Resumo
Considerando que os serviços de urgência odontológica compõem a rede de referência e contrarreferência, interagindo na intersecção do atendimento primário, secundário e terciário, a presente pesquisa visou descrever a interface entre a atenção primária à saúde (APS), particularmente da Estratégia de Saúde da Família, e a atenção secundária em saúde bucal, utilizando-se dos Serviços Odontológicos de Urgência (SOU), no município do Recife. Trata-se de um estudo de caso qualitativo, exploratório e descritivo. A coleta de dados se deu a partir da realização de entrevistas semiestruturadas. Foi utilizada a análise clássica do ALCESTE a partir do Dendograma de Classificação Hierárquica Descendente, permitindo compreender as expressões e cada uma das palavras pronunciadas pelos profissionais de odontologia, analisando-as a partir de seus lugares e inserções sociais. Evidenciamos uma frágil integração e pouca resolutividade entre os níveis de atenção, apresentando uma rede parcialmente desconectada. Indubitavelmente os problemas com a interface entre a atenção primária e os serviços de urgência em saúde bucal são múltiplos e complexos. As soluções individuais possuem baixa efetividade, sendo estas complexas em sua operacionalização.
Palavras-chave
Redes de atenção à saúde; Saúde bucal; Emergências; Serviços de saúde bucal
Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS), desde sua institucionalização em 1988, vem editando normas e diretrizes com a finalidade de sistematizar os serviços assistenciais em complexidades crescentes, definindo a referência e contrarreferência e as portas de entrada, visando regular o acesso e organizar os serviços assistenciais por meio de uma rede integrada de saúde11. Santos L, Andrade LOM. A organização do SUS sob o ponto de vista constitucional: rede regionalizada e hierarquizada de serviços de saúde. In: Silva SF, organizador. Redes de atenção à saúde no SUS: o pacto pela saúde e redes regionalizadas de ações de serviços de saúde. Campinas: IDISA:CONASEMS; 2008. p. 23-28..
No âmbito da saúde bucal, apesar dos avanços, a organização de um modelo de assistência odontológica ainda se apresenta como um dos grandes desafios a serem superados pelo SUS, com necessidade de reformulação de suas práticas, considerando-se a qualidade e a oferta de técnicas mais densas para solução dos problemas bucais da população22. Pinto VG. Saúde bucal coletiva. 4ª ed. São Paulo: Santos; 2000.,33. Pezzato LM, L'abbate S, Botazzo C. Produção de micropolíticas no processo de trabalho em saúde bucal: uma abordagem socioanalítica. Cien Saude Colet 2013; 18(7):2095-2104..
O marco inicial de um extenso processo de debates e construção de estratégias foi o ano de 2004, quando ocorreu a formulação e lançamento na agenda política brasileira, da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), expressa no ‘Programa Brasil Sorridente’, apresentado oficialmente como expressão de uma política subsetorial consubstanciada no documento ‘Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal’44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasilia: MS; 2004.–66. Chaves SCL, Barros SG, Cruz DN, Figueiredo ACL, Moura BLA, Cangussu MC. Política Nacional de Saúde Bucal: fatores associados à integralidade do cuidado. Rev Saude Publica 2010; 44(6):1005-1013..
Desde então, importantes avanços foram observados e as conquistas alcançadas de considerável relevância. Os resultados apresentados pelos levantamentos realizados em 2002/2003 e 201077. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003. Brasília: MS; 2004.,88. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. SB Brasil 2010: resultados principais. Brasília: MS; 2011., ao apresentar valores para o índice CPOD (experiência de cárie em dentes permanentes) de 2,78 e 2,1, respectivamente, trazem o Brasil para a posição de país cumpridor de algumas metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) em saúde bucal, abandonando assim o status de país com altíssima prevalência de cárie aos 12 anos99. Vazquez FL. Referência e contra-referência na atenção secundária em odontologia na cidade de Campinas, SP, Brasil [dissertação]. Piracicaba: Universidade Estadual de Campinas; 2011..
Estes dados mostram que os principais problemas de saúde bucal a serem enfrentados são a cárie dentária, suas consequências (dor e perda dentária) e a falta de acesso às ações e serviços de saúde bucal; apontaram também disparidades sociais presentes nos indicadores do processo saúde-doença, implicando desigualdades nos padrões de doenças e também na forma de utilização dos serviços, com prejuízo àquelas de maior risco social1010. Cassal JB, Cardozo DD, Bavaresco CS. Perfil dos usuários de urgência odontológica em uma unidade de atenção primária à saúde. Rev APS 2011; 14(1):85-92.–1212. Pinheiro RS, Torres TZG. Uso de serviços odontológicos entre os Estados do Brasil. Cien Saude Colet 2006; 11(4):999-1010..
Diante desta realidade, a PNSB destaca que a remissão dos processos de dor e minimização do sofrimento das pessoas exige estratégias resolutivas de organização dos serviços de pronto-atendimento e de urgência, no SUS, e finaliza evidenciando que deve ser dada prioridade absoluta aos casos de dor, infecção e sofrimento44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasilia: MS; 2004.,1313. Toledo ME. A interface da urgência em saúde bucal do SUS: o caso de um pronto socorro, no município de São Paulo, 2006 [dissertação]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista; 2008..
Estes estabelecimentos apresentam grande importância dentro desta rede, configurando-se como serviços que atuam de maneira complementar aos serviços básicos de atenção à saúde. Os serviços de urgência recebem, portanto, papel de destaque e a PNSB ao referir-se à atenção da urgência reforça que a mesma passa a ter relevância na organização dos serviços, assumindo múltiplas atribuições1313. Toledo ME. A interface da urgência em saúde bucal do SUS: o caso de um pronto socorro, no município de São Paulo, 2006 [dissertação]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista; 2008.,1414. Fonseca DAV. A influência sociodemográfica e da organização do serviço na procura pelo pronto atendimento odontológico no município de Piracicaba-SP [dissertação]. Piracicaba: Universidade Estadual de Campinas; 2011..
Tendo em vista que estes serviços também compõem a rede de referência e contrarreferência, interagindo na intersecção do atendimento primário, secundário e terciário, de modo a possibilitar o cumprimento do princípio da integralidade das ações1313. Toledo ME. A interface da urgência em saúde bucal do SUS: o caso de um pronto socorro, no município de São Paulo, 2006 [dissertação]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista; 2008.,1414. Fonseca DAV. A influência sociodemográfica e da organização do serviço na procura pelo pronto atendimento odontológico no município de Piracicaba-SP [dissertação]. Piracicaba: Universidade Estadual de Campinas; 2011., o presente estudo teve como objetivo caracterizar a interface entre a atenção primária e os serviços odontológicos de urgência (SOU) na rede pública de saúde no Recife.
Logo, buscou-se descrever e analisar a interface entre a atenção primária, particularmente da Estratégia de Saúde da Família, e a atenção secundária em saúde bucal, utilizando-se dos serviços odontológicos de urgência, no município do Recife, a fim de identificar como se encontra a integração entre estas atenções, a partir do reconhecimento dos SOU como suporte das equipes de saúde da família, na perspectiva da organização de redes assistenciais.
Percurso metodológico
Foi realizado um estudo de caso qualitativo, exploratório e descritivo, de modo a prover dados para possível compreensão da interface entre a atenção primária e os serviços odontológicos de urgência no SUS Recife.
O princípio da integralidade, trabalhado na perspectiva da interface trazida por Morris e Burke1515. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: the nature of the interface. Br Dent J 2001; 191(12):660-664., caracterizada pela interdependência, integração e complexidade, constituiu-se na base conceitual que norteou esta investigação.
Trabalho de campo
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco e, posteriormente, apresentado aos profissionais cirurgiões-dentistas (CD), dos respectivos distritos sanitários (DS) que tinham serviço odontológico de urgência (SOU). O método utilizado consistiu em entrevistas semiestruturadas e participaram do estudo oito indivíduos, sendo quatro CD plantonistas, dos quatro SOU existentes no município do Recife (DS II, DS III, DS V e DS VI), e os CD da atenção primária das Unidades de Saúde da Família (USF), dos respectivos DS.
Análise das informações
A coleta de dados consistiu em gravações em áudio, utilizando um roteiro da entrevista dividido em blocos, de modo a responder às questões referentes a busca de como se dá a interface entre a atenção primária e os serviços de urgência odontológica, com base nos estudos desenvolvidos por Morris e Burke1515. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: the nature of the interface. Br Dent J 2001; 191(12):660-664.. Além das características-chave apresentadas por estes autores, os referidos blocos também trouxeram como categoria de análise a "Linha do cuidado," a qual aparece com ênfase na PNSB/MS.
As informações foram analisadas por meio do software ALCESTE versão 13, programa que se apoia em cálculos efetuados sobre a co-ocorrência de palavras em segmentos de texto. Foi utilizada a análise clássica do programa, a partir do Dendograma de Classificação Hierárquica Descendente, permitindo compreender as expressões e cada uma das palavras pronunciadas pelos profissionais de odontologia, analisando-as a partir de seus lugares e inserções sociais1616. Nascimento ARA, Menandro PRM. Análise lexical e análise de conteúdo: uma proposta de utilização conjugada. Estudos e pesquisa em psicologia 2006; 6(2):72-88..
Resultados e discussão
Rede de saúde bucal no recife e sua política
Na área da saúde bucal, a PNSB traz inovações no campo assistencial, com a ampliação do acesso à atenção primária e secundária até uma maior e melhor oferta de serviços, numa rede articulada que prevê ações integradas entre os níveis básico e especializado1717. Medeiros E. Os Centros de Especialidades Odontológicas como suporte da atenção básica: uma avaliação na perspectiva da integralidade[dissertação]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2007..
As diretrizes da PNSB visam "Garantir uma rede de atenção básica articulada com toda a rede de serviços e como parte indissociável desta; […] assegurar a integralidade nas ações de saúde bucal, articulando o individual com o coletivo, a promoção e a prevenção com o tratamento e a recuperação da saúde da população adstrita," conformando, deste modo, redes integradas de atenção à saúde44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasilia: MS; 2004..
O conhecimento dos respondentes acerca da estrutura da rede de atenção à saúde municipal, tanto em relação aos profissionais da APS quanto do SOU, ainda se encontra bastante arraigado aos conceitos de rede fragmentada e hierarquizada.
Situação esta também encontrada por Mendes1818. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-2305., numa análise dos sistemas de atenção à saúde, feita numa perspectiva internacional, a qual mostra que eles são dominados pelos sistemas fragmentados, os quais conceitualmente são aqueles que se organizam por meio de um conjunto de pontos isolados de atenção à saúde e incomunicados uns dos outros e que, por consequência, são incapazes de prestar uma atenção contínua à população.
Sabe-se que, no que tange à saúde bucal, o modelo de assistência odontológica e sua organização constituem-se num desafio a ser superado pelo SUS. E, apesar de suas ações e avanços virem se consolidando nos serviços públicos de saúde, ainda é necessário a reformulação de suas práticas22. Pinto VG. Saúde bucal coletiva. 4ª ed. São Paulo: Santos; 2000.,33. Pezzato LM, L'abbate S, Botazzo C. Produção de micropolíticas no processo de trabalho em saúde bucal: uma abordagem socioanalítica. Cien Saude Colet 2013; 18(7):2095-2104..
Os depoimentos dos profissionais, como ilustrado a seguir, demonstram como a rede de saúde bucal se estrutura.
A gente tem o serviço de atenção básica, hoje a maioria tá dentro do PSF; ainda existem alguns serviços que funcionam nas unidades básicas tradicionais, mas a maior parte é dentro do PSF. A atenção secundária tem os CEO, os serviços de urgência, e o município não oferece atenção terciária. Normalmente, os pacientes que necessitam de uma atenção de alta complexidade, é encaminhado pro estado. (suj 2 psf)
Recife tem a porta de entrada, são as unidades de saúde da família. A entrada, então, pra saúde bucal, seria a equipe da atenção primária. E tem a média complexidade, que seriam os CEOs e os outros serviços da rede, a alta complexidade, e tem também algumas parcerias da rede, que aqui a gente conta com as universidades, e tem também serviços que não são da saúde bucal. (suj 6 urg)
Em Recife, a atenção secundária não se estrutura; desestrutura. Inclusive desestrutura o nosso trabalho. Aí fica difícil, fica um gargalo… é muito difícil. A gente tem uma fila de espera aqui, pra endodontia, de 30 meses! É 01 paciente, numa população de 5 mil pessoas, é 1 paciente por mês na marcação! Então, quando a gente encaminha o paciente para endodontia, já vai dizendo pra ele: ‘olhe, procure em outro lugar, procure em outro serviço, o senhor vai ficar aqui na fila de espera, mas procure conseguir de outra forma porque senão não vai chegar nunca’. E, muitas vezes, 60% dos casos acaba em extração… (suj 4 psf)
Ao serem trazidas questões de como se dá a rede de atenção à saúde bucal, fica evidente a consciência e entendimento dos profissionais quanto ao conceito da APS e seu papel dentro desta rede.
Destaca-se que apenas uma das falas trouxe a abordagem poliárquica da RAS trabalhada por Mendes1818. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-2305.:
E a gente trabalha em rede pra que seja um sistema poliárquico, como se todos fossem importantes. E a gente não tem que seguir mais aquele sistema piramidal. É uma rede. Então, isso é pra contemplar a integralidade. (suj 5 urg)
Nas redes de atenção à saúde, essa concepção de hierarquia é substituída pela de poliarquia e o sistema organiza-se sob a forma de uma rede horizontal de atenção à saúde. Assim, nas RAS não há uma hierarquia entre os diferentes pontos de atenção à saúde, mas a conformação de uma rede horizontal de pontos de atenção à saúde de distintas densidades tecnológicas, sem ordem e sem grau de importância entre eles. Todos os pontos são igualmente importantes para que se cumpram os objetivos das redes de atenção à saúde. Diferenciando-se apenas pelas diferentes densidades tecnológicas1919. Mendes EV. Os fundamentos para a construção e os elementos constitutivos das Redes de Atenção à Saúde no SUS. In: Minas Gerais. Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais. Implantação do Plano Diretor da Atenção Primária à Saúde: Oficina I – Redes de Atenção à Saúde. Belo Horizonte: ESPMG; 2009. p. 50-56..
Em relação à estrutura da Política de Saúde Bucal, houve respostas um tanto vagas e, em alguns pontos, até discordantes entre si, o que provavelmente pode ser considerado compreensível, tendo em vista que a política de saúde bucal do Recife, denominada "Recife Sorrindo Mais," é ainda pouco difundida, tendo sido apresentada em novembro de 2013, período posterior ao das entrevistas (maio a julho), durante o I Fórum de Saúde Bucal do Recife, realizado pelo Conselho Municipal de Saúde do Recife, bem como a própria Política Nacional de Saúde Bucal teve chegada tardia na agenda de governo.
O estudo de Santos e Assis2020. Santos AM, Assis MMA. Da fragmentação à integralidade: construindo e (des) construindo a prática de saúde bucal no Programa de Saúde da Família (PSF) de Alagoinhas, BA. Cien Saude Colet 2006; 11(1):53-61. revelou que, em nível nacional, na primeira década de implantação do SUS, não se identificava documento oficial que traduzisse uma política de saúde bucal, caracterizando-se certa omissão do nível central quanto à área, apesar do Plano Quinquenal de Saúde (1990 – 1995) apresentar metas para controle do câncer de orofaringe, além da menção à redução da cárie e da doença periodontal entre escolares, justificando o pouco conhecimento dos profissionais envolvidos no serviço.
Ao caminhar pelas considerações deste bloco de discussão, fica claro que, apesar de conhecerem, mesmo que de forma ainda quebrada, os papéis a serem realizados por cada nível de atenção, ainda é obscuro seu conhecimento de como deve se dar a integração destes serviços e seu papel na RAS, de modo a garantir a integralidade da atenção.
Limites e possibilidades da interface
Os serviços de atenção secundária, por estarem sujeitos a várias influências que podem interferir nas taxas e padrões de referência em saúde bucal, tornam a interface complexa. Sabese que o processo, na maioria das vezes, é controlado de acordo com a percepção dos profissionais e usuários. Além disso, destacamos também os múltiplos contextos locais, que podem influenciar esta interface.
Considerando que a interface entre os níveis de atenção em saúde bucal apresenta diversos fatores que limitam e/ou possibilitam a interdependência, integração e complexidade deste processo, a seguir apresentamos as considerações trazidas pelos atores envolvidos nesta investigação.
Segundo a caracterização da interface de Morris e Burke1515. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: the nature of the interface. Br Dent J 2001; 191(12):660-664., que indicam que a provisão do cuidado odontológico entre os níveis de complexidade é dependente um do outro, analisou-se a compreensão dos profissionais acerca da importância do outro nível de atenção para a continuidade do cuidado.
Em relação ao questionamento sobre a atenção secundária, em especial nesse caso dos serviços de urgência, os dentistas a conceituaram como oferta de procedimentos clínicos odontológicos complementares aos realizados na atenção primária; não deixando de evidenciar e declarar a importância destes serviços. No entanto, a integração e o reconhecimento da interdependência destes serviços são considerados quase que inexistentes.
A integração entre SOU e PSF ainda é muito precária. Não existe nada muito oficial, que faça essa integração entre um e outro serviço. Também tem reunião com as outras equipes de saúde bucal do distrito. Tá um pouco mais espaçado agora, nesse momento, mas tem tido. Já teve um momento de contato. Mas com o SOU, não. Com o CEO já teve. (suj 1 psf)
A gente não tem uma integração efetiva que, de fato, dê conta dos problemas. A gente tem apenas o conhecimento que existe o serviço, tem o serviço como referência, mas, não tem nenhuma integração com o serviço (SOU). De como funciona, os protocolos seguidos no serviço. A gente nunca teve acesso. (suj 2 psf)
Na verdade, não funciona. Existia integração comigo com o PSF de "A" e o meu posto, o posto que eu atendo. Porque, às vezes, por conhecimento, eles sabem o meu turno, (os pacientes), então, acontece de, às vezes, chegar aqui pacientes do "B," paciente do "C," onde eu trabalhei 15 anos. Mas, de fato, não existe integração dos PSF com a urgência. (suj 6 urg)
Foi ressaltado pelos respondentes a dificuldade de comunicação entre esses dois níveis, citada como precária, tendo como consequência uma integração fragilizada, contrapondo o que afirmam os autores Hartz e Contradiopoulos2121. Hartz ZMA, Contandriopoulos A P. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um "sistema sem muros". Cad Saude Publica 2004; 20(2):331-336. e Almeida et al.2222. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saude Publica 2010; 26(2):286-298., sobre a constituição de redes integradas, cuja construção reconhece necessariamente que a interdependência, é fundamental para a garantia do cuidado em saúde, visto que nenhuma das instâncias dispõe da totalidade dos recursos.
Para Morris e Burke2323. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: how ideal is the interface? Br Dent J 2001; 191(12):666-670., ambos os lados devem ter clareza do papel um do outro, onde a coordenação da relação entre os níveis é fundamental, pois se busca a complementaridade do modelo de atenção.
Concordamos com o estudo realizado por Dias2424. Dias MP. Estratégias de coordenação entre a atenção primária e secundária à saúde no município de Belo Horizonte [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2012. que, ao analisar as estratégias de coordenação entre a atenção primária e a atenção secundária à saúde no SUS, no município de Belo Horizonte (MG), abordou problemas relativos à coordenação dos cuidados à saúde como um dos principais desafios à organização dos sistemas de saúde, face à fragmentação da rede assistencial e à insuficiente comunicação entre prestadores. Seus resultados apontam que a combinação de estratégias de integração entre os níveis assistenciais fortalece a atenção primária como coordenadora do cuidado e contribui para a continuidade dos cuidados e a oferta de atenção integral.
Reportado na fala a seguir:
Na verdade, essa integração que você está falando não existe. Infelizmente, pois acredito que se houvesse mais contato entre estes dois níveis de atenção, talvez pudéssemos ver ou almejar alguma melhora. Atuo nos dois serviços, PSF e SOU, e posso garantir que os usuários de meu PSF são encaminhados melhor. Não existe contato dos profissionais do PSF com os do SOU. As reuniões que existem são a nível de PSF, com a própria equipe. Aqui na urgência, não temos muito contato. (suj 5 urg)
A integração é prejudicada pela falta ou pouca comunicação entre os níveis de atenção, parece existir uma lacuna a qual foi observada também em estudos anteriores sobre coordenação da atenção ou interface1313. Toledo ME. A interface da urgência em saúde bucal do SUS: o caso de um pronto socorro, no município de São Paulo, 2006 [dissertação]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista; 2008.,1515. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: the nature of the interface. Br Dent J 2001; 191(12):660-664.,2424. Dias MP. Estratégias de coordenação entre a atenção primária e secundária à saúde no município de Belo Horizonte [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2012., bem como que a boa cooperação e comunicação entre os profissionais são essenciais para uma interface bem sucedida2323. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: how ideal is the interface? Br Dent J 2001; 191(12):666-670..
Morris e Burke1515. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: the nature of the interface. Br Dent J 2001; 191(12):660-664. trazem que os cirurgiõesdentistas (CD) generalistas precisam de um local para referenciar os casos de tratamento mais especializado, enquanto os CDs especialistas precisariam contrarreferenciar os casos completados para a continuidade do acompanhamento pelos CDs da atenção primária. As mudanças em um ou no outro lado desta equação podem comprometer a interface afetando o fluxo dos usuários entre a atenção primária e secundária, comprometendo também outros níveis da atenção e provisão de cuidados. Entendemos que esta afirmação possa ser considerada para a atenção nos SOU como um integrante da atenção secundária.
Existe referência para os serviços de urgência. Diante disso, eu vejo a necessidade de, por exemplo, se houver alguma possibilidade de fazer o atendimento aqui, geralmente, os atendimentos de urgência são feitos aqui. Na maioria, eles são feitos aqui. Se não houver possibilidade de resolver o caso dele aqui, eu faço o encaminhamento via receituário. Encaminho o paciente ao serviço devido a necessidade de tratamento de urgência. Não existe protocolo. Pra o SOU, não. O paciente que eu referencio volta, mas não na forma de fluxo. Ele volta espontaneamente, por procurar outro tipo de serviço, outra necessidade. Não ocorre a contrarreferência. (suj 1 psf)
Pode-se constatar um consenso entre os distintos relatos dos entrevistados quanto à necessidade de superar os obstáculos no acesso a média complexidade para se avançar na integralidade do sistema.
Observamos também na fala dos entrevistados que atuam nos serviços de urgência que não existe nenhum protocolo que defina o fluxo de encaminhamento destes usuários que procuram o serviço para dar a devida continuidade ao seu tratamento e, assim, conseguir a longitudinalidade de seu atendimento dentro da rede.
A gente não encaminha pra posto porque a gente não tem nem como. O paciente da gente não entra na marcação pra especialidades, a gente simplesmente orienta ele a procurar o posto mais próximo da casa dele, onde ele é cadastrado. E, geralmente, o que eles dizem é que ou no posto não tem dentista, ou no posto o dentista tá de licença, tá de férias, tá pintando, tá faltando água. Sempre é o que a gente escuta aqui. (suj 7 urg)
No tocante ao encaminhamento do paciente, no Caderno da Atenção Básica n° 17 (Saúde Bucal), encontramos apenas a referência aos CEO, informando que o encaminhamento deverá ser feito por meio de formulários de referência/contrarreferência, acompanhados ou não de exames complementares e radiografias. No entanto, não se refere aos serviços de pronto-atendimento2525. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Área Técnica de Saúde Bucal. Cadernos de Atenção Básica, n. 17. Brasília: MS; 2006..
Apesar de não existir nos SOU nenhum protocolo de referência e contrarreferência aos PSF ou CEO, na prática, entende-se a necessidade de encaminhamento para a continuidade, promovendo a longitudinalidade de seu atendimento, fortalecendo a integralidade dos serviços.
Ressaltamos que esse processo não deveria passar por uma burocracia, como relata o estudo de Spedo et al.2626. Spedo SM, Pinto NRS, Tanaka OY. O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS: o caso da cidade de São Paulo, Brasil. Physis 2010; 20(3):953-972., em relação à assistência médica de média complexidade, em que os serviços de pronto-atendimento eram obrigados a encaminhar os pacientes que necessitavam de consulta ou exame especializado para uma Unidade Básica de Saúde (UBS), pois somente esse serviço tinha acesso ao sistema informatizado de agendamento, transformando burocraticamente a UBS na porta de entrada do SUS, no município de São Paulo. Medida esta que tinha duas importantes repercussões: dificultar o acesso de pacientes que, de fato, necessitavam de serviços especializados e de disputar e ocupar as poucas vagas disponíveis para consultas médicas das UBSs, com procedimentos meramente burocráticos, de "trocas de guias" de encaminhamentos.
No documento apresentado pela Coordenação Municipal de Saúde Bucal, "Recife Sorrindo Mais," o SOU é apontado como aquele que apresenta a finalidade de solucionar os problemas de urgências do complexo maxilo-facial, ou encaminhá-las quando necessitem de atendimento especializado. A demanda do SOU é espontânea e o seu objetivo é atender a população de forma imediata e ininterrupta, dando resolutividade a casos de urgência. Segundo o Decreto n° 7.508, de 28 de junho de 2011, esses serviços atuam também como uma porta de entrada ao sistema2727. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Decreto n° 7.508, de 28 de junho de 2011. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do SUS. Diário Oficial da União 2010; 29 jun..
A fim de assegurar a continuidade do cuidado em saúde, em todas as suas modalidades, nos serviços integrantes da rede de atenção, o paciente deve então ser encaminhado à estratégia de saúde da família à qual está vinculado, ou mesmo, ao Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), ou orientado a buscar a continuidade do tratamento em unidades tradicionais2828. Recife. Secretaria de Saúde. Recife Sorrindo Mais 2011-2012. Recife: Secretaria de Saúde; 2013..
Integralidade
A integralidade está entre os princípios do SUS e significa assistir ao usuário em suas necessidades, ou seja, ter seus problemas resolvidos. Neste estudo foram eleitos alguns parâmetros disponíveis no trabalho desenvolvido por Morris e Burke1515. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: the nature of the interface. Br Dent J 2001; 191(12):660-664., onde a integralidade, juntamente com a equidade, eficiência e efetividade, encontra-se entre as características consideradas necessárias para uma interface ideal.
Segundo os respondentes, problemas na garantia de uma atenção integral, quanto à integração entre APS e SOU, existem, e o objetivo de promover uma atenção completa entres esses dois níveis parece não acontecer.
Acho que a integração ainda precisa melhorar. Tanto entre PSF e CEO, como entre PSF e SOU. De uma certa forma existe, de outra, não. Acredito que tenha alguma integração com o CEO, mas não com o SOU. (suj 1 psf)
Acho que o principal problema é essa falta de reunião. Acho que é a falta de interação entre as duas classes, entre os dois, a urgência e as unidades de PSF e unidades tradicionais. (suj 7 urg)
Para Hartz e Contandriopoulos2121. Hartz ZMA, Contandriopoulos A P. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um "sistema sem muros". Cad Saude Publica 2004; 20(2):331-336., teoricamente, integração significa coordenação e cooperação entre provedores dos serviços assistenciais para a criação de um autêntico sistema de saúde, mas, na prática, isso ainda não se realizou e poucas são as iniciativas para o monitoramento e avaliação sistemática de seus efeitos. Com base na afirmação dos autores, por meio das entrevistas realizadas nesta pesquisa, pôde ser visto nas falas dos cirurgiões-dentistas que, na prática, muito pouco é realizado face à integração dos diferentes serviços.
Contrapondo o que encontramos no estudo em relação à integração, observamos nos sistemas de saúde europeus ampla atenção nas reformas recentes destes com iniciativas para fortalecer a atenção primária à saúde, englobando (entre as possíveis formas de interface com a atenção secundária, além do tradicional encaminhamento para realização de procedimentos) a consultoria de "curto ou longo prazo" e a definição comum de protocolos de manejo de casos, bem como o desenvolvimento de programas de atendimento compartilhado entre especialidades e profissionais da rede de atenção primária. Esses caminhos também podem ser construídos nos sistemas locais de saúde1515. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: the nature of the interface. Br Dent J 2001; 191(12):660-664.,2929. Faulkner A, Mills N, Bainton D, Baxter K, Kinnersley P, Peters TJ, Sharp D. A systematic rewiew of the effect of primary care-based service innovations on quality and patterns of referral to specialist secondary care. Br J Gen Pract2003; 496(53):872-884..
A integralidade da atenção à saúde deve estar inserida no cotidiano do serviço público, independente de em qual nível de atenção este se insere. Ofertar a tecnologia certa, no espaço certo e na ocasião mais adequada, para concretizar o sentido da atenção integral no SUS. Portanto, a integralidade deve incorporar a finalização do cuidado, com máxima resolubilidade, considerando o conhecimento atualmente disponível para o problema de saúde que o indivíduo está vivendo3030. Costa SM, Nickel DA, Borges CM, Campos ACV, Verdi MIM. Política nacional de saúde bucal e bioética da proteção na assistência integral. Rev bioet (Impr.) 2012; 20(2):342-348..
Eu acho é sentar, é conversar, é ver o que é que eu faço e o que você faz, o que é da minha competência, da urgência e o que é da competência do posto de saúde. […] Acho que é, no caso, falta de orientação, talvez até dos gestores, pra colocar todos os profissionais interagindo no mesmo problema, que é o paciente. Realmente, a gente não tem essa interação entre os postos e a urgência. (suj 8 urg)
Uma coisa que a gente realmente tá omisso, a gente deveria buscar a gestão. Buscar a direção mais e cobrar mesmo. (suj 7 urg)
Eu acho que falta de comunicação da gestão, tornar a gente consciente da rede. (suj 5 urg)
As falas dos profissionais da ponta (cirurgião-dentista) reportam exatamente o que foi afirmado na revisão sistemática realizada por Armitage et al.3131. Armitage GD, Suter E, Oelke ND, Adair CE. Health systems integration: state of the evidence. Int J Integr Care 2009; 9(82):1-11., em que a presença do gestor neste processo de integração é importante, não só para esclarecer o papel dos atores de cada nível, como também para elencar as deficiências existentes na rede. A fim de preencher uma lacuna identificada pelos gestores e planejadores em saúde sobre a integração entre os níveis de atenção à saúde, foram destacados alguns modelos, ferramentas de medição e resultados de integração que podem subsidiar o planejamento e implementação de sistemas integrados de saúde.
Logo, concordamos com Campos3232. Campos CEA. O desafio da integralidade segundo as perspectivas da vigilância da saúde e da saúde da família. Cien Saude Colet 2003; 8(2):569-584., que lança como desafio na busca do atendimento integral e de forma integrada a reestruturação da forma como os distintos estabelecimentos e organizações do setor saúde trabalham até os dias de hoje. Devem ocorrer nos dois níveis uma mudança das práticas de saúde. Sendo a primeira, institucional, da organização e articulação dos serviços de saúde. E a segunda, das práticas dos profissionais de saúde.
No tocante às barreiras de acesso entre níveis assistenciais, estudos apontam que, para minimizá-las, deve-se oferecer atenção em saúde mais sincronizada e, em tempo oportuno, pode ser otimizada pela implantação de mecanismos e estratégias de integração da rede assistencial, aumentando a capacidade dos sistemas de saúde em prestar cuidados mais coordenados66. Chaves SCL, Barros SG, Cruz DN, Figueiredo ACL, Moura BLA, Cangussu MC. Política Nacional de Saúde Bucal: fatores associados à integralidade do cuidado. Rev Saude Publica 2010; 44(6):1005-1013.,3333. Giovanella L, Lobato LVC, Carvalho AI, Conill EM, Cunha EM. Sistemas municipais de saúde e a diretriz da integralidade da atenção: critérios para avaliação. Saúde em Debate 2002; 26(60):37-61.,3434. Cecílio LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ/IMS, Abrasco; 2001. p.113-126..
Linha do cuidado
Em função da realidade brasileira, além das características de base teórica da interface de Morris e Burke1515. Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: the nature of the interface. Br Dent J 2001; 191(12):660-664., abordamos a temática referente à linha do cuidado, em que segundo Cecilio3434. Cecílio LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ/IMS, Abrasco; 2001. p.113-126. e Franco e Magalhães Júnior3535. Franco TB, Magalhães Júnior HMM. Integralidade na Assistência à Saúde: a organização das linhas do cuidado. In: Merhy EE, Magalhães Júnior HMM, Rimoli J, Franco TB, Bueno WS.O Trabalho em Saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. São Paulo: Hucitec; 2003. p. 125-133., para a garantia do princípio da integralidade, é preciso realizar mudanças na produção da linha do cuidado, sendo esta linha uma estratégia para a ação, um caminho para o alcance da atenção integral, que busca articular a produção do cuidado desde a atenção primária até o mais complexo nível de atenção, exigindo ainda a interação com os demais sistemas.
No transcorrer dos depoimentos, a questão referente à linha do cuidado apareceu dispersa e insuficiente em alguns momentos. Os profissionais dos SOU apresentaram pouco conhecimento a respeito.
Linha do cuidado é justamente o nome, já tá dizendo é cuidado, é o cuidar. E eu sempre defino que é o ACS. Assim, o agente de saúde, ele é um educador em saúde e é o mais que eu defino como cuidador. (suj 7 urg)
A nossa urgência, eu acho que atende, que tem condições de, dentro de algumas limitações, se houver uma urgência clínica, de tá cumprindo o nosso papel. (suj 8 urg)
Segundo as respostas supracitadas, observamos o insuficiente conhecimento, destes profissionais da urgência, sobre a linha de cuidado referendada na Política Nacional de Atenção Básica e na Política Nacional de Saúde Bucal.
Sabemos que, ambas as políticas mostram que, entre suas diversas funções, consta a responsabilização pelo cuidado dos usuários por meio de uma relação horizontal, contínua e integrada, com o objetivo de produzir a gestão compartilhada da atenção integral. Utilizando-se para tal de ferramentas e dispositivos de gestão do cuidado, incluindo aí, entre outras, protocolos de atenção organizados sob a lógica de linhas de cuidado44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasilia: MS; 2004.,3636. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: MS; 2012..
Portanto, a linha do cuidado é constituída em sintonia com o universo dos usuários, tendo como pressuposto o princípio constitucional da intersetorialidade e, como potencial de resolutividade, possibilita o surgimento de laços de confiança e vínculo, indispensáveis para melhorar a qualidade dos serviços de saúde e aprofundar a humanização das práticas. A política finaliza evidenciando, ainda, que prioridade absoluta deve ser dada aos casos de dor, infecção e sofrimento44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasilia: MS; 2004..
A gente trabalha muito na linha de ciclos prioritários. Que, em cada ciclo da vida, a gente vai intervir dentro da área odontológica. (suj 2 psf)
Assim, a gente foca gestante, então, tem uma atenção especial à gestante, ao cuidado dela, a trabalhar essa gestante pra cuidar bem do seu filho. Na parte seguinte, na saúde da criança, a gente tenta trabalhar com a parte de promoção e prevenção com atividades coletivas, pra que a gente possa tá agindo preventivamente e tá dando conta de uma população, de um número maior de pessoas cobertas por essa atividade. E nos outros ciclos da vida […] o paciente que busca mais pelo serviço, nem sempre o que busca mais é o que precisa mais. Esse paciente que busca mais, termina tendo mais atenção. Nem sempre a gente consegue dar conta de ir buscar aqueles que estão precisando mais, mas que não vêm ao serviço. (suj 3 psf)
Percebemos nas falas dos profissionais da APS, que o seu posicionamento corrobora com a PNSB, a qual preconiza em suas diretrizes que, para a reorganização do modelo de atenção vigente, é fundamental que sejam pensadas as linhas do cuidado (da criança, adolescente, adulto e idoso), com a criação de fluxos que impliquem ações resolutivas das equipes de saúde, centradas no acolher, informar, atender e encaminhar (referência e contrarreferência)44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasilia: MS; 2004..
As evidências observadas neste estudo, na maioria das vezes, não pactuam com o que reporta Toledo1313. Toledo ME. A interface da urgência em saúde bucal do SUS: o caso de um pronto socorro, no município de São Paulo, 2006 [dissertação]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista; 2008., ou seja, deve-se dar prioridade à detecção precoce, ao tratamento imediato do dano em serviços de pronto-atendimento e a subsequente referência do caso para outros níveis de atenção à saúde que cada caso requerer e, este deve ser providenciado de imediato; caracterizando-se assim a necessidade da estruturação de um sistema organizado de saúde, com uma linha de cuidado adequada e pactuada para absorver as demandas advindas de variadas portas de entrada.
Considerações finais
Indubitavelmente, os problemas com a interface entre a atenção primária e serviços de urgência em saúde bucal são múltiplos e complexos. As soluções individuais possuem baixa efetividade, sendo estas complexas em sua operacionalização. Consideramos que a maioria destas iniciativas visa ampliar o acesso, dar suporte à tomada de decisão, ao referenciamento e à eficiência.
A frágil integração encontrada neste estudo, entre os níveis de atenção e a pouca resolutividade, deixam em débito inúmeras ações e diretrizes almejadas na Política Nacional de Saúde Bucal. Portanto, deparamo-nos com uma rede parcialmente desconectada, com um gargalo na APS e SOU, ou seja, um acesso ainda longe de ser universal, o que leva a consciência da indiscutível necessidade de maior integração entre os serviços.
Ressaltamos que, ao longo do aprofundamento teórico desta pesquisa, chama a atenção o fato do pouco conhecimento dos profissionais dos SOU quanto a esta temática. O que levantou alguns questionamentos: se os profissionais não enxergam o seu real papel dentro da rede, ou o enxergam de maneira insuficiente, para promover a integralidade, onde se encontra a falha? Poucas atividades de educação permanente? Falta de interesse pessoal e motivação? Ausência ou pouca presença da gestão? Como e o que fazer para promover de fato a continuidade desta atenção? Questionamentos estes que deverão ser avaliados em novos estudos.
Acreditamos que os resultados do nosso estudo possam contribuir para o conhecimento acerca da interface da atenção primária à saúde e os serviços de urgência de saúde bucal no SUS, no município de Recife, ampliando a base de evidências quanto aos determinantes relacionados ao menor ou maior êxito da organização e integração destes serviços. Ademais, busca ser uma contribuição às práticas de gestão e assistenciais desenvolvidas no âmbito municipal, não almejando apenas ficar restrita ao campo científico.
Nesse sentido, julgamos que o enfrentamento das dificuldades para o alcance de uma interface ideal exige grande investimento por parte dos gestores do SUS. Para tanto, devem-se implementar ações articuladas, tanto na APS quanto no SOU, orientadas pelas necessidades de saúde dos cidadãos-usuários.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Out 2015
Histórico
- Recebido
31 Ago 2014 - Revisado
26 Jan 2015 - Aceito
28 Jan 2015