A Violência Escolar (VE) no Brasil e no mundo desafia, cada vez mais, professores, pais, gestores e pesquisadores a buscarem soluções efetivas e articuladas com amplos setores da sociedade. Este tipo de violência é mais preocupante uma vez que a escola tem a função inalienável de formar os indivíduos para a vida em sociedade. A inserção deste fenômeno no escopo dos Direitos Humanos permite o entendimento teórico e potencializa as respostas sociais às inúmeras questões derivadas das situações propiciadoras desta forma de violência. Partindo destes princípios, os autores da coletânea organizada por Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Ana Carina Stelko-Pereira submetem os conhecimentos atualizados sobre o tema a uma reflexão pautada no cotidiano de cada possível leitor. Embora seja dirigido, especialmente, àqueles que lidam cotidianamente com as situações que este modo de comportamento violento nos apresenta, os professores, o conteúdo do livro interessa também aos profissionais de saúde - cujos efeitos da violência afetam o seu trabalho - aos pais, magistrados, e a todos aqueles a quem a VE pode afetar de algum modo.
Redigido em linguagem acessível, objetiva, e elegante, a abordagem dos autores consegue atingir um grau de profundidade necessário ao tema e, ao mesmo tempo, permitir a compreensão fácil e mobilizadora que se espera de um livro de natureza didática. Entretanto, o uso desta designação - didático - não deve ser relacionado, como comumente é, a algo dissociado da pesquisa ou da produção de conhecimento novo. Ao contrário, a clareza das formulações e a condução segura e rigorosa do pensamento produzem uma narrativa simultaneamente científica e pedagógica. Os capítulos, ainda que escritos por diferentes autores, guardam estreita relação uns com os outros e obedecem ao mesmo formato de exposição, de maneira que a integração e a organicidade alcançadas fornecem a impressão de que o livro foi escrito por um único autor.
No primeiro capítulo as organizadoras trazem o problema e as definições com as quais irão trabalhar no restante do livro, incluindo diversas questões para reflexão, propostas de atividades e literatura utilizada. Situam a escola como lugar especialmente apropriado à divulgação dos Direitos Humanos, a requerer do educador o conhecimento sobre esses direitos, em que contextos foram pensados e instituídos, e quais os exemplos práticos de pessoas e experiências que podem ou têm contribuído para a instituição de uma cultura da paz, agregando pessoas, produzindo atividades, formando ou associando-se a redes de promoção de Direitos Humanos.
As experiências pessoais e a forma como a mídia ou a literatura abordam o problema influenciam os modos de perceber e definir a violência, mas é possível estabelecer parâmetros que guiem o professor na prevenção dos comportamentos violentos na escola, ao redor dela, ou em outros espaços. Conhecer o que é comportamento moral, virtudes e habilidades, entender a adolescência, podem produzir uma relação professor-aluno mais tranquila. Por este motivo, é importante detalhar características das pessoas envolvidas e modos de intervenção.
Mas existe uma dificuldade de se conceituar a VE em decorrência da sua complexidade. A OMS divide a violência em subtipos não excludentes: física, psicológica, sexual, negligência, patrimo nial. Consequências físicas e psíquicas podem advir de qualquer desses tipos, principalmente se repetidos. Na escola a violência psicológica é mais frequente, e a sexual pouco estudada, e pode envolver não somente alunos, professores, funcioná rios, mas também outras instituições e a comunidade em geral. Já o Bullyng pode ser entendido como violência ou intimidação interpares continuada, voltada para um mesmo alvo, envolvendo desigualdade de poder por estatura, idade, força, inteligência, sexo, etnia, peso, status econômico e outros. No cyberbullyng é mais difícil identificar o agressor que utiliza sua habilidade tecnológica para intimidar pessoas. A polêmica questão sobre a responsabilidade ao ser discutida sugere que a supervisão compartilhada do caminho casa-escola com os pais e com a comunidade é necessária.
O Capítulo 2 é destinado a discutir a importância da VE, os impactos por ela causados: mortes; doenças, com ênfase para os distúrbios psíquicos como ansiedade e depressão; deficiências; gastos; descrença na democracia e no papel da escola. O capítulo também enfatiza as repercussões da violência na vida e trabalho de professores e funcionários refletindo-se no comportamento defensivo deles em relação aos alunos, gerando um círculo vicioso.
O Capítulo 3 mapeia a legislação que dá suporte ao combate à VE, começando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, passando pela nossa Constituição Federal de 198811. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº. 196 de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Diário Oficial da União 1996; 16 out., que no art. 227 determina a prioridade das políticas para a criança e o adolescente, chegando ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)22. Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul., de 1990, que toma como base a Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças. Esta Convenção não faz distinção entre criança e adolescente e considera criança todo aquele menor de 18 anos. Já a ECA define a criança como o indivíduo de 0 a 12 anos incompletos e o adolescente como aquele situado na faixa etária de 12 a 18 anos. Como princípios que orientam os direitos da criança são colocados e discutidos: a não discriminação; o interesse superior da criança; o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento; e o respeito à opinião da criança. A partir daí o tema da violência é retomado em outro patamar - o do direito e da justiça. Nesta perspectiva nenhuma violência à criança se justifica nem deve ser tolerada e por isso deve ser prevenida. Sendo assim, a escola é palco fundamental na formação dos cidadãos de um país, e a responsabilidade pela construção de uma sociedade da paz é de todos.
Com base nesta argumentação a proposta da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) com seus seis pilares é apresentada como um instrumento de sensibilização e inspiração para refletir e agir. Os pilares que sustentam a cultura da paz e as estratégias identificadas pelos movimentos sociais que dão suporte às ações no Brasil entendem a educação como ferramenta essencial e identificam a necessidade de promover a identificação com líderes mundiais que personificaram, em vários momentos e contextos, a escolha por formas de enfrentamento não violentas, como Gandhi e Nelson Mandela. Do mesmo modo, o capítulo 5 traz a experiência com redes sociais como estratégia concreta para a construção coletiva da paz.
A primeira parte do livro é finalizada com mais dois capítulos de fundamentos de natureza mais teórica. Enquanto o capítulo 6 define adolescência e trata dos problemas específicos desta etapa de vida, o capítulo 7 aprofunda a discussão sobre comportamento moral, mas de forma prescritiva. Ou seja, fornece um guia ético dos comportamentos e virtudes que devem ser estimulados na criança e no adolescente.
Na segunda parte do livro, intitulada "Violência Nota Zero: um projeto a ser posto em prática", os capítulos passam a fornecer instrumentos para a gestão sistemática da violência escolar, conduzidos pelas seguintes questões: como medir e avaliar as situações de VE? Como desenhar intervenções levando em conta aspectos como a magnitude, os graus de precocidade e o público alvo, o que significa intervenções adequadas e coerentes com os objetivos de prevenir e minimizar a violência. Que metodologias e instrumentos devem ser adotados pelos professores no cotidiano das salas de aula? Que atividades podem ser desenvolvidas para o enfrentamento da indisciplina, da evasão, da desmotivação. Ou seja, quais os recursos que o professor pode lançar mão para aumentar a adesão do aluno às ideias motrizes que produzem comportamentos amigáveis, incrementando a autoestima dos envolvidos? Muitos dos exemplos pedagógicos fornecidos já são do conhecimento de professores mais experientes, como falar baixo diante de uma turma barulhenta, ou promover atividades lúdicas que contrabalancem os momentos de maior concentração e seriedade. Porém, uma vez inscritos no contexto da Educação em Direitos Humanos as atividades ganham novo sabor e reacendem o desejo do professor de ousar mais e se comprometer. A vulnerabilidade relacionada a fatores como idade, sexo e etnia, dentre outros, e os riscos de uma criança se tornar vítima ou agressor são particularmente trabalhadas no capítulo 11. Enquanto o capítulo 12 retoma o estresse ocupacional e as formas práticas de melhorar a qualidade de vida do professor.
Na terceira e última parte, a educação em Direitos Humanos é discutida na perspectiva intergeracional, como espécie de herança para os que vão vir. Herança cultural que se inicia na formação de vínculo saudável entre mãe e bebê, e que deve ser repassada aos alunos como mensagem de responsabilidade pelo outro. Nesta sequência, a gravidez na adolescência é abordada, ressaltando-se os enormes prejuízos que a interrupção da escolaridade pode causar ao aumentar, inclusive, as chances de repetição do problema na próxima geração.
Para concluir, um retorno às raízes históricas da Declaração Universal dos Direitos Humanos fundamenta a discussão sobre a Justiça Restaurativa e a arte de perdoar, que deve prevalecer sobre a Justiça Retributiva com seus resultados punitivos e estigmatizantes. Para os autores, projetos comprometidos com esta forma de resolução de problemas poderão trazer um novo tempo em que "as pessoas se respeitarão mais e todos serão mais felizes e justos dando, literalmente, nota zero para a violência". Amartya Sen33. Sen A. A idéia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras; 2011. afirma que a justiça social deve levar em conta a interdependência entre reforma institucional e mudança comportamental. Para tal, há que se ouvir as vozes das mulheres, há que se investir no debate público e na educação. A obra faz exatamente este investimento: nota dez.
Referências
- 1Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº. 196 de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Diário Oficial da União 1996; 16 out.
- 2Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul.
- 3Sen A. A idéia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras; 2011.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Mar 2014