capacidade de planejamento (Fases 3 e 4) conforme decresce o nível gerencial, ou seja, 73,0% para gerente superior, 60,0% para gerentes técnicos, 55,0% para gerentes em infra-estrutura e 48,0% para gerentes assistenciais. Em particular, os gerentes assistenciais têm pouca participação no planejamento de ações em suas próprias unidades. No nível da gerência técnica há diferenças internas uma vez que as chefias profissionais consideram nula sua participação.

Em relação à capacidade de organização, os gerentes assistenciais e técnicos apresentaram resultados próximos (48,0% e 47,0% das respostas nas Fases 3 e 4, respectivamente). Os melhores resultados foram entre os gerentes de infra-estrutura, com 60,0% das respostas nas Fases 3 e 4. Considerando que a organização diz respeito ao uso ótimo dos recursos disponíveis (eficiência) somado à importância das redes relacionais bem articuladas, este estudo aponta problemas de fluxo e comunicação entre os gerentes assistenciais e técnicos. A capacidade de relacionar atividades a decisões foi baixa, com sobreposição de gerentes e pouca articulação entre eles. Isso pode se dever ao fato de a organização não considerar as opiniões desses gerentes na definição do fluxo de atividades que ali acontecem, diminuindo o interesse e resultando em ações executadas muito mais por imposições administrativas do que pelo conhecimento e responsabilidade técnica para solução de determinado problema.

Por outro lado, 60,0% das respostas dos gerentes de infra-estrutura estão nas Fases 3 e 4, podendo-se concluir que há, de fato, serviços eficientes e eficazes. De acordo com alguns entrevistados, uma das razões que explicam esse resultado positivo é a das rotinas estabelecidas no almoxarifado, e serviços de manutenção atenderem às necessidades dos gerentes assistenciais.

Com relação à direção, os gerentes assistenciais tiveram 36,0% das respostas nas Fases 3 e 4, enquanto os demais gerentes foram um pouco melhor, ou seja, 47,0% para os gerentes de infra-estrutura e 46,0% para os gerentes técnicos, podendo-se concluir que há eficiência e eficácia nas suas práticas.

Um elemento que teve grande peso nos resultados, diz respeito aos aspectos legais da administração pública e que está ligado diretamente à autonomia na gestão dos recursos humanos. Em torno de terça parte dos gerentes referiu essa questão como um grande nó crítico no processo de implementação da atual política de saúde no Brasil.

Os resultados também indicaram a existência de problemas relativos à organização interna da SESAU, que não implementou modelos de supervisão para conhecer como as ações são executadas, tanto quanto as necessidades e opiniões de quem as executa. Nesse aspecto, alguns gerentes citaram que há um cronograma de supervisão que não é cumprido, o que indica a pouca importância dessa atividade dentre as atribuições gerenciais.

No que se refere aos gerentes assistenciais, a problemática é outra, ou seja, a da credibilidade do gerente local. Neste estudo constatou-se que a ausência de uma política para aferir seu desempenho profissional lhe retira a responsabilidade sobre programas específicos, principal atividade assistencial das unidades básicas.

O controle também diz respeito ao uso ótimo do sistema de informações existente e ao desempenho profissional (2), além da capacidade crítica de avaliar suas próprias ações para corrigir erros e desvios (12). Obtiveram bons resultados os gerentes de infra-estrutura (59,0%) e técnicos (63,0%), e resultado razoável os gerentes assistenciais (46,0%). As perguntas relativas às formas de controle instituídas, voltadas para a produção do serviço e respectivas avaliações, com elaboração de relatórios trimestrais e mapas mensais obrigatórios, obtiveram respostas em todos os níveis com predominância das Fases 3 e 4.

Mesmo com esses resultados pode-se dizer que há baixa eficiência e eficácia gerencial por diversas razões: (a) não há uso de indicadores de qualidade, de não-qualidade e de eficiência como instrumentos de crítica às atividades gerenciais (também chamada "auto-avaliação"). Tais indicadores são fundamentais em uma gerência por resultados; (b) os resultados advindos das atividades finalísticas da SESAU não são conhecidos pelos diferentes níveis gerenciais; (c) as reuniões que acontecem nos níveis gerenciais são predominantemente informativas e as avaliações de desempenho são feitas somente nos níveis gerenciais 1 e 2; (d) os mecanismos de captação de informações de satisfação dos usuários são diferentes nas diversas unidades assistenciais, assistemáticos e pouco considerados pelos gerentes que orientam as atividades.

Embora não se tenha verificado se há conhecimento de todos em relação ao funcionamento da SESAU, sabe-se que cada unidade gerencial conhece bem os objetivos, as metas e os resultados de produção do seu nível, no entanto, com pouco conhecimento dos motivos e finalidades gerais da instituição. Por exemplo, grande parte desconhece que o relatório trimestral é obrigatório como cumprimento legal do sistema de saúde local. Observou-se que o conhecimento é maior entre os gerentes técnicos e parcial entre os gerentes de infra-estrutura e assistenciais.

 

Considerações finais

Com o tratamento estatístico dado às respostas, não foram verificadas diferenças significativas quer no planejamento, na organização, na direção ou controle em cada nível gerencial da SESAU. Entretanto, com a análise qualitativa foi possível concluir que as diferenças entre os quatro níveis gerenciais foram muito acentuadas na dimensão planejamento, seguidas das demais dimensões.

As tendências verificadas foram as seguintes: o planejamento é a dimensão mais desenvolvida pelos gerentes técnicos, seguidos dos gerentes de infra-estrutura; a organização é bastante desenvolvida pelos gerentes de infra-estrutura e não há diferenças importantes para o grupo de gerentes assistenciais e gerentes técnicos. Este último grupo apresenta maior número de respostas na Fase 2, quando comparado ao grupo de gerentes assistenciais, o que poderia evidenciar que o primeiro está tendo maior interesse em implementar algumas rotinas e mudanças no serviço; os gerentes técnicos e de infra-estrutura têm desenvolvimento similar na dimensão direção. Grande parte das respostas dos gerentes assistenciais está situada na Fase 1, demonstrando baixa governabilidade; o controle é bem desenvolvido pelos gerentes de infra-estrutura, seguidos pelos gerentes técnicos.

Podemos afirmar que a SESAU experimenta o modelo de dominação burocrática, em que se observa a obediência tanto às regras e controles instituídos quanto à figura carismática do gerente superior, que se expressa por sua disponibilidade e capacidade técnica associadas ao êxito das decisões tomadas em sua gestão centralizadora. Em conseqüência, no grupo dos assistenciais predominam gerentes pouco estimulados, com pouca participação nas decisões. Os gerentes técnicos convocam reuniões e sobrecarregam as unidades assistenciais, sem identificar as necessidades do serviço, e quando identificadas, não as discutem. O predomínio do cumprimento de metas definidas nos níveis gerenciais superiores reduz a capacidade de trabalhar e buscar soluções em equipe. Em decorrência, o sentimento de responsabilidade pelos sucessos ou fracassos sobre iniciativas e novos projetos é acentuado nos gerentes técnicos, que assumem as proposições, e pouco perceptível nos gerentes assistenciais, que se percebem apenas como controladores do processo.

Todos os gerentes informaram que não há nenhum procedimento sistemático para avaliar seu desempenho. O acompanhamento do desempenho profissional pelas gerências técnicas é difícil de ser implementado devido: (a) ao forte sentimento de proteção e corporativismo que as categorias têm; (b) às questões éticas e de competência do avaliador; (c) à experiência institucional de concentrar as avaliações apenas na produção dos serviços. Tal situação poderia ser resolvida com vontade política, envolvimento dos conselhos profissionais e participação dos usuários.

Na avaliação das unidades assistenciais, não há mecanismos ou indicadores de desempenho, fundamentais para uma administração que pretende organizar-se para resultados. Ao serem inquiridos sobre mecanismos de avaliação, verificou-se que os gerentes, em todos os níveis, não haviam atentado para a possibilidade do uso de indicadores de qualidade, de não-qualidade, eficácia e outros, para aferição do desempenho da organização como um todo.

Conclui-se que o modelo utilizado neste estudo para aferir a eficiência e eficácia nas atividades gerenciais da SESAU foi capaz de fazer uma aproximação ao desempenho dos gerentes nos diversos níveis, bem como identificar as redes relacionais e os problemas existentes em algumas delas. Diante desses resultados, pode-se dizer que as atividades gerenciais na SESAU não alcançam os graus necessários de eficiência e eficácia.

Sugerimos como uma das possibilidades, ampliar a capacidade administrativa das organizações por meio da adoção de modelos teóricos organizacionais mais modernos, como, por exemplo, o sugerido por Matus 16 que pressupõe três subsistemas: de agenda, de petição e prestação de contas, que além de manterem relações dinâmicas, conferem responsabilidades às operações em substituição à hierarquia burocrática. Outra alternativa é a montagem de equipes de trabalho para a distribuição de atividades, proposto por Motta 6. Nesse enfoque, as gerências assistenciais teriam um papel relevante no sentido de coordenar e dirigir as equipes.

Trosa 19 e Keinert 3 afirmam que a atual noção do "público", entendida como cliente e adotada nos modelos administrativos mais modernos, está cada vez mais ampliando a participação dos cidadãos nas decisões governamentais e exigindo a qualidade associada aos procedimentos. A adoção de modelos gerenciais mais modernos, passa a exigir maior qualificação profissional. Somado a isso, o maior acesso às informações está definindo uma nova dimensão de "saúde", mais dinâmica e positiva, incorporada pelos cidadãos que ampliam suas necessidades individuais com a mesma rapidez com que novas tecnologias são divulgadas. Tais complexidades evidenciam as funções gerenciais e o papel do gerente que precisa, cada vez mais, dominar conhecimentos e desenvolver capacidade de enfrentar problemas, propor soluções criativas e agregar equipes e, para isso, necessita de autonomia e participação nas decisões da organização.

 

Colaboradores

A. R. Barbieri contribuiu no desenvolvimento do modelo teórico, no desenho da metodologia, no trabalho de campo e na discussão dos resultados. V. A. Hortale auxiliou na sistematização do desenho metodológico e na discussão dos resultados.

 

Referências

1. Bresser-Pereira LC. Reflexões sobre a reforma gerencial brasileira de 1995. Revista do Serviço Público 1999; 50:5-29.        

2. Greer P. Transforming central government: the next steps initiative. Buckingham: Open University Press;1994.        

3. Keinert TMM. Administração pública no Brasil: crises e mudanças de paradigmas. São Paulo: Annablume/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; 2000.        

4. Kettl DF, Ingraham PW, Horner C. Civil service reform: building a government that works. Washington DC: Brookings Institution Press; 1996.        

5. Meirelles H. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros; 1998.        

6. Motta PR. Desempenho em equipes de saúde: manual. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2001.        

7. Éraly A. La struturation del'entreprise: la rationalité en action. Brussels: ULB; 1988.        

8. Mintzberg H, Quinn JB. O processo da estratégia. Porto Alegre: Bookman; 2001.        

9. Negri B, Di Giovanni G, organizadores. Brasil, radiografia da saúde. Campinas: Editora Unicamp; 2003.        

10. Prefeitura Municipal de Campo Grande. Relatório de gestão 2002. Campo Grande: Secretaria de Saúde; 2003.        

11. Barbieri AR. A construção da assistência à saúde em Campo Grande até a implantação do SUS. In: Ivo ML, Nunes MCB, Zaleski ME, organizadores. Dimensões do processo de cuidar. Campo Grande: Editora UFMS; 2004. p. 15-34.        

12. Drucker P. Administração: tarefas, práticas, responsabilidades. São Paulo: Editora Pioneira; 1975.        

13. Lapassade G. Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves; 1983.        

14. Rivera FJU. Análise estratégica em saúde e gestão pela escuta. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003.        

15. Souza-Campos GW. Planejamento sem normas. São Paulo: Editora Hucitec; 1994.        

16. Matus C. Política, planejamento e governo. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 1993.        

17. Mintzberg H. Structure et dynamique des organizations. Paris: Les Éditions d'Organization; 1982.        

18. Yin RK. Case study research: designs and methods. London: Sage Publications; 1994.        

19. Trosa S. Quand l'État s'engage: la démarche contractuelle. Paris: Les Éditions d'Organization; 1999.        

 

 

Endereço para correspondência
A. R. Barbieri
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Rua Miraflores 47
Campo Grande, MS, 79032-330, Brasil
anabarbi@terra.com.br

Recebido em 16/Ago/2004
Versão final reapresentada em 02/Mar/2005
Aprovado em 01/Abr/2005

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br