Tabagismo e pobreza no Brasil: uma análise do perfil da população tabagista a partir da POF 2008-2009

Angelita Bazotti Manuela Finokiet Irio Luiz Conti Marco Tulio Aniceto França Paulo Dabdab Waquil Sobre os autores

Resumo

O artigo visa caracterizar a população brasileira que consome artigos relacionados ao tabagismo. Para isso utilizou-se os microdados da POF 2008-2009 do IBGE. Empregou-se definição semelhante à do IBGE que define a pessoa como tabagista quando há o dispêndio de renda com esse produto e derivados, e não o ato dela ser fumante ou não. As características empregadas foram idade, sexo, cor da pele, escolaridade, regiões geográficas e faixas de renda. A metodologia para estimar os resultados considerou o desenho amostral e se utilizou de estatística descritiva, além da aplicação de testes estatísticos. Os resultados mostram que em torno de 10% da população brasileira têm gastos financeiros com produtos derivados do tabaco, possuem renda e escolaridade menores e idade mais avançada que os não tabagistas. Da renda dos indivíduos, 1,5% é despendida com esses produtos e, além disso, verificou-se que a população tabagista é majoritariamente masculina. O valor dispendido com tabaco causa impactos expressivos no orçamento doméstico, dado que esses valores poderiam ser direcionados para atender outras necessidades mais prementes na unidade familiar. Embora existam diversas estratégias de monitoramento, prevenção e combate ao tabagismo, o conhecimento do perfil de sua população pode tornar a estratégia mais eficaz.

Palavras-chave
Tabagismo; População brasileira; Saúde; Gastos

Introdução

As doenças ligadas ao tabagismo são consideradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a segunda causa de morte no mundo, embora possam ser evitadas. No mundo são registradas dez mil mortes por dia em decorrência do con-sumo de derivados de tabaco, cuja ocorrência está associada a diversos tipos de câncer, doenças pulmonares e coronarianas, hipertensão arterial e acidentes vasculares encefálicos11. Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. A situação do tabagismo no Brasil: dados dos inquéritos do Sistema Internacional de Vigilância, da Organização Mundial da Saúde, realizados no Brasil, entre 2002 e 2009. Rio de Janeiro: Inca; 2011.33. Mokdad AH, Marks JS, Stroup DF, Gerberding JL. Actual causes of death in the United States, 2000. JAMA 2004; 291(10):1238-1245..

A epidemia de doenças crônicas e óbitos prematuros, causada pelo fumo, que afetava, principalmente, as economias industrializadas está se expandindo rapidamente aos países em desenvolvimento44. Iglesias R, Jha P, Pinto M, Costa-E-Silva VL, Godinho J. Controle do tabagismo no Brasil. Washington: World Bank; 2007. (Documento de Discussão Saúde, Nutrição e População).. No ano de 2011, cerca de 80% das mortes decorrentes do consumo do tabaco ocorreram em países com renda baixa e média55. Eriksen M, Mackay J, Ross H. El Atlas del tabaco. 4° ed. Atlanta, Nueva York: Sociedad Americana contra el Cáncer, Fundación Mundial del Pulmón; 2012. [acessado 2013 nov 10]. Disponível em: http://www.TobaccoAtlas.org
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Ademais, o impacto do uso do tabaco não se limita aos próprios usuários, pois as evidências demonstram um alto risco de câncer de pulmão entre aqueles que não são fumantes, isto é, que estão expostos ao chamado fumo passivo - o risco é estimado em 20% para as mulheres e 30% para os homens que vivem com fumantes. A OMS estima em cerca de seis milhões de mortes anuais decorrentes do uso direto ou passivo do fumo66. World Health Organization (WHO). Global estimate of the burden of disease from second-hand smoke. Geneva: WHO; 2010., uma vez que ele é o responsável por um em cada 10 óbitos de adultos. Em 2011, o tabaco foi o responsável por uma em cada cinco mortes de homens e por uma em cada 20 de mulheres44. Iglesias R, Jha P, Pinto M, Costa-E-Silva VL, Godinho J. Controle do tabagismo no Brasil. Washington: World Bank; 2007. (Documento de Discussão Saúde, Nutrição e População).. Pinto e Ugá77. Pinto M, Uga MA. Os custos de doenças tabaco-relacionadas para o Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1234-1245. calcularam os custos diretos de internações no Sistema Único de Saúde (SUS) por doenças relacionadas ao tabaco no ano de 2005. As doenças analisadas foram o câncer, além daquelas relacionadas aos aparelhos circulatório e respiratório. Os autores observam que os gastos atribuíveis ao tabagismo representaram 27,6% dos custos totais dos procedimentos analisados para os três grupos e 36,3% daqueles dispendidos com quimioterapias.

Estudos realizados pela Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) mostram que o Brasil gasta, por ano, cerca de R$ 21 bilhões no tratamento de pacientes com doenças relacionadas ao tabagismo e este responde por 13% das mortes no país88. Pinto MT, Riviere A P. Relatório Final Carga das doenças tabaco-relacionadas para o Brasil. Fundação Oswaldo Cruz, 2012. [acessado 2014 ago 13]. Disponível em: http://www.actbr.org.br/uploads/conteudo/721_Relatorio_Carga_do_tabagismo_Brasil.pdf
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Além de prejuízos à saúde, o tabaco causa impactos expressivos no orçamento doméstico, dado que essa renda poderia ser aplicada para atender a outras necessidades mais urgentes na unidade familiar. As evidências disponíveis demonstram que os indivíduos mais pobres fumam mais e, para estes, o dinheiro gasto com tabaco representa um alto custo de oportunidade, deixando de ser investido em bens cruciais como alimentação, educação e saúde44. Iglesias R, Jha P, Pinto M, Costa-E-Silva VL, Godinho J. Controle do tabagismo no Brasil. Washington: World Bank; 2007. (Documento de Discussão Saúde, Nutrição e População).. Todavia, é importante destacar que, nas famílias que possuem fumantes, a proporção de gastos com derivados de tabaco em relação ao total de despesas caiu de 3% em 1995-96 para 2% em 2002-03.

Apesar de o Brasil ser um dos grandes produtores mundiais de tabaco em folhas, o governo tem adotado diversas medidas para conter seu consumo e o de seus derivados99. Silveira RLL, Dornelles M. Mercado mundial de tabaco, concentração de capital e organização espacial. Notas introdutórias para uma geografia do tabaco. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 10 de octubre de 2010, vol. XIV, n° 338. [acessado 2014 nov 25]. Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/sn/ sn-338.htm
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. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), na área de educação há ações pontuais, com campanhas contínuas de sensibilização, cujo objetivo é disseminar informações sobre a prevenção do câncer, tanto em relação ao tabagismo como aos demais fatores de risco. Já na área econômica, as ações que têm servido de subsídio às decisões governamentais são planejadas a partir de estudos realizados para levantar dados sobre produção, preços, publicidade, consumo e arrecadação sobre o tabaco e seus derivados no Brasil. Cabe destacar que a imposição de níveis elevados de impostos sobre esses produtos parece ser bastante eficaz, pois, pesquisas em diversos países mostraram uma relação negativa entre o consumo de tabaco e o nível de preços1010. Neri MC, Soares WL. Pobreza, Ativos e Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2002. (Ensaios Econômicos, 465).

A OMS lançou, em 2008, o programa conhecido como MPOWER (Monitor, Protect, Offer, Warn, Enforce e Raise), que consiste em um pacote de políticas baseadas nas medidas da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) da OMS. O objetivo central é auxiliar na redução do consumo de tabaco ao atuar no sentido de promover a implementação da CQCT nos países. Este pacote visa incentivar os formuladores de políticas públicas, juntamente com a sociedade e os prestadores de serviços de saúde, a conceber um mundo livre de tabaco, oferecendo instrumentos necessários para a redução do consumo mediante a promoção de um contexto socioeconômico e jurídico que favoreça a vida sem fumo.

As ações desse programa são voltadas ao monitoramento do uso de tabaco e à adoção de políticas de prevenção; proteção da população contra sua fumaça; oferecimento de ajuda para cessação do fumo; advertência sobre seus perigos; cumprimento das proibições sobre publicidade; promoção e aumento de impostos sobre esse produto. Tal pacote de medidas tem como objetivo reduzir o tabagismo em nível mundial, com intervenções de ampla cobertura e aplicação de políticas eficazes de controle, baseadas em dados coletados e em um rigoroso monitoramento da avaliação de seus impactos1111. Instituto Nacional do Câncer, Organização Pan-Americana da Saúde. Pesquisa especial de tabagismo – PETab: relatório Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2011.

Tendo em vista que a expansão do consumo do tabaco é um problema global, para poder desenvolver estratégias de monitoramento, prevenção e combate ao tabagismo é necessário conhecer o perfil da população que consome artigos relacionados a essa indústria, especialmente, porque os impactos na saúde, em decorrência do seu uso, não se limitam aos próprios usuários. Nesse sentido, este estudo visa caracterizar a população que declarou gastos com produtos oriundos do tabaco (cigarro, cigarrilha, charuto, entre outros), utilizando para a análise a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-20091212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010. [2014 ago 13]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_encaa/pof_20082009_encaa.pdf
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. Ressalta-se que o IBGE considera como “tabagista” a população que declarou na POF ter realizado gastos com artigos relacionados ao fumo, independente dela ser fumante ou não. Assim, o critério de caracterização dessa população como tabagista é o dispêndio de renda e não o ato dela ser fumante, apesar de haver estreita relação entre o gasto financeiro e o seu consumo propriamente dito.

O trabalho traz importante contribuição à literatura ao agregar dados publicados e ao empregar métodos quantitativos em uma base de dados que mensura os gastos recentes (2008-2009) com produtos de consumo nocivos à saúde. Essas informações permitem analisar novos aspectos sobre os tabagistas, uma vez que esses indivíduos serão os potenciais demandantes de serviços públicos e privados de saúde no futuro.

Materiais e métodos

Neste estudo utiliza-se o banco de dados da POF referente ao período de 2008-09. Esta é uma pesquisa domiciliar, realizada por amostragem e que reúne um conjunto de informações sobre a estrutura do orçamento familiar, o estado nutricional, os produtos e serviços disponíveis e as condições de vida da população brasileira. A POF tem como objetivo traçar os hábitos de consumo da família brasileira, independentemente dos seus rendimentos. O tempo de duração da pesquisa foi de 12 meses, propiciando, assim, a estimação de orçamentos familiares que contemplem as alterações a que estão sujeitos, ao longo do ano, as despesas e os rendimentos. A primeira POF foi elaborada entre os anos de 1974-75 e os demais anos pesquisados foram 1987-88, 1995-96, 200203 e 2008-09.

A amostra é representativa da população brasileira e é composta por domicílios particulares permanentes destinados à habitação de uma ou mais pessoas, ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010. [2014 ago 13]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_encaa/pof_20082009_encaa.pdf
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. O domicílio é a unidade básica para a investigação e a análise dos orçamentos, composta pelo número total de pessoas que a integram, podendo compreender tanto um único como um grupo de moradores que compartilham da mesma fonte de alimentação e, assim, realizam um conjunto de despesas alimentares comuns. Na maioria das situações, para efeito de divulgação da POF pelo IBGE, essa unidade de consumo coincide com a “família”.

O recorte deste estudo refere-se às pessoas acima de 14 anos que tiveram gastos com artigos relacionados ao tabagismo que estão presentes no questionário da POF como: cigarro, isqueiro descartável, charuto, cigarrilha, fumo desfiado, fumo desfiado para cigarro, fumo desfiado para cachimbo, fósforo, piteira, fluído para isqueiro, gás de isqueiro, pedra de isqueiro, fumo de rolo, rapé, cigarro de palha, palha para cigarro e papel para cigarro.

Na seção dos resultados apresenta-se o perfil – sexo, idade, cor da pele, anos de estudo e regiões geográficas – da população tabagista e não tabagista com o auxílio da estatística descritiva. Os testes t e F foram empregados para a realização de inferências estatísticas que permitam apresentar e discutir as diferenças (quando houver) entre as características da população tabagista e não tabagista.

Resultados

A população brasileira total estimada pela POF é de 180.745.058, da qual aquela com idade acima de 14 anos é de 135.676.655 pessoas. Destas, 9,9% declararam ter tido gastos com tabaco e serão tratadas, de agora em diante, como população tabagista.

Considerando-se as informações disponíveis e as campanhas realizadas é possível deduzir que o fato de quase 10% da população adulta ser tabagista expressa um percentual significativo, mesmo ficando abaixo da média mundial que alcança 20% dos adultos55. Eriksen M, Mackay J, Ross H. El Atlas del tabaco. 4° ed. Atlanta, Nueva York: Sociedad Americana contra el Cáncer, Fundación Mundial del Pulmón; 2012. [acessado 2013 nov 10]. Disponível em: http://www.TobaccoAtlas.org
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Entre a população tabagista os homens são predominantes em todas as faixas etárias (Tabela 1). Entretanto, na população não tabagista prevalecem as mulheres, exceto na faixa etária dos 14 aos 17 anos. Isso demostra que os gastos com tabagismo estão fortemente ligados ao sexo masculino (63,5%).

Tabela 1
Distribuição percentual populacional, segundo tabagista ou não, por faixas de idade e sexo - Brasil 2008-2009.

Posteriormente, os grupos (tabagista e não tabagista) foram divididos e analisados de acordo com seis faixas de idade, devido ao interesse de especificar e analisar o número de pessoas que têm gastos com fumo e que estão concentradas na população adulta. A faixa etária que concentra o maior percentual de tabagistas é a dos 31 aos 45 anos, enquanto a dos 18 aos 30 anos reúne o maior percentual de não tabagistas.

A média de idade entre os tabagistas e não tabagistas é de 43,4 e 39,3 anos, respectivamente. Pelo valor do teste t (-818,13) e do valor F (930063,12) rejeita-se a hipótese nula de que as médias são iguais. Portanto, pode-se afirmar que entre os tabagistas há mais homens e que eles são mais velhos que os não tabagistas.

A Tabela 2 apresenta a população por anos de estudo e segundo as faixas de idade. Primeiramente, observa-se que os mais jovens se destacam com mais anos de estudo, o que pode ser atribuído à melhoria das condições de vida e de ampliação do acesso à escola desde meados da década de 90, período em que o país praticamente universalizou o acesso ao ensino fundamental1313. Oliveira RP. Da universalização do ensino fundamental ao desafio da qualidade: uma análise histórica. Educ. Soc. 2007; 28(100):661-690.,1414. Franco C, Alves F, Bonamino A. Qualidade do ensino fundamental: políticas, suas possibilidades, seus limites. Educ. Soc. 2007; 28(100):989-1014.. Cabe destacar que 38,6% da população não tabagista acima de 76 anos não possui nenhum ano de estudo, sendo que este percentual é ainda maior (53,6%) entre os tabagistas. Entre a população com 12 ou mais anos de estudo 8,1% é composta por não tabagistas e 5,5% são tabagistas.

Tabela 2
Percentual populacional tabagista e não tabagista por anos de estudo segundo faixas de idade – Brasil – 2008-2009.

Os resultados mostram um percentual elevado de indivíduos entre 18 e 30 anos que não possuem sequer o ensino fundamental completo. Destes, 50,9% são tabagistas e 33,4% são não tabagistas. Os resultados mostram que o consumo de tabaco parece apresentar uma relação negativa com o nível educacional, evidência semelhante àquela mostrada por Cavalcante e Pinto1515. Cavalcante T, Pinto M. Considerações sobre tabaco e pobreza no Brasil: consumo e produção de tabaco. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS), Organização Pan-Americana da Saúde. Tabaco e Pobreza, um círculo vicioso - A Convenção Quadro de Controle do Tabaco: uma resposta. Brasília: MS; 2004. p. 97-136..

Na Tabela 3 observa-se que existe uma diferença significativa entre os tabagistas e os não tabagistas em relação aos anos de estudo, de acordo com a estatística observada do χ2 (793368,96). Essa diferença aponta que, em geral, a população tabagista apresenta menos anos de estudo que a não tabagista. No entanto, o coeficiente de contingência (C) - 0,076 demonstra baixa associação entre as faixas de estudo analisadas.

Tabela 3
Distribuição de tabagistas e não tabagistas, anos de estudo e resultados dos testes de associação - Brasil - 2008-2009.

Sob a ótica da renda, assim como da escolaridade, os resultados mostram que o consumo de tabaco está mais concentrado nas populações de menor renda. Segundo estes dados, 84% da população tabagista recebe entre um e três salários mínimos per capita, 8,4% tem renda de três a cinco salários e 7,5% possuem renda superior a cinco salários mínimos per capita. Em termos per capita, a renda dos tabagistas é de R$ 867,52, estatisticamente menor que a dos não tabagistas, que é de R$ 957,79, de acordo com os testes t (198,71) e F (49096,70).

Observou-se que 33,6% da população têm despesas acima de 1,51% com produtos derivados do tabaco, enquanto 23% da população gastam até 0,5% de sua renda. Os indivíduos de menor faixa de renda e escolaridade são os mais suscetíveis ao consumo e, portanto, aos malefícios advindos dos produtos tabagistas1515. Cavalcante T, Pinto M. Considerações sobre tabaco e pobreza no Brasil: consumo e produção de tabaco. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS), Organização Pan-Americana da Saúde. Tabaco e Pobreza, um círculo vicioso - A Convenção Quadro de Controle do Tabaco: uma resposta. Brasília: MS; 2004. p. 97-136..

Ao invés de focar este estudo no cigarro, que é o produto mais popular, decidiu-se analisar todos os gastos envolvidos em artigos relacionados ao tabaco. Verificou-se um gasto médio de 2,23% em relação à renda com estes artigos. Essa estimativa pode ter sido ocasionada por considerarse uma maior gama de produtos, uma vez que a mediana é de 1,24%, portanto, mostra-se bastante próxima aos resultados apontados pela FGV1616. Agência Brasil. Consumidor gasta mais com cigarros do que com arroz e feijão. [acessado 2014 dez 15]. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/ noticia/ 2013-05-31/consumidor-gasta-mais-com-cigarros-do-que-com-arroz-e-feijao
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. Os consumidores gastam, em média, valores monetários não atualizados de R$ 9,80 mensais com estes produtos cujos valores variam de R$ 0,10 a R$ 200,00.

O estudo também analisou onde essas populações residem e constatou-se que existem diferenças significativas (χ2 = 174777,45) entre os tabagistas e os não tabagistas, de acordo com suas regiões de moradia. As regiões Sul e Sudeste apresentam os maiores percentuais de tabagistas em relação às demais, 11,2% e 10,6%, respectivamente. Ademais, os percentuais entre as regiões Centro Oeste, Nordeste e Norte são muito semelhantes, 8,4%, 8,7% e 8,5%, respectivamente. Entretanto, não é possível identificar associação entre as regiões, uma vez que o coeficiente de contingência é muito baixo (0,036).

Os resultados são semelhantes aos apresentados por Barros et al.1717. Barros AJD, Cascaes AM, Wehrmeister FC, Martínez-Mesa J, Menezes AMB. Tabagismo no Brasil: desigualdades regionais e prevalência segundo características ocupacionais. Cien Saude Colet 2011; 6(9):3707-3716., uma vez que o Sul e o Sudeste apresentam os percentuais mais elevados em comparação às demais regiões. Conclusões semelhantes foram verificadas nas pesquisas do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito de Saúde (Vigitel).

A população total analisada, majoritariamente, se autodeclarou branca (49,1%), seguida da população parda (41,4%). Entre a população tabagista, os brancos são 46,8%, os pardos e os pretos correspondem a 41,6% e 10,2%, respectivamente. Pelos dados de cor da pele, não é possível afirmar que, este seja um diferencial significativo entre tabagistas e não tabagistas. Todavia, de acordo com a Tabela 4, existem diferenças significativas entre os grupos. As populações indígena e preta apresentam maior proporção de tabagistas, com 12,4% e 12,3%, respectivamente.

Tabela 4
Distribuição percentual de tabagistas e não tabagistas segundo cor ou etnia e resultados dos testes de associação - Brasil - 2009-2009.

A partir desses dados é possível concluir que o teste χ2 indica que há associação entre todas as classificações que se referem aos tabagistas ou não tabagistas em relação às variáveis categóricas (sexo, cor e regiões geográficas). No entanto, os resultados obtidos para os coeficientes de contingência (C) mostram, em geral, um fraco grau de associação.

Discussão e considerações finais

Com base na POF de 2008-09 analisou-se o perfil da população que reportou gastos com produtos oriundos do tabaco (cigarro, cigarrilha, charuto, entre outros). A amostra considerou os indivíduos com idade superior a 14 anos e as variáveis observadas foram: sexo, idade, cor da pele, anos de escolaridade, regiões geográficas e renda.

Os resultados mostram que 10% da população brasileira é tabagista, o que representa um percentual considerável. Os testes estatísticos utilizados (teste t, qui-quadrado) para o conjunto de dados analisados permitiram concluir que existem diferenças significativas entre a população tabagista e a não tabagista em relação a todas as variáveis.

Os indivíduos pertencentes às faixas de renda mais baixas e com idade entre 30 e 45 anos são os maiores consumidores de tabaco. Além disso, observou-se que a população tabagista tem menos anos de escolaridade que a não tabagista. Isso demonstra a necessidade de investimentos na criação de oportunidades de acesso e permanência na educação formal no Brasil, especialmente na educação básica, pois a população com baixo nível de escolaridade torna-se mais vulnerável aos apelos da publicidade para o consumo de derivados de tabaco1818. Fundação Oswaldo Cruz. A fotografia da Fome. Radis Comunicação em Saúde 2003; 8:8-9..

Como Lacerda et al.1919. Lacerda AE, Mastroianni FC, Noto AR. Tabaco na mídia: análise de matérias jornalísticas no ano de 2006. Cien Saude Colet 2010; 15(3):725-731. demonstraram, os meios de comunicação representam um importante elo que auxilia na compreensão da dinâmica entre o comportamento humano, o contexto social e as políticas públicas e, em se tratando de propagandas relacionadas ao tabaco, estudos internacionais apontam que a imprensa pode ter favorecido a adoção de políticas de controle em alguns países.

Os resultados decorrentes da investigação de Barreto et al.2020. Barreto SM, Giatti L, Casado L, De Moura L, Crespo C, Malta DC. Exposição ao tabagismo entre escolares no Brasil. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 2):3027-3034., que utilizou a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), mostram que a probabilidade de ser fumante regular aumenta com a idade e há maior prevalência entre os indivíduos que estão em escolas públicas, a mãe apresenta baixa escolaridade, além dos indivíduos se autodeclararem da cor parda.

Essas evidências também podem orientar o direcionamento de campanhas educativas de combate a esse nocivo hábito, especialmente entre a população jovem assim como aqueles que se encontram nas menores faixas de renda e com menor escolaridade, por ser a mais afetada. Nesse sentido, focar em ações de educação em saúde e na saúde2121. Falkenberg MB, Mendes TPL, Moraes E P, Souza EM. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúde coletiva. Cien Saude Colet 2014; 19(3):847-852. pode ser um caminho promissor.

Embora a cobertura do sistema de saúde brasileiro seja universal, pelo menos em termos legais, ela pode mostrar-se insuficiente em termos práticos, justamente para a população de menor renda (nos primeiros decis) que é a mais dependente do sistema público de saúde2222. Mesa-Lago C. O sistema de saúde brasileiro: seu impacto na pobreza e na desigualdade. Nueva Sociedad 2007; out:115-131., e que, de acordo com Neri e Soares1010. Neri MC, Soares WL. Pobreza, Ativos e Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2002. (Ensaios Econômicos, 465), têm pior acesso aos ativos de saúde, adoece mais e consome menos serviços de saúde, agravando um quadro de desigualdade de renda. Além disso, essa população é mais onerada pelos impostos sobre o consumo desses produtos, uma vez que os mesmos não são cobrados segundo o poder aquisitivo.

A verificação do percentual de renda gasto com tabaco também foi objeto de estudo de Cavalcante e Pinto1515. Cavalcante T, Pinto M. Considerações sobre tabaco e pobreza no Brasil: consumo e produção de tabaco. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS), Organização Pan-Americana da Saúde. Tabaco e Pobreza, um círculo vicioso - A Convenção Quadro de Controle do Tabaco: uma resposta. Brasília: MS; 2004. p. 97-136. na POF de 1995-1996. As autoras constataram que o percentual gasto com verduras e legumes era proporcionalmente inferior ao dispêndio com produtos tabagistas, principalmente, no grupo de renda inferior a dois salários mínimos. Igualmente observaram um padrão semelhante ao comparar tais gastos com os efetuados com educação e higiene pessoal.

Estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram que os gastos da população com cigarros têm se mantido nos últimos anos e que o peso dessas despesas no orçamento mensal dos consumidores é relevante, de modo que eles gastam 1,20% da renda média para comprar cigarros contra 0,60% desta para adquirir arroz e feijão1616. Agência Brasil. Consumidor gasta mais com cigarros do que com arroz e feijão. [acessado 2014 dez 15]. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/ noticia/ 2013-05-31/consumidor-gasta-mais-com-cigarros-do-que-com-arroz-e-feijao
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. Com isso, o impacto dos gastos em relação à renda geral também é distinto de acordo com as faixas de renda. As camadas da população tabagista com renda maior, em termos relativos, apresentam gastos inferiores, ao mesmo tempo em que dispõem de maior acessibilidade aos meios para a suspensão desse hábito de consumo.

Barros et al.1717. Barros AJD, Cascaes AM, Wehrmeister FC, Martínez-Mesa J, Menezes AMB. Tabagismo no Brasil: desigualdades regionais e prevalência segundo características ocupacionais. Cien Saude Colet 2011; 6(9):3707-3716. mostram, por intermédio da Pnad (Pesquisa nacional por amostragem de domicílios) para 2008, que o consumo diário de tabaco é maior entre indivíduos que estão nos decis mais baixos da renda, e o contrário é verificado entre aqueles que estão nos mais elevados.

Além de o tabagismo ser prejudicial à saúde, os gastos com tabaco impactam no orçamento doméstico, uma vez que a renda empenhada com estes produtos poderia ser direcionada para atender outras prioridades e necessidades da unidade familiar, como educação, alimentação e vestuário.

A caracterização do perfil da população tabagista e não tabagista pode contribuir para a formulação e implantação de políticas públicas direcionadas aos diferentes perfis populacionais em relação à prevenção e superação dos hábitos tabagistas, de modo que sejam focalizadas naqueles mais suscetíveis ao consumo desses produtos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2014
  • Revisado
    13 Maio 2015
  • Aceito
    15 Maio 2015
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