ARTIGO ARTICLE

 

Violência doméstica: análise das lesões em mulheres

 

Domestic violence: an analysis of injuries in female victims

 

 

Cléa Adas Saliba GarbinI; Artênio José Isper GarbinI; Ana Paula DossiI; Mário Orlando DossiII

IUniversidade Estadual Paulista, Araçatuba, Brasil
IIEscola Superior das Forças Armadas, Brasília, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo tem como objetivo avaliar a prevalência de lesões de cabeça e pescoço em mulheres, frente aos inquéritos policiais registrados como lesão corporal e maus-tratos na Delegacia de Defesa da Mulher de Araçatuba, São Paulo, Brasil, no ano de 2002. Foram totalizados 204 inquéritos policiais no ano de 2002, e destes extraídos 33 laudos periciais referentes aos crimes de lesões corporais e maus-tratos em mulheres. Analisou-se nos laudos médicos da perícia, aspectos relativos à idade das vítimas e local das lesões por elas apresentadas na ocasião do exame. Os resultados encontrados revelam que as agressões ocorrem em faixas etárias diversas, com predominância na infância e adolescência. Além disso, ocorreu a maior prevalência de lesões na região da cabeça e pescoço, área de atuação do cirurgião-dentista que necessita estar preparado para atender, entre outros, o paciente vítima de violência.

Violência Doméstica; Mulheres Maltratadas; Agressão


ABSTRACT

This study aimed to evaluate the prevalence of head and neck injuries in females based on complaints registered as bodily harm or cruel and unusual punishment at the Women's Defense Precinct in Araçatuba, São Paulo State, Brazil, in 2002. A total of 204 police inquiries were conducted in 2002, resulting in 33 police reports of bodily harm and cruel and unusual punishment to females. The police reports were examined as to victim's age and site of injury. The results showed that injuries are inflicted on various age brackets, with a higher prevalence in children and adolescents. In addition, the highest prevalence of injuries was in the head and neck, encompassing the area where dentists work and where they should be prepared to treat victims of such violence.

Domestic Violence; Battered Women; Aggression


 

 

Introdução

A violência contra a mulher é uma questão sócio-cultural presente nas mais diversas comunidades. Em praticamente todas as sociedades primitivas, o papel da mulher é semelhante, ou seja, um ser submisso, inferior ao homem e sem nenhum direito ¹.

Após as Grandes Guerras Mundiais e a Revolução Industrial, o papel social das mulheres modificou-se sensivelmente, aumentando a força da mão-de-obra feminina principalmente nas potências industrializadas ². Através de uma constante evolução, as mulheres vêm ocupando cada vez mais posições sociais que eram exclusivamente masculinas, porém a violência contra elas continua como um grave problema de saúde pública.

Compreende violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada ³.

Meza et al. 4 entendem que o maltrato físico contra a mulher se expressa cotidianamente no âmbito familiar como conseqüência de uma luta de poderes onde, histórica e culturalmente, ela se situa em um plano inferior ao do homem, sendo que há mais de um século a mulher tem começado a questionar as práticas discriminatórias que as situam em um nível inferior.

A percepção social da violência contra a mulher é histórica e neste sentido, ao longo dos séculos, vem se transformando em função da luta política das mesmas. Essa luta desnaturalizou esse tipo de violência, tornando-a visível e, mais recentemente, qualificando-a como uma violação dos direitos humanos e como um comportamento criminal, devendo ser encarada justamente desta maneira pelos profissionais que lidam com essas vítimas. A violência de gênero tem um forte componente cultural, que não é facilmente superado por meio de leis e normas 5.

A violência doméstica, a mais comum das violências contra a mulher, deve ser detectada pelo profissional de saúde e encarada como questão de saúde pública. Ângulo-Tuesta 6 ressalta que as mulheres em situações de violência procuram os serviços de saúde por agravos à saúde física, mental e reprodutiva, como conseqüência dessa agressão, porém os profissionais de saúde têm sérias dificuldades para identificar este fenômeno, e na ampla maioria dos casos em que se suspeita de violência, estes não são investigados.

As causas dessa "não percepção" dos casos de violência doméstica devem-se provavelmente a várias circunstâncias como: despreparo dos profissionais da saúde, desinteresse, falta de tempo para escutar o paciente durante os atendimentos, ater-se somente às lesões físicas, e a uma cultura de que "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". Para Jaramillo & Uribe 7 (p. 40), "a maioria das disciplinas de saúde, medicina, odontologia e enfermagem, entre outros, não contemplam em seus currículos nem em seus programas de educação continuada, formação nos aspectos relacionados com a violência doméstica, e por isso não se encontram preparados para oferecer uma atenção que seja efetiva na saúde da mulher maltratada".

Minayo 8 alerta os profissionais de saúde no sentido de que na maioria das vezes, eventos violentos e os traumatismos não são acidentais, não são fatalidades, podem ser enfrentados, prevenidos e evitados.

É possível detectar os casos de violência, porém é necessário especificidade de abordagem e cuidados próprios para que essa violência contra a mulher possa emergir como parte da demanda usual na saúde pública 9.

Pesquisas têm sido realizadas no sentido de se encontrarem as causas da violência contra a mulher, quem são os agressores, e finalmente por que poucas denunciam às autoridades competentes.

Os agressores são em maioria os maridos, pais ou filhos, seguidos por namorados e ex-namorados, e finalmente conhecidos ou vizinhos, conforme descreve Biagioni 10, caracterizando a violência dentro da própria casa como maior responsável pelas lesões corporais.

Para Langley & Levy 11 as razões da violência doméstica são divididas em nove categorias: doença mental; álcool e drogas; aceitação da violência por parte do público; falta de comunicação; sexo; uma auto-imagem vulnerável; frustração; mudanças; violência como recurso para resolver problemas. Para Santin et al. 12, são os fatos corriqueiros e banais os responsáveis pela conversão de agressividade em agressão, o sentimento de posse do homem em relação à mulher e seus filhos e a impunidade são fatores que generalizam a violência. Tavares 13, no entanto, diz que a violência não surge das condições sociais ou das privações dos sentidos, como se tais condições fossem apenas a ocasião para sua revelação.

As causas para a não denúncia e permanência da mulher junto ao agressor são várias, mas as mulheres se mantêm caladas principalmente pela condição financeira. "As pobres por não terem condições de se sustentarem sem eles, as ricas não querem dividir seus patrimônios" 1. Além do fator financeiro, a impunidade, o medo, a dependência emocional e o constrangimento de ter a sua vida averiguada, são motivos que fazem com que muitas desistam da denúncia ou de seguir com a ação penal. O pre-conceito e o despreparo das autoridades e funcionários em atender a mulher violentada, também são barreiras que dificultam o acesso destas à justiça, já que muitas vezes são tidas como causadoras da situação que gerou a violência.

Dentre as ocorrências mais freqüentes de agressão está a lesão corporal dolosa e os maus-tratos. A lesão corporal pode se apresentar de diversas maneiras: agressões físicas (socos, chutes, tapas, violência sexual) ou agressões com qualquer tipo de objeto que possa machucar ou prejudicar a saúde da pessoa.

A lesão corporal pode ser de natureza leve ou grave conforme prevê o Código Penal Brasileiro 14.

A lesão corporal de natureza leve é aquela que não causa grande ofensa à integridade corporal, embora, deixe também um trauma psicológico muito grande.

É considerada lesão corporal de natureza grave, conforme art. 129 do Código Penal Brasileiro 14, a agressão que resulta: incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias; perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função; aceleração de parto; incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização de membro, sentido ou função; deformidade permanente; aborto.

Os maus-tratos também representam agravos à saúde da mulher, principalmente crianças adolescentes, idosas e adultas absolutamente incapazes, já que é um crime praticado por quem tem o dever de zelar pela pessoa, seu responsável. Está previsto no art. 136 do Código Penal Brasileiro 14, como: "Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina".

Diversas pesquisas relacionadas com o atendimento primário à saúde de mulheres violentadas apontam ser a região de cabeça e pescoço a mais atingida como conseqüência das de agressões físicas, resultando em fraturas, contusões, queimaduras, entre outras injúrias. Nota-se que as lesões são produzidas das mais diversas formas por socos (especialmente nos olhos e mandíbula), coices, pontapés e tiros 7, 15,16. Essa prevalência pela face também foi descrita por Jong 17 ao analisar Boletins de Ocorrência policiais.

Contudo, fica evidente que os profissionais dos serviços de saúde básicos têm importante papel na detecção e identificação dos casos de violência doméstica e suas vítimas, já que são eles quem prestam os primeiros atendimentos a elas.

 

Objetivos

Propõe-se neste trabalho: (i) investigar lesões corporais e maus-tratos em mulheres a partir dos laudos periciais constantes em inquéritos policiais; e (ii) analisar a prevalência das lesões em cabeça e pescoço nesses inquéritos.

 

Materiais e métodos

A proposta da presente pesquisa consistiu no levantamento e apreciação dos dados referentes aos inquéritos policiais registrados como lesão corporal e maus-tratos (art. 129 e 136 do Código Penal Brasileiro, respectivamente) em mulheres, com o intuito de localizar dentre os casos especificamente lesões de cabeça e pescoço.

Os dados foram coletados nos meses de agosto, setembro e outubro de 2003, na Delegacia de Defesa da Mulher da cidade de Araçatuba, São Paulo, Brasil, analisando-se um total de 204 inquéritos policiais do ano de 2002. A coleta iniciou-se após a aprovação deste projeto pelo Comitê de Ética da Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista, processo 2003/535. A pesquisa teve apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

A partir desse total foi realizada uma seleção, buscando somente os inquéritos instaurados pelos referidos crimes, e cometidos contra mulheres, de todas as idades, visto que essa instituição também apura crimes dessa natureza contra menores do sexo masculino.

Conseguimos separar 32 inquéritos, sendo 18 deles instaurados por maus-tratos e 14 por lesões corporais. Para que fossem evidenciadas as lesões, analisamos os laudos médico-legais provenientes do exame pericial, obrigatório nesses delitos. Encontramos 33 laudos, pois em determinado inquérito havia mais de uma vítima.

Analisamos todos os laudos, verificando a idade das vítimas e classificando as lesões quanto ao local (cabeça e pescoço, tronco, membros superiores e membros inferiores) e natureza (leve e grave).

A classificação de algumas lesões encontrou-se prejudicada em nove laudos, casos onde eram necessários exames complementares, aos quais não tivemos acesso ou onde a vítima apresentou-se com ausência de lesões no momento do exame. Com os dados já coletados e discriminados, procedeu-se à tabulação e análise estatística descritiva realizada no programa Epi Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos). A identidade das vítimas foi resguardada.

 

Resultados

A Figura 1 representa a distribuição das vítimas de violência conforme as faixas etárias, em anos: 0-15 (51,5%), 15-30 (15,1%), 30-45 (18,2%), 45-60 (12,1%) e de 60-75 (3,1%).

 

 

As lesões foram classificadas como leves em 54,5% (18) dos laudos, graves em 18,2% (6) e em 27,3% (9) deles não foi possível a classificação (Figura 2).

 

 

Podemos notar pela Figura 3 que o agente contundente apresentou-se como o maior responsável pelas lesões (60,6%) dos casos, seguido pelo agente cortante (9,1%). Os demais agentes foram: corto-contundente (6,1%), perfuro-contundente (3%) e neurológico (3%). Em 18,2% dos laudos não foi possível identificar o agente causador das lesões.

 

 

Foram verificadas 90 lesões distribuídas pelos 33 laudos periciais analisados, sendo que 5 (5,6%) lesões não tiveram seu local definido pelos peritos durante o exame médico, consideradas, portanto, como sem informação. Conforme mostrado na Figura 4, dentre todas as regiões atingidas, a de cabeça e pescoço foi a que obteve maior prevalência (30%), seguida dos membros superiores (24,4%), inferiores (23,3%) e tronco (16,7%), respectivamente. Analisando-se especificamente as áreas da face lesionadas obtivemos: região peri-orbitária, região frontal e dentes como as mais freqüentes.

 

 

Discussão

As mulheres maltratadas têm sua saúde prejudicada tanto pelas lesões resultantes do espancamento, quanto por desenvolverem dores crônicas, depressão e baixa estima, causas que muitas vezes levam-nas ao suicídio. As conseqüências da violência contra a mulher refletem desequilíbrios em todas as esferas da sociedade: econômica, emocional e familiar.

Para Klevens 18, esse tipo de agressão não só causa danos físicos e psicológicos para as mulheres, mas também implica riscos à saúde de seus filhos, já que a criança ao presenciar a violência contra sua mãe poderá sofrer depressão, ansiedade e retardos em seu desenvolvimento. Daí a importância de se encarar essa questão como problema de saúde pública.

Analisando-se os dados obtidos relativos à idade das vítimas, observou-se que mulheres de praticamente todas as idades (0-75 anos) são vitimadas pela violência, predominando como 51,5% dos casos aquelas que se encontram na faixa etária de 0-15 anos. Notamos certa variaão em diferentes estudos, como Deslandes et al. 15, que encontrou em um atendimento de emergência hospitalar a predominância da faixa etária de 20-29 anos em 45,7% dos casos de sua amostra. Schraiber et al. 16, em estudo semelhante, descreve como predominante a idade de 15-24 anos com 47,2% dos casos.

Essa divergência de resultados relativos à idade das vítimas deve-se provavelmente ao fato de que ocorreu uma maior prevalência de inquéritos instaurados por crimes de maus-tratos, muito comum em crianças, adolescentes e idosas, já que estas são dependentes e o crime deve ser praticado pelo responsável. Os dados coletados em nosso estudo provêm de inquéritos policiais, ou seja, a fase investigativa que antecede um processo-crime. No tipo penal descrito como lesão corporal (art. 129 do Código Penal Brasileiro), a ação penal cabível é privada condicionada à representação do ofendido e o inquérito policial só será obrigatoriamente instaurado pelo delegado de polícia se a lesão for grave. Quando a vítima for menor e o agente produtor das agressões for o seu responsável legal, ficará caracterizado o crime de maus-tratos (art. 136 do Código Penal Brasileiro), nesta situação a autoridade policial está obrigada a instaurar inquérito para apurar os fatos e a ação será proposta pelo Ministério Público, que zelará pelo interesse do menor violentado. Portanto, a prevalência da faixa etária de crianças e adolescentes e o maior número de inquéritos relativos ao art. 136, deve-se a essa obrigatoriedade a que se submete o Delegado de Polícia, de se apurar o crime. O mesmo não acontece quando se trata de mulheres adultas e capazes, já que estas podem optar por representar ou não contra seus agressores e muitas vezes acabam por desistir de levar um processo-crime adiante por medo, vergonha, dependência financeira e afetiva, por se considerarem em condição inferior ao agressor e muitas vezes por desacreditarem nas instituições jurídicas.

Já quando os dados são coletados em unidades de atendimento médico, a faixa etária é de adultas que procuram ajuda mesmo sem relatar a verdade sobre as lesões. As crianças, adolescentes e idosas agredidas dependem do responsável para levá-los ao atendimento, e, por ser este muitas vezes o autor da agressão, não vai encaminhar esse menor ao serviço de saúde, pois estaria se auto-acusando. A violência, no entanto, é denunciada à polícia por pessoas da família, professores ou vizinhos que se sensibilizam com a situação do menor ou idoso.

Quanto à classificação das lesões, foram consideradas leves em 18 casos (54,5%) e graves em 6 (18,2%), sendo que 9 laudos (27,3%) não classificavam as lesões, pois para isto seria necessário exame complementar. Até mesmo a perda dos elementos dentais foi considerada lesão grave, porém há discussão se não deveria ser considerada gravíssima, já que a doutrina prevê a lesão gravíssima se dela "resultar perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou ainda deformidade permanente", justamente o que ocorre com perdas de elementos dentais.

Os agentes utilizados pelos agressores para atacar as vítimas foram classificados nos laudos médicos como: contundentes (60,6%), cortantes (9,1%), corto-contundentes (6,1%), perfuro-contundente (3%) e neurológico (3%). Porém em 18,2% dos laudos não foi possível a classificação.

Jaramillo & Uribe 7 verificaram que em situação de atendimento às mulheres maltratadas são freqüentes as contusões, lacerações, fraturas e queimaduras.

No que se refere ao sítio das lesões, encontramos que a região de cabeça e pescoço é o local mais atingido, preponderando em 30% dos casos, seguidos pelos membros superiores em 24,4%, membros inferiores em 23,3% e tronco em 16,7%. Esses resultados estão de acordo com a maioria dos artigos pesquisados. Deslandes et al. 15 relatam que a face e a cabeça são as áreas corporais mais atingidas, seguidas pelos membros superiores, tronco e membros inferiores. Schraiber et al. 16 verificaram que as agressões resultam em lesões na face (28%), cabeça e pescoço (26,6%), membros superiores anteriores (25%), membros inferiores anteriores (16,8%), costas (16,8%), barriga (14%), tronco (8,4%), membros superiores posteriores (8,4%), seios (8,4%), nádegas (6,3%) e outras regiões (9,8%). Jaramillo & Uribe 7 descrevem como mais freqüentes as lesões na face, cabeça, colo e abdômen, assim com Jong 17 relatou a prevalência do rosto, membros inferiores e superiores como as áreas mais agredidas nas mulheres. Já Tavares 13, encontrou como predominante as agressões em braços e pernas.

A explicação para essa "preferência" do agressor pela face das vítimas reflete o caráter simólico de humilhação que o agente imprime à mulher quando atinge seu rosto 16. Para Jong 17, a intenção do agressor é tornar visível a lesão e com isso prejudicar um atributo muito valorizado socialmente que é a beleza feminina.

O grande número de agressões nas mãos e braços pode representar um comportamento defensivo por parte da vítima que tentou proteger a face dos golpes, usando estes membros como anteparo 15,16.

Analisando-se especificamente as lesões de cabeça e pescoço encontradas em nosso estudo, temos que a região peri-orbitária, frontal e os dentes foram os mais prejudicados.

A predominância de lesões de cabeça e pescoço nessas circunstâncias torna evidente a importância da atuação do cirurgião-dentista, frente aos atendimentos às vítimas de violência.

Silva 19 destaca que o cirurgião-dentista é o profissional que mais possibilidade tem de ter contato com esse tipo de paciente (adulto ou criança), já que segundo ele, 50% das lesões decorrentes de violência referem-se a traumas orofaciais. Justamente por isso, cabe a ele diagnosticar, orientar e encaminhar a mulher em situação de violência aos serviços de assistência especializados.

Deslandes et al. 15 concluíram ser o odontólogo de fundamental importância no atendimento de mulheres violentadas após verificar ser este o profissional mais requisitado do setor de emergência hospitalar, após o ortopedista.

O setor de saúde é importante tanto na detecção dos casos de violência quanto na assistência de mulheres maltratadas, porém deve-se ter uma equipe de profissionais de saúde articulada para esta tarefa. Apesar dessa necessidade ser evidente, nota-se que há um despreparo geral dos profissionais que atendem essas pacientes, pois eles limitam-se a cuidar das lesões físicas e ignoram, "fechando os olhos", para a razão real delas, não registrando 15, muitas vezes, a situação de violência mesmo quando declarada pela vítima. A capacitação de que precisam os profissionais de saúde, não faz parte dos currículos da graduação e dos programas de pós-graduação nas universidades, deixando uma lacuna importantíssima na formação do estudante. Blay 20 vê a necessidade de se enfocar os prejuízos sociais da violência contra a mulher não só para os universitários, mas também para o ensino fundamental com o fim de modificar as bases de uma cultura essencialmente machista.

Silva 21 diz que o atendimento em uma unidade de saúde não pode resumir-se a uma prática medicalizadora, sendo necessário considerar os aspectos sociais relacionados com o processo de adoecer, a fim de respeitar as peculiaridades de cada ser humano.

Somente através da integração dos serviços de saúde, polícia, escolas, órgãos de assistência jurídica e preparo dos profissionais é que poderá ser melhorado o atendimento às mulheres violentadas.

 

Conclusão

Por meio do estudo realizado é possível afirmarmos que: (1) conforme os laudos periciais, as lesões corporais e maus-tratos variam quanto à classificação, agente causador, local e idade das vítimas; e (2) a região de cabeça e pescoço é a mais atingida em mulheres, de qualquer idade, que sofrem violência.

 

Considerações finais

Muito deve ser feito para que a violência de gênero diminua em todo o mundo. Infelizmente, trata-se de uma questão cultural muito forte que está "plantada" na sociedade, fazendo com que as próprias mulheres se considerem inferiores.

A intervenção nas situações de violência cabe a todos os serviços estatais, polícia, justiça e saúde, e os que atuam nesses setores devem ser preparados para atender esse tipo de usuária. Essa preparação deveria acontecer ainda nas Universidades, de modo a formar não só melhores profissionais, mas profissionais mais humanos.

 

Colaboradores

C. A. S. Garbin contribuiu na orientação para realização do levantamento bibliográfico, coleta de dados, análise dos dados e correção da redação do artigo. A. J. I. Garbin colaborou na análise dos dados coletados, orientação estatística e correção da redação do artigo. A. P. Dossi participou no levantamento bibliográfico, coleta e análise dos dados e redação do artigo. M. O. Dossi contribuiu na pesquisa bibliográfica e coleta de dados.

 

Referências

1. Guimarães C. Violência feminina: uma questão doméstica. http://www.pontoeletronico.fumec.br (acessado em 07/Fev/2002).        

2. Safiotti HIB. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Editora Vozes; 1976.        

3. Santos SF. Saúde da mulher e direitos reprodutivos. Recife: Fundação Ford; 2001.        

4. Meza DPM, Salgado JCM, Rodriguez JCS, Naranjo LJC, Obando MN. Violencia física y psicológica contra la mujer embarazada. Invest Educ Enferm 2001; 19:18-25.        

5. Pitanguy J, Heringer R. Diálogo regional da América Latina e Caribe sobre direitos reprodutivos e violência contra a mulher: papéis e responsabilidade de homens jovens e adultos. Rio de Janeiro: Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação; 2002.        

6. Angulo-Tuesta AJ. Gênero e violência no âmbito doméstico: a perspectiva dos profissionais de saúde [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Osvaldo Cruz; 1997.        

7. Jaramillo DE, Uribe TM. Rol del personal en la atención a las mujeres maltratadas. Invest Educ Enferm 2001; 19:38-45.        

8. Minayo MCS. A violência social sob perspectiva da saúde pública. Cad Saúde Pública 1994; 10 Suppl 1:7-18.        

9. Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, França Junior I, Strake SS, Oliveira EA. A violência contra mulheres: demandas espontâneas e busca ativa em unidade básica de saúde. Saúde Soc 2000; 9:3-15.        

10. Biagioni M. Violência contra a mulher, uma triste realidade [Monografia]. Araraquara: Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista; 2000.        

11. Langley R, Levy RC, Carina CG. Mulheres espancadas: fenômeno invisível. São Paulo: Editora Hucitec; 1980.        

12. Santin JR, Guazzelli MP, Campana JB, Campana LB. Violência doméstica: como legislar o silêncio. Estudo interdisciplinar na realidade local. Revista Justiça do Direito 2002; 1:79-97.        

13. Tavares DMC. Violência doméstica: uma questão de saúde pública [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2000.        

14. Brasil. Código Penal Brasileiro. 40ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva; 2002.        

15. Deslandes SF, Gomes R, Silva CMFP. Caracterização dos casos de violência doméstica contra a mulher atendidos em dois hospitais públicos do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2000; 16:129-37.        

16. Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, França Junior I, Pinho AA. Violência contra a mulher: estudo em uma unidade de atenção primária à saúde. Rev Saúde Pública 2002, 36:470-7.        

17. Jong LC. Perfil epidemiológico da violência doméstica contra a mulher em cidade do interior paulista [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2000.        

18. Klevens J. Violência física contra la mujer en Santa Fe de Bogotá: prevalencia y factores sociales. Rev Panam Salud Pública 2001; 9:78-83.        

19. Silva MR. Avaliação da conduta cirurgião-dentista frente à violência doméstica contra crianças e adolescentes: violência física [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2001.        

20. Blay EA. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estud Av 2003; 17:87-98.        

21. Silva IV. Violência contra mulheres: a experiência de usuárias de um serviço de urgência e emergência de Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2003; 19 Suppl 2:S263-72.        

 

 

Correspondência
C. A. S. Garbin
Departamento de Odontologia Infantil e Social
Universidade Estadual Paulista
Rua José Bonifácio 1193, Araçatuba
SP 16015-050, Brasil
cgarbin@foa.unesp.br

Recebido em 10/Jun/2005
Versão final reapresentada em 10/Jan/2006
Aprovado em 30/Mar/2006

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br