Tempo de acolhimento e características dos adolescentes acolhidos por tipo de serviços institucionais. Recife, Brasil, 2009-2013

Raquel Moura Lins Acioli Alice Kelly Barreira Maria Luiza Carvalho de Lima Simone Gonçalves de Assis Maria Luiza Lopes Timóteo de Lima Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste estudo foi analisar o tempo de acolhimento e as características dos adolescentes em serviços de acolhimento institucionais na cidade do Recife. Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem quantitativa. A população de estudo consistiu de todos os adolescentes acolhidos na cidade do Recife-PE, no período de 2009-2013. As informações foram obtidas a partir da consulta aos Planos de Atendimento Individualizado, sendo analisados ao todo 1.300. As variáveis foram categorizadas e descritas a partir de frequência absoluta e relativa. Para verificar a associação entre variáveis foi aplicado o teste do qui-quadrado de Pearson, com grau de significância de 0,05. Foram observados três tipos de serviços: para adolescentes, vítimas de violência e abandono; em situação de risco com e sem uso de drogas; e com necessidades especiais. Foi constatada uma predominância de adolescentes do sexo masculino, mais velhos, com menor frequência escolar, maior uso de substância psicotrópica, envolvimento com medidas socioeducativas, ameaça de morte e maior número de entradas e saídas nos serviços. Conclui-se que os diferentes perfis de serviços de acolhimento devem ser tratados e investigados de forma particular por apresentarem distintas dificuldades para criação de políticas públicas eficientes.

Palavras-chave
Abrigo; Adolescente; População institucionalizada

Introdução

O tema acolhimento institucional de adolescentes tem chamado a atenção de inúmeros pesquisadores das mais diferentes áreas11. Gontijo DT, Buiati PC, Santos RL, Ferreira D, Tuma A. Fatores relacionados à Institucionalização de Crianças e adolescentes acolhidos na comarca de Uberaba-MG. Revista Brasileira em Promoção da Saúde 2012; 25(2):139-150.

2. Rizzini I. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Cortez; 2007.
-33. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade 2006; 18(1):71-80.. Os estudos procuram compreender desde a origem desta prática no Brasil até os efeitos que um período de institucionalização pode ocasionar nos desenvolvimentos cognitivo, emocional e social nos jovens acolhidos33. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade 2006; 18(1):71-80.

4. Abaid JLW, Dell’Aglio, DD, Koller SH. Preditores de sintomas depressivos em crianças e adolescentes institucionalizados. Universitas Psychologica 2010; 9(1):199-212.
-55. Cavalcante LIC, Magalhães CMC, Pontes FAR. Institucionalização precoce e prolongada de crianças: discutindo aspectos decisivos para o desenvolvimento. Aletheia 2007; (25):20-34..

O acolhimento de crianças e adolescentes – por se encontrarem órfãs, em função de abandono, com impossibilidade temporária de cuidado familiar, ou devido à violação de direitos – é uma medida protetiva de caráter excepcional e provisória até que seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de origem ou o encaminhamento para família substituta, ou ainda, a preparação para a independência com a maioridade66. Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O direito de ser adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades. Brasília: Unicef; 2011. [acessado 2014 out 15]. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/br_sabrep11.pdf.
http://www.unicef.org/brazil/pt/br_sabre...

7. Brasil. Lei n° 8.069; de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; jul 16.
-88. Brasil. Secretaria Nacional de Assistência Social e Conanda. Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. Brasília, 2009 a. [acessado 2014 Out 15]. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/criançaseadolescentes/programas/pdf/orientacoes-tecnicas.pdf
http://www.sdh.gov.br/assuntos/criançase...
.

No Brasil, 7,9 milhões de adolescentes com idades entre 12 e 17 anos vivem em famílias extremamente pobres99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2009.. Esse fato contribui para que crianças e adolescentes sejam acolhidos e apresentem dificuldades de serem reinseridos nas suas famílias de origem, uma vez que a pobreza representa um relevante determinante para o acolhimento11. Gontijo DT, Buiati PC, Santos RL, Ferreira D, Tuma A. Fatores relacionados à Institucionalização de Crianças e adolescentes acolhidos na comarca de Uberaba-MG. Revista Brasileira em Promoção da Saúde 2012; 25(2):139-150.,22. Rizzini I. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Cortez; 2007.,1010. Cavalcante LIC, Magalhães CMC, Pontes FAR. Processos de saúde e doença entre crianças institucionalizadas: uma visão ecológica. Cien Saude Colet 2009; 14(2):615-662.,1111. Cavalcante LIC, Costa Silva SSD, Magalhães CMC. Institucionalização e reinserção familiar de crianças e adolescentes. Revista Mal Estar e Subjetividade 2010; 10(4):1147-1172.. Outros fatores que induzem o acolhimento são: a violência doméstica, alcoolismo e uso de drogas, doença mental dos pais, falta de cuidador em casa, entre outros, os quais influenciam o aumento da vulnerabilidade social11. Gontijo DT, Buiati PC, Santos RL, Ferreira D, Tuma A. Fatores relacionados à Institucionalização de Crianças e adolescentes acolhidos na comarca de Uberaba-MG. Revista Brasileira em Promoção da Saúde 2012; 25(2):139-150.,1212. Aguiniga DM, Madden EE, Hawley A. Exploratory analysis of child protection mediation permanency placement outcomes. Children and youth services review 2015; 50:20-27.

13. Hoikkala S, Kemppainen M. Running away from children's residential care: The Finnish Case. International Journal of Child, Youth and Family Studies 2015; 6(3):466-477.
-1414. Kim H, Chenot D, Lee S. Running Away from Out-of-Home Care: A Multilevel Analysis. Children & Society 2015; 29(2):109-121..

Atualmente, é amplamente reconhecido que a forma preferível de cuidados alternativos é dentro de um ambiente familiar, como os oferecidos por parentes ou assistência social, e que o cuidado institucional em grande escala deve ser evitado sempre que possível88. Brasil. Secretaria Nacional de Assistência Social e Conanda. Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. Brasília, 2009 a. [acessado 2014 Out 15]. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/criançaseadolescentes/programas/pdf/orientacoes-tecnicas.pdf
http://www.sdh.gov.br/assuntos/criançase...
.

As ações mais frequentes por parte das instituições são assistencialista, apresentando um frágil compromisso com as questões de desenvolvimento da infância e da adolescência1515. Yunes MA, Miranda, AT, Cuello, SS. Um olhar ecológico para os riscos e as oportunidades de desenvolvimento de crianças e adolescentes institucionalizados. In: Koller SH, organizador. Ecologia do desenvolvimento humano: Pesquisa e intervenções no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2004. p. 197-218.. As discussões a respeito da qualidade do atendimento e os prejuízos que os abrigos institucionais proporcionam para o desenvolvimento estão distantes de serem integralmente conhecidos, destacando a necessidade de desenvolver estudos que abordem os processos presentes neste contexto33. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade 2006; 18(1):71-80.,55. Cavalcante LIC, Magalhães CMC, Pontes FAR. Institucionalização precoce e prolongada de crianças: discutindo aspectos decisivos para o desenvolvimento. Aletheia 2007; (25):20-34.,1616. Rosa EM, Santos APD, Melo CRDS, Souza MRD. Contextos ecológicos em uma instituição de acolhimento para crianças. Estudos de Psicologia 2010; 15(3):233-241.,1717. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. Crianças e adolescentes institucionalizados: desempenho escolar, satisfação de vida e rede de apoio social. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2010; 26(3):407-415..

Alguns autores defendem que o ambiente institucional seria a melhor alternativa para proporcionar à criança e ao adolescente melhor desenvolvimento, quando não se dispõe de ambiente doméstico saudável33. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade 2006; 18(1):71-80.,55. Cavalcante LIC, Magalhães CMC, Pontes FAR. Institucionalização precoce e prolongada de crianças: discutindo aspectos decisivos para o desenvolvimento. Aletheia 2007; (25):20-34.,1616. Rosa EM, Santos APD, Melo CRDS, Souza MRD. Contextos ecológicos em uma instituição de acolhimento para crianças. Estudos de Psicologia 2010; 15(3):233-241.,1717. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. Crianças e adolescentes institucionalizados: desempenho escolar, satisfação de vida e rede de apoio social. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2010; 26(3):407-415.. Por outro lado, alguns estudiosos acreditam que o acolhimento traz prejuízos para o desenvolvimento33. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade 2006; 18(1):71-80.,1717. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. Crianças e adolescentes institucionalizados: desempenho escolar, satisfação de vida e rede de apoio social. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2010; 26(3):407-415.

18. Everychild. Every child deserves a family: EverChild's approach to children without parental care. London: Everychild; 2009.
-1919. United Nations International Children's Emergency Fund (Unicef). Social Policy and Social Protection Cluster. Nairobi: Unicef; 2008., sendo observado que o prolongado período da institucionalização influencia negativamente os acolhidos, associando-se à experimentação precoce de drogas, ao baixo desempenho escolar e ao alto índice de repetência, a convivência com estigma relacionado com a condição de estar acolhido, sendo frequentemente vitimizado na escola44. Abaid JLW, Dell’Aglio, DD, Koller SH. Preditores de sintomas depressivos em crianças e adolescentes institucionalizados. Universitas Psychologica 2010; 9(1):199-212.,1717. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. Crianças e adolescentes institucionalizados: desempenho escolar, satisfação de vida e rede de apoio social. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2010; 26(3):407-415..

Do ponto de vista ecológico, o abrigo pode e deve ser reconhecido então como um contexto abrangente de desenvolvimento para a criança e adolescente acolhidos, pois materializa as condições reais onde realiza o seu viver e desenvolve competências decisivas para a formação de personalidade e sociabilidade próprias. Neste sentido, a discussão acerca do abrigo como contexto abrangente de desenvolvimento é de suma importância, dada a amplitude do fenômeno da institucionalização na sociedade2020. Bronfenbrenner U. The bioecological theory of human development. In: Bronfenbrenner U. Making human beings human: Bioecological perspectives on human development. Thousand Oaks: Sage Publications; 2005. p. 3-15..

O presente estudo tem sua justificativa reforçada pela carência de literatura nacional sobre o tema, quando comparado ao contexto internacional. O estudo poderá fomentar a discussão sobre o desenvolvimento de ações e políticas adequadas no cenário dos acolhimento institucional no país. Dessa forma, o objetivo do estudo foi estudar o tempo de acolhimento e as características dos adolescentes acolhidos na cidade do Recife/PE, por tipo de serviço. Foi escolhido investigar apenas adolescentes, pois, no acolhimento, eles apresentam perfil diferente das crianças, apresentando maior vulnerabilidade social, comprometendo o sucesso do desfecho do acolhimento, além de ser um grupo menos investigado nos estudos sobre acolhimento institucional.

Método

Trata-se de um estudo do tipo epidemiológico descritivo, com abordagem quantitativa. A população de estudo consistiu de todos os adolescentes acolhidos através de processo judicial, nas instituições de acolhimento institucional da cidade do Recife-PE, no período de 2009-2013. As informações dos sujeitos da pesquisa foram obtidas a partir da consulta aos Planos de Atendimento Individualizado (PIAs) arquivados nos serviços de acolhimento e em alguns casos complementadas com dados obtidos no Núcleo de Orientação e Fiscalização de Entidades (Nofe).

A consulta foi realizada após autorização judicial, sendo analisados ao todo 1.415 PIAs dos adolescentes. Foram excluídos 115 PIAs devido a dados incompletos, alterados e duplicidade, resultando em um total de 1.300 registros para análise.

Existiu um total de doze serviços que acolhiam adolescentes no período investigado, sendo cinco de natureza municipal, seis estaduais e um filantrópico. Dentre as doze unidades, apenas oito estavam funcionando no período da coleta, três unidades haviam fechado e uma estava em reforma. Contudo, as informações dos adolescentes acolhidos nos serviços fechados e em reforma também foram obtidas no Nofe ou em outras unidades para as quais esses adolescentes haviam sido transferidos.

As variáveis estudadas incluem dados sociodemográficos dos adolescentes e suas famílias, assim como os fatores relacionados ao processo de acolhimento. Entre as características sociodemográficas foram analisadas informações referentes ao sexo e idade. Em relação às famílias, foi observado se o adolescente foi ou não destituído do poder familiar. Outras variáveis consideradas: possibilidade de retorno familiar, independentemente de receber ou não visitas; e ter ou não apego e afeto da família, pois estas informações não eram bem preenchidas no PIA. Quanto ao processo e vivência do acolhimento, foram investigadas as seguintes variáveis: órgão responsável pelo encaminhamento; frequência escolar; uso de substância psicotrópica; ter passado por medida socioeducativa e ameaça de morte; número de entradas do acolhimento; e tempo de acolhimento.

Devido ao grande número de órgãos responsáveis pelo encaminhamento e devido à falta de uniformidade das informações, foi criada uma categorização para tal variável com o apoio da gestora do Nofe. Os diversos órgãos foram agrupados, segundo tipo de encaminhamento, em:

(1) Ordem judicial: Vara infância/juventude; Ministério Público; Núcleo de Orientação e Fiscalização de Entidades (Nofe); Centro Integrado de Assistência Social (Cenip); Unidade de Atendimento Inicial (UNIAI); Plantão; Vara da Infância e Juventude. (2) Transferência: Outro Abrigo; Centro Integrado de Assistência Social e Ação Comunitária (Ciasc); Casa de Passagem Diagnóstica (CPD). (3) Conselho tutelar: Região Política Administrativa (RPA). (4) Outros mais programas de apoio: Demanda Espontânea; Família; Recriar; Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Centro de Referência e Acolhimento ao Usuário de drogas(Craud); Abrigamento Emergencial – Recife fazer; Edna do Carmo-educadora do Recifazer; Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase); Centro Integrado de Assistência Social (Cenip); Núcleo de Apoio à Saúde da Famílias (Nasf); Programa Atitude; Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente (GPCA); Ed. Social de Rua; Consultório de Rua; Gerência de Acolhimento; Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

Os serviços de acolhimento foram agrupados neste artigo de acordo com as características da população que acolhem, em três tipos voltados para: vítimas de violência e abandono; adolescentes com necessidades especiais; e em outras situações de risco que não as mencionadas anteriormente, com e sem uso de drogas.

As informações colhidas passaram por dupla digitação e formaram um banco único no programa Microsoft Excel 2010. Os dados foram analisados em SPSS versão 18.0. As variáveis foram categorizadas e descritas a partir de frequência absoluta e relativa. Para verificar se a distribuição dos dados, segundo o tipo de acolhimento, realizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson, com grau de significância de 0,05.

Este trabalho faz parte de uma pesquisa apoiada pelo CNPq (Projeto Universal 14/2013) e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz/PE.

Resultados

Nas visitas aos acolhimentos institucionais na cidade do Recife pode-se observar três perfis de acolhimento, nos quais os que atendiam vítimas de violência e abandono, em geral continham mais crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e sexual, os serviços para adolescentes em situação de risco eram compostos mais de adolescentes usuários de drogas e com experiência de rua, enquanto o terceiro tipo de necessidades especiais acolhia a maior parte dos adolescentes com condições crônicas de saúde em situação de abandono.

Entretanto, é importante destacar que essa divisão, além de não ser oficial, não é rígida, por exemplo, outros tipos de abrigos, que não o de necessidades especiais, também abrigam eventualmente adolescentes com condições crônicas de saúde por causa da recomendação de não separar irmãos. Outra situação observada foi a tentativa de preservação dos adolescentes sem experiência de drogas e vivência de rua, ao evitar acolhê-los nos serviços com perfil de adolescentes em situação de risco.

Com relação ao sexo dos adolescentes, pode-se observar que o masculino prevaleceu em todos os tipos de serviço, com destaque para os acolhimentos de necessidades especiais em que 80,8% dos acolhidos foram do sexo masculino (p = 0,004) (Tabela 1).

Tabela 1
Característica dos adolescentes acolhidos por tipo de serviço, segundo variáveis sociodemográficas e familiar, Recife, 2009-2013.

Quanto à idade, 57,1% tinham entre 15-18 anos e 42,9% tinham entre 12-14 anos. Observou-se uma maior predominância (51,9%) de adolescentes mais novos nos serviços voltados para vítimas de violência e abandono, enquanto, nos outros tipos de serviço, predominou a faixa etária mais velha, principalmente nos serviços de situação de risco (p = 0,000) (Tabela 1).

No tópico referente à destituição do poder familiar, percebe-se que 90% dos adolescentes acolhidos não eram destituídos do poder familiar; os serviços do tipo situação de risco apresentam 95,4% dos adolescentes com não destituição do poder familiar, seguido dos serviços que acolhem adolescentes vítimas de violência e abandono, enquanto quase a metade dos adolescentes acolhidos com necessidades especiais haviam sido destituídos do poder familiar (p = 0,000) (Tabela 1).

Os órgãos que realizaram os encaminhamentos para o sistema de acolhimento foram com maior frequência os Conselhos Tutelares (63,7%) ou por ordem judicial (26,8%), esse padrão foi repetido na análise por tipos de serviços. Observou-se que 32,7% frequentavam a escola, sendo 18,1% os acolhidos com o perfil de situação de risco frequentam escola e mais da metade dos acolhidos de violência e abandono (57,2%) frequentavam a escola (p = 0,000) (Tabela 2).

Tabela 2
Características dos adolescentes acolhidos por tipo de serviço, segundo variáveis pessoais e relacionadas ao acolhimento, Recife, 2009-2013.

No que diz respeito ao uso de substâncias psicotrópicas, 72% dos adolescentes faziam uso, sendo a maior frequência nas unidades de situação de risco (92,4%) de usuários, e nenhum usuário nas unidades de necessidades especiais (p = 0,000) (Tabela 2).

A metade dos adolescentes acolhidos já passou por medidas socioeducativas; já os adolescentes dos serviços destinados a pessoas em situação de risco apresentaram o mais alto percentual (73%), ao contrário dos serviços que acolhem adolescentes com necessidades especiais, que não apresentaram casos (p = 0,000) (Tabela 2).

Observou-se que 62,8% dos adolescentes já haviam sofrido ameaça de morte, sendo constatado um maior percentual (87,4%) de adolescentes ameaçados nos acolhimentos mais destinados a pessoas em situação de risco (p = 0,000) (Tabela 2).

A entrada única foi a mais prevalente entre os adolescentes (70,9%), com maiores percentuais nos serviços voltados para violência e abandono (82,9%) e necessidades especiais (76,9%). Já nos acolhimentos de situação de risco, pouco mais da metade entrou apenas uma vez e houve um maior número de adolescentes que entraram no serviço de 2 a 5 vezes (28,1%) e mais de 5 vezes (17,4%) (p = 0,000) (Tabela 3).

Tabela 3
Características dos adolescentes acolhidos por tipo de serviço, segundo as variáveis número de entradas e tempo de acolhimento, Recife, 2009-2013.

Ao analisar o tempo de acolhimento dos adolescentes, a maior parte foi de 0 a 30 dias (56,4%), com frequência diminuindo progressivamente para menores tempos de acolhimento. Na análise por perfil dos serviços, os adolescentes vítimas de violência e abandono e em situação de risco passam, em sua maioria, até 30 dias acolhidos com frequência de 53,8% e 61,2%, respectivamente (p = 0,001). Os serviços para adolescentes com necessidades especiais apresentaram um maior número de acolhidos que ficaram por mais de dois anos (p = 0,000) (Tabela 3).

Discussão

O presente estudo propôs-se a avaliar as características pessoais e referentes ao acolhimento de adolescentes em Recife. Foi observado um padrão bem distinto entre os três tipos de serviço existentes no Recife para acolher adolescentes afastados do convívio familiar por ordem judicial. Como citado anteriormente esta separação não é oficial, mas representa uma tentativa de organização do serviço de forma a atender melhor os adolescentes nas suas necessidades, evitando outros prejuízos ao desenvolvimento destes, e contribuindo para o sucesso do desfecho do acolhimento, como retorno familiar, adoção e maioridade com autonomia.

Nos três tipos de acolhimento o gênero masculino predominou, com destaque para os serviços direcionados à população com necessidades especiais. Estudo realizado por Slayter e Springer2121. Slayter E, Springer C. Child welfare-involved youth with intellectual disabilities: Pathways into and placements in foster care. Intellectual and Developmental Disabilities 2011; 49(1):1-13., em 46 estados nos EUA em uma população de crianças e adolescentes com necessidades especiais, apresentou um maior número de acolhidos do sexo masculino do que feminino, o que corrobora o presente estudo, que apresentou um grande percentual de adolescentes do sexo masculino em serviços mais voltados para pessoas com necessidades especiais (80%).

Com relação à faixa etária, os adolescentes mais jovens (12-14 anos) foram mais acolhidos em serviços voltados para pessoas em situação de violência e abandono e os adolescentes de 15-18 anos foram mais acolhidos em serviços para pessoas em situação de risco. Esse fato pode ser explicado porque a faixa etária mais velha apresenta maior vulnerabilidade com envolvimento com álcool e drogas, criminalidade e evasão dos serviços2222. Courtney ME, Zinn A. Predictors of running away from out-of-home care. Children and Youth Services Review 2009; 31(12):1298-1306..

Nos acolhimentos em unidades voltadas para pessoas com necessidade especial, foi verificado predominância de adolescentes mais velhos, comparado aos outros tipos de abrigo. No Levantamento Nacional do acolhimento, foram observados dados semelhantes para crianças e adolescentes com necessidades especiais2323. Assis SG, Farias LOP. Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo: Hucitec; 2013.. Para essa população, é mais comum o abandono, por falta de condições da família, destituição do poder familiar e conflitos familiares, além disso, são adotados com menor frequência e, por isso, muitos tendem a envelhecer nos serviços de acolhimento2424. Welch V, Jones C, Stalker K, Stewart A. Permanence for disabled children and young people through foster care and adoption: A selective review of international literature. Children and Youth Services Review 2015; 53:137-146..

No presente estudo, a variável que indica que a criança ou adolescente não foi destituído da família de origem, tendo ainda a possibilidade de retorno familiar, foi confirmada em mais de 80% dos adolescentes acolhidos. Esse resultado corrobora o primeiro estudo longitudinal canadense, que observou que cerca de 68,9% das crianças de 0 a 9 anos de idade foram reintegradas às suas famílias, no entanto, nas de 10 a 17 anos, observou-se um percentual de retorno de 86,3%, o que indica que quanto mais jovem for o acolhido menor a probabilidade de retorno familiar2525. Esposito T, Trocmé N, Chabot M, Collin-Vézina D, Shlonsky A, Sinha V. Family reunification for placed children in Québec, Canada: A longitudinal study. Children and Youth Services Review 2014; 44:278-287.. No Brasil, no ano de 2004, aproximadamente 86,7% das crianças e adolescentes acolhidos apresentavam família e 58,2% não possuíam destituição do poder familiar2626. Silva ERAD. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Ipea/Conanda; 2004. [acessado 2015 Jan 21]. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/ipea/direito_a_conviv_familiar_ipea2004.pdf.
http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/F...
; em 2010, foi observado que 61% não tinham destituição do poder familiar instaurada2323. Assis SG, Farias LOP. Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo: Hucitec; 2013..

O Conselho Tutelar encaminhou 63,7% dos adolescentes, 26,8% foram por ordem judicial e 6,2% por transferências, sendo observado que a ordem judicial teve maior percentual no serviços para pessoas em situação de violência e abandono, e a presença de transferência e encaminhamentos por outros programas de apoio estiveram mais relacionados aos acolhimentos para adolescentes em situação de risco. Ainda no levantamento nacional, 52,3% dos encaminhamentos para os acolhimentos partiram do Conselho Tutelar, 32,9% do Poder Judiciário da Infância e Juventude e 6,5% de outros serviços de acolhimento2323. Assis SG, Farias LOP. Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo: Hucitec; 2013., o que se aproxima dos resultados do presente estudo.

Apenas 32,7% dos adolescentes acolhidos no Recife frequentam a escola, resultado observado também em outros estudos, destacando a dificuldade dessa população em manter uma frequência regular à escola durante o acolhimento. Estudo realizado por Smithgall et al.2727. Smithgall C, Jarpe-Ratner E, Walker L. Looking back, moving forward: Using integrated assessments to examine the educational experiences of children entering foster care. Chicago: Chapin Hall at the University of Chicago; 2010. [acessado 2014 Fev 18]. Disponível em: https://www.chapinhall.org/sites/default/files/Looking_Back_Moving_Forward_111810.pdf
https://www.chapinhall.org/sites/default...
demonstrou que mais da metade das crianças e adolescentes matriculados na escola, após entrar no acolhimento, apresentaram excessivas faltas, sendo que a maior parte dos faltosos eram adolescentes. De acordo com Lemos et al.2828. Lemos AGA, Moraes MMB, Alves DG, Halpern EE, Leite LC. Evasão nas Unidades de Acolhimento: Discutindo seus Significados. Psicologia & Sociedade 2014; 26(3):594-602. a baixa frequência escolar deve-se a muitos adolescentes não conseguirem moldar-se aos padrões pedagógicos hegemônicos, sobretudo porque a própria estrutura escolar não está preparada para acolhê-los. Além da experimentação de álcool e drogas, constantes evasões, dificuldades na escola ou problemas com amizades inadequadas contribuem para o insucesso escolar2929. Thompson RG, Auslander WF. Risk factors for alcohol and marijuana use among adolescents in foster care. Journal of Substance Abuse Treatment 2007; 32(1):61-69.,3030. Brook J, Rifenbark GG, Boulton A, Little TD, McDonald TP. Risk and protective factors for drug use among youth living in foster care. Child and Adolescent Social Work Journal 2015; 32(2):155-165..

Quando analisado por tipo de acolhimento, o voltado para pessoas em situação de violência e abandono apresentou um percentual de 57,2% e apenas 18,1% nos acolhimentos para os que estão em situação de risco, que pode ser explicado por um alto envolvimento com drogas, medidas socioeducativas, ameaça de morte, e, em geral, passam pouco tempo nos serviços, o que reflete a não frequência escolar, apesar de os serviços de acolhimento realizarem a matrícula de quase todos os adolescentes na rede de ensino. Outros estudos também demonstram a dificuldade de manutenção desses adolescentes na escola2828. Lemos AGA, Moraes MMB, Alves DG, Halpern EE, Leite LC. Evasão nas Unidades de Acolhimento: Discutindo seus Significados. Psicologia & Sociedade 2014; 26(3):594-602.

29. Thompson RG, Auslander WF. Risk factors for alcohol and marijuana use among adolescents in foster care. Journal of Substance Abuse Treatment 2007; 32(1):61-69.

30. Brook J, Rifenbark GG, Boulton A, Little TD, McDonald TP. Risk and protective factors for drug use among youth living in foster care. Child and Adolescent Social Work Journal 2015; 32(2):155-165.
-3131. Achakzai JK. Causes and effects of runaway children crisis: evidence from Balochistan. Pakistan Economic and Social Review 2011; 49(2):211-230..

No Levantamento Nacional do acolhimento2323. Assis SG, Farias LOP. Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo: Hucitec; 2013. foi observado que, no Brasil, 83% das crianças e adolescentes acolhidos apresentavam defasagem escolar, com distorção de série/idade de até dois anos. Os autores também observaram que um percentual de 22,8% dos adolescentes de 16-17 anos não estudava, resultado que superou todas as faixas de idade, menos as menores de 5 anos.

Várias pesquisas destacam o fato de o próprio acolhimento trazer prejuízos ao desenvolvimento, associados ao baixo desempenho escolar e alto índice de repetência, convivência com o estigma relacionado com a condição de estar acolhido, sendo frequentemente vitimizado na escola44. Abaid JLW, Dell’Aglio, DD, Koller SH. Preditores de sintomas depressivos em crianças e adolescentes institucionalizados. Universitas Psychologica 2010; 9(1):199-212.,1717. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. Crianças e adolescentes institucionalizados: desempenho escolar, satisfação de vida e rede de apoio social. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2010; 26(3):407-415., e que os adolescentes podem apresentar uma série de dificuldades na escola associada a problemas como amizades com envolvimento em atividades de risco1313. Hoikkala S, Kemppainen M. Running away from children's residential care: The Finnish Case. International Journal of Child, Youth and Family Studies 2015; 6(3):466-477..

Nos acolhimentos em unidades voltadas para adolescentes em situação de risco, cerca de 92,4% eram usuários de substâncias psicotrópicas, enquanto, em serviços mais voltados para vítimas de violência e abandono, essa prevalência foi de 47,2%. O levantamento realizado no Brasil observou que 45,2% dos acolhidos usavam drogas2323. Assis SG, Farias LOP. Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo: Hucitec; 2013.. Vale salientar que os resultados do levantamento nacional envolvem tanto crianças quanto adolescentes de todos os tipos de acolhimento e, os da presente pesquisa, incluem apenas adolescentes, o que, de acordo com revisão sistemática realizada por Braciszewski e Stout3232. Braciszewski JM, Stout RL. Substance use among current and former foster youth: A systematic review. Children and youth services review 2012; 34(12):2337-2344., caracteriza maiores chances de envolvimento com substâncias ilícitas. De acordo com Smith et al.3333. Smith DK, Chamberlain P, Eddy JM. Preliminary support for multidimensional treatment foster care in reducing substance use in delinquent boys. Journal of child & adolescent abuse 2010; 19(4):343-358., adolescentes com comportamento desviantes e envolvidos com medidas socioeducativas, em sua maioria (cerca de 90%) usaram pelo menos uma substância ilícita nos últimos seis meses.

O envolvimento com medida socioeducativa (MSE) foi observado em cerca de 73% e 25,5% dos adolescentes de acolhimento de acordo com o perfil em situação de risco e violência e abandono, respectivamente. O maior percentual nos acolhimentos de adolescentes em situação de risco é justificável, uma vez que grande parte apresenta trajetória de rua e envolvimento com tráfico de drogas.

No levantamento de acolhimento realizado no Brasil, no ano de 2010, foi verificado que pouco mais da metade dos adolescentes de 12-15 anos foram acolhidos por ameaça de morte, o que corrobora os resultados do presente estudo que em 62,8% dos adolescentes haviam sofrido ou estavam acolhidos por estarem sob ameaça de morte, grande parte relacionada ao envolvimento no tráfico de drogas. Ao observar esse resultado por tipo de serviço de acolhimento, percebe-se que apenas 27,4% eram destinados a pessoas em situação de violência e abandono e 87,4% aos em outras situações de risco, incluindo muitos adolescentes com vivência de rua e usuários de droga. Essa relação também foi observada por Rosa et al.3434. Rosa EM, Nascimento CRR, Matos JR, Santos JRD. O processo de desligamento de adolescentes em acolhimento institucional. Estud. psicol.(Natal) 2012; 17(3):361-368..

Foi observado no presente estudo que em todos os tipos de acolhimento a maior parte dos adolescentes entraram apenas uma vez no serviço, resultando em uma taxa de reentrada de 29,1%. Vários estudos demonstram que o número de entradas e saídas está relacionado à reunificação familiar mal sucedida3535. Wulczyn FH, Hislop KB, Robert MG. Foster Care Dynamics 1983-1998. Chicago: Chapin Hall Center for Children; 2000.,3636. Festinger T. Going home and returning to foster care. Children and youth services review 1996; 18(4-5):383-402. e evasões, principalmente dos adolescentes1414. Kim H, Chenot D, Lee S. Running Away from Out-of-Home Care: A Multilevel Analysis. Children & Society 2015; 29(2):109-121.,2121. Slayter E, Springer C. Child welfare-involved youth with intellectual disabilities: Pathways into and placements in foster care. Intellectual and Developmental Disabilities 2011; 49(1):1-13.. Resultados semelhantes ao estudo de Festinger3636. Festinger T. Going home and returning to foster care. Children and youth services review 1996; 18(4-5):383-402. com 19,5% de reentrada e ao estudo de Wulczyn et al.3535. Wulczyn FH, Hislop KB, Robert MG. Foster Care Dynamics 1983-1998. Chicago: Chapin Hall Center for Children; 2000. com taxas de reentrada que variaram de 21 a 38%.

A taxa de reentrada foi muito maior nos serviços destinados aos adolescentes em situações de risco, sendo que nesse grupo encontram-se quase todos aqueles que entraram mais de 5 vezes no serviço. Este fato pode ser justificado por grande parte ser usuária de drogas, envolvida com o tráfico, estar ameaçada de morte, além de apresentar frequentes comportamento desviante das normas sociais e ter famílias vulneráveis, o que favorece a saída do acolhimento por não conseguir seguir regras e por sentir-se atraída pela vida nas ruas.

No que diz respeito ao tempo de acolhimento por perfil dos serviços, foi observado que os acolhimentos mais direcionados para pessoas em situação de risco e para aqueles em situação de violência e abandono apresentaram cerca de 79,7% e 91,7%, respectivamente dos que permaneceram no abrigo por um período de até 6 meses. Outros estudos, tanto no Brasil como em diversas partes do mundo, apresentaram maior percentual de permanência no acolhimento por um período de até seis meses3737. Martins LB, Costa NRDA, Rossetti-Ferreira MC. Acolhimento familiar: caracterização de um programa. Paidéia (Ribeirão Preto) 2010; 20(47):359-370.

38. Fávero ET, Vitale MAF, Baptista MV. Famílias de crianças e adolescentes abrigados. São Paulo: Paulus; 2008.
-3939. Wulczyn F, Chen L, Courtney M. Family reunification in a social structural context. Children and Youth Services Review 2011; 33(3):424-430..

O maior percentual de saídas durante os primeiros seis meses apontado por estudo realizado na Georgia/EUA é identificado pelo fato que quanto mais jovem for o acolhido, maior probilidade de ficar no serviço por mais tempo, se comparado a adolescentes mais velhos, como os de 13-18 anos4040. Davis CW, O’Brien K, Rogg CS, Morgan LJ, White CR, Houston M. 24-month update on the impact of roundtables on permanency for youth in foster care. Children and Youth Services Review 2013; 35(12):2128-2134., faixa etária semelhante a do presente estudo.

O Levantamento Nacional das crianças e adolescentes em serviços de acolhimento observou que mais da metade (67,6%) das crianças e adolescentes em todo Brasil passaram menos de um ano no serviço e cerca 30,9% ficaram mais de dois anos2323. Assis SG, Farias LOP. Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo: Hucitec; 2013.. No Brasil, uma redução do tempo de permanência no acolhimento é evidente ao se remeter ao primeiro levantamento nacional do Ipea/Conanda2626. Silva ERAD. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Ipea/Conanda; 2004. [acessado 2015 Jan 21]. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/ipea/direito_a_conviv_familiar_ipea2004.pdf.
http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/F...
, que indicou que 52,6% das crianças e dos adolescentes das instituições então avaliadas em todo o país ficavam entre dois e cinco anos acolhidas e que 19,7% o faziam por mais de seis anos. Tal resultado reflete um avanço e está de acordo com a nova redação dada ao ECA: pela Lei 12.010/2009, “a permanência máxima da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária”.

No presente estudo, o reduzido tempo nos serviços de acolhimento, principalmente para aqueles em situações de risco, pode ter sido influenciada também pelo elevado número de evasões, comuns entre adolescentes. Em vários estudos, este comportamento é explicado por diversos motivos como: dificuldades de adaptação, envolvimento com drogas, prostituição, sofrer violência física de por colegas e funcionários, diversão e busca de sua família de origem1313. Hoikkala S, Kemppainen M. Running away from children's residential care: The Finnish Case. International Journal of Child, Youth and Family Studies 2015; 6(3):466-477.,1414. Kim H, Chenot D, Lee S. Running Away from Out-of-Home Care: A Multilevel Analysis. Children & Society 2015; 29(2):109-121..

De acordo com estudo realizado nos EUA, em dezessete estados (945 municípios), ocorre um maior número de reunificações familiares nos primeiros seis meses de acolhimento, fato este que sofre influência de fatores como: raça, famílias chefiadas por mulheres, domicílios em situação de pobreza e necessidade de assistência social3939. Wulczyn F, Chen L, Courtney M. Family reunification in a social structural context. Children and Youth Services Review 2011; 33(3):424-430.. Delfabbro et al.4141. Delfabbro P, Fernandez E, McCormick J, Kettler L. Reunification in a complete entry cohort: A longitudinal study of children entering out-of-home care in Tasmania, Australia. Children and Youth Services Review 2013; 35(9):1592-1600. também observaram que cerca de 50% das crianças e adolescentes acolhidos na Tasmânia, Austrália, tinham ido para casa no período de até 2 anos, mas que 79% dos retornos ocorreu nos primeiros 6 meses. Apesar desta grande diminuição na permanência no acolhimento ainda existir, segundo estudo realizado no Brasil, uma excessiva valorização da instituição, por parte dos pais, tido como local ideal para os seus filhos permanecerem, dificulta a reintegração familiar4242. Brito COD, Rosa EM, Trindade ZA. O processo de reinserção familiar sob a ótica das equipes técnicas das instituições de acolhimento. Temas em Psicologia 2014; 22(2):401-413..

Segundo Connell et al.4343. Connell CM, Katz KH, Saunders L, Tebes JK. Leaving foster care – the influence of child and case characteristics on foster care exit rates. Children and Youth Services Review 2006; 28:780-798, nos EUA, quanto menos tempo a criança e o adolescente permanecem no serviço, maior a probabilidade de sucesso na reunificação familiar. Além disso, algumas características das crianças e adolescentes foram associadas à probabilidade de sair do acolhimento. Outras, tais como ter sofrido abuso sexual e presença de distúrbio emocional/comportamental, aumentam a permanência.

No que se refere aos adolescentes acolhidos em serviços para pessoas com necessidades especiais, pode-se observar que quase metade (42,3%) permaneceu mais de 2 anos nas unidades. Este resultado se assemelha ao Levantamento Nacional de Acolhimento no Brasil, em que o tempo médio de crianças e adolescente com necessidades especiais foi de 40 meses no serviço2323. Assis SG, Farias LOP. Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo: Hucitec; 2013.. Welch et al.2424. Welch V, Jones C, Stalker K, Stewart A. Permanence for disabled children and young people through foster care and adoption: A selective review of international literature. Children and Youth Services Review 2015; 53:137-146. em uma revisão de literatura, envolvendo países como EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália, China e Países Baixos, observou que crianças e adolescentes com deficiência e com problemas de comportamento apresentam menor probabilidade de reunificação familiar e permanecem maior tempo nos serviços, tendo uma reduzida probabilidade de reunificação familiar e adoção. Outros estudos das diversas partes do mundo mostram resultados semelhantes1212. Aguiniga DM, Madden EE, Hawley A. Exploratory analysis of child protection mediation permanency placement outcomes. Children and youth services review 2015; 50:20-27.,4444. Becker MA, Jordan N, Larsen R. Predictors of successful permanency planning and length of stay in foster care: The role of race, diagnosis and place of residence. Children and Youth Services Review 2007; 29(8):1102-1113.,4545. Yampolskaya S, Sharrock P, Armstrong, MI, Strozier A, Swanke J. Profile of children placed in out-of-home care: Association with permanency outcomes. Children and Youth Services Review 2014; 36:195-200..

Esse estudo teve limitações relacionadas principalmente com a precariedade dos registros das informações, que trouxe dificuldades para a coleta de dados, como: falta de registro nos PIAs, mau preenchimento com falta de padronização dos termos empregados, pastas incompletas e perdidas, um mesmo adolescente com dois PIAs, porém com data de nascimento diferente. Além disso, devido à rotatividade, a maioria dos funcionários, no momento da coleta, apresentava menos de um ano trabalhando no serviço não tendo conhecimento suficiente para complementar as informações necessárias. A falta de equipe técnica para preenchimento do PIA no final de semana também compromete os resultados, pois leva a uma subestimação das entradas dos adolescentes.

Na literatura, tanto nacional como internacional, observa-se a não separação do estudo de crianças e adolescentes acolhidos por tipo de serviço, o que é extrema importância, pois são populações distintas e que necessitam planejamento de reintegração de forma particular.

Conclusão

Em síntese, ao analisar os tipos de instituições de acolhimento, pode-se perceber que apresentaram populações distintas. Nos acolhimentos para adolescentes em outras situações de risco, foi observada uma maior quantidade de jovens do sexo masculino, mais velhos, que não foram destituídos do poder familiar, usuários drogas, envolvidos com medidas socioeducativas, maior número de entradas e saídas nos acolhimentos, baixa frequência escolar e menor tempo no acolhimento, que podem estar relacionados com o maior número de evasões retratadas nas entradas e saídas do acolhimento. Os serviços que atendem mais adolescentes vítimas de violência e abandono apresentaram adolescentes que não saem com frequência do abrigo, mas têm uma baixa frequência escolar muitos usuários de drogas e necessitam uma atenção especial, pois apresentam uma população com graves problemas emocionais, estigmas e são vulneráveis aos mais diversos riscos.

Os serviços que mais acolhem deficientes têm como principal problema o abandono por completo de suas famílias e vive um tempo prolongado no serviço.

Como se pode perceber é necessário investir em pesquisas que discriminem bem a população acolhida, procurando formas de diminuir o abandono destes adolescentes, além de ser necessários elaborar e cumprir políticas públicas de forma eficiente, eficaz e efetiva voltadas para esta população, que representa parte relevante e significativa do futuro e o desenvolvimento do país.

Referências

  • 1
    Gontijo DT, Buiati PC, Santos RL, Ferreira D, Tuma A. Fatores relacionados à Institucionalização de Crianças e adolescentes acolhidos na comarca de Uberaba-MG. Revista Brasileira em Promoção da Saúde 2012; 25(2):139-150.
  • 2
    Rizzini I. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Cortez; 2007.
  • 3
    Siqueira AC, Dell’Aglio DD. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade 2006; 18(1):71-80.
  • 4
    Abaid JLW, Dell’Aglio, DD, Koller SH. Preditores de sintomas depressivos em crianças e adolescentes institucionalizados. Universitas Psychologica 2010; 9(1):199-212.
  • 5
    Cavalcante LIC, Magalhães CMC, Pontes FAR. Institucionalização precoce e prolongada de crianças: discutindo aspectos decisivos para o desenvolvimento. Aletheia 2007; (25):20-34.
  • 6
    Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O direito de ser adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades Brasília: Unicef; 2011. [acessado 2014 out 15]. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/br_sabrep11.pdf
    » http://www.unicef.org/brazil/pt/br_sabrep11.pdf
  • 7
    Brasil. Lei n° 8.069; de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; jul 16.
  • 8
    Brasil. Secretaria Nacional de Assistência Social e Conanda. Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes Brasília, 2009 a. [acessado 2014 Out 15]. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/criançaseadolescentes/programas/pdf/orientacoes-tecnicas.pdf
    » http://www.sdh.gov.br/assuntos/criançaseadolescentes/programas/pdf/orientacoes-tecnicas.pdf
  • 9
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2009 Rio de Janeiro: IBGE; 2009.
  • 10
    Cavalcante LIC, Magalhães CMC, Pontes FAR. Processos de saúde e doença entre crianças institucionalizadas: uma visão ecológica. Cien Saude Colet 2009; 14(2):615-662.
  • 11
    Cavalcante LIC, Costa Silva SSD, Magalhães CMC. Institucionalização e reinserção familiar de crianças e adolescentes. Revista Mal Estar e Subjetividade 2010; 10(4):1147-1172.
  • 12
    Aguiniga DM, Madden EE, Hawley A. Exploratory analysis of child protection mediation permanency placement outcomes. Children and youth services review 2015; 50:20-27.
  • 13
    Hoikkala S, Kemppainen M. Running away from children's residential care: The Finnish Case. International Journal of Child, Youth and Family Studies 2015; 6(3):466-477.
  • 14
    Kim H, Chenot D, Lee S. Running Away from Out-of-Home Care: A Multilevel Analysis. Children & Society 2015; 29(2):109-121.
  • 15
    Yunes MA, Miranda, AT, Cuello, SS. Um olhar ecológico para os riscos e as oportunidades de desenvolvimento de crianças e adolescentes institucionalizados. In: Koller SH, organizador. Ecologia do desenvolvimento humano: Pesquisa e intervenções no Brasil São Paulo: Casa do Psicólogo; 2004. p. 197-218.
  • 16
    Rosa EM, Santos APD, Melo CRDS, Souza MRD. Contextos ecológicos em uma instituição de acolhimento para crianças. Estudos de Psicologia 2010; 15(3):233-241.
  • 17
    Siqueira AC, Dell’Aglio DD. Crianças e adolescentes institucionalizados: desempenho escolar, satisfação de vida e rede de apoio social. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2010; 26(3):407-415.
  • 18
    Everychild. Every child deserves a family: EverChild's approach to children without parental care London: Everychild; 2009.
  • 19
    United Nations International Children's Emergency Fund (Unicef). Social Policy and Social Protection Cluster Nairobi: Unicef; 2008.
  • 20
    Bronfenbrenner U. The bioecological theory of human development. In: Bronfenbrenner U. Making human beings human: Bioecological perspectives on human development Thousand Oaks: Sage Publications; 2005. p. 3-15.
  • 21
    Slayter E, Springer C. Child welfare-involved youth with intellectual disabilities: Pathways into and placements in foster care. Intellectual and Developmental Disabilities 2011; 49(1):1-13.
  • 22
    Courtney ME, Zinn A. Predictors of running away from out-of-home care. Children and Youth Services Review 2009; 31(12):1298-1306.
  • 23
    Assis SG, Farias LOP. Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo: Hucitec; 2013.
  • 24
    Welch V, Jones C, Stalker K, Stewart A. Permanence for disabled children and young people through foster care and adoption: A selective review of international literature. Children and Youth Services Review 2015; 53:137-146.
  • 25
    Esposito T, Trocmé N, Chabot M, Collin-Vézina D, Shlonsky A, Sinha V. Family reunification for placed children in Québec, Canada: A longitudinal study. Children and Youth Services Review 2014; 44:278-287.
  • 26
    Silva ERAD. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil Ipea/Conanda; 2004. [acessado 2015 Jan 21]. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/ipea/direito_a_conviv_familiar_ipea2004.pdf
    » http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/ipea/direito_a_conviv_familiar_ipea2004.pdf
  • 27
    Smithgall C, Jarpe-Ratner E, Walker L. Looking back, moving forward: Using integrated assessments to examine the educational experiences of children entering foster care Chicago: Chapin Hall at the University of Chicago; 2010. [acessado 2014 Fev 18]. Disponível em: https://www.chapinhall.org/sites/default/files/Looking_Back_Moving_Forward_111810.pdf
    » https://www.chapinhall.org/sites/default/files/Looking_Back_Moving_Forward_111810.pdf
  • 28
    Lemos AGA, Moraes MMB, Alves DG, Halpern EE, Leite LC. Evasão nas Unidades de Acolhimento: Discutindo seus Significados. Psicologia & Sociedade 2014; 26(3):594-602.
  • 29
    Thompson RG, Auslander WF. Risk factors for alcohol and marijuana use among adolescents in foster care. Journal of Substance Abuse Treatment 2007; 32(1):61-69.
  • 30
    Brook J, Rifenbark GG, Boulton A, Little TD, McDonald TP. Risk and protective factors for drug use among youth living in foster care. Child and Adolescent Social Work Journal 2015; 32(2):155-165.
  • 31
    Achakzai JK. Causes and effects of runaway children crisis: evidence from Balochistan. Pakistan Economic and Social Review 2011; 49(2):211-230.
  • 32
    Braciszewski JM, Stout RL. Substance use among current and former foster youth: A systematic review. Children and youth services review 2012; 34(12):2337-2344.
  • 33
    Smith DK, Chamberlain P, Eddy JM. Preliminary support for multidimensional treatment foster care in reducing substance use in delinquent boys. Journal of child & adolescent abuse 2010; 19(4):343-358.
  • 34
    Rosa EM, Nascimento CRR, Matos JR, Santos JRD. O processo de desligamento de adolescentes em acolhimento institucional. Estud. psicol.(Natal) 2012; 17(3):361-368.
  • 35
    Wulczyn FH, Hislop KB, Robert MG. Foster Care Dynamics 1983-1998 Chicago: Chapin Hall Center for Children; 2000.
  • 36
    Festinger T. Going home and returning to foster care. Children and youth services review 1996; 18(4-5):383-402.
  • 37
    Martins LB, Costa NRDA, Rossetti-Ferreira MC. Acolhimento familiar: caracterização de um programa. Paidéia (Ribeirão Preto) 2010; 20(47):359-370.
  • 38
    Fávero ET, Vitale MAF, Baptista MV. Famílias de crianças e adolescentes abrigados São Paulo: Paulus; 2008.
  • 39
    Wulczyn F, Chen L, Courtney M. Family reunification in a social structural context. Children and Youth Services Review 2011; 33(3):424-430.
  • 40
    Davis CW, O’Brien K, Rogg CS, Morgan LJ, White CR, Houston M. 24-month update on the impact of roundtables on permanency for youth in foster care. Children and Youth Services Review 2013; 35(12):2128-2134.
  • 41
    Delfabbro P, Fernandez E, McCormick J, Kettler L. Reunification in a complete entry cohort: A longitudinal study of children entering out-of-home care in Tasmania, Australia. Children and Youth Services Review 2013; 35(9):1592-1600.
  • 42
    Brito COD, Rosa EM, Trindade ZA. O processo de reinserção familiar sob a ótica das equipes técnicas das instituições de acolhimento. Temas em Psicologia 2014; 22(2):401-413.
  • 43
    Connell CM, Katz KH, Saunders L, Tebes JK. Leaving foster care – the influence of child and case characteristics on foster care exit rates. Children and Youth Services Review 2006; 28:780-798
  • 44
    Becker MA, Jordan N, Larsen R. Predictors of successful permanency planning and length of stay in foster care: The role of race, diagnosis and place of residence. Children and Youth Services Review 2007; 29(8):1102-1113.
  • 45
    Yampolskaya S, Sharrock P, Armstrong, MI, Strozier A, Swanke J. Profile of children placed in out-of-home care: Association with permanency outcomes. Children and Youth Services Review 2014; 36:195-200.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2017
  • Revisado
    24 Jun 2017
  • Aceito
    26 Jun 2017
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br