Resumo
Este artigo é parte de um recorte do estudo realizado em oito dos nove estados do Nordeste do Brasil com objetivo de mapear iniciativas de cidades, municípios e comunidades saudáveis, conhecer seus mecanismos de operacionalização, evidências de sua efetividade e características dos atores-chave. Foram realizados levantamentos via internet, telefone, contato com órgãos governamentais e não governamentais dos estados nordestinos. Depois do levantamento à distância, foram realizadas visitas locais para conhecimento de cada iniciativa. Durante a visita, junto com os integrantes locais, realizou-se linha do tempo da atividade. Após registro de informantes-chave, realizaram-se entrevistas semiestruturadas e análise documental. Com o nome de “município, cidade ou comunidade saudável” destacaram-se iniciativas específicas no estado de Pernambuco, parte de uma Rede que existe desde 2006 e que vem se mantendo, apesar de mudanças político-administrativas tanto locais quanto estaduais. O apoio da universidade, o forte engajamento de lideranças locais e a participação de movimentos sociais foram sinalizados como fatores-chave para a efetividade das ações nos 23 municípios visitados.
Promoção da saúde; Cidades saudáveis; Redes; Sustentabilidade de programas
Introdução
O propósito deste artigo é contribuir para o campo da promoção da saúde no que concerne à conceituação do que são cidades saudáveis e à definição de indicadores para caracterizar uma cidade/município saudável no Brasil. Reporta-se à análise parcial de uma pesquisa financiada por edital do Ministério da Saúde, realizada por pesquisadores do Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social da Universidade Federal de Pernambuco – NUSP/UFPE, no período entre 2013 e 2014.
A pesquisa teve como objetivo principal identificar as evidências de efetividade dos mecanismos de operacionalização das agendas sociais de cidades, municípios, e comunidades saudáveis e sustentáveis no enfrentamento dos determinantes sociais da saúde e na promoção do desenvolvimento sustentável no nordeste do Brasil.
A Organização Mundial de Saúde entende que uma cidade saudável não é somente aquela com alto nível de saúde, medido pelos indicadores de mortalidade e morbidade, mas um município comprometido com a produção de saúde de seus cidadãos. É um projeto de desenvolvimento social que tem a saúde e suas múltiplas determinações como centro de atenções. Este movimento enseja o estabelecimento de políticas urbanas, voltadas à melhoria da qualidade de vida, com ênfase na intersetorialidade e na participação social11. Mendes R, Bógus CM, Akerman M. Agendas urbanas intersetoriais em quatro cidades de São Paulo. Saúde soc. 2004; 13(1):47-55.. Nascido com foco na hoje chamada saúde urbana e com o olhar para os países desenvolvidos, o movimento por cidades saudáveis tem seu nome adaptado para a realidade da América Latina, quando passa a designar-se Movimento por Municípios Saudáveis22. Organização Panamericana de Saúde (OPAS). El Movimiento de Muncípios Saludables en América. Washington: OPAS; 1992..
Em sua trajetória, a concepção de municípios saudáveis, com base nos pressupostos e marcos reflexivo da promoção da saúde, vem se modificando e novas estratégias de intervenção estão em desenvolvimento dando espaço para as questões que passam a ocupar as agendas locais como pobreza, violência, ambiente e características associativas, na medida em que se consideram as suas interferências nas condições de saúde da população33. Magalhães R, Ramos CL, Bodstein R, Peres F, Burlandy L, Coelho AV, Ferreira MN, Senna MCM, Silva CS, Gomes LC. Análise da Implementação de Ações Intersetoriais: desafios e alternativas metodológicas. In: Silveira CB, Fernandes TM, Pellegrini B, organizadores. Cidades Saudáveis? Alguns olhares sobre o tema. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2014. p. 225-241.. Tais aspectos contribuem para que os programas e as iniciativas sejam cada vez mais complexos, incluindo diversas parcerias, atores e contextos.
Um dos grandes desafios no campo da avaliação em Promoção da Saúde e de cidades saudáveis constitui-se na dificuldade em promover mensuração de princípios, valores e de ações que extrapolam o setor da saúde. São intervenções complexas, abertas e, por isso, os principais difusores do movimento pactuaram em trabalhar buscando evidências de efetividade e não exatamente em indicadores objetivos, diretos, demonstrando assim a importância da temática e da busca de evidências que permitam ampliar e reproduzir as experiências bem-sucedidas e aprender com aquelas que não lograram êxito44. Mcqueen DV. Evidence and theory: continuing debates on evidence and effectiveness. In: Mcqueen DV, Jones CM, editors. Global perspective on health promotion effectiveness. New York: Springer; 2007. p. 281-304.
5. Potvin L, Mantoura P, Ridde V. Evaluanting Equity in Health Promotion. In: Mcqueen DV, Jones CM, editors. Global perspective on health promotion effectiveness. New York: Springer; 2007. p. 367-384.-66. União Internacional para a Promoção da Saúde e Educação (UIPES) Oficina Regional Latino-Americana (ORLA). Sub-Região Brasil. Conceitos-chave. Promoção da Saúde. 2003 [acessado 2013 maio 25]. Disponível em: https://www.ufpe.br/nusp/images/projetos/Avaliacao_participativa/Efetividade-conceito.pdf
https://www.ufpe.br/nusp/images/projetos... .
Esse olhar sobre o tema abrange a perspectiva de atuar sobre os determinantes sociais da saúde o que pressupõe reconhecer a equidade como princípio fundamental na formulação de políticas públicas, na defesa da distribuição justa do poder e recursos de toda natureza para favorecer a acessibilidade a bens e serviços, possibilitando a garantia da diversidade étnica, de gênero, orientação sexual e cultural77. Azevedo E, Pelicioni MCF, Westphal MF. Práticas intersetoriais nas políticas públicas de promoção de saúde. Physis 2012; 22(4):1333-1356..
Também ancora-se na possibilidade de criar redes de concertação e convergências inerentes à advocacy da promoção da saúde e na necessidade de articulação das agendas dos movimentos sociais, eventos e documentos/declarações que têm acontecido em todo o mundo e convergem para o reconhecimento da saúde como componente fundamental para a construção e avaliação de países e políticas públicas que têm foco no desenvolvimento humano sustentável.
Considera-se, dessa forma, a Declaração de Helsinque sobre Saúde em Todas as Políticas que propõe como imperativa a articulação das agendas internacionais da Promoção da Saúde, do Desenvolvimento Sustentável, Cidades/Municípios Saudáveis, com as agendas nacionais. A partir do reconhecimento de que a saúde é a maior meta dos governos, e a pedra angular do desenvolvimento sustentável88. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Políticas de Saúde. Carta de Bogotá sobre Promoção da Saúde, 1992. As Cartas da Promoção da Saúde. Brasília: MS; 2002., que o desafio da promoção da saúde na América Latina, consiste em conciliar os interesses econômicos com os propósitos sociais de bem-estar para todos, assim como trabalhar pela solidariedade e equidade social, como condições indispensáveis para a saúde e o desenvolvimento, reconhece que é imprescindível promover o diálogo entre saúde, economia e desenvolvimento sustentável, tendo como perspectiva a justiça socioambiental99. Declaração de Helsinque sobre Saúde em Todas as Políticas - 8ª Conferência Internacional de Promoção da Saúde. Tradução da UIPES/ORLA – Brasil 24/06/2013.[acessado 2014 jul 20]. Disponível em: ssbr.org/site/wp-content/uploads/2013/09/8ª-Conferência-Internacional-de-Promoção-da-Saúde.pdf.
O olhar na perspectiva de território também é pertinente, uma vez que se faz imperativo para a sustentabilidade, a equidade e a qualidade de vida, resultantes das ações de promoção da saúde e municípios saudáveis. Alguns estudos nesse campo1010. Moysés ST, Franco de Sá R. Planos locais de promoção da saúde: intersetorialidade (s) construída(s) no território. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4383-4396.
11. Gallo E, Setti AFF. Território, intersetorialidade e escalas: requisitos para a efetividade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4383-4396.-1212. Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D. Intersetorialidade? IntersetorialidadeS! Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300. vêm discutindo a necessidade de se vislumbrar o território vivido, enquanto locus para operacionalizar intersetorialidades, dar voz às pessoas que ali vivem, desejam e resolvem seus problemas, como também às redes sociais já existentes e as emergentes, a partir das demandas e complexidades do território, do local ou da região.
Sabe-se através de levantamento recente1313. Franco Neto G, Fenner R, Goes JCD. Notas sobre iniciativas e redes brasileiras de comunidades, municípios e cidades saudáveis e sustentáveis: modelos, estratégias, resultados e parceiros. In: Silveira CB, Fernandes TM, Pellegrini B, organizadores. Cidades Saudáveis? Alguns olhares sobre o tema. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2014. p. 303-330., que no nordeste do Brasil, já aconteceram várias iniciativas de municípios saudáveis desde a década de 90 no Rio Grande do Norte, Alagoas, Paraíba e Ceará. No entanto, após levantamento realizado em oito dos nove estados (Piauí não foi visitado) da região, confirmamos o destaque da existência da Rede Pernambucana de Municípios Saudáveis (RPMS) constituída por 24 municípios inseridos em todas as regiões desse estado.
Além da realização de um mapeamento das iniciativas existentes na região Nordeste, o estudo buscou identificar a existência de eixos estruturadores, mecanismos de operacionalização e articulação, fatores críticos e de atores responsáveis e/ou capacitados para a atuação nas iniciativas em Pernambuco, no âmbito da RPMS. A expectativa deste trabalho é compartilhar e difundir as questões apreendidas das experiências de territórios saudáveis que possam estimular o debate e a reflexão acerca do tema, no âmbito da gestão, da academia e dos demais setores interessados.
Metodologia
Com base nos pressupostos teóricos e nas estratégias e ferramentas metodológicas desenvolvidas em pesquisas anteriores sobre promoção da saúde e equidade no Nordeste do Brasil1414. Franco de Sá R, Senna SR, Freire S, Schmaller V. A Teoria Ator-Rede e a compreensão do processo de sustentabilidade das intervenções em Promoção da Saúde: contributos e lições aprendidas. In: Hartz Z, Potvin L, Bodstein R, organizadores. Avaliação em Promoção da Saúde. Brasília: CONASS; 2014. p. 201-211.,1515. Franco de Sá R, Schmaller V, Senna R, Freire S. A utilização de evidências na construção e na expansão da rede pernambucana de municípios saudáveis. In: Hartz Z, Potvin L, Bodstein R. organizadores. Avaliação em Promoção da Saúde. Brasília: CONASS; 2014. p. 99-102., o desenho do estudo contemplou a busca de conceitos, compreensões, descrições, evidências de Cidades/Municípios/Comunidades Saudáveis na Região Nordeste.
O escopo da pesquisa seguiu três momentos metodológicos. No primeiro realizamos oficinas de nivelamento com equipe técnica da pesquisa e capacitação de 08 estudantes dos seguintes cursos de graduação da UFPE: 04 de Ciências Sociais, 01 de Serviço Social, 01 de Enfermagem. 01 de Psicologia e 01 de Medicina, selecionados para participarem do mapeamento das iniciativas via internet, contato telefônico, levantamento dos projetos financiados pela Rede Nacional de PS do MS eixo de Desenvolvimento Sustentável e Prevenção da Violência e Cultura da Paz, entre outros. As capacitações com os estagiários e o nivelamento conceitual e metodológico da pesquisa junto com a equipe técnica, ocorreram de forma interativa e em diálogo com o Curso Internacional de Promoção da Saúde, Desenvolvimento e Municípios Saudáveis, capacitação interdisciplinar e intersetorial na oficina “Tessitura dos Saberes – a Conversa com o Mundo”. A convite do MS/DESAST a equipe técnica participou de oficina metodológica e visita ao projeto “Territórios Sustentáveis, promoção da equidade e da saúde em comunidades tradicionais do Mosaico da Bocaina” – Brasília e Rio de Janeiro coordenada por Edmundo Gallo1111. Gallo E, Setti AFF. Território, intersetorialidade e escalas: requisitos para a efetividade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4383-4396., com o objetivo de compartilhar conhecimentos e aprofundar desenhos de pesquisa em territórios, comunidades e cidades saudáveis e sustentáveis.
Realizamos revisão bibliográfica sobre o tema, levantamento dos projetos que foram financiados pela Rede Nacional de Promoção da Saúde do MS (eixo de Desenvolvimento Sustentável e Prevenção da Violência e Cultura da Paz), Projetos MS, Documento do DSAST/SVS/MS, teses, dissertações e artigos. Elencamos palavras chave que sobressaíram nos estudos sobre municípios saudáveis: cidades saudáveis, municípios saudáveis, comunidades saudáveis, território saudável e/ou sustentável territorialidade, ambiente, intersetorialidade, participação social, sustentabilidade. Essas palavras orientaram a busca das iniciativas de municípios saudáveis no Nordeste do Brasil pela internet e depois de identificadas realizamos contatos telefônico com a finalidade de melhor conhecermos a iniciativa e possível agendamento de visita e contato com informantes-chave para entrevistas. Contou-se com estagiários estudantes da UFPE selecionados para a realização desse mapeamento por meio da internet, contato telefônico. Priorizou-se contatos com as Secretarias Estaduais e Municipais – saúde, educação, meio ambiente, cidades, desenvolvimento social, agricultura, Universidades e ONGs.
No segundo momento, instrumentos de pesquisa foram elaborados: ficha de entrevista, linha do tempo, termo de consentimento livre e esclarecido e o roteiro de entrevista para ser aplicado com os atores identificados nos estados. A ficha de entrevista contém dados gerais, identificação pessoal do entrevistado e do pesquisador. O termo de consentimento livre e esclarecido foi lido junto com o entrevistado e solicitado assinatura.
As questões foram construídas em forma de um roteiro para orientar a entrevista de forma a facilitar a apreensão de informações sobre a iniciativa levando em consideração: denominação e objetivo da iniciativa, tempo de existência, atores responsáveis pelas iniciativas, capacidades e ações desenvolvidas, principais resultados, existência de formação, pesquisa e ações intersetoriais, valores e princípios que norteiam a iniciativa, entre outras. A linha do tempo foi utilizada como ferramenta para auxiliar a percepção de mudanças significativas no curso da iniciativa e subsidiar a análise de controvérsias1616. Potvin L, Aumaître F. Les partenaires: espaces négociés de controverses et d’innovations. In: Potvin L, Moquet M-J, Jones CM, editors. Réduire les inégalités en santé. Saint-Denis: INPES; 2010. p. 318-325. Collection santé en action., inspirada na sociologia da tradução1717. Callon M. Éléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles de Saint-Jacques dans la Baie de saint-Brieuc. Année Sociol. 1986; 36: 196-223..
O terceiro momento, foi o trabalho de campo que ocorreu nos oito estados. Utilizando os dados do mapeamento telefônico foi realizado planejamento de viagem com pré-agendamento de vistas às iniciativas e entrevistas com os atores-chave. Utilizando a técnica da bola de neve, ampliamos o número de informantes chave e a identificação de outras iniciativas locais. As entrevistas foram gravadas em Ipad e transcritas com a finalidade de análise.
Resultados e discussão
Foi realizado o mapeamento das iniciativas existentes na região Nordeste. No entanto, neste artigo, estamos apresentando alguns achados da pesquisa, referentes ao estado de Pernambuco com recorte de vinte e três dos vinte e quatro municípios integrantes da RPMS, uma vez que o município de Itaquitinga estava recém-ingresso na rede. Esses municípios desenvolvem ações de municípios saudáveis desde a sua inserção na RPMS, instituída em 2006. Sendo uma rede com tendência a tipologia distribuída1818. Franco A. A REDE/Augusto de Franco. São Paulo: 2012. [acessado 2016 jan 26]. Disponível em: http://escoladeredes.net
http://escoladeredes.net... , se estrutura com base no voluntariado, pautando-se na autonomia dos sujeitos, em formações continuadas, fundamentadas nos princípios e valores da promoção da saúde1919. Franco de Sá R, Freire MS, Yamamoto S, Salles RPS. Organizadores. Caderno de Formação de Promotores de Municípios Saudáveis e Promoção da Saúde. Recife: Ed. UFPE; 2008.. A RPMS tem atuado em várias frentes na busca da melhoria da qualidade de vida e saúde da população.
Após a identificação das iniciativas nos municípios da RPMS, buscou-se identificar as características de seus mecanismos de operacionalização e articulação, fatores críticos e atores responsáveis e/ou capacitados para a atuação. Grande parte dos entrevistados são promotores de municípios saudáveis2020. Franco de Sa RMP, Schmaller V, Salles R, Freire S, Araújo P. Promotores de Municípios Saudáveis e Promoção da Saúde: uma prática inovadora. [Relatório de pesquisa]. Recife: NUSP; 2011., atuando de acordo com as oportunidades e possibilidades que se apresentam no seu cotidiano de trabalho, vizinhança, família, lazer e grupos de ação. As ações se desdobram desde as proposições e formulações de políticas públicas locais até as microações no território, na busca da melhoria da qualidade vida, desenvolvimento das potencialidades, capacidades individuais e coletivas, alicerçadas pela cultura que conecta e dá sentido ao pertencimento local.
Apesar de uma só rede e num mesmo estado nordestino, os mecanismos de operacionalização em cada localidade são bastante particulares. Encontramos desde gestão local protagonista até a que pouco apoia as iniciativas pela localidade saudável e sustentável. Encontramos lideranças engajadas e atuantes e outras nem tanto. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que apoia a RPMS desde o seu nascedouro, busca apoiar e monitorar todas as iniciativas. Nos últimos anos, além do acompanhamento das ações da RPMS, tem monitorado as iniciativas relativas a prevenção da violência, que com o apoio do Ministério da Saúde mantém o compromisso de capacitação dos gestores e lideranças locais em 11 dos 24 municípios. No Quadro 1 está a síntese das iniciativas dos municípios saudáveis estudados e suas características.
Notou-se relação entre a existência de apoio municipal, liderança engajada, apoio da universidade e/ou governo estadual e incentivo à integração entre formação, pesquisa e política com evidências de efetividade. Os mecanismos de operacionalização envolvendo planejamento, engajamento da comunidade local, liderança, integração de formação e política demonstraram ser os mais bem-sucedidos na sustentabilidade e fortalecimento de iniciativas territoriais saudáveis.
Trechos de falas dos entrevistados dão ideia das características das iniciativas e do envolvimento dos atores:
Os encontros da RPMS sempre trazem coisas novas para a gente, sempre tem algo bom para ensinar. Temos muito crescimento pessoal.
Trabalho nessa rede desde quando era mais menina, lá no começo, tive que sair para estudar, agora voltei. Gosto de levar ideias de sustentabilidade, de vida saudável para a população.
Com a Rede a cabeça muda de fato a percepção. Sai do senso comum e pensa diferente, evolui e tenta levar para a gestão do município a proposta de sustentabilidade, de vida saudável e melhoria de qualidade de vida.
Fico com inveja quando outros municípios conseguem apoio da gestão, ainda não chegamos lá. Às vezes dá vontade de desistir, mas quando a gente vê que a gente junto consegue muita coisa... por isso estamos aqui.
Eu amo Município Saudável, eu tenho a cara desse projeto (sic). Um projeto (sic) de formiguinha para o trabalho não morrer. O brasileiro não desiste ... desde o começo a gente sabia que algum município iria se sobressair e (município x) foi esse município, lá exala município saudável. Está na vida de (município x). A concepção de limpeza de lixo em (município y) também mudou. E isso foi em consequência de município saudável. O ideal de Shiroi no Japão de cuidar do lixo estamos vendo aqui.
Na Figura 1 são apresentados os fatores que facilitam e que dificultam a efetividade e também a sustentabilidade das iniciativas.
Fatores facilitadores e dificultadores para efetividade e sustentabilidade das iniciativas da Rede Pernambucana de Municípios Saudáveis.
Verifica-se que a maioria das iniciativas têm apresentado continuidade das ações propostas, apesar das mudanças político-administrativas locais e estadual. O engajamento dos gestores locais e a existência de lideranças comprometidas aliados ao apoio externo efetivo, seja da universidade, seja do governo estadual, são os mais importantes fatores para a manutenção das atividades. O incentivo à formação e ou pesquisa possui peso equivalente e deve ser associado aos fatores expostos. O monitoramento constante da universidade apoiando os líderes locais e oferecendo formações, oficinas, espaços de reflexão e diálogo têm sido relatados como fatores fundamentais para a sustentabilidade das iniciativas. Os municípios onde os gestores locais envolvem-se diretamente com os princípios e os valores do movimento por municípios saudáveis avançam mais, como é o caso do município de Sairé, onde a gestão está sendo apontada pelos municípios vizinhos como modelo e mudanças significativas no sentimento de pertencimento, no engajamento da população são facilmente mensuráveis e visíveis e o município adotou a marca de município saudável como marca de gestão. A presença e a persistência de lideranças engajadas é necessária no processo de obter efetividade das propostas.
Confirmou-se que as iniciativas que mantêm programas de formação apresentam mais efetividade e sustentabilidade. No entanto, é preciso observar que não se pode investir no desenvolvimento de capacidades e na formação sem que as instituições, os grupos de trabalhos ou as redes responsáveis estejam também fortalecidas1414. Franco de Sá R, Senna SR, Freire S, Schmaller V. A Teoria Ator-Rede e a compreensão do processo de sustentabilidade das intervenções em Promoção da Saúde: contributos e lições aprendidas. In: Hartz Z, Potvin L, Bodstein R, organizadores. Avaliação em Promoção da Saúde. Brasília: CONASS; 2014. p. 201-211.,2121. Denis J-L, Champagne F. Análise de implantação. In: Hartz ZMA. Organizadora. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997. p. 49-88.. Mais que isso, é preciso se olhar para o papel dos líderes e dos atores locais que participam dessas formações e que dão continuidade às intervenções. É preciso que se acompanhe desejos, interesses e controvérsias desses atores para poder apoiar a mobilização em torno da implantação de atividades, programas e projetos, bem como a sua manutenção.
Considerações finais
Este novo estudo corrobora outros anteriores1414. Franco de Sá R, Senna SR, Freire S, Schmaller V. A Teoria Ator-Rede e a compreensão do processo de sustentabilidade das intervenções em Promoção da Saúde: contributos e lições aprendidas. In: Hartz Z, Potvin L, Bodstein R, organizadores. Avaliação em Promoção da Saúde. Brasília: CONASS; 2014. p. 201-211. sobre a efetividade dessas iniciativas. Verificou-se que o envolvimento da gestão local, de lideranças comprometidas, a manutenção de uma formação específica para a intervenção, a colaboração intersetorial, a existência de uma tecnologia social construída coletivamente (Método Bambu), a constatação da importância de ação reflexiva mediante monitoramento sistemático e avaliações, o suporte de parceiros/pesquisadores brasileiros dentre outros levaram essas intervenções a buscarem efetividade e apresentarem maior estabilidade que em outros municípios do estado.
Por tratar-se de uma experiência de promoção da saúde e, mais ainda, de rede, não relacionou-se efetividade e sustentabilidade com rotinização de atividades. Nesses casos, prefere-se realizar análises de contextos2222. Poland B, Frohlich K, Cargo M. Context as a fundamental dimension of health promotion program evaluation. In: Potvin L, McQueen DL, editors. Health Promotion evaluation practices in the Americas. Washington: Springer; 2008. p. 299-318. e pactuar o que significa sustentabilidade e também efetividade para determinada iniciativa. Scheirer e Dearing2323. Scheirer MA, Dearing JW. An Agenda for Research on the Sustainability of Public Health Programs. Am J Public Health 2011; 101(11):2059-2067. afirmam que embora a rotinização seja importante, não é sinônimo de sustentabilidade, pois esta é influenciada pelas características da intervenção, do quadro organizacional e do ambiente (financeiro, político, cultural).
Dessa forma, esse é o mapeamento das atividades atuais dos municípios da RPMS com características específicas na dependência dos contextos locais. Nem todos utilizam o método Bambu – método desenhado para essa Rede – como se pretendia e nem todos os municípios incentivam a integração de formação com práticas, pesquisas ou políticas locais. Os municípios que foram pilotos para a formação da Rede permanecem como os mais envolvidos e mais próximos da UFPE. A relação de confiança estabelecida e o suporte cognitivo também aparecem como fatores favoráveis ao êxito de iniciativas deste tipo.
Agradecimentos
As autoras agradecem a(o)s entrevistado(a)s e aos outros pesquisadores do estudo: Janete Arruda de Araújo, Maria José Vieira Lucena, Maria da Conceição Viana, Maria Edione da Silva, Djalma Agripino de Melo Filho, Tales Iuri Paz e Albuquerque e duplo agradecimento a Leandro Alberto de Castro Silva pelas ilustrações do trabalho.
Referências
- 1Mendes R, Bógus CM, Akerman M. Agendas urbanas intersetoriais em quatro cidades de São Paulo. Saúde soc 2004; 13(1):47-55.
- 2Organização Panamericana de Saúde (OPAS). El Movimiento de Muncípios Saludables en América. Washington: OPAS; 1992.
- 3Magalhães R, Ramos CL, Bodstein R, Peres F, Burlandy L, Coelho AV, Ferreira MN, Senna MCM, Silva CS, Gomes LC. Análise da Implementação de Ações Intersetoriais: desafios e alternativas metodológicas. In: Silveira CB, Fernandes TM, Pellegrini B, organizadores. Cidades Saudáveis? Alguns olhares sobre o tema. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2014. p. 225-241.
- 4Mcqueen DV. Evidence and theory: continuing debates on evidence and effectiveness. In: Mcqueen DV, Jones CM, editors. Global perspective on health promotion effectiveness. New York: Springer; 2007. p. 281-304.
- 5Potvin L, Mantoura P, Ridde V. Evaluanting Equity in Health Promotion. In: Mcqueen DV, Jones CM, editors. Global perspective on health promotion effectiveness New York: Springer; 2007. p. 367-384.
- 6União Internacional para a Promoção da Saúde e Educação (UIPES) Oficina Regional Latino-Americana (ORLA). Sub-Região Brasil. Conceitos-chave. Promoção da Saúde 2003 [acessado 2013 maio 25]. Disponível em: https://www.ufpe.br/nusp/images/projetos/Avaliacao_participativa/Efetividade-conceito.pdf
» https://www.ufpe.br/nusp/images/projetos/Avaliacao_participativa/Efetividade-conceito.pdf - 7Azevedo E, Pelicioni MCF, Westphal MF. Práticas intersetoriais nas políticas públicas de promoção de saúde. Physis 2012; 22(4):1333-1356.
- 8Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Políticas de Saúde. Carta de Bogotá sobre Promoção da Saúde, 1992. As Cartas da Promoção da Saúde Brasília: MS; 2002.
- 9Declaração de Helsinque sobre Saúde em Todas as Políticas - 8ª Conferência Internacional de Promoção da Saúde. Tradução da UIPES/ORLA – Brasil 24/06/2013.[acessado 2014 jul 20]. Disponível em: ssbr.org/site/wp-content/uploads/2013/09/8ª-Conferência-Internacional-de-Promoção-da-Saúde.pdf
- 10Moysés ST, Franco de Sá R. Planos locais de promoção da saúde: intersetorialidade (s) construída(s) no território. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4383-4396.
- 11Gallo E, Setti AFF. Território, intersetorialidade e escalas: requisitos para a efetividade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4383-4396.
- 12Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D. Intersetorialidade? IntersetorialidadeS! Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300.
- 13Franco Neto G, Fenner R, Goes JCD. Notas sobre iniciativas e redes brasileiras de comunidades, municípios e cidades saudáveis e sustentáveis: modelos, estratégias, resultados e parceiros. In: Silveira CB, Fernandes TM, Pellegrini B, organizadores. Cidades Saudáveis? Alguns olhares sobre o tema Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2014. p. 303-330.
- 14Franco de Sá R, Senna SR, Freire S, Schmaller V. A Teoria Ator-Rede e a compreensão do processo de sustentabilidade das intervenções em Promoção da Saúde: contributos e lições aprendidas. In: Hartz Z, Potvin L, Bodstein R, organizadores. Avaliação em Promoção da Saúde. Brasília: CONASS; 2014. p. 201-211.
- 15Franco de Sá R, Schmaller V, Senna R, Freire S. A utilização de evidências na construção e na expansão da rede pernambucana de municípios saudáveis. In: Hartz Z, Potvin L, Bodstein R. organizadores. Avaliação em Promoção da Saúde Brasília: CONASS; 2014. p. 99-102.
- 16Potvin L, Aumaître F. Les partenaires: espaces négociés de controverses et d’innovations. In: Potvin L, Moquet M-J, Jones CM, editors. Réduire les inégalités en santé Saint-Denis: INPES; 2010. p. 318-325. Collection santé en action.
- 17Callon M. Éléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles de Saint-Jacques dans la Baie de saint-Brieuc. Année Sociol 1986; 36: 196-223.
- 18Franco A. A REDE/Augusto de Franco. São Paulo: 2012. [acessado 2016 jan 26]. Disponível em: http://escoladeredes.net
» http://escoladeredes.net - 19Franco de Sá R, Freire MS, Yamamoto S, Salles RPS. Organizadores. Caderno de Formação de Promotores de Municípios Saudáveis e Promoção da Saúde Recife: Ed. UFPE; 2008.
- 20Franco de Sa RMP, Schmaller V, Salles R, Freire S, Araújo P. Promotores de Municípios Saudáveis e Promoção da Saúde: uma prática inovadora. [Relatório de pesquisa]. Recife: NUSP; 2011.
- 21Denis J-L, Champagne F. Análise de implantação. In: Hartz ZMA. Organizadora. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997. p. 49-88.
- 22Poland B, Frohlich K, Cargo M. Context as a fundamental dimension of health promotion program evaluation. In: Potvin L, McQueen DL, editors. Health Promotion evaluation practices in the Americas. Washington: Springer; 2008. p. 299-318.
- 23Scheirer MA, Dearing JW. An Agenda for Research on the Sustainability of Public Health Programs. Am J Public Health 2011; 101(11):2059-2067.
Erratum
Artigo Mapeando iniciativas territoriais saudáveis, suas características e evidências de efetividadeDOI: 10.1590/1413-81232015216.08172016volume 21 número 6 - 2016p. 1765onde se lê/where it reads:RMPF Sáleia-se/it should read:RMP Franco de Sá
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jun 2016
Histórico
- Recebido
05 Fev 2016 - Revisado
03 Mar 2016 - Aceito
05 Mar 2016