A ocorrência de causas externas na infância em serviços de urgência: aspectos epidemiológicos, Brasil, 2014

Deborah Carvalho Malta Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas Marta Maria Alves da Silva Mércia Gomes Oliveira de Carvalho Laura Augusta Barufaldi Joviana Quintes Avanci Regina Tomie Ivata Bernal Sobre os autores

Resumo

O artigo objetiva analisar os atendimentos de emergência referentes às causas externas, na infância, de 0 a 9 anos, nas capitais brasileiras, coletados no inquérito Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), em 2014. Foi feita análise de dados do VIVA realizada nas emergências públicas em 24 capitais brasileiras. Foram analisadas variáveis como: sexo, faixa etária, raça/cor da pele, tipo de ocorrências e lesões, agressores e outras. Foram 8.588 atendimentos entre crianças, 8.164 vítimas de acidentes e 424 violências. Os meninos sofreram mais acidentes, a maioria das ocorrências foi no domicílio e a alta foi o desfecho mais frequente. As quedas foram os acidentes mais frequentes, seguidas de outros, como no transporte e por queimaduras. Dentre as violências, a negligência prevaleceu, seguida da agressão física. O provável autor da violência em 72% dos casos foi um familiar da criança, sendo a mulher a mais frequente para menores de 1 ano e o homem de 6 a 9 anos. Os acidentes na infância ocorreram principalmente no domicilio, sendo as quedas as ocorrências mais frequentes. As violências contra crianças foram praticadas por familiares e conhecidos. Os dados apoiam a implementação de políticas públicas de prevenção e proteção.

Palavras-chave
Infância; Lesões; Causas externas; Atendimento de emergência; Violência

Introdução

As causas externas na infância constituem um problema de saúde pública em todo o mundo, e constituem a principal causa de morte em crianças, sendo responsável por cerca de 40% de todos os falecimentos nesta faixa etária. Cerca de 950.000 mortes de crianças e adolescentes ocorrem no mundo anualmente por acidentes ou violência, além de milhões de ocorrências de sequelas decorrentes de lesões não fatais11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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Entre 0-14 anos, as principais causas de anos de vida ajustados por incapacidade (DALY) decorrem das causas externas, dentre estes, os acidentes no trânsito11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.. Estes eventos se distribuem de forma desigual, concentrando em países de baixa renda e em populações de baixo nível socioeconômico11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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A violência contra a criança se manifesta sob diversas formas, seja a física, a negligência, a sexual e outras, com graves consequências no seu crescimento e desenvolvimento33. Oliveira BRG, Thomazine AM, Bittar DB, Santos FL, Silva LMP, Santos RL. A violência intrafamiliar contra a criança e o adolescente: o que nos mostra a literatura nacional. REME Rev Min Enferm 2008; 12(4):547-556.,44. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet 2012; 17(9):2305-2317.. A violência contra as crianças é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como um problema global, afetando, a cada ano, milhões de crianças, familiares e comunidades22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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Em 2015, a ONU apontou os progressos globais na saúde infantil no relatório dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), entretanto ainda existem lacunas, o que justifica a manutenção destes indicadores na agenda do Desenvolvimento Sustentável, indicando o muito ainda a ser feito na prevenção de violências contra crianças e mulheres55. World Health Organization (WHO). World Health Statistics 2015. [Internet]. 2015 [citado 2016 jan 05]. Disponível em: http://www.who.int/gho/publications/world_health_statistics/en/C:/Users/Owner/Documents/carga%20de%20doen%C3%A7as%202016/Reportes%20Global%20statictcs%20OMS%202015_eng.pdf
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,66. Organização das Nações Unidas (ONU-BR). Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): Brasil [Internet]. 2015 [citado 2016 jan 05]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods3/
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No mundo e no Brasil, reconhece-se ainda a grande subenumeração destes eventos, a falta de uniformidade e de integração dos registros, sendo ainda difícil conhecer toda a extensão do problema, o que afeta as ações de proteção às vítimas77. Finkelhor D, Ormrod R, Turner H, Holt M. Pathways to poly-victimization. Child Maltreat 2009; 14(4):316-329.99. Scherer EA, Sherer ZAP. A criança maltratada: uma revisão da literatura. Rev Lato-am Enfermagem 2000; 8(5):22-29..

Nenhuma violência contra crianças é justificável e todas as formas podem ser prevenidas e enfrentadas11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, nenhuma criança ou adolescente deve ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, devendo ser garantido o direito à proteção à vida e à saúde1010. Brasil. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul.. Em 2013, no Brasil, ocorreram 3.745 óbitos de crianças de 0-9 anos por causas externas, ocupando a 3ª causa de morte, ficando atrás apenas das decorrentes de causas perinatais e malformações99. Scherer EA, Sherer ZAP. A criança maltratada: uma revisão da literatura. Rev Lato-am Enfermagem 2000; 8(5):22-29.. Cerca de um terço desses óbitos referem-se aos acidentes de transporte, afogamentos, outros riscos à respiração, às agressões e às quedas1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Brasília: MS; 2013.,1212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2014: Uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: MS; 2015..

Acidentes e violências na infância podem resultar em danos irreparáveis, sejam emocionais, físicos, sociais, e marcando definitivamente as vidas de crianças, além das famílias e sociedade. A evitabilidade destes eventos é clara, e isto deve envolver famílias, escolas, sociedade e governos. Todos os setores da sociedade partilham a responsabilidade de condenar e prevenir os acidentes e as violências contra crianças11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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,55. World Health Organization (WHO). World Health Statistics 2015. [Internet]. 2015 [citado 2016 jan 05]. Disponível em: http://www.who.int/gho/publications/world_health_statistics/en/C:/Users/Owner/Documents/carga%20de%20doen%C3%A7as%202016/Reportes%20Global%20statictcs%20OMS%202015_eng.pdf
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O Ministério da Saúde implantou em 2006 o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), que possui um componente realizado por inquéritos periódicos em serviços de urgência e emergência da rede assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS), considerados sentinelas para causas externas. As causas externas (acidentes e violências) têm sido monitoradas, possibilitando a vigilância contínua quanto à distribuição, magnitude e tendência destes agravos e de seus fatores de risco e de proteção, incluindo informações de populações vulneráveis, como as crianças e os idosos. O VIVA tem apoiado o planejamento nas três esferas de gestão do SUS e a definição de intervenções apropriadas de prevenção e promoção à saúde1313. Iossi SMA, Pan RML, Bortoli PS, Nascimento LC. Perfil dos atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de causas externas de morbimortalidade, 2000-2006. Rev. Gaúcha Enferm 2010; 31(2):351-358..

O trabalho atual irá analisar os atendimentos de emergência referentes às causas externas, na infância, de 0 a 9 anos, nas capitais brasileiras, coletados no inquérito Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) em 2014.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, realizado em 86 serviços de urgência e emergência sentinelas no âmbito do SUS, localizados no Distrito Federal e em 24 capitais brasileiras, no ano de 2014. As capitais Florianópolis/SC e Cuiabá/MT não conseguiram executar o inquérito devido a questões locais relacionadas a aspectos da gestão e técnico-operacionais. Como critério de inclusão dos estabelecimentos da amostra, foram utilizadas as referências para atendimento de urgência constantes no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Os serviços de urgência foram analisados quanto à demanda de atendimento por causas externas, informada no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) e VIVA Inquérito (para os serviços participantes da pesquisa em uma ou mais edições nos anos anteriores: 2006, 2007, 2009, 2011)1313. Iossi SMA, Pan RML, Bortoli PS, Nascimento LC. Perfil dos atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de causas externas de morbimortalidade, 2000-2006. Rev. Gaúcha Enferm 2010; 31(2):351-358.. A inclusão dos serviços selecionados foi validada pelos coordenadores da Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANT) das secretarias de saúde dos estados e municípios participantes da pesquisa.

Estes serviços são denominados de sentinela para causas externas, por serem as principais portas de entrada para violências e acidentes nos municípios. A pesquisa original incluiu os atendimentos realizados em serviços de urgência e emergência situados no Distrito Federal, em 24 capitais e em 11 municípios selecionados. No presente estudo foram analisadas apenas as ocorrências das capitais de Unidades Federadas. Considerou-se o período de coleta de 30 dias, entre os meses de setembro e novembro de 2014, dividido em turnos de 12 horas, totalizando 60 turnos possíveis para coleta. O turno foi considerado a unidade primária de amostragem (UPA). Devido tratar-se de amostra por conglomerados, foi realizado o sorteio aleatório dos turnos, em único estágio, estratificado pelos estabelecimentos de saúde – Urgências. Todos os atendimentos por causas externas no turno sorteado foram incluídos na amostra e entrevistados. Utilizou-se ficha padronizada em todos os 86 serviços de Urgencia/Emergencia selecionados para a Pesquisa nas 24 capitais.

A Secretaria de Vigilância em Saúde realizou um treinamento centralizado em Brasília, prévio à Pesquisa, para padronização da coleta, definição e padronização da ficha e dos procedimentos. As equipes capacitadas replicaram o treinamento nos seus municípios, garantindo a padronização dos procedimentos. Foi repassado recurso financeiro aos municípios para apoio logístico na coleta, treinamento, fichas, digitação, outros procedimentos operacionais.

Foram elegíveis para a entrevista todas as vítimas de causas externas que procuraram atendimento nos serviços de urgência e emergência selecionados e que concordaram em participar da pesquisa. O tamanho da amostra foi de, no mínimo, 2.000 atendimentos por causas externas em cada uma das capitais e no Distrito Federal, assumindo coeficiente de variação inferior a 30% e erro padrão menor que 3.

Os dados foram coletados por meio de formulário padronizado, já utilizado nas pesquisas anteriores do VIVA e adaptado para esta ediçao1414. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2009, 2010 e 2011. Brasília: MS; 2013.. Todos os usuários atendidos por causa externa foram entrevistados pelos coletadores capacitados. Os que se encontravam incapacitados de responder, em função das lesões sofridas, o acompanhante era entrevistado, além de terem seus dados colhidos de prontuários. O estudo atual analisou dados do VIVA Inquérito 2014, o qual foi avaliado e aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), do Ministério da Saúde. A coleta de dados foi realizada após a concordância das vítimas ou de seus responsáveis ou acompanhantes, quando menores de 18 anos ou quando estava na condição de inconsciente.

Os atendimentos foram classificados em dois grupos: violências e acidentes. Definiu-se violência como “o uso da força contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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. Acidente foi definido como “evento não intencional e evitável, causador de lesões físicas e emocionais, no âmbito doméstico ou social como trabalho, escola, esporte e lazer”. Foram consideradas as definições constantes da 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID-10), referentes ao capítulo XX-Causas externas de morbidade e mortalidade. Entre os eventos de causas acidentais, foram incluídos: acidentes de transporte (V01-V99), quedas (W00-W19), queimaduras (W85-W99, X00-X19) e também cortes com objetos perfuro- cortantes, queda de objeto sobre pessoa, envenenamento acidental, sufocação, afogamento, entre outros. Os eventos violentos foram classificados em agressões (X85-Y09), maus-tratos (Y05-Y07) e intervenção legal (Y35), lesões autoprovocadas voluntariamente/tentativa de suicídio (X60-X84).

Para o presente trabalho, foram considerados atributos individuais, desfecho da ocorrência e características do acidente e da violência. Foram analisadas as seguintes variáveis: sexo, faixa etária (0-1 ano, 2-5 anos, 6-9 anos), raça/cor da pele, meios de locomoção utilizados para chegar ao serviço de urgência, local de ocorrência, referencia a algum tipo de deficiência, referencia a situação vulnerável, se possui plano de saúde, natureza da lesão, parte do corpo atingida, turno e dia de atendimento, evolução na emergência. Para os acidentes foi descrito o tipo segundo faixa etária (transporte, quedas, queimaduras, outros), tipo de vítima (passageiro, condutor, pedestre), meio de locomoção da vítima (a pé, automovel, motocicleta, bicicleta), tipo de queda (mesmo nível, leito; mobília, árvore, buraco, outros), tipo de queimadura (fogo, chama, substância quente, objeto quente, outros) e outros. Para as violências foi descrito o tipo sofrido segundo faixa etaria (Lesão autoprovocada, agressão), Natureza da violência/agressão (física, sexual, psicologica, negligência, outros), meios de agressão (força corporal, arma de fogo, objeto contundente, objeto perfuro cortante, outros), se o agressor era familiar (sim ou não), sexo do agressor.

As análises foram feitas para o conjunto de crianças menores de 10 anos de idade atendidas nos serviços referência de urgência e emergência das 24 capitais e no Distrito Federal, comparando-se as características das vítimas de acidentes e de violência, estratificadas por faixa etária (0-1 ano, 2-5 anos, 6-9 anos). A opção metodológica de comparar as ocorrências segundo faixas etárias se deu em função de evidencias de que a distribuição destas é diferenciada, tanto para acidentes, quanto para violências1414. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2009, 2010 e 2011. Brasília: MS; 2013., tornando importante conhecer esta distribuição para apoiar politicas públicas.

A hipótese nula de independência entre as variáveis qualitativas foi averiguada pelo teste do qui-quadrado com nível de significância de 5%. Foi ainda realizada regressão logística e calculado OR bruto e ajustado por idade, sexo e cor da pele para comparar os fatores associados entre violência e acidentes. Utilizou-se o módulo “svy” do programa Stata, versão 11, para a obtenção de estimativas não viciadas quando os dados são provenientes de planos de amostragem complexos.

Resultados

De um total de 55.950 no inquérito VIVA, foram registrados 8.588 atendimentos de emergência entre crianças de 0-9 anos de idade, sendo 8.164 (95%) vítimas de acidentes e 424 (5%), de violências. Do total de crianças, 21,4% tinham até 1 ano de idade, 42% de 2-5 anos e 36,6% de 6-9 anos; destaca-se a ocorrência de acidentes em crianças de 2 a 5 anos e de violências em crianças de 0 a 5 anos (p < 0,001). Quanto à raça/cor da pele, 62,8% eram negros (pretos/pardos), 35,0% brancos; a maioria das ocorrências se deu no domicílio (65%), predominando a violência doméstica 72,4% (p < 0,001); as contusões foram as lesões mais frequentes (31,5%), seguidas dos cortes (29,7%). A cabeça e pescoço (45,6%) foram os segmentos corporais mais atingidos, em especial nos casos de violência (p < 0,001). A locomoção para o hospital foi mais frequente por veículo particular (59,5%). Os atendimentos predominaram no período diurno e durante a semana, sem diferença estatística entre acidentes e violências, quanto ao horário e período. A maioria dos atendimentos teve a alta como desfecho (81,7%) (Tabela 1).

Tabela 1
Atendimentos de emergência por acidentes e violência entre crianças segundo tipo de ocorrência – 24 capitais* e Distrito Federal, Brasil, 2014.

Os meninos sofreram mais acidentes em todas as faixas etárias (60,3%), predominando entre as idades de 6-9 anos (p < 0,006). Nos casos de violência, os meninos também foram vítimas mais frequentes. Crianças de raça/cor de pele negra (preta/parda) prevaleceram entre os envolvidos em acidentes, com destaque para aquelas entre 6-9 anos (66,8%; p < 0,001), e para violência não foi calculado valor de p, pelo pequeno número de observações. As ocorrências foram mais frequentes no domicílio, tanto nos acidentes (64,4%) como nas violências (72,4%), com maior acometimento dos acidentes entre as crianças de 0-1 ano (p < 0,001). Dentre os acidentes, as contusões foram as lesões mais frequentes em 6-9 anos. Os cortes foram as lesões mais frequentes nos atendimentos por violência. Nos episódios de acidentes e violência a cabeça foi a região mais atingida, em especial em crianças de 0-1 ano (62,7% e 59,8%, respectivamente). A alta foi o desfecho mais frequente na evolução na emergência durante as primeiras 24 horas, sem identificação de diferenças significativas segundo faixa etária (Tabela 2).

Tabela 2
Atendimentos de emergência por acidentes entre crianças segundo faixa etária – 24 capitais * e Distrito Federal, Brasil, 2014.

Na análise comparativa dos atendimentos entre crianças vítimas de violência e acidentes de emergência e fatores associados, calculando-se o OR ajustado, foram encontradas diferenças segundo idade: crianças de 6 a 9 anos sofreram mais acidentes que violências (OR a 1,71 – IC95% 1,34-2,20). Crianças de cor preta ou parda sofreram mais acidentes que violências (OR a 1,27 – IC95% 1,13-1,44), e amarelas e pardas (OR a 1,05 – IC95% 1,02-1,08), crianças brancas sofreram menos violência. Quanto ao local de ocorrência, acidentes ocorreram mais em via pública que violências (OR a 1,54 – IC95% 1,04-2,27). A natureza da lesão mais frequente em acidentes comparado com violência foi a contusão (OR a 1,60 – IC95% 1,17-2,21) e a parte do corpo atingida, os membros inferiores (Tabela 3).

Tabela 3
Análise comparativa dos atendimentos entre crianças vítimas de violência e acidentes de emergência e fatores associados, segundo faixa etária, OR bruto e OR ajustado por idade, sexo e cor da pele. Nas 24 capitais* e Distrito Federal, Brasil, 2014.

As quedas (52,4%) foram os acidentes mais frequentes, seguido de outros (36%), de transporte (9,4%) e queimaduras (2,2%). Em crianças de até 1 ano de idade predominaram as quedas (63,1%; p < 0,001), dentre as quais a do leito/mobília (42,5%) e do mesmo nível (31,7%). Contudo, a última foi mais frequente nas crianças entre 6 a 9 anos (60,2%) (p < 0,001).

O segundo evento mais frequente foram os outros acidentes, destacando o choque contra objeto/pessoa em crianças de 6-9 anos (32,1%) e entre 2-5 anos (18,9%) (p < 0,001), além do entorse/esmagamento (15%) e acidentes com animais (13%). Os acidentes de transportes predominaram em crianças de 6-9 anos (12,1%), o tipo de vítimas mais frequente foram os passageiros (40,6%), especialmente entre as crianças de 0-1 ano (66%). O meio de locomoção da vítima predominante foi a bicicleta (41,5%). A bicicleta-velocípedes, triciclos não motorizados e similares (41,5%) foi o meio de locomoção da vítima mais frequente entre as crianças de 6-9 anos (45,8%) (p < 0,001). As queimaduras (2,2%) foram mais frequentes no grupo de 0-1 ano (4,8%), sendo as causadas por substâncias quentes as mais frequentes em todas as faixas de idade (72,8%) (Tabela 4).

Tabela 4
Atendimentos de emergência por acidentes entre crianças segundo características dos eventos por faixa etária – 24 capitais* e Distrito Federal, Brasil, 2014.

Quanto às violências, a negligência foi mais frequente (63,2%), seguida da agressão física (33,4%). A violência sexual ocorreu em 3,1% das crianças. Quanto ao provável autor da violência, em 72% dos casos foi um familiar da criança, sendo a mulher a mais frequente para menores de 1 ano e o homem nas crianças de 6 a 9 anos (p = 0,040), conforme Tabela 5.

Tabela 5
Atendimentos de emergência por violência entre crianças segundo faixa etária – 24 capitais* e Distrito Federal, Brasil, setembro a outubro, 2014.

Discussão

Acidentes e violências na infância agregam custos sociais, econômicos e emocionais, e são responsáveis não só por grande parte das mortes, mas também por traumatismos não fatais que exercem um grande impacto a longo prazo, repercutindo na criança, no adolescente, na família e na sociedade11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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, que têm de lidar com as incapacidades temporárias, sequelas, traumas emocionais e sofrimentos decorrentes das injúrias. As repercussões das causas externas na criança e no adolescente, na família e na sociedade devem ser consideradas como um importante problema de saúde pública, passíveis de prevenção e proteção, e dependentes de políticas públicas afirmativas88. Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Cien Saude Colet 2006; 11(Supl.):1163-1178..

O VIVA inquérito tem sido útil para traçar o perfil epidemiológico dos serviços de urgência, identificando características das vítimas e prováveis agressores1212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2014: Uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: MS; 2015.,1414. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2009, 2010 e 2011. Brasília: MS; 2013.1616. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2008 e 2009. Brasília: MS; 2010. (Série G. Estatísticas e Informação em Saúde), além de complementar informações de outros sistemas, como SIH, SIM, apoiando medidas de prevenção e promoção da saúde.

O estudo atual apontou o perfil de atendimento por causas externas em crianças nos serviços de urgência e emergência, sendo que, na sua maioria, evoluem para alta, mostrando a menor gravidade dos eventos, o que é compatível com outros estudos. As internações ocorreram em maior frequência em crianças menores de 1 ano, possivelmente pela maior vulnerabilidade1313. Iossi SMA, Pan RML, Bortoli PS, Nascimento LC. Perfil dos atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de causas externas de morbimortalidade, 2000-2006. Rev. Gaúcha Enferm 2010; 31(2):351-358.,1515. Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RT, Viegas APB, Sá NNB, Silva Júnior JB. Acidentes e violência na infância: evidências do inquérito sobre atendimentos de emergência por causas externas – Brasil, 2009. Cien Saude Colet 2012; 17(9):2247-2258..

Os acidentes e as violências na infância envolvem peculiaridades em relação ao sexo, à faixa etária, ao local de ocorrência e às características ou circunstâncias em que se desenvolvem1313. Iossi SMA, Pan RML, Bortoli PS, Nascimento LC. Perfil dos atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de causas externas de morbimortalidade, 2000-2006. Rev. Gaúcha Enferm 2010; 31(2):351-358.,1717. Harada MJCS, Pedreira MLG, Andreotti JT. Segurança com brinquedos de parque infantil: uma introdução ao problema. Rev Latino-Am Enfermagem 2003; 11(3):383-386.. Estudos têm apontado que o sexo masculino é mais acometido por causas externas, dado também encontrado neste trabalho. Autores têm atribuído à educação oferecida de forma diferenciada segundo sexo; meninos ganhando liberdade mais cedo e, em geral, desenvolvem atividades mais dinâmicas que as meninas, como jogar futebol, bola, correr e usar de bicicleta, velocípedes, patins, dentre outros1717. Harada MJCS, Pedreira MLG, Andreotti JT. Segurança com brinquedos de parque infantil: uma introdução ao problema. Rev Latino-Am Enfermagem 2003; 11(3):383-386.,1818. Fonseca SS, Victora CG, Halpern R, Barros AJD, Lima RC, Monteiro LA, Barros F. Fatores de risco para injúrias acidentais em pré-escolares. J Pediatr (Rio J) 2002; 78(2):97-104.. Também a ocorrência de violências foi mais comum entre meninos. Este achado está de acordo com uma revisão sobre estudos de violência e saúde, que reitera essa maior ocorrência entre os meninos1919. Schraiber LB, D’Oliveira AFPL, Couto MT. Violência e saúde: estudos científicos recentes. Rev Saude Publica 2006; 40(N Esp):112-120. Desigualdades sociais e questões de gênero estão, pois, também implicadas na violência contra crianças e adolescentes. A introdução precoce de símbolos do universo masculino, que estimulam a violência, como revólveres e espadas de brinquedo, filmes e jogos de lutas e violência, podem naturalizar estas condutas1818. Fonseca SS, Victora CG, Halpern R, Barros AJD, Lima RC, Monteiro LA, Barros F. Fatores de risco para injúrias acidentais em pré-escolares. J Pediatr (Rio J) 2002; 78(2):97-104..

A faixa etária de maior ocorrência de acidentes foi de 2-5 anos, compatível com edições anteriores do VIVA Inquérito1313. Iossi SMA, Pan RML, Bortoli PS, Nascimento LC. Perfil dos atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de causas externas de morbimortalidade, 2000-2006. Rev. Gaúcha Enferm 2010; 31(2):351-358.,1414. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2009, 2010 e 2011. Brasília: MS; 2013.. Porém, outros estudos apontam resultados distintos, com maior frequência de acidentes em crianças mais velhas (7-12 anos)2020. Filócomo FRF, Harada MJS, Silva CV, Pedreira MLG. Estudo dos acidentes na infância em um pronto-socorro pediátrico. Rev Latino-am Enfermagem 2002; 10(1):41-47., ou entre aquelas com idade de 1-3 anos2121. Martins CBG. Acidentes na infância e adolescência: uma revisão bibliográfica. Rev Bras Enferm 2006; 59(3):344-348., ou entre 1 a 9 anos1616. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2008 e 2009. Brasília: MS; 2010. (Série G. Estatísticas e Informação em Saúde), dependendo da estratificação do estudo ou o perfil dos serviços. O domicílio é o local de ocorrência mais frequente desses agravos, tal como é descrito em outros estudos1212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2014: Uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: MS; 2015.,1717. Harada MJCS, Pedreira MLG, Andreotti JT. Segurança com brinquedos de parque infantil: uma introdução ao problema. Rev Latino-Am Enfermagem 2003; 11(3):383-386., por ser onde as crianças passam a maior parte do tempo2222. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet 2012; 17(9):2305-2317.,2323. Paes CEN, Gaspar VLV. As injúrias não intencionais no ambiente domiciliar: a casa segura. J Pediatr (Rio J) 2005; 81(5):146-154..

A constatação das quedas como o tipo de acidente mais comum na infância é concordante na literatura2020. Filócomo FRF, Harada MJS, Silva CV, Pedreira MLG. Estudo dos acidentes na infância em um pronto-socorro pediátrico. Rev Latino-am Enfermagem 2002; 10(1):41-47.2222. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet 2012; 17(9):2305-2317.. A maior autonomia e a exposição a brincadeiras como corridas e jogos também podem ser justificativas para a maior ocorrência dos outros acidentes (choque contra objetos/pessoa, entorses/esmagamentos e queda de objetos), especialmente entre os de 2 a 9 anos2020. Filócomo FRF, Harada MJS, Silva CV, Pedreira MLG. Estudo dos acidentes na infância em um pronto-socorro pediátrico. Rev Latino-am Enfermagem 2002; 10(1):41-47.,2121. Martins CBG. Acidentes na infância e adolescência: uma revisão bibliográfica. Rev Bras Enferm 2006; 59(3):344-348..

Neste contexto, medidas de prevenção devem ser adotadas pelos pais e responsáveis, como cuidados com pisos molhados, proteção em quinas de móveis, em objetos de vidros, proteção nos berços, nas janelas e escadas, cuidados com tapetes soltos, brinquedos espalhados, pequenas peças que possam ser introduzidos em orifícios, cuidados com as cozinhas, panelas aquecidas, ferros de passar roupa, armazenamento de medicamentos e produtos, tomadas, animais domésticos, plantas e outros2121. Martins CBG. Acidentes na infância e adolescência: uma revisão bibliográfica. Rev Bras Enferm 2006; 59(3):344-348.,2323. Paes CEN, Gaspar VLV. As injúrias não intencionais no ambiente domiciliar: a casa segura. J Pediatr (Rio J) 2005; 81(5):146-154.. Além disso, o mais importante é a supervisão contínua de adultos, buscando a proteção dos riscos ambientais e atitudes educativas2323. Paes CEN, Gaspar VLV. As injúrias não intencionais no ambiente domiciliar: a casa segura. J Pediatr (Rio J) 2005; 81(5):146-154..

A constatação de que os acidentes de transporte constituem a terceira causa externa mais frequente de atendimento de crianças nos serviços de urgência e emergência vai de encontro à relevante informação que este tipo de ocorrência é a primeira causa de mortalidade entre crianças de 1-9 anos de idade no Brasil e no mundo11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,1212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2014: Uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: MS; 2015.. Dados do SIM apontam que as causas mais frequentes de mortalidade no trânsito em crianças são os atropelamentos de pedestres, seguidos de ocupantes de veículo e as bicicletas vêm em quinto lugar1010. Brasil. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul.. As mortes por atropelamento apontam a importância da supervisão do adulto ao atravessar crianças nas ruas e locomovê-las nas vias. Um destaque positivo no Brasil tem sido a redução das mortes no trânsito em função do uso da cadeirinha e de equipamentos de segurança2424. Oliveira SRL, Leone C, Carvalho MDB, Santana RG, Lüders LE, Oliveira FC. Erros de utilização de assentos de segurança infantil por menores de 4 anos. J Pediatr (Rio J) 2012; 88(4):297-302.,2525. Garcia LP, Freitas LRS, Duarte EC. Avaliação preliminar do impacto da Lei da Cadeirinha sobre os óbitos por acidentes de automóveis em menores de dez anos de idade, no Brasil: estudo de series temporais no periodo de 2005 a 2011. Epidemiol Serv Saúde 2012; 21(3):367-374..

A mesma recomendação vale para as queimaduras, mais frequentes em crianças de 0 a 1 ano e causadas por substâncias e objetos quentes, requerendo igualmente da supervisão de adultos2626. Martins CBG, Andrade SM. Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade. Acta Paul Enferm 2007; 20(4):464-469..

No que se refere aos achados sobre violência, a constatação da prevalência da negligência em crianças menores de 1 ano e da violência física em crianças maiores, dialoga com achados de outros países, onde ambos tipos de violências se destacam. Nas Filipinas e nos Estados Unidos a violência física é relevante: 75% e 47%, respectivamente1919. Schraiber LB, D’Oliveira AFPL, Couto MT. Violência e saúde: estudos científicos recentes. Rev Saude Publica 2006; 40(N Esp):112-120. Já outros estudos destacam a negligência como a principal ocorrência de violência nesta faixa etária2727. Faleiros JM, Matias ASA, Bazon MR. Violência contra crianças na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil: a prevalência dos maus-tratos calculada com base em informações do setor educacional. Cad Saude Publica 2009; 25(2):337-348.. Fatores sociais, culturais e dos sistemas de notificação dos serviços de saúde em distintos contextos podem apoiar essa discussão. Outrossim, os achados em relação à violência sexual é compatível com outros estudos, que apontam a sua maior prevalência em crianças a partir dos 10 anos, enquanto a exploração sexual é a partir dos 14 anos2828. Costa MCO, Carvalho RC, Bárbara JFRS, Santos CAST, Gomes WA, Sousa HL. O perfil da violência contra crianças e adolescentes, segundo registros de Conselhos Tutelares: vítimas, agressores e manifestações de violência. Cien Saude Colet 2007; 12(5):1129-1141..

As causas externas são muito frequentes no mundo e no Brasil22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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, constituindo um grave problema de saúde pública e ainda pouco notificado. Pela vulnerabilidade da infância, a violência permanece na sua maioria silenciosa, com registros subestimados e trazendo consequências negativas para a saúde física e mental das crianças1313. Iossi SMA, Pan RML, Bortoli PS, Nascimento LC. Perfil dos atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de causas externas de morbimortalidade, 2000-2006. Rev. Gaúcha Enferm 2010; 31(2):351-358.,2929. Oliveira RG, Marcon SS. Exploração sexual infanto juvenil: causas, consequências e aspectos relevantes para o profissional de saúde. Rev Gaúcha Enferm 2005; 26(3):345-357.. O VIVA vem romper com este silêncio, permitindo que os serviços de saúde conheçam esta realidade, e possam tomar medidas de proteção, rompendo o círculo perverso de sofrimento1313. Iossi SMA, Pan RML, Bortoli PS, Nascimento LC. Perfil dos atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de causas externas de morbimortalidade, 2000-2006. Rev. Gaúcha Enferm 2010; 31(2):351-358.,1414. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2009, 2010 e 2011. Brasília: MS; 2013..

Os prováveis autores da violência são, na maioria, do sexo feminino e familiares, compatível com o que tem sido referido em outros estudos, que têm identificado os agressores como sendo mãe, pai da vítima, namorado ou companheiro da mãe1919. Schraiber LB, D’Oliveira AFPL, Couto MT. Violência e saúde: estudos científicos recentes. Rev Saude Publica 2006; 40(N Esp):112-120,3030. Rimsza ME, Schackner RA, Bowen KA, Marshall W. Can child deaths be prevented? The Arizona child fatality review program experience. Pediatrics 2002; 110(1 Pt 1):e11.,3131. Hamilton LHA, Jaffe PG, Campbell M. Assessing children's risk for homicide in the context of domestic violence. J Fam Violence 2013; 28:179-89.. As lesões por acidentes e violências atingem com mais frequência a cabeça, podendo aumentar os riscos de lesões graves, como traumatismo craniano2323. Paes CEN, Gaspar VLV. As injúrias não intencionais no ambiente domiciliar: a casa segura. J Pediatr (Rio J) 2005; 81(5):146-154.. Este achado vai ao encontro do estudo de Cavalcanti3232. Cavalcanti AL. Lesões no complexo maxilofacial em vítimas de violência no ambiente escolar. Cien Saude Colet 2009; 14(5):1835-1842., que apontou que 69,1% das lesões de crianças estão localizadas nas regiões da cabeça e face, vindo a seguir os membros superiores e inferiores.

Dentre os limites do presente estudo, cita-se a utilização da estratégia de serviços de urgência e emergência públicas credenciadas no CNES, não sendo incluídas as unidades de emergência de hospitais privados. Optou-se por utilizar serviços sentinelas, o que agrega vantagens em termos de serem serviços que lidam com causas externas envolvendo crianças e na maioria já participantes de edições anteriores do VIVA. Como desvantagem, não são estimativas populacionais, embora hospitais públicos concentrem a grande maioria dos atendimentos de causas externas, podendo ser uma proxy do universo. Além do mais, pela própria dificuldade do tema em análise, dados sobre a violência contra crianças podem estar omitidos em decorrência da subnotificação, bem como a dificuldade na identificação e mensuração dos casos de negligência, violências física, sexual e psicológicas, especialmente quando cometidos pelos familiares.

O tema da violência contra a criança vem ganhando visibilidade e importância nas agendas internacionais e nacionais11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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,3333. Malta DC, Silva MA, Mascarenhas MDM, Souza MFM, Morais Neto OL, Costa VC, Magalhães M, Lima CM. A vigilância de violências e acidentes no Sistema Único de Saúde: uma política em construção. Divulg Saúde Debate 2007; (39):82-92.. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) estabeleceu um marco legal em defesa dos direitos da criança88. Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Cien Saude Colet 2006; 11(Supl.):1163-1178., e o uso das informações VIVA tem promovido a articulação entre saúde, serviços intersetoriais de proteção às vítimas de violência, integrando ações de atenção e promoção à saúde, prevenção e controle de violência1313. Iossi SMA, Pan RML, Bortoli PS, Nascimento LC. Perfil dos atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de causas externas de morbimortalidade, 2000-2006. Rev. Gaúcha Enferm 2010; 31(2):351-358.,1414. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2009, 2010 e 2011. Brasília: MS; 2013.,3333. Malta DC, Silva MA, Mascarenhas MDM, Souza MFM, Morais Neto OL, Costa VC, Magalhães M, Lima CM. A vigilância de violências e acidentes no Sistema Único de Saúde: uma política em construção. Divulg Saúde Debate 2007; (39):82-92..

Ocorreram muitos progressos globais na prevenção da violência contra as crianças, mas ainda há muito a ser feito, e diversos fatores limitam o impacto de medidas preventivas, dentre eles a OMS cita as desigualdades sociais, que afetam diferenciadamente crianças ricas e pobres11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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. Nenhuma violência contra crianças é justificável e toda pode ser prevenida. Cabe aos governos o comprometimento em proteger as crianças contra todas as formas de violência. Todos os setores da sociedade partilham a responsabilidade de condenar e prevenir a violência contra crianças e lidar com as vitimadas11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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. Os ODS renovam os compromissos com a saúde infantil, visando garantir um futuro melhor para nossas crianças66. Organização das Nações Unidas (ONU-BR). Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): Brasil [Internet]. 2015 [citado 2016 jan 05]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods3/
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Conclusão

Os principais resultados do VIVA Inquérito 2014, referentes às ocorrências em crianças menores de 10 anos nas portas de entrada de urgencias públicas, mostram que foram mais frequentes os acidentes (95%), que as violências. Em geral, os eventos foram constituídos de casos leves e que evoluíram para alta. A faixa etária de maior ocorrência de acidentes foi de 2-5 anos. Dentre os acidentes predominaram as quedas, da própria altura em crianças maiores (6 a 9 anos) e do berço/cama até 1 ano de idade, seguidas de outros e em terceiro lugar os de transporte. Os acidentes de transportes predominaram em crianças de 6-9 anos e a bicicleta/velocípedes, triciclos não motorizados e similares foi o meio de locomoção da vítima mais frequente nessa faixa etária. As queimaduras ocorreram em cerca de 2% e foram mais frequentes no grupo de 0-1 ano. As ocorrências foram mais frequentes no domicílio, em crianças do sexo masculino e entre aquelas de 2-5 anos de idade. As internações predominaram em crianças menores de 1 ano.

A negligência foi a violência mais frequente, cerca de dois terços, e predominou em crianças menores de 1 ano e da violência física em crianças maiores. O provável autor da violência foi um familiar da criança em dois terços dos eventos. A mulher foi a provável agressora mais frequente para menores de 1 ano e o homem nas crianças de 6 a 9 anos.

A evitabilidade destes eventos é clara, e para isto é necessário envolver, famílias, escolas, sociedade e governos. Crianças estão expostas a perigos e riscos no seu cotidiano e são vulneráveis em todos os lugares a diversos tipos de lesão, entretanto é dever da sociedade assegurar a elas um ambiente de proteção11. World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.,22. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002. [acessado 2013 mar 13]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2002/
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Errata

    Errata
  • p. 3729
    onde se lê:
    Jovina Quintes Avanci
    leia-se
    Joviana Quintes Avanci

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2016
  • Revisado
    01 Jul 2016
  • Aceito
    03 Jul 2016
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