Cárie dentária e fatores associados entre adolescentes no norte do estado de Minas Gerais, Brasil: uma análise hierarquizada

Tooth decay and associated factors among adolescents in the north of the State of Minas Gerais, Brazil: a hierarchical analysis

Marise Fagundes Silveira Rafael Silveira Freire Marcela Oliveira Nepomuceno Andréa Maria Eleutério de Barros Lima Martins Luiz Francisco Marcopito Sobre os autores

Resumos

Estudo transversal de base populacional (n = 763), realizado na região norte do estado de Minas Gerais, que objetivou investigar a prevalência de cárie dentária entre adolescentes e identificar seus potenciais determinantes. Adotou-se amostragem probabilística por conglomerado em múltiplos estágios. Profissionais treinados e calibrados realizaram os exames intrabucais e entrevistas nos domicílios. Foi utilizado modelo de regressão logística para identificar os fatores associados à cárie dentária. As prevalências de cárie dentária, dente cariado, restaurado e perdido foram 71,3%, 36,5%, 55,6% e 16,%, respectivamente. Observaram-se as seguintes médias: índice CPOD (3,4 dentes), número de dentes cariados (0,8 dente), restaurados (2,4 dentes) e perdidos (0,2 dente). As chances de cárie foram maiores em adolescentes que se autodeclararam negro/índio/pardo (OR = 1,6), moravam em domicílios com maior aglomeração (OR = 2,4), não fizeram visitas regulares ao dentista ou nunca foram ao dentista (OR = 1,9), utilizaram os serviços públicos ou filantrópicos (OR = 1,8), possuíam hábitos tabagistas (OR = 4,1), consumiam bebida alcoólica (OR = 1,8), que autoperceberam negativamente sua saúde bucal (OR = 5,9 e OR = 1,9) e sentiram dor nos dentes nos últimos seis meses (OR = 2,0).

Saúde bucal; Cárie dentária; Determinantes sociais da saúde; Adolescentes


This is a cross-sectional population-based study (n = 763) conducted in the north of the State of Minas Gerais, which aimed to investigate the prevalence of tooth decay among adolescents and to identify the potential determinants of same. Probability sampling by conglomerates in multiple stages was used. Trained and calibrated professionals performed the data collection by means of intraoral examination and interviews in the previously selected households. In the analysis of the determinant factor for the presence of tooth decay, hierarchical binary logistic regression models were used. The prevalence of tooth decay, decayed, missing and filled teeth were 71.3%, 36.5%, 55.6% and 16%, respectively. The following averages were observed: DMFT (3.4 teeth), number of decayed (0.8 teeth), restored (2.4 teeth) and missing (0.2 teeth). The incidence of tooth decay was higher among adolescents who stated they were black/indigenous/brown (OR = 1.76), lived in crowded households (OR = 2.4), did not regularly visit or had never been to a dentist (OR = 1.9), used public or philanthropic services (OR = 1,8), had smoking habits (OR = 4.1), consumed alcohol (OR = 1.8), perceived their oral health negatively (OR = 5.9 and OR = 1.9) and had toothac in the last six months (OR = 2.0).

Oral health; Tooth decay; Social determinants of health; Adolescents


Introdução

A cárie dentária representa o problema de saúde bucal mais importante e prevalente no Brasil, sendo considerado um problema de saúde pública11. Freire MCM, Reis SCGB, Figueiredo N, Peres KG, Moreira RS, Antunes JLF. Determinantes individuais e contextuais da cárie em crianças brasileira de 12 anos em 2010. Rev Saude Publica 2013; 47(Supl. 3):40-49.. Na adolescência, a prevalência de cárie atinge o dobro dos valores registrados para a idade-índice de 12 anos22. Narvai PC, Frazão P. Saúde bucal no Brasil: muito além do céu da boca. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008., e entre adultos e idosos produz perdas dentárias em magnitude expressiva, levando milhões de brasileiros à mutilação e ao edentulismo parcial ou total22. Narvai PC, Frazão P. Saúde bucal no Brasil: muito além do céu da boca. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008..

Ressalta-se, entretanto que, no Brasil, levantamentos epidemiológicos nacionais entre adolescentes de 15 a 19 anos revelaram uma diminuição na prevalência e experiência de cárie dentária. Os resultados de 1986 apontaram um índice CPOD médio de 12,733. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Levantamento epidemiológico em saúde bucal: Brasil, zona urbana, 1986. Brasília: MS; 1988., já em 2002/2003 foi constatado um CPO-D médio de 6,2, com 88,9% dos adolescentes com experiência de cárie dentária44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. Projeto SB Brasil 2003 - Condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: MS; 2004.. No último inquérito, em 2010, foi identificado CPO-D médio de 4,3 com 76,1% dos examinados com experiência de cárie55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. SB Brasil 2010 - Pesquisa nacional de saúde bucal: resultados principais. Brasília: MS; 2011.. Vale ressaltar que os critérios de exame não foram os mesmos nesses três levantamentos. No levantamento de 198633. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Levantamento epidemiológico em saúde bucal: Brasil, zona urbana, 1986. Brasília: MS; 1988. o diagnóstico de cárie foi mais abrangente, houve utilização da sonda exploradora como auxiliar de diagnóstico. Em 200344. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. Projeto SB Brasil 2003 - Condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: MS; 2004. e 201055. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. SB Brasil 2010 - Pesquisa nacional de saúde bucal: resultados principais. Brasília: MS; 2011., os critérios foram menos “sensíveis”, considerando cárie somente lesões cavitadas e lesões secundárias. Sendo assim, parte do declínio do CPOD pode ser atribuída a essas mudanças nos critérios de diagnóstico da cárie66. Frias AC, Antunes JLF, Junqueira SR, Narvai PC. Determinantes individuais e contextuais da prevalência de cárie dentária não tratada no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(4):279-285.,77. Costa SM, Abreu MHNG, Vasconcelos M, Lima RCGS, Verdi M, Ferreira EF. Desigualdades na distribuição da cárie dentária no Brasil: uma abordagem bioética. Cien Saude Colet 2013; 18(2):461-470.. Outros fatores apontados como responsáveis pelo declínio da cárie foram a fluoretação das águas de abastecimento público, dentifrícios com flúor22. Narvai PC, Frazão P. Saúde bucal no Brasil: muito além do céu da boca. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008., mudanças no consumo de açúcar, e melhorias nas condições socioeconômicas66. Frias AC, Antunes JLF, Junqueira SR, Narvai PC. Determinantes individuais e contextuais da prevalência de cárie dentária não tratada no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(4):279-285.,88. Peres SHCS, Carvalho FS, Carvalho CP,Bastos JRM, Lauris JRP. Polarização da cárie dentária em adolescentes, na região sudoeste do estado de São Paulo, Brasil. Cien Saude Colet 2008; 13(Supl. 2):2155-2162..

A cárie dentária é a doença bucal mais estudada em todo o mundo, entretanto há uma escassez de estudos populacionais com esse tema entre adolescentes de 15 a 19 no Brasil, já que a maioria das pesquisas avaliou crianças com 12 anos de idade99. Lopes MC, Silva PR, Biazevic MGH, Rebelo MAB, Crosato EM. Necessidade de Tratamento Decorrente da Cárie Dentária em Estudantes de 15 a 19 Anos de Idade, em Manaus-AM, Brasil e fatores associados. Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada 2012; 12(1):83-88.,1010. Santos NCN, Alves TDB, Freitas VS, Jamelli SR, Sarinho ESC. A saúde bucal de adolescentes: aspctos d higiene, de cárie dentária e doença periodontal nas cidades de Recife, Pernambuco e Feira de Santana, Bahia. Cien Saude Colet 2007; 12(5):1155-1166.. Nessa fase, por se tratar de uma doença cumulativa, a cárie dentária pode apresentar distribuição média e prevalências inferiores às registradas entre adultos e idosos55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. SB Brasil 2010 - Pesquisa nacional de saúde bucal: resultados principais. Brasília: MS; 2011.. Entretanto, a adolescência é tida como um período de maior comportamento de risco para cárie dentária, em decorrência do precário controle de placa e da redução dos cuidados com a higiene bucal, agravados pela maior independência em relação ao consumo de uma alimentação mais açucarada1111. Garbin CAS, Garbin AJI, Arcieri RM, Saliba NA, Gonçalves PE. La Salud Bucal en la Percepción Del Adolescente. Revista salud pública 2009; 11(2):268-277.. Por outro lado, a adolescência é também a fase na qual o jovem pode adquirir um aprendizado relacionado a atitudes e comportamentos positivos que persistirão no futuro, representando um momento fundamental para a promoção da saúde1212. Ruzany MH, Szwarcwald CL. Oportunidades perdidas de atenção integral ao adolescente: resultado de estudo piloto. Rev Adolescencia Latino americana 2000; 2(1):26-35.. Os efeitos negativos da cárie dentária sobre a vida dos adolescentes incluem dificuldade de mastigar, diminuição do apetite, perda de peso, dificuldade para dormir, irritabilidade, baixa autoestima, e diminuição do rendimento escolar1313. Barbosa TS, Mialhe FL, Castilho ARF, Gavião MBD. Qualidade de vida e saúde bucal. Physis 2010; 20(1): 283-300.. Portanto, ressalta-se a relevância de estudos epidemiológicos que investiguem a saúde bucal desse grupo etário.

A cárie dentária apresenta uma etiologia multifatorial e já foi descrita como uma doença social. Sua prevalência tem como determinantes fatores biológicos, alimentares, comportamentais e socioeconômicos, bem como fatores de acesso a bens de consumo e a serviços de saúde66. Frias AC, Antunes JLF, Junqueira SR, Narvai PC. Determinantes individuais e contextuais da prevalência de cárie dentária não tratada no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(4):279-285.. Não foram encontrados estudos que tenham avaliado de forma concomitante a existência de associação entre a cárie dentária e os fatores anteriormente elencados, considerando ainda fatores subjetivos. Sugere-se que a cárie pode estar associada à autopercepção da saúde bucal, da mastigação, da fala e da aparência dos dentes e gengivas, assim como ao relato de experiência dolorosa nos dentes e gengivas nos últimos seis meses.

Neste contexto, considerando a escassez de dados populacionais sobre a prevalência de cárie dentária entre adolescentes na região norte mineira, o objetivo do presente estudo foi descrever as condições de saúde bucal relacionada à cárie dentária de adolescentes dessa região, bem como identificar os seus potenciais determinantes.

Metodologia

Estudo transversal de base populacional, cuja população-alvo foi constituída pelos adolescentes de 15 a 19 anos, residentes nas áreas urbana e rural de um município de porte médio, no norte do estado de Minas Gerais (MG), nos anos de 2008/2009. Essa faixa etária foi preconizada pela OMS como adequada para representar a população de adolescentes em estudos epidemiológicos de saúde bucal1414. World Health Organization (WHO). Oral health surveys: basic methods. 4th ed. Geneva: WHO; 1997..

Plano amostral

O tamanho da amostra foi calculado visando estimar parâmetros populacionais com prevalência de 0,50, com intervalo de 95% de confiança e nível de precisão de 5,0%. Foi adotado um fator de correção para o efeito de desenho (deff) igual a 2, para proteger o impacto do delineamento por conglomerados sobre a precisão fixada inicialmente, admitindo o processo de amostragem como aleatória simples. Os cálculos evidenciaram a necessidade de se examinar e entrevistar 637 indivíduos. Sob a hipótese de 20% de não cobertura (recusa, domicílio vago, não localização do indivíduo sorteado após três visitas), ficou estabelecido um tamanho amostral de 761 observações.

Na área urbana, as unidades amostrais foram selecionadas, utilizando-se a amostragem probabilística por conglomerado em dois estágios. No primeiro estágio, foram selecionados por amostragem aleatória simples 52 dos 276 setores censitários urbanos. No segundo, por amostragem aleatória simples, foi selecionada uma fração amostral das quadras em cada um dos 52 setores sorteados (proporcional ao número de quadras do setor), obtendo-se em média sete quadras/setor. Todos os domicílios das quadras selecionadas foram sequencialmente visitados e seus residentes pertencentes à faixa etária estudada foram convidados a participar da pesquisa.

Na zona rural, optou-se por uma amostra probabilística por conglomerados em um único estágio, em que as unidades primárias de amostragem foram constituídas pelas áreas rurais. Foram sorteadas duas das onze áreas rurais identificadas, e todos os domicílios situados a uma distância de até 500 metros de uma instituição de referência (escola) foram selecionados1515. Roncalli AG, Frazão P, Pattussi MP, Araújo IC, Ely HC, Batista SM. Projeto SB2000: uma perspectiva para a consolidação da Epidemiologia em Saúde Bucal Coletiva. Rev Brasileira de Odontologia em Saúde Coletiva 2000; 1(2):9-25.. Os indivíduos com idade entre 15 e 19 anos foram convidados a participar do inquérito.

Sistema de ponderação

Para incorporar a estrutura do plano amostral complexo na análise dos dados, cada entrevistado foi associado a um peso w, que correspondeu ao inverso de sua probabilidade de inclusão na amostra (f)1616. Szwarcwald CL, Damacena GN. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev Brasileira de Epidemiologia 2008; 11(1):38-45.. Na área urbana, a probabilidade de inclusão foi obtida pelo produto da probabilidade de inclusão em cada um dos dois estágios (f = f1 x f2). Sendo f1 = probabilidade de inclusão no primeiro estágio (nº de setores sorteados/nº total de setores) e f2 = probabilidade de inclusão no segundo estágio (nº de quadras sorteados/ nº total de quadras do setor). Além disso, considerou-se também a possibilidade de recusa na participação, o que acarretaria em diferentes possibilidades de inclusão. Assim, a taxa de resposta (tresposta) em cada setor foi incorporada e a probabilidade final de inclusão de cada indivíduo foi obtida através da expressão f = f1 x f2 x tresposta. Na área rural, a seleção dos indivíduos foi constituída por apenas um estágio, com isso a probabilidade de inclusão foi calculada através da expressão f = f1 x tresposta, considerando f1 = probabilidade de inclusão no primeiro estágio (nº de áreas rurais sorteados / nº total de áreas rurais). Por fim, o peso de cada entrevistado foi obtido através do inverso da probabilidade de inclusão (w = 1/f).

Calibração dos examinadores, coleta e tabulação dos dados

O processo de calibração foi conduzido por quatro instrutores, 33 examinadores (cirurgiões-dentistas) e 20 anotadores (acadêmicos do curso de Odontologia da Unimontes). As atividades foram desenvolvidas em cinco etapas: seleção dos voluntários, treinamento teórico, treinamento prático, coleta de dados para cálculo da concordância e cálculo da concordância. No cálculo da concordância, foi utilizado o coeficiente Kappa e foram considerados aptos para a coleta de dados somente aqueles examinadores que demonstraram níveis satisfatórios nos indicadores de concordância, além do acaso, isto é, kappa > 0,601717. Bartko JJ. The intraclass correlation coefficient as a measure of reliability. Psychol Rep 1966; (19):3-11.. Dos 33 examinadores treinados, 26 foram considerados aptos a participar da coleta.

Participaram da coleta de dados 24 examinadores e 20 anotadores previamente treinados e calibrados. Foram formadas 24 equipes de campo compostas por um examinador e um anotador.

Desenvolveu-se o Programa Coletor de Dados em Saúde (PCDS)1818. Martins AMEBL, Rodrigues CAQ, Haikal DS, Silveira MF, Mendes DC, Oliveira MP, Andrade AF, Freitas CV. Desenvolvimento de um programa de computador para levantamentos epidemiológicos sobre condições de saúde bucal. Revista Unimontes Científica 2012; 14(1):30-42., para a coleta e a construção simultânea do banco de dados do projeto SB MOC. Esse programa foi instalado em um equipamento computacional móvel e portátil, um HP iPAQ Pocket PC, da série hx2000 (palmtop), e utilizado pelas equipes de campo.

Os dados coletados foram referentes às entrevistas e aos exames bucais realizados nos domicílios pertencentes aos setores e quadras previamente selecionados. Foram considerados como perda os casos de não localização do indivíduo, após três visitas ao domicílio.

Os exames intrabucais foram realizados em ambiente amplo sob iluminação natural, com espelho e sonda CPI da OMS1414. World Health Organization (WHO). Oral health surveys: basic methods. 4th ed. Geneva: WHO; 1997., adotando as normas de biossegurança preconizadas pelo Ministério da Saúde brasileiro44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. Projeto SB Brasil 2003 - Condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: MS; 2004..

Ao final de cada dia de coleta das equipes de campo, os dados armazenados no computador de mão foram passados para um computador central. Ao término da coleta, os dados foram exportados para o programa PASW 17.0 e, em seguida, realizaram-se conferência, revisão e correção dos mesmos.

Variáveis do estudo

Neste estudo foram considerados os seguintes grupos de variáveis:

1. Características demográficas e condição socioeconômica, constituídos pelas variáveis: localização geográfica, idade, sexo, cor de pele autodeclarada, estado conjugal, escolaridade, se estuda atualmente, tipo de escola, se trabalha atualmente, renda per capita mensal, moradia, n° de residentes no domicílio, n° de cômodos no domicílio e aglomeração do domicílio.

2. Uso de serviços odontológicos, constituído pelas variáveis: se fez uso de serviços odontológicos alguma vez na vida, tipo de serviço odontológico, tempo desde a última consulta ao dentista, motivo da consulta no último ano, se realiza visita periódica ao dentista, se recebeu informações sobre como evitar problemas bucais, se recebeu informações sobre como realizar autoexame de boca, e se recebeu orientação de higiene bucal.

3. Comportamentos relacionados à saúde, constituído pelas variáveis: frequência de escovação dental, uso de fio dental, uso de flúor tópico, hábitos bucais deletérios, realização de autoexame da boca, se é fumante, consumo de bebida alcoólica, prática atividade física.

4. Condições subjetivas de saúde bucal, constituída pelas variáveis: autopercepção da saúde bucal, da mastigação, da aparência dos dentes, da fala, do relacionamento afetado pela saúde bucal, da necessidade de tratamento dentário e dor nos dentes.

5. Condições objetivas de saúde bucal, constituída pelas variáveis: número de dentes cariados, número de dentes restaurados e sem cárie, número de dentes perdidos devido à cárie e índice CPO-D.

Tratamento estatístico

As variáveis categóricas foram descritas por meio de suas distribuições de frequências e as variáveis numéricas pelas medidas de tendência central e dispersão (média e erro-padrão), com correção pelo efeito do desenho (deff). A variável “número de dentes cariados (C)” foi dicotomizada para criação da variável desfecho presença de cárie (presente ou ausente). Aqueles indivíduos que apresentaram um ou mais dentes cariados (C ≥ 1) constituíram o grupo com cárie (cárie presente) e aqueles que apresentaram nenhum dente cariado (C = 0), constituíram o grupo sem cárie (cárie ausente).

Na análise dos fatores associados à presença de cárie foi utilizado modelo de regressão logística hierarquizado1919. Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. 2ª ed. New York: John Wiley & Sons; 2000.. Foram estimadas razões de chances (odds ratio) brutas e ajustadas, com seus respectivos intervalos de 95% de confiança.

Foi proposto um modelo de determinação da cárie dentária que contemplasse a autopercepção da saúde bucal, além dos determinantes sociais e de autocuidado. Uma adaptação do modelo sugerido pela OMS2020. Petersen PE. The World Oral Health Report 2003: continuous improvement of oral health in the 21st century – the approach of the WHO Global Oral Health Programme. Community Dent Oral Epidemiol 2003; 31(Supl. 1):3-24. orientou a composição dos blocos de variáveis e a ordem de entrada dos mesmos. No modelo proposto, o nível distal foi constituído pelas variáveis do bloco, características demográficas e socioeconômicas; o nível intermediário, pelas variáveis do bloco uso de serviços odontológicos e comportamentos relacionados à saúde; e no nível proximal, incluíram-se as variáveis do bloco condições subjetivas de saúde bucal (Figura 1).

Figura 1
Modelo conceitual de hierarquia entre as variáveis investigadas.

Nesse modelo, hipotetizou-se que melhores condições socioeconômicas estariam associadas a melhor autocuidado com a saúde e maior uso dos serviços odontológicos. Considerou-se também que as variáveis do nível intermediário exerceram efeitos na autopercepção da saúde bucal, isto é, quanto mais favorável as condições de uso dos serviços odontológicos e maiores autocuidados com a saúde, mais positiva seria a autopercepção das condições de saúde bucal, que por sua vez, estariam associadas às melhores condições relacionadas à cárie dentária. Um diferencial desse modelo, é que nele foram incluídas variáveis subjetivas (autopercepção) como previsoras de uma condição objetiva (cárie dentária).

Inicialmente, em cada bloco, foram realizadas análises bivariadas e as variáveis que apresentaram nível descritivo p < 0,20 nessa etapa foram selecionadas para a análise múltipla1616. Szwarcwald CL, Damacena GN. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev Brasileira de Epidemiologia 2008; 11(1):38-45.. Para construção do modelo de regressão múltiplo de cada bloco adotou-se o procedimento passo à frente (stewise forward procedure). Permaneceram no modelo final aquelas variáveis que apresentaram associação significativa com o desfecho, ao nível de 0,05.

As variáveis mantidas no modelo de regressão múltipla de cada bloco compuseram a análise hierarquizada. Os blocos das características demográficas e socioeconômicas foram os primeiros a serem incluídos no modelo, permanecendo como fator de ajuste para os determinantes intermediários e proximais. Em seguida, foram incluídas as variáveis do nível intermediário (uso de serviços odontológicos e comportamento relacionados à saúde), permanecendo no modelo somente aquelas que apresentaram nível descritivo p < 0,05, após o ajuste para as variáveis do nível distal. Por último, foi incluído o bloco composto pelas condições subjetivas de saúde bucal, permanecendo no modelo somente aquelas variáveis que apresentaram nível descritivo p<0,05, após ajuste para as variáveis dos níveis distal e intermediário.

Em todas as etapas da modelagem, a significância dos coeficientes estimados foi verificada por meio do teste de Wald. Para avaliar a qualidade de ajuste dos modelos logísticos, utilizou-se o teste de Hosmer & Lemeshow1919. Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. 2ª ed. New York: John Wiley & Sons; 2000.. Todas as análises foram corrigidas pelo efeito do desenho e os programas estatísticos PASW® 17.0 e STATA® 11.0 foram utilizados para realização das mesmas.

Resultados

Foram identificados 834 adolescentes nos setores censitários, quadras e domicílios sorteados. Destes, 763 participaram do estudo, obtendo-se uma taxa de resposta de 91,5%. O principal motivo das perdas foi a não localização dos indivíduos, após três visitas aos domicílios. A média da idade dos entrevistados foi de 17,1 anos, sendo que a maior parte era do sexo feminino (52,7%). As distribuições dos adolescentes de acordo com as características demográficas e socioeconômicas, uso de serviços odontológicos, comportamento relacionado à saúde e condições subjetivas de saúde bucal estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos adolescentes de 15 a 19 anos segundo características demográficas e socioeconômicas, uso de serviços odontológicos, comportamento relacionado à saúde e condições subjetivas de saúde bucal. Montes Claros, MG, 2008/2009.

A maioria dos indivíduos examinados (71,3%) apresentou experiência acumulada de cárie dentária (CPO-D ≥ 1), sendo que a condição mais prevalente foi a restauração (O), com 55,6% da população apresentando pelo menos um dente restaurado. Os valores médios do CPO-D e seus componentes, bem como a proporção de contribuição de cada um deles no índice CPO-D estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Prevalência e média (erro-padrão) do número de dentes cariados (C), obturados (O), perdidos (P) e experiência de cárie (CPO-D) entre adolescentes de 15 a 19 anos. Montes Claros, MG, 2208/2009.

Com relação aos fatores associados à cárie dentária, a Tabela 3 apresenta as análises bivariadas e múltiplas dos três blocos de variáveis. As variáveis que não apresentaram associação estatisticamente significativa, ao nível de 0,20, na análise bivariada, não foram incluídas nesta tabela.

Tabela 3
Associação entre características demográficas, condição socioeconômica, uso de serviços odontológicos, comportamentos relacionados à saúde, condições subjetivas de saúde bucal e presença de cárie dentária: modelo de regressão logística múltipla não condicional. Montes claros, MG, 2008/2009.

O modelo de regressão múltipla, ajustado pelas variáveis do bloco 1, apresentou bom ajuste (p = 0,438) e revelou que as variáveis cor de pele e aglomeração do domicílio permaneceram associadas à cárie dentária. No bloco 2, as seguintes variáveis foram significativamente associadas à cárie dentária, após o ajuste pelas demais variáveis do bloco: visita regular ao dentista, tipo de serviço odontológico, recebimento de informações sobre como evitar problemas bucais, consumo de cigarro e consumo de bebida alcoólica. O teste Hosmer & Lemeshow sugeriu boa qualidade do modelo ajustado (p = 0,728). O modelo de regressão múltipla, ajustado pelas variáveis do bloco 3 revelou que as variáveis autopercepção da saúde bucal e relato de dor nos dentes e/ou gengivas apresentaram associação significativa com a cárie dentária. Constatou-se boa qualidade desse modelo ajustado (p = 0,969).

Os resultados da análise de regressão logística múltipla hierarquizada estão apresentados na Tabela 4. No bloco mais distal de determinação foram fatores associados à cárie: indivíduos que se autodeclararam de cor parda/preta/indígena e que moravam em domicílios com mais de uma pessoa por cômodo. No bloco intermediário, as chances de cárie foram maiores entre os indivíduos que utilizaram os serviços públicos/filantrópicos/nunca foram ao dentista, que não fizeram visitas regulares ao dentista, que fumavam e consumiam bebida alcoólica. No bloco proximal, verificou-se que aqueles que autoperceberam sua saúde bucal como péssima/ruim e regular, e que sentiram dor nos dentes ou gengivas nos últimos seis meses, tiveram maiores chances de cárie, após ajuste pelas variáveis dos blocos hierarquicamente superiores. O teste de Hosmer-Lemeshow mostrou boa qualidade de ajuste do modelo final (p = 0,980).

Tabela 4
Resultados da análise de regressão logística múltipla não condicional hierarquizada para presença de cárie dentária. Montes Claros, MG, 2008/2009.

Discussão

Constatou-se que a maioria dos adolescentes apresentava experiência de cárie dentária e que a chance dessa doença foi maior entre aqueles que se autodeclararam de cor parda/preta/indígena, aqueles que residiam em domicílios com maior aglomeração, os que nunca realizaram visitas regulares ao dentista, os que utilizaram serviços públicos ou filantrópicos, e/ou nunca haviam utilizado os serviços odontológicos, os fumantes, os que consumiam bebida alcoólica, os que perceberam a sua saúde bucal como péssima/ruim e/ou regular, e entre aqueles que relataram ter sentido dor nos dentes ou gengivas nos últimos seis meses. Algumas dessas associações já haviam sido constadas em estudos prévios66. Frias AC, Antunes JLF, Junqueira SR, Narvai PC. Determinantes individuais e contextuais da prevalência de cárie dentária não tratada no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(4):279-285.,2121. Lopes MC, Silva PR, Biazevic MGH, Rebelo MAB, Crosato EM. Necessidade de Tratamento Decorrente da Cárie Dentária em Estudantes de 15 a 19 Anos de Idade, em Manaus-AM, Brasil e fatores associados. Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada 2012; 12(1):83-88.

22. Loyola APP, Solis CEM, Yãnez AB Marin NP, Marquez AI, Maupome G. Prevalence and severity of dental caries in adolescents aged 12 and 15 living in communities with various fluoride concentrations. J Public Health Dent 2007; 67(1):8-13.

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25. Tada A, Hanada N. Sexual differences in smoking behavior and dental caries experience in young adults. Public Health 2002; 116(6):341-346.
-2626. Borges CM, Cascaes AM, Fischer TK, Boing AF, Peres MA, Peres KG. Dor nos dentes e gengivas e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise do inquérito nacional de saúde bucal SB - Brasil 2002-2003. Cad Saude Publica 2008; 24(8):1825-1834.. Por outro lado, são relativamente escassos na literatura estudos que adotaram modelos que consideram conjuntamente efeitos diretos e intermediários, pelos quais fatores sociais, comportamentais, uso de serviços e autopercepção, podem estar associados à saúde bucal dos adolescentes, embora alguns tenham sido propostos para adultos2727. Baker SR. Applying Andersen’s behavioural model to oral health: what are the contextual factors shaping perceived oral health outcomes? Community Dent Oral Epidemiol 2009; 37(6):485-494..

O presente estudo revelou que a experiência de cárie (CPO-D≥1) acometeu 71,3% dos adolescentes. Esse percentual mostrou-se inferior aos encontrados no estado do Rio Grande do Sul (92,7%)2828. Celeste RK, Nadanovsky P, De Leon AP. Associação entre procedimentos preventivos no serviço público de odontologia e a prevalência de cárie dentária. Rev Saúde Pública 2007; 41(5):830-838., na cidade de Manaus (88,8%)2929. Viana ARP, Parente RCP, Borras MR, Rebelo MAB. Prevalência de cárie dentária e condições socioeconômicas em jovens alistandos de Manaus, Amazonas, Brasil. Rev Brasileira de Epidemiologia 2009; 12(4):680-687., no Brasil (76,1%) e na região Sudeste (73,0%), no último levantamento nacional de Saúde Bucal (2010)55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. SB Brasil 2010 - Pesquisa nacional de saúde bucal: resultados principais. Brasília: MS; 2011.. Ao se considerar estudos brasileiros, constata-se que a média do CPOD (3,4) registrada em Montes Claros foi inferior àquela registrada em 2002/2003 (6,2), assim como aquela registrada em 2010 (4,3). Acredita-se que as melhores condições registradas entre os adolescentes do presente estudo sejam consequentes de políticas públicas de saúde bucal locais que beneficiaram este estrato etário.

Foi observado que 36,5% (29,4% - 43,7%) dos adolescentes apresentaram pelo menos um dente com cárie (C ≥ 1); esse resultado foi inferior aos encontrados em estudos prévios entre adolescentes brasileiros66. Frias AC, Antunes JLF, Junqueira SR, Narvai PC. Determinantes individuais e contextuais da prevalência de cárie dentária não tratada no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(4):279-285.,2020. Petersen PE. The World Oral Health Report 2003: continuous improvement of oral health in the 21st century – the approach of the WHO Global Oral Health Programme. Community Dent Oral Epidemiol 2003; 31(Supl. 1):3-24., cujos percentuais variaram de 53,3% a 90,3%. Esses achados sugerem que o acesso ao flúor, dentre outros determinantes da cárie, foi desigual nessas populações. Por outro lado, é perceptível que a prevalência da cárie dentária tem-se reduzido entre os adolescentes brasileiros, como comprovam as pesquisas epidemiológicas nacionais realizadas em 198633. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Levantamento epidemiológico em saúde bucal: Brasil, zona urbana, 1986. Brasília: MS; 1988., em 2002/200344. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. Projeto SB Brasil 2003 - Condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: MS; 2004., e em 201055. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. SB Brasil 2010 - Pesquisa nacional de saúde bucal: resultados principais. Brasília: MS; 2011..

Verificou-se também que os adolescentes apresentaram em média 2,4 dentes restaurados e que essa condição (componente O) correspondeu a 70,1% da composição do índice CPO-D, superior aos percentuais observados no Brasil (50,8%)55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. SB Brasil 2010 - Pesquisa nacional de saúde bucal: resultados principais. Brasília: MS; 2011. e no Peru (63,5%)3030. Loyola MC. Características socioeconómicas y salud bucal de escolares de instituciones educativas públicas. Kiru 2009; 6(2):78-80.. Uma maior proporção do componente O na composição do índice CPO-D indica menores proporções dos componentes C (dentes cariados) e P (dentes perdidos) e, consequentemente, melhor condição de saúde bucal no que se refere à cárie dentária. Esse resultado pode ser reflexo de um acesso satisfatório dessa população aos serviços odontológicos, uma vez que conforme resultados de dois inquéritos nacionais brasileiros houve uma maior frequência de uso dos serviços odontológicos em 201055. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. SB Brasil 2010 - Pesquisa nacional de saúde bucal: resultados principais. Brasília: MS; 2011. do que em 2002/20031717. Bartko JJ. The intraclass correlation coefficient as a measure of reliability. Psychol Rep 1966; (19):3-11.. Na população investigada essa situação fica ainda mais evidente visto que mais de 90% dos entrevistados relataram ter ido ao dentista alguma vez na vida.

Apesar de ser um problema de saúde pública, a perda dentária tem sido pouco investigada entre adolescentes brasileiros. No presente estudo, foi constatado que 83,7% dos adolescentes apresentaram todos os dentes presentes na boca, esse percentual ainda não atingiu a meta estabelecida pela OMS para o ano de 2000, para jovens com 18 anos de idade, isto é, 85% dos indivíduos com todos os dentes presentes na boca. Nesse sentido, considerando que no ano da realização desse estudo (2008/2009) a meta proposta para 2000 ainda não fora totalmente atingida e, que, durante o 4° Congresso Mundial de Odontologia Preventiva em 1993, a OMS propôs nova meta para o ano 2010: não haver perda dentária aos 18 anos, conclui-se que a condição de saúde bucal da população investigada ainda está aquém de uma condição adequada. Por outro lado, quando se considera o cenário nacional, a situação do adolescente do município em estudo (Montes Claros-MG) é mais favorável, uma vez que essa condição (componente P) contribuiu com 4,8% na composição do CPO-D, percentual inferior aos observados entre adolescentes de todas as regiões brasileiras, cujos valores variaram de 5,2% (região Sul) a 16,8% (região Norte)55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de atenção à saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação geral de saúde bucal. SB Brasil 2010 - Pesquisa nacional de saúde bucal: resultados principais. Brasília: MS; 2011..

Com relação ao modelo estatístico adotado, ressalta-se a utilização de modelos hierarquizados que permitiram identificar os possíveis fatores associados à cárie dentária de forma independente, seguindo níveis hierárquicos de determinação. O modelo estimado revelou que, no nível distal, a chance mais elevada de cárie entre aqueles que se declararam cor de pele parda/preta/indígena é compatível com resultado de outro estudo66. Frias AC, Antunes JLF, Junqueira SR, Narvai PC. Determinantes individuais e contextuais da prevalência de cárie dentária não tratada no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(4):279-285. e tem sido atribuída à pior condição socioeconômica destes grupos étnicos em relação aos brancos na sociedade brasileira. Em concordância com estudo anterior2323. Lacerda JT, Castilho EA, Calvo MCM, Freitas SFT. Saúde bucal e o desempenho diário de adultos em Chapecó, Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(8):1846-1858., morar em residências com maior número de pessoas por cômodo também foi considerado um fator significantemente associado à cárie dentária. Nessa situação, a superlotação no domicílio é um indicador de condição socioeconômica mais baixa, que por sua vez está associada às piores condições de saúde3131. Antunes JLF, Narvai PC, Nugent ZJ. Inequalities in the distribution of dental caries. Community Dent Oral Epidemiol 2004; 32(1):41-48.. A variável renda per capita não apresentou associação com a cárie na análise bruta e por isso não foi incluída no modelo múltiplo, acredita-se que seja devido às perdas de informações dessa variável, uma vez que mais de 10% dos adolescentes não informaram a renda per capita da família. Provavelmente a magnitude das associações entre as variáveis cor de pele e aglomeração do domicílio com a cárie poderia ser modificada na presença da variável renda per capita.

No nível intermediário constatou-se que as chances de cárie entre os indivíduos que não utilizaram regularmente os serviços odontológicos foram 1,9 vezes àquelas observadas entre os que faziam uso regular desses serviços. De maneira semelhante, outros estudos também encontraram associação entre o uso dos serviços odontológicos e a cárie dentária2020. Petersen PE. The World Oral Health Report 2003: continuous improvement of oral health in the 21st century – the approach of the WHO Global Oral Health Programme. Community Dent Oral Epidemiol 2003; 31(Supl. 1):3-24.,2222. Loyola APP, Solis CEM, Yãnez AB Marin NP, Marquez AI, Maupome G. Prevalence and severity of dental caries in adolescents aged 12 and 15 living in communities with various fluoride concentrations. J Public Health Dent 2007; 67(1):8-13.. Essa associação já era esperada, uma vez que indivíduos que usam regularmente os serviços odontológicos apresentam maior possibilidade de acesso a procedimentos de manutenção da saúde bucal, prevenção de doenças e tratamento precoce. Por outro lado, a variável acesso a informações sobre como evitar problemas bucais apresentou associação significativa com a cárie dentária (OR = 1,7) na análise múltipla dentro do bloco, mas na análise hierarquizada, quando ajustada pelas variáveis do bloco distal, essa variável não mostrou associação com o desfecho. Nesse contexto, esse resultado é surpreendente, parece que o acesso à informação per se não garante que o indivíduo adquira e coloque em prática os hábitos e cuidados positivos com a sua saúde bucal, especialmente na adolescência, que é considerada um período de maior comportamento de risco para cárie dentária3232. Elias MS, Cano MAT, Junior WM, Ferriani MGC. A importância da saúde bucal para adolescentes de diferentes estratos Sociais do município de Ribeirão Preto. Revista latino-americana de Enfermagem 2001; 9(1):88-95..

Foi constatado também que os adolescentes usuários de serviços públicos ou filantrópicos apresentaram maiores chances de cárie dentária quando comparados com aqueles que utilizam os serviços privados/convênios/planos de saúde, corroborando com os achados de outro estudo3333. Gushi LL, Soares MC, Forni TIB, Vieira V, Wada RS, Sousa MLR. Cárie dentária em adolescentes de 15 a 19 anos de idade no Estado de São Paulo, Brasil, 2002. Cad Saude Publica 2005; 21(5):1383-1391.. Geralmente, os usuários do serviço público pertencem a uma população economicamente mais pobre e com menor acesso ao atendimento odontológico, o que explicaria a associação encontrada. Esse fato sugere a necessidade de garantir a prevenção e controle da cárie e o acesso a tratamentos dentários restauradores no serviço público.

Os adolescentes que possuíam o hábito de fumar apresentaram maiores chances de cárie (OR = 4,1), em consonância com estudo prévio3434. Tada A, Hanada N. Sexual differences in smoking behavior and dental caries experience in young adults. Public Health 2002; 116(6):341-346.. Constatou-se também uma associação significativa entre a cárie e o consumo de bebida alcoólica (OR = 1,8). Não foram identificados outros estudos que avaliaram essa associação entre adolescentes. Por outro lado, verificou-se previamente, entre adolescentes brasileiros, que o consumo de tabaco e de bebida alcoólica estão associados à dor dentária3535. Peres MA, Iser BPM, Peres KG, Malta DC, Antunes JLF. Desigualdades contextuais e individuais da prevalência de dor dentária em adultos e idosos no Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(Sup: S)114-123., e que o tabagismo está associado à perda dentária3636. Ojima M, Hanioka T, Tanaka Keiko, Aoyama H. Cigarette smoking and tooth loss experience among young adults: a national record linkage study. BMC Public Health 2007; 7:313-320.. Outro estudo demonstrou que a cárie está positivamente associada à dor de origem dentária e que aquela é a principal causa de perdas dentárias3737. Borges CM, Cascaes AM, Fischer TK, Boing AF, Peres MA, Peres KG. Dor nos dentes e gengivas e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise do inquérito nacional de saúde bucal SB- Brasil 2002-2003. Cad Saude Publica 2008; 24(8):1825-1834.. Ademais, um estudo constatou que ex-fumantes e não fumantes apresentaram maior autocuidado com a saúde bucal do que fumantes3434. Tada A, Hanada N. Sexual differences in smoking behavior and dental caries experience in young adults. Public Health 2002; 116(6):341-346.. Petersen e Ogawa3838. Petersen PE, Ogawa H. Strengthening the prevention of periodontal disease: the WHO approach.J Periodontal 2005; 76(12):2187-2193. sugerem que os indivíduos fumantes e os que consomem bebidas alcoólicas estão predispostos à cárie, periodontite e até mesmo ao câncer de boca.

No bloco proximal, após ajuste pelas variáveis dos blocos intermediário e distal, foi identificada associação entre cárie e autopercepção da saúde bucal. A prevalência de cárie foi maior entre os adolescentes que avaliaram negativamente sua saúde bucal, corroborando com outro estudo99. Lopes MC, Silva PR, Biazevic MGH, Rebelo MAB, Crosato EM. Necessidade de Tratamento Decorrente da Cárie Dentária em Estudantes de 15 a 19 Anos de Idade, em Manaus-AM, Brasil e fatores associados. Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada 2012; 12(1):83-88.. Sendo a cárie uma das principais causas de dor dentária3737. Borges CM, Cascaes AM, Fischer TK, Boing AF, Peres MA, Peres KG. Dor nos dentes e gengivas e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise do inquérito nacional de saúde bucal SB- Brasil 2002-2003. Cad Saude Publica 2008; 24(8):1825-1834., é compreensível que a associação com a autopercepção da saúde bucal seja positiva, uma vez que as pessoas percebem sua condição bucal a partir dos sintomas e dos problemas funcionais e sociais decorrentes das doenças bucais3939. Reisine ST, Bailit HL. Clinical oral health status and adult perceptions of oral health. Soc Sci Med Med Psychol Med Sociol 1980; 14A(6):597-605.. A percepção da condição de saúde bucal é considerada como uma importante medida para a Odontologia, por estar associada à predisposição dos indivíduos ao uso dos serviços de saúde e à condição clínica presente2323. Lacerda JT, Castilho EA, Calvo MCM, Freitas SFT. Saúde bucal e o desempenho diário de adultos em Chapecó, Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(8):1846-1858.. Num estudo em Pelotas-RS constatou-se que os adolescentes com melhor autopercepção da saúde bucal consultaram mais do que aqueles com autopercepção negativa, e aqueles que perceberam algum problema odontológico utilizaram 40% a mais os serviços quando comparados com aqueles que não perceberam4040. Araújo CS, Lima RC, Peres MA, Barros AJD. Utilização de serviços odontológicos e fatores associados: um estudo de base populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2009; 25(5):1063-1072.. Na presente pesquisa também foi verificada associação positiva entre cárie e dor nos dentes/gengivas, concordando com estudo prévio3737. Borges CM, Cascaes AM, Fischer TK, Boing AF, Peres MA, Peres KG. Dor nos dentes e gengivas e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise do inquérito nacional de saúde bucal SB- Brasil 2002-2003. Cad Saude Publica 2008; 24(8):1825-1834.. A chance de cárie dentária foi maior entre os indivíduos que sentiram dor nos dentes/gengivas nos últimos seis meses (OR = 2,0), fato já esperado, pois a cárie é considerada uma das principais causas da dor de origem dentária3434. Tada A, Hanada N. Sexual differences in smoking behavior and dental caries experience in young adults. Public Health 2002; 116(6):341-346..

Os resultados desse estudo revelaram que a cárie dentária está associada aos fatores comportamentais e de autocuidado, bem como à autopercepção da saúde bucal, mediados por condições socioeconômicas. Recomenda-se o desenvolvimento de intervenções planejadas para promover a saúde bucal e mudança de comportamento dessa população, direcionadas especialmente aos grupos populacionais que apresentaram polarização da doença. A higiene bucal, fluoração e alimentação não cariogênica constituem medidas eficazes para enfrentar os problemas bucais, que para terem êxito precisam fundamentar-se em programas educativos4141. Pauleto ARC, Pereira MLT, Cyrino EG. Saúde bucal: uma revisão crítica sobre programações educativas para escolares. Cien Saude Colet 2004; 9(1):121-130.. Nesse sentido, a educação em saúde representa uma importante possibilidade de ampliar a atuação das práticas de promoção da saúde bucal no espaço público4141. Pauleto ARC, Pereira MLT, Cyrino EG. Saúde bucal: uma revisão crítica sobre programações educativas para escolares. Cien Saude Colet 2004; 9(1):121-130., e o ambiente escolar pode ser um espaço promotor da saúde bucal de adolescentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2015

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2014
  • Revisado
    13 Dez 2014
  • Aceito
    15 Dez 2014
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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